sábado, 30 de dezembro de 2017

TEMER INSULTA A MEMÓRIA DE DOM HELDER

Roberto Malvezzi (Gogó)

Uma notícia estranha, que nem circula na grande mídia, afirma que Temer publica por decreto que D. Hélder Câmara é o patrono dos direitos humanos no Brasil. A iniciativa teria vindo do Congresso Nacional.

Muitas vezes não dá para distinguir se esse governo é estúpido, cínico, cruel, ou tudo isso e muito mais. Porém, quem tem uma unha de decência intelectual e ética sabe que a maioria desse Congresso e o governo Temer são antagônicos a tudo que D. Hélder foi e sempre defendeu.

Portanto, essa iniciativa só pode ser um insulto à Igreja Católica, já que grande parte do episcopado tem se oposto às crueldades dos mandarins de plantão. D. Hélder merece esse patronato, mas não pelas mãos desse governo.

Não sei a quem cabe recusar essa coisa. Talvez a CNBB ou mesmo o Vaticano através da Nunciatura. O certo é que, se a Igreja Católica do Brasil não reagir a essa ofensa, aqueles que conviveram com D. Hélder e todos os defensores dos direitos humanos, deveriam imediatamente se comunicarem com o Papa Francisco para alertá-lo sobre o insulto e cobrar dele uma posição diante desse cinismo.

Ou, então, só há uma possibilidade de aceitar esse patronato: que Temer revogue o congelamento dos investimentos em saúde e educação; revogue a reforma trabalhista que já joga mais gente no desemprego; revogue as privatizações, inclusive dos bens naturais como terra, água e petróleo; cancele qualquer tentativa de reformar a previdência; retome todas as políticas públicas canceladas como a captação da água de chuva no Nordeste, o Bolsa Família, etc.; principalmente arrume as malas e vá embora, deixando o povo brasileiro em paz.


DOM HELDER: PATRONO DOS DIREITOS HUMANOS, MAS NÃO OS DE TEMER!

FAÇO MINHAS SUAS PALAVRAS, MARCELO, E DESEJO QUE A REAÇÃO SEJA FORTE CONTRA ESSA OFENSA DO TEMER A DOM HELDER E A TODAS AS PESSOAS, AO PONTO DE GERAR CONSCIÊNCIA DO CINISMO COM QUE AS ELITES USAM O POVO E SEUS VERDADEIROS AMIGOS E DEFENSORES. E QUE ESTA CONSCIÊNCIA NOS LEVE A AGIR COM FIRMEZA EM 2018, ENFRENTANDO E DERROTANDO TUDO QUE ESSE GOVERNO ILEGÍTIMO TEM IMPOSTO DE SACRIFÍCIOS AO POVO COM APOIO DO CONGRESSO E DO JUDICIÁRIO.



                      Recife, 29 de dezembro de 2017

Querido Dom Helder Camara,
                     
 Nesse Natal, a saudade bate como nunca. Dá-me uma vontade louca de conversar com você. Não tenho saudade dos anos 60, nos quais, pelas suas mãos, fui ordenado presbítero para o povo de Deus. Nem quereria voltar aos anos 70, quando tive a graça de ser seu secretário para assuntos ecumênicos. Na linha da espiritualidade de Natal, quero mesmo assumir a realidade do aqui e agora. Só tenho saudade é de ouvir sua voz e saber suas posições a respeito de algumas coisas que estão acontecendo.
Qualquer dia, lhe escrevo com notícias sobre a nossa querida arquidiocese. Agora, quero falar mesmo do Brasil. Hoje pela manhã, passando no aeroporto de São Paulo, por acaso, entro no email e leio uma mensagem do amigo Roberto Malvezzi (Gogó), contando que o governo Temer decretou que você, (acredite se quiser, você, Dom Helder Camara), é o patrono nacional dos Direitos Humanos. Depois, João Pedro completou a informação de que se tratava de uma proposta de um deputado chamado Arnaldo Jordy do PPS do Pará que tramita na Câmara desde 2015 e que agora o Temer resolveu sancionar. Sem deixar claro porque fazia isso e que sentido tinha essa homenagem repentina. Gostaria muito de que você pudesse se manifestar a respeito dessa iniciativa de um governo como esse que  o torna patrono nacional dos Direitos Humanos. Isso é uma honra ou é um insulto? Que Direitos são esses? E de quais humanos? Os que estão no governo e dele se beneficiam? Quais direitos humanos sobraram do congelamento de gastos do governo em educação e saúde? De que direitos humanos o governo pensa que você é patrono - os que ainda podem restar depois das regras e normas baixadas para aliviar a barra dos latifundiários e donos de empresas que praticam trabalho escravo em suas propriedades? Os direitos humanos do povo que sem votar perde todos os dias direitos adquiridos a suor e sangue na Constituição de 1988? Que direitos humanos terão os cadáveres dos pobres que morrem sem poder aposentar-se por causa da reforma pensada pelo governo Temer?
                     Vai ver que nesse Natal baixou o Espírito que anunciou a Maria a novidade da encarnação do Verbo e Temer pensou nos direitos humanos dos que votaram no governo Dilma e se arrependeu da traição que fez e do golpe que deu? Será que ele quer pedir ao Moro e ao Gilmar Mendes que leve em conta os direitos humanos de Lula e dos políticos do PT que eles tanto odeiam? O que será que está por trás dessa iniciativa do Temer?
                      Parece que os poderes no Brasil gostam de usar o seu nome quando precisam de limpar alguma barra suja. Em 2010, o Senado Federal aprovou um aumento de 60% para os salários dos senadores. A notícia repercutiu mal no Brasil. Poucos dias depois, o Senado aprovou conceder a comenda Dom Helder Camara para os Direitos Humanos a um bispo católico. No caso era Dom Edmilson Cruz, então bispo de Limoeiro do Norte, no Ceará. No céu, você ter sabido do que aconteceu. O bispo foi ao Senado e em discurso aberto rejeitou a comenda. Disse que seria incoerente se aceitasse aquela comenda dada pelo mesmo Congresso que legislava contra o povo e disse claro: "Quem age assim não é parlamentar. É para lamentar". 
Ainda nos anos 60, o governo militar resolveu conceder uma medalha da Paz a Dom Abade Basílio Penido e a dois bispos de Pernambuco (Dom Augusto - de Caruaru e Dom Milton de Garanhuns). Dom Abade tinha ainda um bom diálogo com generais do IV Exército. Mas, alguém o advertiu de que aquela homenagem era para manifestar que na Igreja nem todos tinham a linha "radical" de Dom Helder Camara, na época, já muito criticado. Dom Abade se sentiu muito tentado a receber, mas em contato com os dois bispos (mais tradicionais e até ingênuos), os três decidiram rejeitar e dizer por que. Não era normal eles serem homenageados em um momento como aquele e sem nenhuma referência ao arcebispo.
                    Lutero dizia que "Deus prefere o insulto de quem é justo do que o louvor de quem pratica injustiça". Você, Dom Helder, sempre agiu assim. Como iria aceitar tal homenagem? Mas, quem pode atualmente lhe representar para dizer claramente ao governo Temer e ao povo brasileiro porque você se sentiria constrangido em aceitar tal homenagem e que só a aceitaria se o governo mudasse totalmente o seu modo de conceber o p poder e a orientação que tem em sua gestão. Quem pode lhe representar?
Roberto Malvezzi escreveu que alguns bispos (não sei quais) já manifestaram o seu protesto contra essa medida. Talvez, haja um ou outro que pense: "Se a medida é justa e correta, pouco importa quem a faz e com que intenção. A medida é boa e deve ser apoiada". Parece que Jesus não pensou assim quando contestou o doutor da lei que o chamou de bom. "Por que me chamas de bom?". Em outras palavras: "Que direito você tem para me chamar de bom? Só Deus é bom" (Mc 10, 17 ss).
Talvez, o mais pedagógico fosse que todos os cidadãos brasileiros, incomodados ou mesmo agredidos por essa homenagem declarem que o governo não tem o direito de usar o nome Helder Camara para seus propósitos maquiavélicos e deletérios. Esperemos que o Instituto Dom Helder Camara (IDHEC) se manifeste, que a Escola de Fé e Política Dom Helder Camara se posicione, que a Agência de Notícias Dom Helder Camara da CNBB denuncie e que todos os movimentos sociais gritem contra essa medida e anulem qualquer tramoia que esse governo golpista e insensível aos pobres tenha planejado.
                  No Natal, celebramos os santos inocentes, crianças que, segundo a tradição, foram mortas por Herodes. Hoje, devemos ser santos lúcidos, críticos e atentos ao que ocorre no mundo. José Saramago critica São José pelo fato de que, quando avisado em sonhos de que Herodes iria matar as crianças de Belém, fugiu sem antes ter advertido aos vizinhos e protegido as outras famílias. Apesar de saber que essa história é um midrash narrativo e não um fato real, atualmente temos de ser mais cuidadosos e não deixar primeiro que os inocentes morram para depois fazê-los santos. Dom Helder, você sempre foi e é nosso patrono dos direitos humanos, mas não os do governo Temer e sim os das organizações sociais que nesse 2018 vão refazer várias de suas campanhas e vão mudar o Brasil. Inspire-nos nesse caminho e nos abençoe. Seu irmão menor Marcelo (o monge do qual vc fala que jovem lhe procurou em crise de vocação e que você aconselhou. Você fala dele em uma de suas vigílias em 1965, mas evita dizer meu nome para não me expor). Agora não há mais esse risco e podemos sim colocar o nome de todos nós na sua vigília pelo Brasil.
              Abençoe o seu filho Marcelo 

sábado, 23 de dezembro de 2017

ENERGIA SOLAR NO CAMPO É VANTAJOSA

VALE A PENA USAR O PRONAF PARA INSTALAR ENERGIA FOTOVOLTAICA SOLAR. EM POUCO TEMPO SE PAGA O EMPRÉSTIMO, E AÍ É FESTA... E SE AMA A MÃE TERRA,

http://www.emater.tche.br/site/sistemas/images/banco_imagens/grandes/19819.jpgA energia solar com placas fotovoltaicas têm atraído o olhar e o investimento de produtores de Caibaté, nas Missões. Um novo investimento em energia solar via Pronaf Eco foi realizado no município, desta vez, pelo agricultor Adilson Ribas de Morais e sua família, que moram no Rincão dos Machado.
Adilson conta "que há dois anos sua família vinha pensando em investir em uma fonte de energia alternativa, porém era muito caro, agora com a possibilidade de financiamento com juros de 2,5% ao ano, ficou mais acessível". O investimento, segundo o agricultor, será destinado para abastecer a casa, a sala de ordenha e o sistema de irrigação, que abrange uma área de quatro hectares de grama Tifton.
Os painéis fotovoltaicos podem produzir energia por até 50 anos, com garantia de energia de pelo menos 25 anos. O excedente da energia produzida nos painéis pode ser armazenado em baterias ou injetado na rede elétrica convencional, sendo este último, o caso da propriedade da família. Nos meses em que a geração de energia elétrica é maior do que o consumo na propriedade ocorre um excedente que deve ser compensado em até 60 meses
Segunda a técnica em agropecuária da EMATER/RS-ASCAR, Tamires Scheis, "a energia solar é uma aposta da família, que também é participante do Programa de Gestão Sustentável da Agricultura Familiar que pretende baratear seus custos de produção, melhorando a gestão da propriedade rural".
Além de gerar renda e autonomia, tornar-se um produtor de energia renovável melhora a rede elétrica local e não impacta o meio ambiente. Fonte: EMATER RS
Segundo Valter Bianchini, oficial nacional de Programas da FAO, com juros de 2,5% ao ano, projeto como este é economicamente viável. Após três anos o valor economizado com a energia será superior ao valor pago anualmente pelo credito do Pronaf e em oito anos o financiamento será liquidado apenas com a receita da redução da conta de luz. 
http://boaspraticas.org.br/index.php/pt/informativo-fao-brasil.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

CONIC: SOLIDARIEDADE AOS CAMPONESES/AS DESPEJADOS NO PARANÁ

CONIC: sobre os despejos de camponeses/sas no Paraná e outros estados
“Se saio para o campo, eis os feridos pela espada;
se entro na cidade, eis as vítimas da fome;
até os profetas e sacerdotes atravessam a terra e não compreendem!” (Is 14:18)
Foi com indignação e assombro que assistimos, durante a reunião de diretoria, realizada no dia 19 de dezembro, ao vídeo da ação de despejo realizada contra camponeses e camponesas do município de Pinhão, estado do Paraná.
O despejo das famílias é consequência do cumprimento de uma reintegração de posse em favor da empresa pertencente à família Zattar.
As imagens das pessoas tendo suas casas derrubadas por máquinas, sem ao menos conseguirem retirar seus pertences, são chocantes. Assim como chocam as imagens da destruição do Posto de Saúde e da Igreja da comunidade.
Estas ações têm sido recorrentes, assim como o assassinato de lideranças camponesas em diferentes regiões de nosso país. A chacina de Pau D’Arco é o símbolo maior, neste ano, dos impactos de um modelo agrícola baseado na concentração de terra. 
Tal como o despejo de Pinhão, há despejos ocorrendo em Marabá, no Pará, e também Palma Sola, em Santa Catarina.
Estas ações não são fatos isolados. Elas são consequência do império do mercado que financeiriza a terra e não leva em consideração a vida, a história, a espiritualidade e a cultura dos povos. Diante dos interesses do mercado, a vida das pessoas é secundária e descartável. 
Como Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, repudiamos a ação realizada em Pinhão. Oremos pelas famílias que foram despejadas!
Das autoridades competentes, exigimos medidas cabíveis para reverter a decisão que impede estas famílias de permanecerem em seu território. 
Às igrejas locais, pedimos que mobilizem a solidariedade e que sejam voz profética. 
Expressamos nosso apoio e compromisso com as demais comunidades que sofrem a pressão dos grandes grupos agrários para deixarem suas terras. 
Que nesse tempo de Natal, cristãos e cristãs possam colocar-se no lugar das famílias despejadas e das que ainda podem perder suas terras. Sentir a dor do outro e solidarizar-se com a pessoa próxima, a exemplo do Bom Samaritano (Lc 10:30-37), é o que de mais próximo podemos experimentar do sentido do Natal.
Que o Deus da paz, revelado na manjedoura em Belém, rompa o gelo de nossos corações. A paz apenas será concreta se os direitos humanos forem respeitados em sua plenitude. 
CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

Foto: Reprodução / Central Cultura de Comunicação

Pa. Romi Márcia Bencke
Secretaria Geral
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

FREI SÉRGIO: GREVE DE FOME CAMPONESA

OBRIGADO, SÉRGIO, POR MAIS ESTE TESTEMUNHO. E PELA RICA REFLEXÃO. E PELA RIQUEZA ESPIRITUAL E POLÍTICA DE SEU GESTO E DE TODAS E TODOS QUE, EM NOSSO NOME E A NOSSO FAVOR, PASSARAM FOME DIAS PARA EVITAR QUE MILHÕES PASSEM FOME TODA A VIDA.

Greve de Fome Camponesa
Frei Sérgio Antônio Görgen ofm *
Participei entre os dias 5 e 14 de dezembro de 2017, durante 10 dias, de uma Greve de Fome em Brasília, dentro da Câmara dos Deputados, deflagrada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, contra a desdita Reforma Previdenciária proposta pelo governo Michel Temer. Iniciamos em três pessoas. Fiz companhia às camponesas Josineide, do Piauí e Leila Denise, de Rondônia. No dia 11 de dezembro aderiram mais três camponesas, Rosa, do Rio Grande do Sul, Simoneide, do Piauí e Rosângela, de Roraima, esta, dirigente nacional do Movimento de Mulheres Camponesas - MMC.
Descrevo aqui algumas impressões e algumas conclusões de cunho pessoal sobre este acontecimento.
               Antes de mais nada, foi uma Greve de Fome protagonizada por mulheres. Pelo que conheço da história de outras Greves de Fome, é caso novo na história. Duas mulheres participaram desde o início e três se somaram ao longo do período. Talvez como sinal de que as mais atingidas por esta legislação sejam de fato as mulheres. Mas pode ser também que um novo protagonismo histórico esteja brotando nas classes populares brasileiras com muita força: o protagonismo feminino.
Durante os dez dias dentro da Câmara dos Deputados, irrompeu como força comovedora e mobilizadora a bravura, a coragem e a serenidade das cinco camponesas, com destaque às duas que completaram 10 dias sem ingerir alimentos sólidos.
Também impressionou o testemunho silencioso e ao mesmo tempo eloquente: as que produzem o alimento que vai à mesa de tantos privando-se dele para chamar a atenção dos que se locupletam pessoalmente vendendo direitos dos pobres e as riquezas da Nação.
A força moral de uma Greve de Fome se afirma e se justifica – para quem a faz e para a sociedade - pela justeza de sua causa. É um ato extremo para situações extremas, quando outros métodos de persuasão já não fazem o efeito desejado para sanar uma injustiça flagrante de amplas consequências. Por isto afirmávamos: “ decidimos passar fome por alguns dias para evitar que milhões passem fome uma vida inteira”.
Representávamos, portanto, os que produzem os alimentos e as riquezas do país, através de seu suado esforço e trabalho e correm o risco de passar fome, na fase mais difícil da vida, na fase em que as forças lhe faltam para ganhar o pão com as próprias mãos, na velhice. Nós nos alimentávamos disciplinadamente de água e soro e as massas camponesas, operárias, pessoas sensíveis de todos os matizes, de todas as categorias dos que vivem do trabalho, nos alimentavam com solidariedade e força espiritual.
A Greve de Fome foi aos poucos se transformando num símbolo contra os que vivem da renda do dinheiro e enchem a pança e refestelam-se em lautos banquetes regados a vinhos finos e caros de reservas antigas. Foi o poder do povo contra o poder do dinheiro.
Um momento de grande densidade espiritual foi a presença amiga, solidária, humilde e firme de Dom Sérgio Rocha, Cardeal de Brasília e Presidente da CNBB. Fortaleceu-nos e estimulou. Foi uma presença de Fé e humanidade e de fé na humanidade.
Permitam-me compartilhar que para mim, pessoalmente, uma Greve de Fome é também um jejum espiritual. E neste tive muito presente uma passagem do Evangelho de Lucas onde Jesus faz conta a história do Bom Samaritano. Diz Jesus no relato de Lucas, que um homem foi assaltado, espoliado, ferido e deixado gemendo à beira do caminho. Passou por ali um Sacerdote, viu e foi adiante. Os sacerdotes eram considerados o grupo social mais importante na sociedade judaica da época. Por ali passou também um Levita, pessoa de alta consideração social. Viu e passou adiante. Por fim passou um Samaritano, um desclassificado para os judeus daquele tempo, viu, sentiu compaixão, achegou-se, cuidou dos ferimentos, levantou-o e ajudou-o a chegar até o povoado mais próximo para que pudesse se recuperar.
Confesso que já me senti tantas vezes como aquele sacerdote ou como o levita da história. Algumas vezes tentei ser como o samaritano. Mas nunca antes havia me colocado no lugar do espoliado e excluído deixado caído à beira da estrada.
Pois foi assim que me senti inúmeras vezes nos corredores da Câmara dos Deputados.
Milhares de samaritanos de perto e de longe nos estenderam a mão solidária.
Mas muitos passavam, viam e seguiam adiante, quase sempre virando o rosto na direção contrária de onde estávamos.
Pensava comigo que se fizessem isto somente ali, conosco, compreendê-los-ia. Afinal, representávamos também uma posição política, talvez contrária a deles. Mas me fica a forte impressão de que agem da mesma forma diante da dor e do sofrimento de milhões e milhões de brasileiros, pobres e desempregados, despojados e ameaçados em seus direitos. E o fazem da pior maneira: através de leis e políticas que os atingem, despojam e jogam na exclusão.
No relato de Lucas, porém, o sacerdote e o levita assim agiram como geste espontâneo, por pura insensibilidade humana. Na Câmara dos Deputados a insensibilidade é remunerada e muitos viram o rosto a soldo dos que lucrarão com a espoliação dos pobres.
Concluindo, gostaria de ressaltar que gestos simbólicos podem ser importantes. Mas a verdadeira esperança de mudanças profundas no Brasil só virão com a organização popular e com o povo tomando as ruas. A indignação nas redes sociais é importante, mas insuficiente. Trabalho de base e formação continuam insubstituíveis e nos darão musculatura para tomar as ruas de forma organizada e firme e apontar horizontes de esperança para o povo brasileiro.

·        Frade Franciscano, militante do MPA e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”.

domingo, 17 de dezembro de 2017

PRECISAMOS REVOGAR A PEC DO FIM DO MUNDO

SE NÃO FIZERMOS ISSO, A DESIGUALDADE, A POBREZA E A MISÉRIA AUMENTARÃO ASSUSTADORAMENTE. SEREMOS CAPAZES DE SEGUIR O BOM EXEMPLO DA ARGENTINA, QUE DERRUBARAM A REFORMA DA PREVIDÊNCIA COM O MOVIMENTO SOCIAL NA RUA?

Por que revogar a Emenda Constitucional 95

 
 
 
 
 
 
 
 
 
171215-PEC
Um ano depois de promulgado o congelamento de gastos sociais, relatório devastador mostra como ele amplia desigualdades e atinge os grupos sociais mais vulneráveis. Enquanto vigorar, não haverá políticas públicas democráticas
Por Grazielle David
Para avaliar políticas públicas, inclusive a política fiscal, utilizamos alguns “testes” fundamentados em princípios internacionais de direitos humanos que constam na Metodologia “Orçamento e Direitos”, desenvolvida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Com base nesta metodologia, colocamos à prova a Emenda Constitucional nº 95, também conhecida como “Teto dos Gastos” , “PEC do fim mundo” ou ainda “Novo Regime Fiscal”.
A emenda, que completa um ano hoje (15/12), congela por vinte anos as despesas primárias, onde estão inscritos os investimentos em políticas públicas promotoras de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Nos cinco testes realizados, abaixo detalhados, a EC 95 falhou em todos.
TEXTO-MEIO
1. Financiamento do Estado com Justiça Fiscal
A política fiscal envolve tanto a forma como o Estado se financia (arrecadação tributária) quanto a forma como realiza despesas desse orçamento público. Esse primeiro teste avalia a arrecadação tributária e nele o Brasil falhou, porque seu sistema tributário é extremamente regressivo.
Isso ocorre porque a maior parte dos tributos são indiretos. Incidem sobre o consumo, pesam mais sobre quem ganha menos. Já em países mais desenvolvidos, a maior parte dos tributos são sobre a renda, progressivos, como demonstrado no Gráfico 1.
Gráfico 1: Composição da carga tributária, em %
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Fonte: OCDE
Como os tributos sobre o consumo não levam em consideração a capacidade contributiva de cada pessoa, proporcionalmente eles acabam pesando mais sobre quem ganha menos. Estudo do Ipeademonstrou que entre os 10% mais pobres, a carga tributária é de 32%, enquanto entre os 10% mais ricos, a carga tributária é bem menor, de 21%.
Quando detalhamos mais quem compõe cada um desses grupos, observamos que entre os 10% mais pobres, a maioria é de mulheres negrase entre os 10% mais ricos, a maioria é de homens brancos. O resultado disso é que são as mulheres negras pobres quem mais pagam proporcionalmente tributos no Brasil, conforme atesta estudo do Inesc.
Com um sistema tributário tão regressivo, os efeitos positivos dos investimentos sociais em políticas públicas promotoras de direitos são praticamente inviabilizados. Numa comparação internacional realizada pelo Monitor Fiscal do FMI, o Brasil está em uma das piores posições na capacidade da sua política fiscal reduzir desigualdades.
O resultado disso é que o Brasil segue como um dos países mais desiguais do mundo – um país onde apenas seis homens concentram a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros mais pobres (dados da Oxfam Brasil). Para obter não apenas uma nota melhor na avaliação, mas também uma melhora no equilíbrio fiscal, é essencial que o Brasil, em vez de congelar gastos públicos, realize uma reforma tributária com justiça fiscal, onde quem ganha mais, contribui mais. Exatamente o oposto do que o atual governo fez com a EC 95. O que deve ter teto é a desigualdade, reforçada pela atual forma de arrecadação tributária injusta e ineficiente.
2. Uso máximo de recursos disponíveis
Os Estados signatários do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) comprometem-se a adotar medidas, principalmente nos planos econômico e técnico, utilizando o máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.
O Brasil também está reprovado nesse teste, porque a EC 95 adota um princípio contrário: o “uso mínimo de recursos disponíveis”, uma vez que coloca um teto para as despesas sociais, mas deixa completamente liberadas as despesas financeiras. A consequência disso é que o país tem experimentado uma expressiva transferência de recursos públicos de programas sociais relevantes para os serviços da dívida pública – o que significa uma redistribuição inversa e sem precedentes dos recursos públicos destinados às populações vulneráveis para as mais ricas, como podemos ver no Gráfico 2.
Gráfico 2: Variações orçamentárias nominais de programas selecionados do Brasil, 2014-2017
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Fonte: Siga Brasil | Elaboração: Inesc

3. Realização progressiva de direitos
O Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e CESR, lançou em 14 de dezembro um Informe sobre os efeitos das medidas de austeridade adotadas no Brasil sobre os direitos humanos em três setores: Políticas de Proteção para as Mulheres, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Farmácia Popular.
Por meio de uma análise minuciosa do orçamento, de seus objetivos e resultados, conseguimos avaliar se o direito que a política pretende garantir está progredindo ou regredindo. As três políticas públicas avaliadas falharam no teste, uma vez que sofreram importantes cortes orçamentários e perda de resultados, efeitos do primeiro ano de vigência da EC 95. Nesse cenário, o Brasil corre sério risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência desprotegidas.
A título de ilustração vejamos o que aconteceu com o Programa de Aquisição de Alimentos. O Gráfico 3 revela a brutal queda de recursos que o programa sofreu e seus efeitos na diminuição do número de agricultores beneficiados por região.
Gráfico 3: Quantidade de agricultores beneficiados por região; dotação e execução orçamentária
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Fonte: SigaBrasil e PAA Data | Elaboração: Inesc*Orçamento executado e beneficiários em 2017 correspondem a uma projeção anual baseada na tendência de gasto até junho de 2017
4. Não discriminação
Para combater a discriminação e promover uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, o orçamento de um governo pode e deve incorporar o combate às discriminações em relação à gênero, raça, etnia, casta, região, deficiência, migração, etc.
Nesse teste, a EC 95 também não passa, pois os cortes orçamentários estão sendo feitos de forma discriminatória. Por exemplo, nas políticas de combate à violência contra a mulher os cortes afetaram desproporcionalmente as mulheres mais pobres, negras e jovens (entre 18 e 30 anos), já que tanto os casos de violência doméstica quanto de homicídios as atingem mais.
O desmonte do PAA decorrente das medidas de austeridade atingiu especialmente os grupos mais vulneráveis do campo e da floresta, que antes eram beneficiados pelo estímulo à produção e comercialização de seus produtos alimentares: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais, e mulheres. Por fim, os cortes seletivos no orçamento do programa Farmácia Popular, eliminando a rede pública do programa, afetaram o acesso da população mais vulnerável aos medicamentos essenciais. Isso porque muitos municípios brasileiros são extremamente pobres e não despertam o interesse da rede privada de farmácias.
5. Participação social
O Brasil, que chegou a alcançar o 6º lugar no Índice de Orçamento Aberto (OBI, na sigla em inglês) em 2015 está piorando também no quesito participação social. Junto com os cortes orçamentários impostos pela EC 95, vieram os cortes de informação. O Relatório do Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher, que deveria ter sido publicado em junho, ainda não está disponível para acesso público. Dados sobre a rede de serviços especializados para mulheres vítimas de violência de 2017 também não estão online. No PAA, os dados de 2017 sobre beneficiários não constam no PAA Data. E os dados sobre farmácias do SAGE – Sala de Apoio a Gestão Estratégica do Ministério da Saúde também foram reduzidos. Nos três casos, para obter informações para o estudo “Direitos Humanos em tempos de austeridade”, foi necessário recorrer à Lei de Acesso a Informação.
Igualmente grave é que todos esses cortes orçamentários e mudanças nas políticas foram feitas sem consulta aos Conselhos das políticas de cada uma dessas políticas, como o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNM), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS).
A EC 95 está reprovada por não se encaixar em nenhum aspecto dos princípios internacionais de direitos humanos, nem permitir cumprir os compromissos assumidos perante as Nações Unidas relativos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Essa é a razão pela qual a EC 95 deve ser revogada, para que o Brasil volte a cumprir seu objetivo de Nação previsto na Constituição Federal, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; com erradicação da pobreza e redução das desigualdades.
A EC 95 está reprovada por não se encaixar em nenhum aspecto dos princípios internacionais de direitos humanos, nem permitir cumprir os compromissos assumidos perante as Nações Unidas relativos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Essa é a razão pela qual a EC 95 deve ser revogada, para que o Brasil volte a cumprir seu objetivo de Nação previsto na Constituição Federal, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; com erradicação da pobreza e redução das desigualdades.
http://outraspalavras.net/brasil/por-que-revogar-a-emenda-constitucional-95/