domingo, 29 de novembro de 2015

GOVERNO ABANDONA SEMIÁRIDO PARA REPASSAR TUDO AOS BANCOS?

Programa de cisternas no semiárido nordestino enfrenta revés do ajuste fiscal

“Estamos trabalhando com recursos de 2014; recursos novos para o acesso a água em 2015 não existiram, o ajuste realmente segurou esses recursos”, afirma ativista da Articulação para o Semiárido (ASA)
por Helder Lima, da RBA publicado 29/11/2015 10:37
ABR
cisternass.jpg
Cisterna garante água de qualidade para as comunidades e reverte problemas seculares como as migrações
São Paulo – Depois de tornar viável a instalação de mais de 500 mil cisternas para captação de água de chuva no semiárido nordestino desde 2003, ano do início da primeira gestão do governo Lula, o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), realizado pela sociedade civil e apoiado com recursos do governo federal, enfrenta este ano o revés do ajuste fiscal, como outros programas sociais que nos últimos tempos têm sido fundamentais para o enfrentamento de uma seca histórica na região, que deve se estender pelo menos até 2018, segundo previsões do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em setembro, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, anunciou R$ 100 milhões para o programa até agosto de 2016, o que deve viabilizar mais 31 mil cisternas, mas esse recurso é a metade do que foi previsto na proposta orçamentária para o próximo ano, enviada pelo governo ao Congresso. E mesmo com R$ 200 milhões o programa ainda sofre cortes, já que em 2013 ele superou a marca de R$ 350 milhões, viabilizando cerca de 100 mil reservatórios. “Estamos ainda trabalhando com recursos de 2014; recursos novos para o acesso a água em 2015 não existiram, o ajuste fiscal realmente segurou esses recursos”, afirma a coordenadora Valquíria Lima, da Articulação para o Semiárido (ASA), organização não governamental que executa o programa.
“A única coisa que deu certo no semiárido em séculos é essa captação de água de chuva por meio da articulação da sociedade civil”, afirma o membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Roberto Malvezzi, que luta pelo direito à água em Juazeiro, na Bahia. Por conta do sucesso do programa, foram minimizados nos últimos 12 anos, e em alguns locais até eliminados, problemas seculares como os movimentos migratórios em função da escassez de água, os saques em busca de alimentos e a mortalidade infantil. “Como é que um governo que diz defender direitos humanos faz isso em nome do ajuste fiscal”, indaga Malvezzi, para quem os cortes em programas sociais “representam pouco dinheiro diante dos R$ 180 bilhões que o governo está prometendo para o Agronegócio”.
Outro programa destinado à instalação de cisternas, mas voltado à água para o plantio de alimentos, também encara os prejuízos do ajuste. “Houve apenas um aditivo para o programa de água de produção, um aditivo de recursos do ano passado, que a gente está em execução”, diz Valquíria, destacando que esse recurso, de R$ 75 milhões, deve ter liberados neste ano cerca de R$ 6 milhões. Ela também diz que dos R$ 100 milhões anunciados pela ministra em setembro a parcela inicial de investimento deve ser de R$ 15 milhões.
Por conta do cenário de ajuste fiscal que comprime também outras frentes de inclusão social, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), voltado à agricultura familiar e que sofreu corte de 65% neste ano e também enfrentará essa situação em 2016, e os cortes no setor de saúde, na reforma agrária e até mesmo no orçamento do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), órgão de pesquisa ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCT), os movimentos populares que atuam no semiárido realizaram uma mobilização com 20 mil pessoas em Juazeiro e Petrolina em 17 de novembro.
Da mobilização, surgiu um documento assinado, além da ASA, pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA); Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf); Movimento dos Sem Terra (MST); Marcha Mundial das Mulheres; Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE) e Levante Popular da Juventude.
“Exigimos que sejam retirados do bojo do ajuste todos os cortes que dizem respeito às políticas sociais, indispensáveis para manter os programas, ações e sua amplitude, capaz de atender às demandas da população. Sem a implementação forte e intensa destas ações e políticas, dificilmente conseguiremos nos manter fora do Mapa da Fome da ONU”, afirma o documento, destacando o combate à fome como uma das principais realizações da sociedade brasileira nos últimos 12 anos. “Por isso, vamos lutar e defender a manutenção e ampliação de nossos direitos e das políticas públicas que conquistamos com muito sofrimento. Não vamos permitir o retrocesso, a volta da fome e da miséria no Semiárido e no Brasil.”

Transposição e preocupação

A situação de crise de água no semiárido é tão drástica que no momento em que o governo federal comemora a realização de perto de 70% da obra de transposição do rio São Francisco, as comunidades simplesmente não veem como celebrar essa marca, já que transposição parece ameaçada pelo risco de morte do principal rio da região. De uma vazão histórica de 3 mil metros cúbicos por segundo, o rio apresenta atualmente apenas 900 metros cúbicos, de acordo com Malvezzi, da CPT. Na barragem de Sobradinho, o nível da água está em 2,5%. O nível médio de água nos reservatórios do semiárido está em 17%. “A situação do rio é alarmante, porque este ano houve até nascente que secou, isso nunca havia acontecido, em várias cidades e regiões a situação é gritante”, afirma Valquíria.
De acordo com as entidades mobilizadas, é urgente que as autoridades tenham sensibilidade para a revitalização do rio São Francisco, restabelecendo suas nascentes, matas ciliares e eliminando as irrigações predatórias. Os movimentos defendem que todos os processos de retirada de água do rio sejam bloqueados, para que sua produção seja voltada apenas ao consumo humano e animal. As irrigações absorvem cerca de 70% do consumo de água. O pleito dos movimentos conta com respaldo da Lei 9.433/97, que prevê prioridade para o consumo humano e dessedentação animal em caso de escassez no rio São Francisco.
Os movimentos também estão combatendo um projeto mirabolante, defendido pelas mídias das cidades do semiárido, que é a transposição das águas do rio Tocantins para o São Francisco, uma proposta “absurda e desprovida de senso críticos”, segundo o documento que os movimentos pretendem entregar à presidenta Dilma Rousseff. “Nós estamos tentando ainda uma audiência para que a gente coloque a situação do semiárido, que todas as conquistas não podem retroceder, pois o nosso lema é 'semiárido vivo, nenhum direito a menos', e a gente espera também que esse mínimo seja garantido em 2016”, afirma Valquíria.

sábado, 28 de novembro de 2015

O QUE ACONTECERÁ NA CÚPULA DE PARIS?


VALE LER A ENTREVISTA COM NAOMI KLEIN E PREPARAR-SE PARA VER O FILME ANUNCIADO. 

IHU - Sábado, 28 de novembro de 2015
"Os ataques podem favorecer um pacto por baixo na Cúpula de Paris." Entrevista com Naomi Klein
"Há o risco de que o terrorismo prejudique a capacidade da sociedade civil de fazer ouvir a própria voz, de fazer sentir a própria pressão sobre os líderes que se reunirão na Conferência de Paris sobre o clima", afirma Naomi Klein.
A reportagem é de Maurizio Caprara, publicada no jornal Corriere della Sera, 27-11-2015. A tradução é deMoisés Sbardelotto.
A ensaísta canadense, autora de livros com vendas superior a um milhão de cópias, afirma isso enquanto se encontra na capital da França ferida pelos massacres cometidos por integralistas islâmicos, a mesma cidade que a partir do próximo domingo, 11 de dezembro, hospedará o encontro mundial chamado COP-21, que terá a participação, no início dos trabalhos, de 147 chefes de Estado e de governo.
Nos dias da conferência, a mulher que ficou famosa com o livro Sem Logo vai participar de uma exibição de Isso muda tudo, documentário que, a partir do dia 2 de dezembro, poderá ser visto em 52 cinemas italianos. Dirigido pelo marido Avi Lewis, é uma viagem por imagens em várias partes do mundo, inspirado no livro de Naomi Kleinque tem como subtítulo "O capitalismo contra o clima". Na Itália, impresso pela editora RCS, ele se intitula "Uma revolução nos salvará. Por que o capitalismo não é sustentável".
Páginas e sequências têm em comum, em essência, uma tese: a perspectiva das possíveis catástrofes com o aquecimento do planeta pode aconselhar o mundo a renunciar às energias poluentes, a recorrer apenas a fontes renováveis, a redesenhar o sistema econômico vigente, reduzindo as desigualdades sociais.
Eis a entrevista.
Que impacto você prevê sobre a Conferência de Paris por parte dos ataques sangrentos do dia 13 de novembro?
Precisamente, não sabemos quais serão. Mas eu sei isto: eles estão tendo um efeito sobre a capacidade da sociedade civil de fazer ouvir a própria voz. Muitos protestos foram proibidos.
O que permitiu essa proibição foi o estado de emergência declarado na França. O governo proibiu as passeatas sobre as mudanças climáticas previstas para o domingo e o dia 12 de dezembro. Como presidente da conferência, Laurent Fabius assinalou que muitos encontros públicos serão confirmados.
Eu acho que eles estão dizendo que as manifestações ao ar livre serão banidas. Serão realizados encontros, concertos. Em relação à cúpula, as questões ainda não decididas são muitas: se as suas decisões serão legalmente vinculantes e exatamente quanto chegarão os financiamentos para os países em desenvolvimento, por exemplo, são pontos que ainda estão sendo negociados. A possibilidade de exercer plena pressão sobre os líderes diminuiu.
Você acha que esse novo dano já foi produzido pelos atentados que custaram a vida de 130 pessoas?
Eu acho que já houve um dano. Temo que, se for feito um mau acordo, os países em desenvolvimento terão menos espaço para criticar o entendimento sem serem vistos como traidores da solidariedade à França. As duas questões, ao contrário, deveriam ser mantidas em separado. Os nossos líderes tomam as suas decisões de uma forma melhor quando sentem uma pressão dos movimentos sociais e, se está em jogo um acordo forte, são postos sob pressão por grandes companhias com muito dinheiro.
Quais?
As empresas dos combustíveis fósseis têm pleno acesso aos políticos que estarão na conferência. Empresas poluidoras os patrocinam. A sociedade civil, que não tem dinheiro, está freada. A voz dos negócios não, porque estes não vão para as ruas: vão para os bastidores. O movimento não vai se render. Encontrará as formas mais criativas para dizer que o acordo deve ser ambicioso e vinculante.
Você vai abrir um desses caminhos?
O nosso filme se torna ainda mais importante porque amplifica vozes que não poderiam ser ouvidas. Chegarão aParis as pessoas prejudicadas por uma economia que ignora os limites postos pela natureza que falam no documentário.
Em "Isso muda tudo", você diz: "A Grécia está aberta a todas as possibilidades: por causa da crise, é possível vender o solo, das minas de ouro às plataformas de petróleo e não só. É o mesmo que está acontecendo na Espanha e na Itália". Refere-se, em relação à Itália, a algo em particular?
Assim como na Grécia, na Itália houve uma forte pressão para extrair petróleo do fundo do mar, duplicando a sua produção. É o exemplo mais dramático. Depois, penso nos cortes ao apoio para as energias renováveis. A queda dos preços do petróleo talvez diminua a pressão. O objetivo, porém, era esse.
No documentário, você descreve as dores sofridas pelos gregos durante a crise, mas não menciona as culpas da classe política grega que tinha elevado o gasto público improdutivo. Por quê?
Na Grécia, quem paga o preço mais alto da crise não são políticos: são as pessoas comuns. Um documentário é feito de trechos curtos, que não esgotam tudo sobre os temas tratados. No entanto, é verdade que os sacrifícios foram pedidos das pessoas comuns, e o filme faz com que se veja isso.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ENERGIA SOLAR E EÓLICA PARA PEQUENOS AGRICULTORES

ESTÁ CUSTANDO, MAS COM FUROS COMO ESTE A ENTRADA DA ENERGIA SOLAR E EÓLICA DESCENTRALIZADA AVANÇA. PASSEM A NOTÍCIA AO POVO DO CAMPO.

PRÓXIMA CONQUISTA, PELA QUAL LUTAMOS: UM FUNDO PÚBLICO DE INCENTIVO E FINANCIAMENTO À PRODUÇÃO DE ENERGIA SOLAR EM TODOS OS TELHADOS DAS CASAS DO PAÍS. 

MAIS AINDA: A INCLUSÃO DA PRODUÇÃO DE ENERGIA SOLAR NAS CASAS DA POLÍTICA HABITACIONAL POPULAR, "MINHA CASA, MINHA VIDA", GENERALIZANDO A BELA EXPERIÊNCIA DAS 1000 CASAS DE JUAZEIRO, BAHIA, COM DIREITO DE VENDA DA ENERGIA PARA COMPLEMENTAR A RENDA FAMILIAR, COM GERAÇÃO DE EMPREGOS PARA OS MORADORES, COM MELHORIAS DOS ESPAÇOS E PRÁTICAS SOCIAIS EM FAVOR DE TODOS OS MORADORES.

AOS POUCOS O BRASIL ESTÁ SE DANDO CONTA QUE A BÊNÇÃO DO SOL É MUITO MAIOR DO QUE TEMOS PERCEBIDO ATÉ AGORA. 

Programa incentiva pequenos agricultores a gerarem energia eólica e solar

Publicado em novembro 27, 2015 por 
Acordo insere equipamentos de geração no programa Mais Alimentos; Produtores terão crédito diferenciado


A partir de hoje, pequenos produtores de agricultura familiar e assentados da reforma agrária podem financiar os equipamentos para produção de energia eólica e solar pelo programa Mais Alimentos, uma linha de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para dar subsídios a infraestrutura produtiva.
A assinatura do termo de cooperação foi feita nesta quarta-feira (25), em Brasília, entre a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. As energias solar e eólica estão inseridas nas chamadas fontes de energia renováveis, que representaram no ano passado 41% da matriz energética brasileira.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, celebrou o acordo e lembrou que o Brasil é um país rico em recursos naturais, necessários para o desenvolvimento nacional. “A integração dos equipamentos no Mais Alimentos é mais um avanço na agricultura familiar”, disse o ministro.
Ao adquirir os equipamentos de geração de energia por meio do programa, os agricultores familiares financiam o material com condições de crédito diferenciada do mercado. Para o diretor executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia, o acordo irá diminuir a principal dificuldade hoje do pequeno consumidor, justamente o investimento inicial nos equipamentos de energia solar fotovoltaica.
“O investimento é quase todo no início, porque a vida útil das placas fotovoltaicas é de 25 anos, com pouca manutenção. Com o acordo, esperamos ter mais geração de energia no campo, trazer produtividade e agregar valor para os pequenos agricultores”, disse.
A presidente executiva da ABEEólica, Elbia Melo, ressalta que uma das principais características da energia eólica, além da produção limpa de energia, é justamente agregar valor e gerar outra fonte de renda para os estados produtores.
“No Rio Grande do Sul, os parques eólicos continuam produzindo arroz e criando gado, mas agora com a renda extra do arrendamento das máquinas. O efeito multiplicador das energias renováveis vai além do contexto energético, tem o impacto social”, completa. Segundo ainda a presidente executiva, somente a energia eólica gerou 40 mil postos de trabalho relacionados a produção dos equipamentos, manutenção e seu funcionamento.
Fonte: Portal Brasil
in EcoDebate, 27/11/2015

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

DESAFIO NACIONAL: RESTAURAR O CICLO DAS ÁGUAS

ESTÁ AÍ UMA REFLEXÃO QUE OU SERÁ LEVADA A SÉRIO, OU IREMOS TODOS PARA O BURACO. PRECISAMOS CUIDAR DA ÁGUA, JÁ QUE NÓS SOMOS ÁGUA COM VIDA...

ABASTECIMENTO E ENERGIA

País precisa restaurar 'ciclo das águas' para enfrentar crise de dimensão nacional

“A crise não é produto de um só fator, mas resulta de um processo histórico de destruição dos elementos fundamentais que garantiam o ciclo das águas”, avalia Roberto Malvezzi, da Pastoral da Terra
por Helder Lima, da RBA publicado 25/11/2015 09:43, última modificação 25/11/2015 16:40
CC / LUIZ AUGUSTO DAIDONE/ VARGEM / FOTOS PÚBLICAS
Seca_Represa_Vargem-4.jpg
Crise hídrica como a de São Paulo tende a se agravar, resultado de sucessivas ações humanas contra ciclos da natureza
São Paulo – A crise de abastecimento de água vivida hoje pelo país, que também afeta a produção de energia hidrelétrica, tem um horizonte que vai além da seca histórica pela qual o país passa. “A crise não é produto de um só fator, mas resulta de um processo histórico de destruição dos elementos fundamentais que garantiam o ciclo das águas”, avalia Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Juazeiro, na Bahia.
Nascido no interior de São Paulo e formado em Filosofia, Estudos Sociais e Teologia, Malvezzi luta em defesa do direito à água desde os anos 1980, quando se mudou para a região das comunidades rurais de Campo Alegre de Lourdes, na divisa da Bahia com o Piauí, área em que a única água disponível era o líquido barrento dos açudes, em que o uso humano e para animais era partilhado.
Desde então, Malvezzi lutou contra a ditadura e defendeu as populações realocadas pela barragem de Sobradinho. Tudo isso convivendo com amebas da água barrenta durante 20 anos. Ele foi também coordenador nacional da CPT por mais de seis anos. Atualmente, Malvezzi vê entre os principais resultados de luta pela água no semiárido nordestino a consolidação de cerca de 1 milhão de cisternas, que mudou a realidade das populações rurais difusas do sertão, extinguindo processos como os de migrações, de saques e também de mortalidade infantil. Mas isso é um dado positivo resultado da mobilização, frente ao modelo econômico de exploração que está afetando a produtividade dos rios do país.
“A impressão que eu tenho é que o governo e o poder econômico abandonaram totalmente a ideia da revitalização”, afirma, ao referir-se ao rio São Francisco, que de uma vazão histórica de 3 mil metros cúbicos por segundo, hoje conta com apenas 900 metros cúbicos por segundo. “Em Juazeiro e Petrolina, a mídia local está defendendo a transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Esse é a pauta da mídia aqui no momento”, afirma o ativista, atualmente morador de Juazeiro, na Bahia, e para quem o sucesso das obras de transposição do rio São Francisco depende também de sua revitalização.
Nesta entrevista à RBA, Malvezzi traça um panorama da crise das águas no país, e arrisca o prognóstico de que somente uma mudança de modelo, e portanto de mentalidade, poderá resgatar a preservação de recursos hídricos. Ele também critica a insistência dos neoliberais em defender o mercado de outorgas, que transformaria definitivamente a água em um produto fundamentalmente voltado ao lucro, e lamenta a morte do Rio Doce, com a ruptura das barragens de rejeitos em Mariana. "O modelo econômico parece que tem ódio, eu diria, um ódio entre aspas, de florestas e rios. Não se sabe conviver", afirma.

Como o sr. avalia de forma geral a situação das águas no país hoje?
A crise não é produto de um só fator, mas resulta de um processo histórico de destruição dos elementos fundamentais que garantiam o ciclo das águas. Com o desmatamento da Floresta Amazônica, segundo cientistas como o Antonio Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a Amazônia está perdendo o poder de injetar água na atmosfera, o tal rio aéreo, que leva a umidade para a região dos Andes, de São Paulo, Buenos Aires, e até a Patagônia. Então, essa é uma consideração interessante.
O segundo fator é a destruição do cerrado, porque grande parte das origens das nossas águas está na Amazônia, mas o grande depósito que reserva as águas provenientes da Amazônia é o cerrado, pelas próprias características do bioma de solo poroso, e muitos rios que nascem ali na bacia dos rios Araguaia e Tocantins, rios que vão na direção da Bacia do Pantanal, do Paraná, inclusive rios e aquíferos que abastecem o Rio São Francisco. Então, é interessante perceber que a água que a gente bebe do Rio São Francisco de alguma forma tem origem na própria Amazônia.
E no ciclo geral das águas, no processo de evapotranspiração, pluviosidade e armazenamento essas águas alcançam o resto do Brasil. Não vêm apenas daí, tem algumas águas que vêm diretamente dos oceanos, mas grande parte vem desse processo na Amazônia. Com a destruição da Amazônia e do cerrado nós temos a fragilização, pelo menos até agora, com o risco da ruptura do ciclo das águas brasileiras. O desmatamento basicamente atende às madeireiras, a agricultura e o ciclo do gado.
E a seca histórica que se abateu no país nos últimos tempos? Isso não seria um fator a ponderar nessa análise?
Há mais fatores além desse processo de fragilização do ciclo das águas. Nós temos essa seca, que se espalha por todo o território nacional, mas a dúvida que vai ficando é se as mudanças climáticas estão fazendo com que essa seca seja uma parte do ciclo histórico das águas, ou se as mudanças climáticas vão tornar isso cada vez mais constante e mais frequente. Esta última hipótese é a opinião de muitos especialistas. Aí você tem três fatores: o desmatamento, com tudo o que acarreta no cerrado e na Amazônia para o ciclo das águas; o segundo é uma coincidência de uma seca histórica, mas que pode estar sendo agravada pela própria mudança climática, que é o terceiro fator, que pesa sobre todo o globo terrestre e que vai ter efeitos diferenciados em cada região do planeta...
DIVULGAÇÃOmalvezzi.jpg
Malvezzi: 'Civilização demanda mais da natureza do que ela é capaz de repor'
E não dá para saber quanto essa seca é agravada pela mudança climática...
Não temos noção exata, mas uma coisa é certa. O El Niño, esse fenômeno que aquece as águas do Pacífico e faz com que chova muito no Sul e Sudeste está mais severo. A temperatura é mais alta e também as águas do Pacífico estão mais quentes. É um fenômeno grave que pode ser acelerado e intensificado pelo aquecimento global.
Por que o sr. defende que estamos em uma crise civilizatória, se considerarmos o ponto de vista da questão das águas?
A crise hídrica é uma das expressões de uma crise de civilização. É uma civilização que demanda mais da natureza do que ela é capaz de repor. O consumo é muito mais rápido do que o tempo que a natureza precisa para se recompor. Esse processo é global, de consumo intenso dos combustíveis fósseis, que provocam o aquecimento global. A derrubada das florestas e das matas no munto inteiro também contribui para a liberação de CO² na atmosfera, todo esse processo também resulta na mudança e nas alterações do ciclo das águas.
É o que está acontecendo na Amazônia. Você tem um processo de destruição da floresta para a entrada do gado, das madeireiras, então, você tem também o uso intenso da água de uma forma que nós não tínhamos, sobretudo na irrigação, o uso múltiplo da água, como no Rio São Francisco. É um modelo que está sendo estendido agora aos territórios do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, em que o agronegócio pretende intensificar o cultivo de grãos, e para isso precisa devastar mais ainda o cerrado – fala-se em mais 160 milhões de hectares. Quando você devasta o cerrado, você compacta o solo e as águas da chuva já não penetram no solo, não abastecendo os aquíferos. A crise hídrica não é isolada da crise climática, do empobrecimento dos solos, nem da erosão da biodiversidade. Ela faz parte desse processo destrutivo que o modelo civilizatório causa sobre a natureza.
Quanto o modelo de gestão das águas criado pelo Fernando Henrique Cardoso tem a ver com a crise que estamos vivendo?
Quando o Fernando Henrique era presidente, ele criou as chamadas agências reguladoras, entre elas, a das águas. Mas nós já tínhamos uma legislação, feita inclusive no governo dele. É a Lei 9.433, de 1997, que criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e também criou a política de águas brasileiras. Depois, por influência dos organismos internacionais, como do Banco Mundial e do FMI, eles criaram a agência (Agência Nacional de Águas). Essa agência não estava no sistema, ela foi introduzida posteriormente. A ideia básica que vinha do governo FHC se reproduz hoje em dia, porque são as figuras que estão na Sabesp: Kelman (Jerson, presidente da empresa) e outras figuras que trouxeram para o país essa ideia da criação do mercado de águas, de as águas serem gerenciadas pelo mercado, o preço da água, o valor da água, enfim, aquela ideia neoliberal na chamada gestão das águas.
Só que na minha opinião, esse modelo não foi aceito totalmente, houve resistências, a água no país continua como um bem da União na Constituição, um bem público na lei de recursos hídricos; houve resistência porque no Brasil, na Constituição de 1988, a água continuou como um bem público ou da União. Não pode ser privatizada, mas houve a tentativa logo no começo de se criar o mercado de outorgas, concedendo determinado volume para uma empresa, ou para determinado usuário, e depois se essa água não é utilizada ela volta para o Estado.
Eles tentaram criar a possibilidade de quem receber uma outorga pudesse transferir essa outorga para outro usuário, inclusive vendendo. Mas não conseguiram isso até hoje. A gente vive essa ambiguidade, essa tensão entre a água como um bem público e a água como um bem privado, com valor econômico, preço. A gente vive no Brasil essa tensão, e não perdemos totalmente essa batalha – e eu me coloco do lado da água como bem público –, mas também corremos o risco constante de que esse viés de interpretação seja viabilizado por meio de algum mecanismo meio que escuso.
Como se dá a resistência à criação ao mercado de outorgas?
A resistência tem a sociedade organizada, sobretudo, igrejas, ONGs, sindicatos; e favorável a isso você tem o setor empresarial, que tem os seus intelectuais orgânicos a serviço dessa ideia. Só que essa experiência deu errado no mundo inteiro: na Bolívia, Argentina e França.
Em Paris, o serviço de água foi privatizado e depois voltou para o controle público. Hoje em dia, essa legislação não dá mais conta da realidade, porque atualmente na questão da crise hídrica você tem a exigência de ter outros especialistas, você teria de ter gente da climatologia e o modelo que nós temos, com a Agência Nacional de Águas e o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos, eles não trabalham por exemplo com a questão das florestas, dos mananciais, no sentido do ciclo das águas, onde a água se origina; eles simplesmente pegam aquele manancial que está diante dos olhos, criam um comitê de bacia, os poderes econômicos disputam aquela água, e depois se as águas forem federais é a ANA que vai carimbar essa outorga.
Sem ela, as águas federais não podem ser outorgadas. E as águas estaduais dependem das secretarias de Recursos Hídricos dos estados ou do órgão correspondente. O que está acontecendo no Brasil hoje é que nós não temos uma chamada governança hídrica. Os elementos necessários, os especialistas necessários, inclusive, o poder de decisão necessário para preservar o ciclo das águas, os mananciais e as áreas que deveriam ter florestas e matas, tudo isso foi profundamente alterado com o Código Florestal, que destruiu a proteção aos mananciais. O código necessariamente alterou o regime de proteção do ciclo das águas brasileiras. Nós estamos pagando o preço por isso e cada vez mais nessa lógica não há salvação para os rios brasileiros.
A experiência da Sabesp, com gestão voltada à rentabilidade, não nos dá uma dimensão de como funcionaria o mercado de outorgas, ou sr não vê relação?
O que foi criado na Sabesp é uma certa privatização. Embora a empresa ainda tenha o poder público como acionista, e o restante de capital privado, o fato é que a empresa começou a distribuir dividendos aos seus acionistas.
Mas essa distribuição de dividendos estaria presente também no mercado de outorgas?
No caso do mercado de outorgas, vamos supor que na Sabesp em determinado momento tenha água sobrando em alguns reservatórios. Então, alguma empresa, algum irrigante ou alguma fábrica diz 'venda para mim parte de sua outorga, que vocês estão com água sobrando'. A Sabesp poderia vender essa parcela – ou seja, trata-se de um outro sistema de mercado em que se faz a tentativa da privatização do serviço de água. Você passa os serviços de água, que às vezes são municipais e outras estaduais, para empresas privadas que vão gerenciar isso como um produto qualquer, segundo as leis do mercado.
O sr. é crítico do projetos de transposição do Rio São Francisco. Qual o maior problema do projeto em sua opinião?
A gente sempre foi crítico desse projeto de transposição, mas ao mesmo tempo também é favorável que a água seja distribuída para as populações necessitadas como prioridade, como está na lei brasileira, e nas convenções internacionais, que é questão de bom senso, que a pessoa e os animais têm prioridade sobre os demais usos. Então, desde o começo a gente defendia que em vez de fazer uma grande obra fossem feitas adutoras de médio e pequeno portes captando água também do São Francisco, mas não precisava ser só dele, por tubulação e não por imensos canais. Isso já estava no chamado Atlas do Nordeste, da Agência Nacional de Águas.
Então, em vez de uma megaobra seriam cerca de 500 obras fazendo essa distribuição. Mas prevaleceu o projeto grande com finalidade duvidosa, porque ninguém vai fazer uma obra desse porte para o abastecimento humano, e no próprio projeto dizia que a maior parte era para uso dos setores de irrigação, com 70% para irrigação, 26% para o meio urbano (e aí leia-se empresas, comércio e serviços, além do abastecimento humano) e só 4% para a população rural difusa, que era a mais necessitada no semiárido nordestino – hoje a realidade dessa população está bastante mudada, com a questão da captação de água de chuva.
A nossa oposição à obra se dá por conta de seu gigantismo e porque sua finalidade com certeza não é o abastecimento humano. Se você perguntar para o governo ele vai dizer que não, mas estava escrito no projeto que a maior parte é para irrigação. Nossa preferência seria por obras mais simples, com menos impacto ambiental, com menos perda de água, e com o abastecimento humano como prioridade. Mas prevaleceu a grande obra e dizem atualmente que está mais ou menos 70% da transposição concluída.
Esses são os dados oficiais. A gente acha que esse número não é verdadeiro, mas eles estão falando que vão colocar essa água em 2017 pelo menos na Paraíba, que é o chamado eixo Leste, e nós achamos que há uma coincidência eleitoral nisso, só que agora, do jeito que estamos com a situação do Rio São Francisco, está faltando água em Juazeiro e Petrolina, na Bahia, para irrigação local. A Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Franciscodeixou de gerar energia elétrica na barragem de Sobradinho, porque não tem água e nós estamos propondo um plano de emergência do rio por um ano, junto com o Ministério Público e estamos propondo que se cancele a geração de energia e grande parte da irrigação para poder ter água para o abastecimento humano.
A viabilidade da transposição depende muito da situação real do São Francisco, além do que a obra depende também da tecnologia de elevação dessa água a 360 metros de altura, do consumo de energia, do preço que essa água vai chegar do lado de lá e de como será feita a distribuição dessa água. Então, a obra é questionável, mas é o que está sendo feito, embora o governo tenha feito depois várias adutoras porque a obra não contempla: teve emergência em Irecê, na Bahia, onde fizeram uma adutora, e em Guanambi (BA), Ouricuri, no Pernambuco, e na região de Serra Talhada.
Na prática, foram dando razão ao que a gente defendia e que a Agência Nacional de Águas tinha proposto. Mas evidentemente a transposição é algo emblemático, simbólico, e depois que surgiram todas essas questões com empreiteiras (na Operação Lava Jato) evidentemente ficou muito mais claro o porquê da opção pela megaobra e não por obras práticas de pequeno e médio portes, o que resolveria a demanda das populações e o abastecimento humano.
Bem, de qualquer modo, a obra já está em sua maior parte concretizada e é agora um dado da realidade. Essa obra para ser eficiente precisa também da revitalização do São Francisco, pois existe um projeto para isso?
A informação que eu tive do Ministério Público da Bahia é que este ano foram reservados R$ 500 mil para a revitalização do rio. Ou seja, você está expandindo o uso do rio, mas a revitalização na prática não existe, a não ser obras de saneamento, isso pode melhorar a qualidade da água, mas não a quantidade que seria necessária na bacia. A impressão que eu tenho é que o governo e o poder econômico abandonaram totalmente a ideia da revitalização. Em Juazeiro e Petrolina, a mídia local está defendendo a transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Esse é a pauta da mídia aqui no momento. E aí a gente diz: 'De quê adianta?' Você era um rio que tinha 3 mil metros de água por segundo e hoje só tem 900. De quê adianta buscar cem ou duzentos metros de água no Tocantins, se é que isso é viável, quando você perdeu 2 mil metros cúbicos no São Francisco. Então, você vai de loucura em loucura nesse modelo que não se sustenta, e agrava cada vez mais a situação da crise hídrica brasileira.
Mas haverá um momento em que a revitalização do rio São Francisco vai se impor...
O problema é que para alguns especialistas, inclusive da Universidade do Vale do São Francisco, como o professor José Alves, e também da Universidade de Goiás, como o professor Aldair Sales, o rio está esgotado. Eles foram coordenadores de uma obra monumental chamada Flora das Caatingas do Rio São Francisco, feita por encomenda do Ministério da Integração Nacional sobre o impacto dos canais de transposição na biodiversidade das caatingas. E a conclusão deles, que fizeram percursos de pesquisa diferentes, um sem saber do outro, é que o São Francisco não tem mais retorno.
A frase que eles usam é que 'o São Francisco está inexoravelmente condenado à morte'. E por quê? Porque se trata de um rio que depende do cerrado e uma vez devastado o cerrado não tem mais volta. Os outros biomas brasileiros têm capacidade de regeneração, a Amazônia, a própria caatinga tem capacidade de regeneração, mas o cerrado não, porque ele é um dos biomas mais antigos da Terra, com cerca de 65 milhões de anos. Então, uma vez eliminado, o cerrado não volta mais. Diante dessa situação, esses professores, por caminhos diferentes chegaram à mesma conclusão. E se o cerrado não tem volta, os rios que dependem do cerrado estão morrendo, não é só o São Francisco.
Em 2004, ainda, a gente tinha informação de 1.200 pequenos afluentes do São Francisco mortos e sabemos que 90% dos afluentes do rio estão secos em algum lugar. Corremos o risco de o São Francisco se tornar um rio como outros do semiárido, que correm no tempo que chove, mas quando passa a chuva ficam secos, são rios sazonais, ou intermitentes, como a gente chama aqui no Nordeste. Parece que o destino do São Francisco, segundo esses especialistas, é que ele se torne também um rio intermitente.
COPYRIGHT © 2015- FOLHA ICONHAPABXIP / REPRODUÇÃORioDoce_peixes_mortos.jpg
Tragédia ambiental: lama tóxica da mineradora Samarco mata o Rio Doce
Como o sr. vê a situação do Rio Doce depois do rompimento das barragens de rejeitos da mineradora Samarco?
Isso segue a mesma lógica dos outros rios. O modelo econômico parece que tem ódio, eu diria, um ódio entre aspas, de florestas e rios. Não se sabe conviver. Quando eu passava pelo Rio Doce, eu sempre achava ele muito mais devastado do que o São Francisco. Ele era muito mais assoreado, com a lâmina de água mais rasa e suas águas muito mais contaminadas. Eu já tinha passado nessas barragens de contenção de rejeitos de mineração, mas achava que eram algumas barragens e agora se fala em mais de 500 barragens e o cuidado como foi mostrado ali é totalmente inexistente. Até que a barragem estourou e cumpriu todo o percurso do Rio Doce, indo até a foz em um processo de devastação sem precedentes.
No São Francisco você tem também muitas lagoas de rejeitos de mineração. A pergunta que a gente faz é 'vai saber em que situação essas barragens estão'? Qual risco real elas oferecem para os rios brasileiros, sobretudo essas barragens de contenção de mineração? Isso já aconteceu em outros momentos, aconteceu na Bacia do Paraíba anos atrás e agora no Rio Doce e provavelmente, pela situação que está sendo levantada, pode acontecer em qualquer rio, a qualquer momento, desde que você tenha mineração na bacia do rio em questão. Vamos dizer assim, do ponto de vista civilizacional brasileiro, eu vejo isso como perfeitamente lógico, natural, consequente com a mentalidade que impera no trato com os nossos rios e florestas.
O sr. defende com bastante veemência que o primeiro passo seria restaurar o ciclo das águas, por meio de suas nascentes, reverter o desmatamento e tudo o mais. É isso mesmo, seria preciso deixar a natureza respirar um pouco?
Isso vem inclusive dos nossos climatologistas do Inpe, da USP, as pessoas que têm uma noção de como o ciclo das águas acontece e como a natureza cobra respeito. Uma vez ferida, machucada, ela vai tomar outros caminhos que a gente nunca sabe exatamente quais. Quando foi feito o Código Florestal, não era para deputado definir qual é a área de preservação de cada manancial. Isso é a natureza que diz. Você tem no São Francisco lagoas que ficam a sete, oito quilômetros da margem do rio, quer dizer, quando você define que o São Francisco vai ter 100 metros de matas ciliares...
Quem é você para definir algo que é a natureza que define? Você tem de fazer um estudo caso a caso, rio a rio, aquífero a aquífero, para saber qual é a área de recarga de cada um desses recursos. Qual é a área de proteção ambiental de cada nascente, em cada cabeceira de rio, trata-se de respeitar esses processos naturais, que evidentemente não obedecem à ordem da propriedade privada e nem à ordem decretada pelos deputados.
Os processos naturais são autônomos em relação ao que o ser humano define. O professor Antonio Nobre diz que a gente precisaria ter uma verdadeira economia de guerra para você poder dar um descanso para a natureza, para ela poder se refazer. Temos de aprender a lidar com esses processos naturais de uma forma mais respeitosa. Eu costumo lembrar que quando Pero Vaz de Caminha chegou no Brasil e escreveu aquela carta ele disse aquela frase: 'neste país em se plantando tudo dá', mas a frase não termina aí, tem um complemento: 'neste país em se plantando tudo dá por conta das muitas águas que ele tem'.
Esse detalhe do complemento da frase foi esquecido. Nós que já fomos o país com mais água em termos de abundância, com a maior malha de rios do mundo, hoje é preciso colocar em dúvida tudo isso. A Nasa disse há poucos dias, e isso me chamou a atenção, que o Sudeste perdeu cerca de 53 bilhões de metros cúbicos de água e nós aqui no Nordeste perdemos nos últimos anos cerca de 49 bilhões de metros cúbicos. Em um processo devastador como esse nós vamos ter crise hídrica permanente em muitas regiões do país.

http://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2015/11/pais-precisa-restaurar-ciclo-das-aguas-para-enfrentar-crise-hidrica-de-dimensao-nacional-8780.html

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

MOBILIZAÇÃO COP 21: HIDRELÉTRICAS NÃO SÃO LIMPAS NEM VERDES

E SE SUA ENTIDADE QUISER ADERIR E REFORÇAR ESTA PETIÇÃO, ENTRE EM 

Se a sua entidade tiver interesse em co-assinar o documento, favor preencher o formulário
 no seguinte linkaté segunda-feira, 30 de novembrohttps://docs.google.com/forms/d/18ki8WYCZi4uZAEYzQOYVz2YWfc4T-wTjiqVIQs3JRvQ/viewform   Nesta página, você pode encontrar links para a petição em inglês, espanhol, francês e chinês.  Opcionalmente, pode mandar um e-mail com as informações básicas (nome da organização, país, pessoa de contato, e-mail) para Sarah Bardeen org> e Margaret Zhou org>


Dez motivos porque as iniciativas climáticas não devem incluir grandes projetos hidrelétricos

Um Manifesto da Sociedade Civil em Apoio a Soluções Climáticas Reais

As grandes usinas hidrelétricas têm sido frequentemente caracterizadas como fonte de energia “limpa e verde” por instituições financeiras internacionais, governos nacionais e outros atores. Estes projetos se beneficiam imensamente de instrumentos supostamente voltados a enfrentar as mudanças climáticas, inclusive créditos de carbono no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), créditos do Fundo de Investimento Climático do Banco Mundial, e condições financeiras especiais por parte de agências de crédito à exportação e “bônus verdes”. A indústria de barragens pressiona para que grandes projetos hidrelétricos sejam financiados pelo Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund), e vários governos os promovem como resposta às mudanças climáticas em suas iniciativas nacionais.  Por exemplo, pelo menos doze governos com grandes setores hidrelétricos incluíram uma expansão na geração de energia hidrelétrica em seus relatórios sobre Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDCs).

O apoio recebido por parte de iniciativas climáticas é um dos motivos pelo qual 
mais de 3.700 barragens hidrelétricas estão atualmente em construção ou em fase de planejamento no mundo. No entanto, grandes projetos hidrelétricos são uma falsa solução falsa para as mudanças climáticas. Devem ser excluídos de iniciativas climáticas nacionais e internacionais pelos seguintes motivos:

1.     Particularmente nas regiões tropicais, os reservatórios de hidrelétricas emitem quantidades significativas de gases de efeito estufa.  De acordo com um estudo revisado por especialistas, o metano de reservatórios é responsável por mais de 4% de todas as mudanças climáticas provocadas pelo Homem – sendo este comparável com o impacto climático do setor da aviação. Em alguns casos, os projetos hidrelétricos estão produzindo emissões superiores a usinas térmicas à base de carvão que geram a mesma quantidade de eletricidade.

2.     Todos os anos, os rios retiram aproximadamente 200 milhões de toneladas de carbono da atmosfera. Adicionalmente, os sedimentos que rios como o Amazonas, Congo, Ganges e Mekong transportam para o mar alimentam o plâncton e absorvem grandes quantidades de carbono. Projetos hidrelétricos e outras barragens interrompem o transporte de sedimentos e nutrientes e prejudicam o papel dos rios como sumidouros globais de carbono.

3.     As barragens das hidrelétricas tornam os sistemas de água e de energia mais vulneráveis a mudanças climáticas. Cheias sem precedentes têm ameaçado a segurança de barragens, sendo que apenas nos EUA estas já causaram o rompimento de mais de 100 barragens desde 2010. A construção de barragens tem exacerbado inundações catastróficas em zonas montanhosas frágeis como em Uttarakhand, na Índia. Ao mesmo tempo, as secas extremas com maior frequência aumentam os riscos econômicos da produção de energia hidrelétrica, e tem afetado gravemente países desde África ao Brasil, que dependem de barragens hidrelétricas para a maior parte da sua produção de energia.

4.     Em contraste com projetos eólicos, solares e micro-hidrelétricas, as grandes barragens causam danos graves e frequentemente irreversíveis a ecossistemas de importância crítica. Devido à construção de barragens e outros fatores, os ecossistemas de água doce têm, em média, perdido 76% da suas populações de espécies desde 1970 – mais que os ecossistemas marinhos e terrestres. A construção de mais barragens para supostamente resguardar ecossistemas das mudanças climáticas significa sacrificar as artérias do planeta para proteger seus pulmões.

5.     Grandes projetos hidrelétricos trazem consequências gravíssimas para comunidades locais, violando frequentemente os direitos de povos indígenas a seus territórios, recursos naturais, governança, integridade cultural e consentimento livre, prévio e informado. No mundo, as barragens têmdeslocado pelo menos 40-80 milhões de pessoas e têm afetado negativamente cerca de 472 milhões de pessoas que vivem à jusante de barragens. A resistência de comunidades afetadas por estas hidrelétricas tem sido frequentemente acompanhada por violações flagrantes dos direitos humanos.

6.     Os grandes projetos hidrelétricos nem sempre são uma ferramenta eficiente para expandir o acesso à energia entre os mais pobres. Ao contrário da energia eólica, energia solar e da energia gerada pelas centrais micro-hidrelétricas, grandes projetos hidrelétricos dependem de redes centralizadas de transmissão, que não são uma ferramenta eficiente em termos de custo para chegar a populações rurais em regiões como a África Subsaariana e os Himalaias. Grandes projetos hidrelétricos são frequentemente construídos para responder às demandas de projetos de mineração e da indústria, mesmo que sejam justificados pelas necessidades dos mais pobres.

7.     Mesmo que fosse uma boa solução em outros aspectos, as grandes hidrelétricas seria uma  forma muito dispendiosa e demorada para combater à crise climática. Em média, grandes barragens envolvemcustos excedentes de 96% em relação a seus orçamentos, além de prazos de construção que ultrapassam o previsto numa média de 44%. Em comparação, projetos eólicos e solares podem ser construídos muito mais rapidamente e envolvem, em média, custos excedentes de menos de 10%.

8.     Em contraste com a energia eólica e solar, a energia hidrelétrica não é mais uma tecnologia inovadora e, por décadas, não tem registado qualquer avanço técnico significativo.  Diferente da energia solar, o financiamento de grandes hidrelétricas, via iniciativas climáticas, não vai gerar economias de escala, e não incentiva a transferência de novas tecnologias para os países do Sul.

9.     As energias eólica e solar têm se tornado mais facilmente disponíveis e financeiramente competitivas, e têm superado grandes hidrelétricas no acréscimo de nova capacidade de geração. À medida que as redes de energia tornam-se mais inteligentes e o custo das baterias caem, os novos projetos hidrelétricos não são mais necessários para compensar fontes intermitentes de energia renovável.

10.  Atualmente, projetos hidrelétricos correspondem a 26% de todos os projetos registados com a MDL, e absorvem um apoio significativo de outras iniciativas climáticas. O financiamento de grandes hidrelétricas, via iniciativas climáticas, reduz o apoio a soluções efetivas como a energia eólica, solar e micro-hidrelétricas, enquanto cria a ilusão de uma ação verdadeira a favor do clima. Incluir grandes projetos hidrelétricos em iniciativas climáticas cria a falsa impressão que se pode eliminar a necessidade de soluções climáticas reais adicionais.

Por esses motivos, as organizações e indivíduos abaixo assinados, conclamam a governos, financiadores, e outras instituições a não incluir grandes hidrelétricas nas iniciativas de combate às mudanças climáticas.  Além disso, todas as soluções climáticas e de energia devem respeitar os direitos e os meios de vida das comunidades locais.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

SAMARCO, A AGONIA DO CAPITALISMO FINACEIRO

Samarco, a agonia do capitalismo financeiro

Por André Araújo
O caso das barragens da Samarco nos leva a reflexões colaterais sobre o capitalismo financeiro e seus personagens. A Samarco hoje é controlada pela maior companhia de mineração do mundo, a BHP, fusão da Broken Hill Proprietary, fundada na Austrália em 1851, e a Billiton, originada na Indonésia holandesa na mesma época, depois integrante do Grupo Royal Dutch Shell, e a nossa Vale, cuja origem é a americana Itabira Iron, de Percival Farquar, maior empresário do Brasil nas primeiras décadas do Século XX, empresa nacionalizada pelo Presidente Artur Bernardes e que virou Cia. Vale do Rio Doce na década de 40.
Como empresas tão experientes lograram correr um nível de risco patrimonial tão alto a ponto de incorrer em indenizações que provavelmente vão zerar o valor financeiro da Samarco? Esta faturou R$ 7,2 bilhões em 2014, ganhou líquidos 2,8 bilhões e investiu apenas 78 milhões em segurança ambiental. Com um pouco mais reforçaria as barragens, que são de terra, as mais baratas que existem, instalaria sensores para monitorar o risco da pressão do volume sobre a parede e, com mitigação maior de risco, transformaria a parte de terra despejada na represa em pellets, que poderiam ser armazenados fora da represa e diminuiriam consideravelmente o volume dentro  da barragem. Assim, ficaria com muito menor ocupação resultante apenas em água impura, mas em muito menor volume do que o conjunto lama+detritos+água. Essa solução mais definitiva custaria um pouco mais, mas seria um seguro infinitamente mais barato do que o custo econômico que agora cairá sobre a empresa que será devorada pelas indenizações.
Como os executivos não assumiram esse caminho? Por causa do modelo de capitalismo financeiro que vem assumindo a direção das grandes empresas da economia produtiva.  Foram-se os executivos "de indústria",  "do ramo". Hoje, assumiu uma geração de jovens calculistas que trabalham exclusivamente com planilhas, índices, taxas de retorno. Não tem ligação com o produto físico, com as máquinas, com a terra, com o minério, com a barragem. O mundo deles e de seus chefes e acionistas é exclusivamente financeiro.
O lucro pode ser fantástico, mais de um terço do faturamento, mas nem por isso a pressão para obter mais é da essência dessa cultura financeira.  Fora das planilhas e dos "budgets", dos "targets", não tem mais nada no radar, nem o futuro da empresa, é só o próximo trimestre, base dos bônus. No semestre posterior pode ter caído o CEO mundial do grupo e o CEO da Samarco, então a única meta que conta é o lucro do trimestre.
Conheci profundamente o sistema. De 1974 a 1978, fui o principal executivo de uma subsidiaria de multinacional americana no Brasil, havia uma obsessão com a meta trimestral, nada mais importava. No fim de cada trimestre, todos os executivos-chefes de cada divisão viajavam para a matriz em St. Louis, eram 130 divisões no mundo e lá mesmo no bunker do subsolo do prédio havia, durante toda a semana, em um auditório, uma revisão do budget de cada divisão. Se o executivo não tivesse atingido a meta era execrado em público e alguns despedidos lá mesmo. Depois, partia-se para fixação da nova meta para o trimestre seguinte, a pressão era intensa visando aumentar o lucro prometido, máxima pressão, até que o executivo acabasse por aceitar, mesmo sabendo que era impossível atingir, pelo menos ele teria o emprego por mais um trimestre.
Era um sistema diabólico para espremer cada divisão como um limão. Isso há 40 anos. Hoje, está muito pior, o único critério de sucesso é aumentar a taxa de retorno para o acionista com o mínimo de investimento, o mínimo de empregados e o maior aproveitamento dos ativos. Os que atingiam e ultrapassavam um pouco viravam heróis e eram homenageados com convite para jantar com o CEO, ganhavam sorrisos e cumprimentos, às vezes até promoção no ato.
Esse "capitalismo do trimestre" leva a mega distorções. É possível aumentar o lucro no curto prazo economizando em itens que causarão danos só no longo prazo, como não fazer a manutenção periódica dos equipamentos, trocar mão de obra cara por mais barata, rebaixar a qualidade do produto, continua vendendo, mas vai queimando a marca. Economizar na segurança ambiental é uma típica manobra para aumentar o lucro no curto prazo, a custo do longo prazo...
Esse é o típico capitalismo  AMBEV: padronizar todas as cervejas, só muda o rótulo, o gosto é o mesmo. Isso faz cair o custo por causa dos mega volumes de uma fabricação uniforme, abrindo espaço para centenas de fábricas de cervejas artesanais, porque o consumidor não quer o mesmo paladar padronizado. Isso é o capitalismo financeiro, os controladores da AMBEV são todos financistas e não industriais, heróis do capitalismo de corte de custos até o osso.
Hoje, firmas como a BHP e a Vale são controladas por fundos e não por pessoas. Os fundos querem taxas de retorno, é preciso pressionar os executivos. Estes, encostados na parede, cortam custos essenciais para fazer subir a taxa de retorno. Esse capitalismo deixa destroços pelo caminho, no limite vão acabar com o emprego e a sustentabilidade do planeta. O caso SAMARCO pode ser um dos maiores símbolos desse sistema que gera sua própria autodestruição.