A opção do país pelo agronegócio faz o brasileiro
consumir 5,2 litros de agrotóxicos por ano.
Entrevista especial com Fran Paula
“A opção clara da política agrícola brasileira
pelo agronegócio é a grande responsável
pela situação”, destaca a agrônoma.
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Pensar um Brasil que não priorize uma produção agrícola em latifúndios
de monoculturas para exterminar o uso de agrotóxicos. É o que propõe Fran Paula, engenheira agrônoma da
coordenação nacional da Campanha Permanente contra os
Agrotóxicos e pela Vida em entrevista concedida por e-mail para
a IHU On-Line. Para ela, “o agronegócio utiliza largas extensões de
terras, criando áreas de monocultivos. Dessa maneira, destrói toda a
biodiversidade do local e desequilibra o ambiente natural, tornando o ambiente
propício para o surgimento de elevadas populações de insetos e de doenças”. E a
priorização por esse tipo de produção se reforça no conjunto de normas que
concedem muito mais benefícios a quem adota o cultivo à base de agrotóxicos ao invés de
optar por culturas ecológicas. Um exemplo:
redução de impostos sobre produção desses agentes químicos, tornando o produto
muito mais barato. Segundo Fran, em estados como Mato Grosso e Ceará essa
isenção de tributos chega a 100%.
E, ao contrário do que se possa supor, a luta pela redução do consumo de
agrotóxicos não passa necessariamente por uma reforma na legislação
brasileira. Para a agrônoma, basta aplicar de forma eficaz o que dizem as
leis e cobrar ações mais duras de órgãos governamentais. O desafio maior, para
ela, é enfrentar a bancada ruralista e sua bandeira do
agronegócio, além de cobrar ações que levem à efetivação da Política Nacional de
Agroecologia. “A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e
vem constantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a
contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão no governo sobre os órgãos
reguladores, dificultando processos de fiscalização, monitoramento e retirada
de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando constantemente flexibilizar a
lei no intuito de facilitar a liberação de mais agrotóxicos a interesse da
indústria química financiadora de campanhas eleitorais”, completa.
Fran Paula é engenheira Agrônoma e também técnica da Federação de Órgãos para
Assistência Social e Educacional – FASE. Hoje, atua na coordenação nacional da
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. É um grupo que congrega
ações com objetivo de sensibilizar a população brasileira para os riscos que os
agrotóxicos representam e, a partir disso, adotar ações para acabar com o uso
dessas substâncias.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - No último dia 3 de dezembro, dia internacional da luta contra agrotóxicos, a Campanha contra os Agrotóxicos divulgou que cada brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Como chegaram à contabilização desses dados? O que esse valor indica acerca do uso de agrotóxicos no Brasil em relação a outros países do mundo que utilizam esses produtos na agricultura?
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Fran Paula - O dado se refere à exposição ocupacional, ambiental e alimentar a
que o brasileiro se encontra, devido ao uso indiscriminado de agrotóxico no
país. O número se refere à média de exposição de agrotóxicos utilizados no ano
em relação ao número da população brasileira. Esse número se eleva quando a
referência são alguns estados produtores de grãos, como o caso do
Estado de Mato Grosso. No ano de 2013, utilizou 150 milhões de litros de
agrotóxicos, levando a população do Estado a uma exposição de 50 litros de
agrotóxicos por pessoa ao ano.
Um dado revela que o Brasil é, desde 2008, o campeão no ranking mundial de uso de agrotóxicos. Ou seja, somos o país que mais consome venenos no Planeta.
Um dado revela que o Brasil é, desde 2008, o campeão no ranking mundial de uso de agrotóxicos. Ou seja, somos o país que mais consome venenos no Planeta.
IHU On-Line - A que atribuem esse consumo elevado de agrotóxicos?
Fran Paula - A opção clara da política agrícola brasileira pelo agronegócio é a
grande responsável pela situação. O agronegócio utiliza largas extensões de
terras, criando áreas de monocultivos. Por exemplo:
soja, milho, algodão, eucalipto ou cana-de-açúcar. Dessa maneira, destrói toda
a biodiversidade do local e desequilibra o ambiente
natural, tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas
populações de insetos e de doenças. Por isso este modelo de produção é
dependente da química, só funciona com muito veneno. E, além de usar grande
quantidade de agrotóxicos e transgênicos, não gera empregos e não produz
alimentos.
A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50% do Congresso brasileiro e vem
constantemente atuando na tentativa do que consideramos legalizar a
contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão no governo sobre os órgãos
reguladores (principalmente saúde e meio ambiente), dificultando processos de
fiscalização, monitoramento e retirada de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem
tentando constantemente flexibilizar a lei no intuito de facilitar a liberação
de mais agrotóxicos a interesse da indústria química financiadora
de campanhas eleitorais. Política essa que permite absurdos como o uso de
agrotóxicos já banidos em outros países, havendo comprovação científica do grau
de periculosidade destes produtos na saúde dos humanos e do meio ambiente.
No Brasil, um conjunto de normas reduz a cobrança de impostos sobre
agrotóxicos. E a isenção destes impostos (Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços - ICMS, Contribuição para Financiamento da Seguridade
Social - COFINS, Programa de Integração Social – PIS e Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público - PASEP, Tabela de Incidência do Imposto Sobre
Produtos Industrializados - TIPI) pode chegar a 100% em alguns estados como
Ceará e Mato Grosso.
Contradizendo as promessas das sementes transgênicas, os transgênicos
elevaram o uso de agrotóxicos no país. Um exemplo é o da soja Roundup Ready, resistente ao herbicida glifosato. Com a entrada da soja transgênica, o consumo de
glifosato se elevou mais de 150%. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária -
ANVISA, considerando o potencial aumento de resíduos do herbicida, determinou o
aumento de 50 vezes no Limite Máximo Residual - LMR do glifosato na soja
transgênica, passando de 0,2 mg/kg para 10 mg/kg. Assim, a ANVISA demonstra que
os argumentos da Monsanto anunciando uma diminuição do uso de
herbicida com o advento da soja transgênica não são
verificáveis na realidade, o que já estava previsto com a expansão da indústria
de Roundup no Brasil.
IHU On-Line - Quais são as culturas que recebem uma carga mais pesada de
defensivos?
Fran Paula – Primeiramente: não existem defensivos. Defesa para
quem? E do quê? Não existe essa terminologia na legislação. O termo é
agrotóxicos e assim devemos tratar do assunto. O termo defensivo é
utilizado pelos setores do agronegócio, incluindo as indústrias que os
produzem, para tirar de foco a função desses produtos e seus efeitos nocivos à
saúde da população e do meio ambiente. Da mesma forma que uso seguro de
agrotóxicos é um mito. Isso faz parte do lobby da indústria química para
esvaziar o debate sobre o risco que os agrotóxicos representam.
Entre os mais utilizados, destacamos: o Abamectina, um tipo
de inseticida altamente tóxico, utilizado em plantações de batata, algodão e
frutíferas; o Acefato, que é um inseticida que pertence à classe
toxicológica III - Medianamente Tóxico e que é utilizado com
frequência em plantações de couve, amendoim, brócolis, fumo, crisântemo,
repolho, melão, tomate, soja, rosas, citros e batata; e o Glifosato,
um herbicida bastante utilizado no combate a ervas indesejáveis no cultivo de
soja, principalmente.
Não é o tipo de cultura que define a quantidade de agrotóxico utilizada.
O que define é o modelo de produção. Posso ter um pimentão com alta
concentração de agrotóxico, como posso ter um pimentão orgânico.
IHU On-Line - Quais os efeitos na saúde de quem consome alimentos com
traços de agrotóxicos?
Fran Paula - Não existe agrotóxico que não seja tóxico. Portanto,
não há nenhum que não apresente risco à saúde humana mediante
exposição e posterior contaminação. Os agrotóxicos provocam dois tipos de
efeitos: os agudos, provocados nas horas seguintes à exposição; e os crônicos,
que podem se manifestar em meses, anos e até décadas, como resultado da
acumulação dos resíduos químicos no organismo das pessoas.
Um exemplo nacional que tivemos de contaminação por agrotóxicos e acumulação
destes resíduos no organismo foi a pesquisa que revelou contaminação do leite materno. Os efeitos de
resíduos de agrotóxicos no nosso organismo podem manifestar complicações como
alterações genéticas, problemas neurotóxicos, má-formação fetal, abortos,
efeitos teratogênicos, desregulação hormonal, desenvolvimento de células
cancerígenas. Reforço que a maioria dos agrotóxicos possui ação sistêmica e que
medidas como lavar superficialmente os alimentos com água e sabão não são
suficientes para eliminar os resíduos de agrotóxicos.
IHU On-Line - A campanha também alerta que há regiões no país em que o
consumo de agrotóxicos é ainda maior. Quais são essas regiões e por que o
consumo é tão elevado?
Fran Paula - Como já havia citado anteriormente, em alguns estados onde o
agronegócio exerce um aparelhamento político forte e detém grandes áreas de
monocultivos de soja e outras commodities, o consumo de agrotóxicos é maior.
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Contradizendo as promessas das sementes
transgênicas, os transgênicos elevaram o uso de agrotóxicos no país
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IHU On-Line - Além do consumo de alimentos que foram expostos a
agrotóxicos, a que riscos as pessoas que vivem em regiões de altos índices de
aplicação desses defensivos estão submetidas?
Fran Paula - Estão submetidas a problemas de saúde devido à exposição direta
aos agrotóxicos, devido à contaminação da água para consumo, do ar que respiram
e do solo. Ainda sofrem as ameaças da pulverização aérea, como os milhares
de casos pelo Brasil de populações que são banhadas diariamente por venenos,
principalmente pelo desrespeito às medidas legais quanto aos limites desta
pulverização tanto aérea quanto terrestre no entorno dessas comunidades. A este
contingente de populações expostas a agrotóxicos cobramos atenção especial dos
serviços de saúde como forma de promoção da vida e sobrevivência destas
pessoas. Por isso uma das bandeiras de luta da Campanha tem sido a criação de
áreas livres de agrotóxicos e transgênicos.
IHU On-Line - O que é possível fazer para frear esse uso tão grande de
agrotóxicos? Quais as alternativas junto às plantações para o controle de
pragas?
Fran Paula - Analisemos a história da agricultura no mundo, com registros de 12
mil anos atrás. Já a história dos agrotóxicos tem registros de pouco mais de 50
anos. Ou seja, desde muito tempo é possível produzir sem usar agrotóxicos. São
crescentes os investimentos em países da União Europeia, Japão, Índia, em
práticas e técnicas de produção de não uso de agrotóxicos. O Brasil é um país
atrasado na medida em que ainda utiliza um arsenal deprodutos químicos
provenientes da guerra. Nosso país precisa urgentemente rever o modelo de
produção quem vem adotando, centrado no Agronegócio. Esse modelo concentra a
terra, cria áreas de monocultivos e desertos verdes, adota pacotes
tecnológicos (adubos químicos, sementes híbridas e transgênicas e agrotóxicos)
ofertados pelas indústrias químicas. É preciso implementar o Plano Nacional de Redução de
Agrotóxicos – PRONARA,vinculado à Política Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica, construído em 2014. Essa legislação prevê
ações no campo da pesquisa de tecnologias sustentáveis de produção, crédito
para o fortalecimento da agricultura de base agroecológica responsável pela
produção de alimentos, investimentos em assistência técnica e extensão ruralagroecológica aos
agricultores, retirada imediata dos agrotóxicos já banidos em outros países e
que são utilizados livremente no Brasil e fim do subsídio fiscal aos
agrotóxicos. Além disso, adoção de práticas de menor impacto, como o
controle biológico de pragas e o manejo integrado; adoção de práticas
agroecológicas de produção, que permitem a seleção natural das culturas, e
variedades crioulas com maior resistência à incidência de insetos e doenças e
que permitam a diversificação da produção e oferta de alimentos com base nos
princípios da segurança alimentar e nutricional.
IHU On-Line - Uma das bandeiras da Campanha Permanente contra os
Agrotóxicos e pela Vida é o fim da prática de pulverização aérea das lavouras.
Por quê?
Fran Paula - A pulverização aérea de agrotóxicos é uma prática ameaçadora à
vida. Diversos estudos científicos e casos de intoxicação humana e contaminação
ambiental têm reiterado que não existem condições seguras para pulverização
aérea. Além de tratar-se de uma técnica atrasada em termos de eficiência de
aplicação, requer que sejam pulverizadas grandes quantidades de veneno para se
atingir a quantidade desejada do ponto de vista agronômico, por conta das
elevadas perdas. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
- EMBRAPAmostraram que o percentual de perda pode chegar a mais de 80% em
algumas culturas. Esse elevado percentual corrobora o fato de que grande parte
do que é pulverizado atinge outros alvos que não os desejados, podendo
contaminar água, lençóis freáticos e ainda atingir diretamente pessoas e outros
seres vivos.
Entre os casos de contaminação via pulverização aérea, temos o ocorrido
em 2013 na Escola Municipal de São José do Pontal, localizada na
região rural do município de Rio Verde, Goiás. Ali, essa prática resultou em
diversos casos de intoxicação aguda de trabalhadores e de alunos de 9 a 16
anos. Nesse episódio, a pulverização teria sido feita sobre a lavoura de milho
localizada a poucos metros da escola, não obedecendo aos limites mínimos de
distância recomendados na legislação. O produto pulverizado, segundo a empresa
de aviação agrícola, era o inseticida Engeo Pleno, fabricado
pela multinacional Syngenta. Um de seus
componentes é o tiametoxam, do grupo dosneonicotinoides,
produto altamente tóxico para abelhas e que por isso havia sido proibido para
uso por pulverização aérea pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente -
IBAMA. No entanto, após pressão do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento - MAPA, a proibição foi suspensa.
IHU On-Line - Qual sua avaliação sobre a legislação brasileira no que
diz respeito à liberação e uso de agrotóxicos? Recentemente, a ANVISA aprovou a
iniciativa para propor o banimento dos agrotóxicos Forato e Parationa Metílica.
Como avalia essa iniciativa e quais as implicações desses agrotóxicos?
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Primeiramente:
não existem defensivos. Defesa para quem? E do quê? Não existe essa
terminologia na legislação. O termo é agrotóxico e assim devemos tratar do
assunto
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Fran Paula - O problema em geral não está na lei 7802/89, que
define a Legislação dos Agrotóxicos no Brasil, e sim no não cumprimento da
mesma. Quanto ao registro de agrotóxicos, a lei estabelece a proibição para os
quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes, de
modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio
ambiente e à saúde pública, para os quais não haja antídoto ou tratamento
eficaz no Brasil. Ainda proíbe registro aos que revelem características
teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados
atualizados de experiências da comunidade científica, que provoquem distúrbios
hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e
experiências atualizadas na comunidade científica. Não permite registro de
agrotóxicos que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de
laboratório com animais tenham demonstrado, segundo critérios técnicos e
científicos atualizados e também cujas características causem danos ao meio
ambiente. O risco maior está nas inúmeras tentativas de flexibilização
da leipor parte da bancada ruralista, cujo propósito é defender os
interesses das indústrias químicas e assim liberar o registro de mais agrotóxicos
no mercado.
O efeito danoso dos
agrotóxicos é reconhecido e estabelecido em lei. A ANVISA é o órgão responsável
no âmbito do Ministério da Saúde pela avaliação da toxicidade dos agrotóxicos e
seus impactos à saúde humana; emite o parecer toxicológico favorável ou
desfavorável à concessão do registro pelo Ministério da Agricultura.
IHU On-Line - Quais os pontos mais urgentes em que a legislação precisa
avançar ou ser revista?
Fran Paula - A legislação brasileira, apesar de conter normas de restrição ao
registro de agrotóxicos, não estipula tempo para reavaliação dos agrotóxicos.
Acaba ficando a critério dos órgãos responsáveis pelo registro solicitarem a
mesma. No Brasil, a validade do registro do produto é de tempo indeterminado,
ao contrário de países como Estados Unidos, onde o registro tem validade por 15
anos. Na União Europeia são 10 anos, no Japão três anos e no Uruguai quatro
anos. Apesar de a lei atribuir responsabilidades quanto ao monitoramento e
fiscalização, o cenário é de uma capacidade reduzida dos órgãos de saúde e de
meio ambiente. Isso ocorre nas três esferas de governo, no que diz respeito ao
desenvolvimento de serviços de monitoramento e controle de agrotóxicos.
IHU On-Line - Um dos herbicidas mais usados e conhecidos no Brasil e no
mundo é o Glifosato, chamado “mata mato”. Como acaba com praticamente todas as
ervas daninhas, além da aplicação em zona rural, há municípios que usam em
áreas urbanas, fazendo o que algumas pessoas chamam de “capina química”. Que
problemas para o meio ambiente, no campo e na cidade, o uso indiscriminado
dessa substância pode causar?
Fran Paula - Mata mato é um dos nomes comerciais do herbicida Glifosato. Possui uma ação sistêmica, ou seja, ao ser
aplicado nas folhas das plantas é translocado até as raízes e é não seletivo.
Mata todo tipo de plantas, exceto as transgênicas que apresentam resistência a
este princípio ativo. Dentre os riscos ao meio ambiente estão a contaminação do
lençol freático e do solo, com a morte de microrganismos e consequente perda da
fertilidade. E se tratando de capina química, há uma nota técnica
da ANVISA de 2010 recomendando a proibição dessa prática em ambientes urbanos,
devido à exposição da população ao risco de intoxicação, além de contaminar a
fauna e a flora local.
IHU ON-Line - E para a saúde de quem se expõe ao Glifosato?
Fran Paula - Há estudos toxicológicos do Glifosato em diversos países e todos
são unânimes nos resultados para efeitos tóxicos na saúde. Estes estudos
revelam que a toxicidade do Glifosato provoca os seguintes efeitos: toxicidade
subaguda (lesões em glândulas salivares), toxicidade crônica (inflamação gástrica),
danos genéticos (em células sanguíneas humanas), transtornos reprodutivos
(diminuição de espermatozoides e aumento da frequência de anomalias
espermáticas) e carcinogênese (aumento da frequência de tumores hepáticos e de
câncer de tireoide). Os sintomas de intoxicação incluem irritações na pele e
nos olhos, náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da pressão sanguínea,
alergias, dor abdominal, perda de líquido gastrointestinal, vômito, desmaios,
destruição de glóbulos vermelhos no sangue e danos no sistema renal. O
herbicida ainda pode continuar presente em alimentos num período de até dois
anos após o contato com o produto. Em solos pode estar presente por mais de
três anos, dependendo do tipo de solo e clima. Apesar da classificação
toxicológica que recebe no Brasil, o produto é considerado um biocida.
Tanto que já foi banido de países como a Noruega, Suécia e Dinamarca.
IHU On-Line - Qual o papel de outros órgãos, como Ministério Público,
nas discussões e no combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?
Fran Paula - A atuação do Ministério Público é fundamental
diante do contexto e cenário que o Brasil se encontra, de ineficiência de
aplicação da lei e da omissão dos órgãos de monitoramento e fiscalização.
O Ministério Público do Trabalho lançou em 2009 o Fórum Nacional de Combate aos
Efeitos dos Agrotóxicos. Criado para funcionar como instrumento de
controle social, o Fórum Nacional conta com a participação de organizações
governamentais e não governamentais, sindicatos, universidades e movimentos
sociais, além do Ministério Público. Além do Fórum Nacional, foram sendo
criados os fóruns estaduais de combate aos impactos dos agrotóxicos com o mesmo
objetivo. A Campanha participa do Fórum Nacional e dos estaduais, com
objetivo de levantar elementos e embasar o Ministério Público em ações que
visem à redução do uso de agrotóxicos e promoção da agroecologia.
IHU On-Line - A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida já
destacou que 2015 será um ano em que se desenvolverão diversas políticas
nacionais de agroecologia e produção orgânica. Que políticas são essas?
Fran Paula - Em agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff instituiu a Política
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, por meio do Decreto
nº 7.794, de 20-08-2012, resultado de intensos diálogos e reivindicações dos
movimentos sociais. A partir de então, governo e sociedade civil se debruçaram
na tarefa de construção de um Plano Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica – PLANAPO.
No campo produtivo, o Plano propõe mecanismos capazes de atender à
demanda por tecnologias ambientalmente apropriadas, compatíveis com os
distintos sistemas culturais e com as dimensões econômicas, sociais, políticas
e éticas no campo do desenvolvimento agrícola e rural. Ao mesmo tempo,
apresenta alternativas que buscam assegurar melhores condições de saúde e de
qualidade de vida para a população rural. Assim foi criado, no âmbito da
PNAPO, o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos – PRONARA.
É construído numa parceria da Campanha com diversos ministérios e órgãos
subordinados, além de outros movimentos sociais. O PRONARA contém 35
iniciativas que, se levadas a cabo, melhorariam drasticamente as condições de
saúde do povo brasileiro em relação aos agrotóxicos. A lógica do PRONARA se
desenvolve como base em iniciativas estruturadas de forma articulada, cobrindo
seis dimensões: registro; controle, monitoramento e responsabilização da cadeia
produtiva; medidas econômicas e financeiras; desenvolvimento de alternativas;
informação, participação e controle social; e formação e capacitação.
O prazo de três
anos para execução desta primeira edição do Plano Nacional de Agroecologia
vincula suas iniciativas às ações orçamentárias já aprovadas no Plano
Plurianual de 2012 a 2015. Trata-se, portanto, de um forte compromisso para
trazer a agroecologia, seus princípios e práticas, não só para dentro das
unidades produtivas, como para as próprias instituições do Estado,
influenciando a agenda produtiva e de pesquisa e os mais diferentes órgãos
gestores de políticas públicas. Em síntese, um grande avanço da sociedade
brasileira na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável.
IHU On-Line - O que mais deve pautar a luta do movimento em 2015?
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A legislação brasileira, apesar de conter normas
de restrição ao registro de agrotóxicos, não estipula tempo para reavaliação
dos agrotóxicos. Acaba ficando a critério dos órgãos responsáveis pelo
registro solicitarem a mesma
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Fran Paula - Já avaliamos que 2015 será um ano de grandes desafios e lutas
intensas, a começar pelo cenário sombrio da nomeação de Kátia Abreu para o
Ministério da Agricultura. Ela tem sido até agora uma representante atuante da
bancada ruralista no Congresso e defensora dos interesses do agribusiness
brasileiro. Também queremos garantir mobilização social articulada e contrária
às iniciativas da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança - CTNBIO para a não liberação de mais variedades
transgênicas.
Hoje, a Campanha
tem mais de 100 organizações e movimentos sociais atuando de ponta a ponta do
país. A meta para 2015 é ampliar e fortalecer nosso diálogo com a sociedade,
alertando para o risco que os agrotóxicos representam, reforçando a necessidade
e urgência da efetivação de políticas públicas de promoção da agroecologia,
solução para a produção de alimentos saudáveis a todos os brasileiros.
Temos, ainda, nossa
agenda de luta, onde são organizadas as ações massivas da Campanha: 07 de abril
– Dia Mundial da Saúde e o aniversário de quatro anos da Campanha, 16 de
outubro – Dia Mundial da Alimentação Saudável e 03 de dezembro – Dia Mundial de
Luta contra os Agrotóxicos. 2015 será um ano das Conferências Nacionais, a
exemplo da Conferência Nacional de Saúde e a Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional. São espaços onde estaremos reforçando a necessidade do
controle social e da importância da efetivação das políticas públicas de
promoção da agroecologia e do não uso de agrotóxicos.
Por João Vitor Santos
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