O TEXTO QUE SEGUE É A PARTE
FINAL DA “CONJUNTURA DA SEMANA ESPECIAL: BELO MONTE: UMA OBRA EMBLEMÁTICA”,
PUBLICADA PELO IHU, DIA 18 DE FEVEREIRO DE 2014, E QUE PODE SER ACESSADA PELA
INTERNET EM http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/29930-conjuntura-da-semana-especial-belo-monte-uma-obra-emblematica
SUGIRO PRESTAR ATENÇÃO ÀS
REFERÊNCIAS QUE INDICAM AS ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS EXISTENTES NO BRASIL E EM
TODO O PLANETA, QUE TORNAM BELO MONTE UM ERRO. MAIS DO QUE UM ERRO: ELA É SINAL DE
QUE CONTINUAMOS SEM PRESTAR ATENÇÃO AOS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO TEMPO
PRESENTE, QUE EXIGEM CAMINHAR NA DIREÇÃO DE UMA NOVA CIVILIZAÇÃO. TEMOS AQUI
UMA RICA FUNDAMENTAÇÃO PARA AS OPÇÕES E PARA AS PRÁTICAS DO FÓRUM MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E JUSTIÇA SOCIAL E PARA TODOS QUE LUTAM POR UM MUNDO HUMANO EM PAZ COM A TERRA.
Belo Monte e o princípio da ecologia
da ação
“Tudo
está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises” –
Edgar Morin.
Particularmente
a nossa leitura sobre Belo Monte acerca de sua real necessidade é de que a
mesma precisa ser interpretada a partir do princípio da ecologia da ação e no
contexto da crise ecológica e energética.
Considerando-se o caráter das profundas e substanciais mudanças
em curso na sociedade mundial, Belo Monte exige uma abordagem a partir do
paradigma da complexidade, como propõe Edgar Morin.
Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo
está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência
entre as crises. Segundo o sociólogo francês, “nossos problemas não podem mais
ser concebidos como separados uns dos outros”.
De todas as crises, a mais grave é a ecológica, exatamente
porque ela pode dar cabo da civilização humana. A Terra já mostrou que tem
condições de regeneração, coisa que nós humanos ainda não demonstramos.
Iniciamos, portanto, o século XXI colocando as questões relacionadas ao meio
ambiente no centro do debate. A ecologia, de oikos, tornou-se um
tema que nos faz saltar das particularidades destacadas a uma abordagem
unitária, global, planetária.
Nessa perspectiva, o princípio da “ecologia da ação” de Edgar Morin deveria tornar-se um princípio
orientador para o agir na sociedade. Segundo Morin, “desde o
momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta
começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e
finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar
contrário ao da intenção inicial. Com frequência a ação retorna em bumerangue
sobre nossa cabeça”(1) . O que Morin quer dizer é que toda ação implica em
efeitos nem sempre controláveis e que mesmo uma ação realizada com o melhor dos
propósitos, pode fugir ao controle e se voltar contra o objetivo inicial.
O que
fica evidente é que o futuro da vida – e especialmente, da vida humana – na
Terra dependerá do rumo que se der hoje à economia. Por essa razão, a discussão
sobre os modos de produção e de consumo torna-se crucial no contexto de uma
sociedade ecologicamente sustentável. Logo, a tese do crescimento linear e
progressivo precisa ser complexificada. Afirma-se que o crescimento econômico é
necessário e desejável em função de que ele permite a geração de empregos.
Porém, quando visto a partir do princípio da “ecologia da ação”, a obsessão
pelo crescimento precisa ser relativizada.
A ideia
e o pensamento do que importa é o crescimento econômico e o restante é
secundário não se sustenta mais. Por trás dessa ideia está a lógica de que os
recursos naturais são sempre abundantes, infinitos. Não há porque se preocupar
com a possibilidade de que algum dia teremos falta de petróleo, de carvão, de
aço, de água, de energia... para alimentar a “máquina” do progresso humano.
Construiu-se uma crença no crescimento econômico – o capitalismo vive da
promessa de que o futuro é sempre promissor e de que o desenvolvimento
econômico é inesgotável. Essa lógica econômica vigente nos últimos 200 ou 250
anos é redutora ao extremo.
Chegamos ao momento em que não se pode mais separar a economia
da ecologia. A religação entre economia e ecologia é um tema urgente. “Sem
recuperar o meio ambiente, não se salva a economia; sem recuperar a economia,
não se salva o meio ambiente”, defende o ecologista Berry Commoner.
É preciso a consciência de que a crise ecológica antes de tudo é expressão de
determinado modo produtivo da sociedade industrial em vias de esgotamento. Por
isso, persistir em insistir no produtivismo econômico é a ameaçar a vida de
toda a Terra e a vida das gerações futuras.
Precisamos
de um novo paradigma civilizacional porque o atual chegou ao seu fim e exauriu
suas possibilidades. Necessitamos agora de uma outra economia, um outro estilo
de vida, uma outra civilização, outras relações sociais.
É nesse
contexto que Belo Monte precisa ser interpretada. Será que realmente trata-se
de uma obra desejável? É preciso ainda destacar que matrizes energéticas
centralizadoras – tributárias da sociedade industrial – entre elas as
megahidreléticas e centrais nucleares – apresentam enorme ameaças a
biodiversidade e perigos à civilização humana.
Na
realidade, em termos energéticos, a humanidade está passando da era do petróleo
para uma era em que a produção de energia se dará em escala descentralizada e
com impactos menores sobre o ambiente. A nova economia, tendo como paradigma a
Revolução Informacional, está deixando para trás a Revolução Industrial e
potencializando a gestação de um novo tipo de organização produtiva menos
poluidora e com potencial descarbonizador. Essa nova economia potencializa
novas matrizes energéticas que podem oportunizar inclusive a criação de outro
tipo de empregos.
O pesquisador Jeremy Rifkin nos dá uma ideia do que está por vir:
“Estamos no início da terceira revolução industrial: no período dos próximos
trinta anos tudo mudará como mudou quando o vapor foi substituído pela
eletricidade. Desta vez, quem vencerá será a intergrid, a Internet da energia:
uma rede elétrica interativa e descentralizada, que transformará milhões de
consumidores em pequenos produtores de energia criando um sistema mais
confiável, mais seguro e mais democrático. Os edifícios serão envoltos em
fotovoltaicos e, em vez de sugar a energia, produzirão. Os motores dos
automóveis poderão, por sua vez, transformarem-se em mini-centrais, os tetos
dos pavilhões beberão a energia solar com seus painéis e a restituirão. Uma
parte da eletricidade será consumida diretamente no local de produção,
reduzindo a dispersão. É uma revolução radical que mudará toda a arquitetura do
nosso sistema produtivo. E quem compreender isso primeiro guiará o novo salto
industrial”.
Segundo
ele, “o século que apenas se iniciou é o século da terceira revolução
industrial. O século da Internet e a energia soft que é produzida a partir de
baixo, nos bairros, nas casas, se articulando em rede, com entrada e saída, os
fluxos de informação e da energia. É um modelo descentrado, democrático, mais
confiável tanto do ponto de vista dos custos quanto daquele da independência da
produção”.
A nossa
civilização centrada no petróleo, e podem-se acrescentar aqui as megas
hidrelétricas e usinas nucleares, não se justificam mais, são tributárias de
uma sociedade que está ficando para trás.
Neste
aspecto, o Brasil em vez de assumir a vanguarda no processo de descarbonização
da economia, investe em matrizes superadas – grandes hidrelétricas como as do
Rio Madeira e de Belo Monte. Essas grandes obras implicam em grandes inundações
de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental
gigantesca e sucessivos apagões. Essa é também a lógica subjacente aos
agrocombustíveis que utilizam grandes extensões de terra, produção em larga
escala, avançando sobre terras agricultáveis e voltadas para suprir
preferencialmente o mercado externo. É nesse mesmo sentido que se deve olhar
criticamente o pré-sal.
O futuro
das novas matrizes energéticas está na descentralização, em que a energia
consumida será diretamente produzida no local de produção, reduzindo a
concentração em mega centrais energéticas.
Belo Monte é um erro!
Considerando-se
o conjunto da análise anterior, pode afirmar que Belo Monte é um erro. O Brasil
parece não perceber que frente à crise epocal, manifestada sobretudo na crise
ecológica, joga um papel estratégico. No contexto da crise ambiental, o país
abre mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e opta por
iniciativas ainda presas à sociedade industrial.
O que se
percebe, por um lado, é o ganho de uma consciência ecológica maior em relação
às gerações anteriores que se traduz na crítica a mega-projetos que agridem o
meio ambiente. Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica, são exemplos. Por
outro lado, apesar da consciência dos erros cometidos, o país caminha para
outros erros – a metáfora do farol de um automóvel virado para trás: ilumina o
trajeto percorrido, mas não aclara o futuro. Assim como a nossa geração lamenta
os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações
futuras lamentarão as decisões de hoje.
A grande
questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos? Por muito
tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a
varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da
pobreza. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a
justiça social não é verdadeiro. Será que o grande projeto brasileiro é
transformar todos os cidadãos em consumidores?
É
preciso complexificar o debate. O debate sugerido a partir do princípio da
‘ecologia da ação’ recomenda que devemos construir uma sociedade que seja
sustentável com a natureza, às necessidades humanas presentes e futuras, com
uma ética solidária, definidas desde os setores populares, tendo como fim a
construção de uma sociedade baseada nos valores da solidariedade, liberdade,
democracia, justiça e equidade.
Nota:
(1) - Introdução
ao pensamento complexo (Porto
Alegre: Sulina, 2005, p. 80-81).