segunda-feira, 29 de junho de 2015

BARCELONA DECIDE RECRIAR A POLÍTICA DEMOCRÁTICA

VALE A PENA LER O ARTIGO COM A ESPERANÇA DE QUE ESTA NOTÍCIA ESTIMULE A CRIATIVIDADE POLÍTICA EM NOSSO PAÍS. A NOVA PREFEITA FOI REALISTA, AO AFIRMAR: OBRIGADO PORQUE VOCÊS TORNARAM POSSÍVEL O IMPOSSÍVEL. AGORA, O APARENTEMENTE IMPOSSÍVEL. SEMPRE HÁ POSSIBILIDADES. É CRIME CONTRA A HUMANIDADE PRETENDER QUE "A HISTÓRIA ACABOU", COMO SE NÃO HOUVESSE OUTRO FUTURO SENÃO A REPETIÇÃO DA TRAGÉDIA NEOLIBERAL.

Barcelona: tecnologia transformará poder?
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Posse de Ada Colau leva movimentos cidadãos a governar capital da Catalunha e atualiza pergunta crucial: redes horizontais, articuladas pela internet, substituirão um dia as instituições atuais?
Por Juliana Dias e Mónica Chiffoleau*
A tarde do dia 13 de junho de 2015 ficou marcada como um acontecimento histórico para a democracia e os processos de participação social. Sob um céu azul, cortado por um sol brilhante e enormes bandeiras, cidadãos de Barcelona reuniram-se na praça Sant Jaume, no Bairro Gótico, para testemunhar e apoiar a posse da primeira mulher a assumir a prefeitura da cidade espanhola. Seu nome é Ada Colau, de 41 anos, dona de um sorriso vibrante e portadora de uma convicção inabalável a respeito de seu papel de cidadã.
Ela entrou no palácio do Ajuntamento por um corredor de aplausos e abraços calorosos de cidadãos que a apoiaram. Ada demonstrou ser uma mulher forte, que conjuga bem discrição e confiança. Sua alegria transparente evidenciou a harmonia entre elegância e simplicidade. Apesar de jovem, ela tem uma consistente trajetória de militância, que se intensificou com a crise de 2009, quando lutou para impedir a retirada de pessoas de suas casas por não conseguirem saldar a dívida da hipoteca bancária.
O clima era de esperança, solidariedade e cumplicidade. Os barceloneses encheram a rua com o som de um novo modelo de fazer política, que levou a plataforma Barcelona em Comum ao poder: “Si, se puede!” A prefeita foi celebrada e ovacionada pela população, que ocupou a praça durante as 4 horas de cerimônia. Jovens, crianças, idosos, homens e mulheres gritavam com o mesmo entusiasmo e emoção que torcem peelo time sagrado campeão da Copa dos Campeões, cada vez que Ada se pronunciava.
Sua chegada à prefeitura de Barcelona revelou a potência dos movimentos sociais para desencadear mudanças efetivas nos centros de poder. O grito da multidão traz uma mensagem poderosa e encorajadora para militantes e cidadãos em todo o mundo: é possível mudar a ordem hegemônica. As opções não são binárias e imutáveis, preto e branco. Existem outros tons, outros caminhos, outras vias, um caminho a ser construído, sem respostas prontas.
“É uma mudança de valores, não de gestores”, analisou o assessor de comunicação Antoni Gutiérrez-Rubí no jornal El Periódico de Catalunya. Segundo sua análise, o acontecimento representa a emergência de um novo ecossistema político que liberou energia democrática suficiente para alcançar a vitória nas eleições. O mérito, Gutiérrez-Rubí assevera, é triplo: o Barcelona em Comum não tem experiência de gestão; não forma parte – majoritariamente – da cultura dos partidos e do poder; e não é um partido político nem uma coalizão convencional. “Trata-se de uma confluência múltipla, cívica e política de experiências e vivências muito diversas. Estamos diante de uma novidade total”, escreveu em sua crítica publicada no dia 14 de junho. O Barcelona em Comum não se apresenta como um partido, mas como um instrumento político.
A posse de Ada é resultado de um processo coletivo de organização social. Nas palavras do psicólogo Javier Toret, ativista e membro do partido, “é a inteligência coletiva na cidade que tem permitido construir um grande movimento, herdeiro dos Indignados. Muita gente se agregou, permitindo agrupar uma noção coletiva que se expandiu por toda a cidade”, afirmou numa entrevista concedida às repórteres no meio do calor da multidão e convocou o Brasil para esta empreitada: “essa experiência servirá de referência para todo o mundo e deve ser levada para o Brasil”. Toret já esteve várias vezes no país, para apresentar as experiências da Espanha. O repórter Maurício Bernal, em matéria de capa do El Periódico da Catalunya, afirmou que o povo foi o protagonista da cerimônia de posse: “essa manifestação popular mostrou-se significativa porque é a essência do novo mandato: a rua existe, a rua fala, a rua atua. Ada Colau, de onde vens? Da rua”.
A ativista social Maria José Lecha, em sua fala no Salão de Cents, onde ocorreu a cerimônia de posse, destacou que a plena soberania é ativar e não punir a participação popular. “A ascensão de Ada é o começo da proximidade, da ruptura das políticas neoliberais”.
Um acontecimento inédito
Ada Colau e Pablo Iglesias, do partido-movimento Podemos, que participou ativamente da articulação de sua candidatura
Ada Colau e Pablo Iglesias, porta-voz do partido-movimento Podemos, que participou ativamente da articulação da candidatura da prefeita de Barcelona
O pensamento do filósofo francês Jaques Ellul é pertinente para iluminar a compreensão desse acontecimento inédito no cenário político internacional. Nos anos 50, Ellul sinalizava que as doutrinas democráticas tradicionais haviam se tornado obsoletas por causa da técnica. Visto como pessimista, ele descortinava um mundo material sustentado por uma base técnica, na qual a economia é considerada a ciência técnica das escolhas eficazes. A sociedade moderna seria cada vez mais dominada pela dimensão econômica, controlada pela técnica, anunciava o pensador.
Na visão do filósofo, o Estado torna-se organismo técnico, no qual as técnicas devem ser adotadas sem importar quem esteja no poder. Deve-se adotar os princípios técnicos do capitalismo. Esta análise permite explicar, em parte, o que tem ocorrido com os governos que chegam ao poder. Mesmo com promessas de mudanças estruturais, depois de assumir o mandato observa-se a continuidade das gestões anteriores. Como diz um ditado popular, é como trocar 6 por meia dúzia. Os novos gestores, impregnados por uma nova mentalidade e vontade política, ficam impossibilitados de fazer manobras mais ousadas diante do cumprimento das técnicas econômicas impostas pela primazia de uma gestão eficiente. Em primeiro lugar, devem atender os financiadores de sua campanha eleitoral.
No entanto, o imperativo da técnica é contraposto com o pensamento do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto ao afirmar que a tecnologia é patrimônio da humanidade. “O conceito de técnica mostra que este deve ser patrimônio da espécie. Sua função consiste em ligar os homens na realização das ações construtivas comuns. Constitui um bem humano que, por definição, não conhece barreiras ou direitos de propriedade, porque o único proprietário dele é a humanidade inteira”.
Ao acompanhar o processo político espanhol identificamos a apropriação da tecnologia como bem comum por meio do surgimento da Tecnopolítica. É justamente a apropriação da tecnologia como patrimônio da humanidade que tem permitido recuperar a essência da democracia. Ao invés dos engessados partidos políticos, cauterizados pelo domínio da técnica política, surge uma ferramenta política para fazer aflorar no cidadão o seu poder de reivindicar, atuar e fazer parte das tomadas de decisões de seu território. Não é apenas escolher um representante para assumir um cargo político, mas participar deliberativamente da condução dos processos políticos. A tecnopolítica usa as técnicas para trazer a verdadeira democracia, que vibrou na praça Sant Jaume, ao som emocionante e contagiante: Sim, é possível! E se é possível em Barcelona, é possível em outros lugares também. Nos juntamos à multidão captando a força e a esperança na real possibilidade de mudança no pensamento dominante e hegemônico de que as montanhas não se movem. Maria Jose Lecha sinalizou que a corrupção é a ponta do iceberg. O Barcelona em Comum conseguiu fazer uma ruptura nessa geleira.
Tecnopolítica
De acordo com o livro Tecnopolítica: a potência das multidões conectadas, a tecnopolítica é um padrão de auto-organização política na sociedade em rede. A cultura da internet e o desenvolvimento da subjetividade criam um ecossistema ideal para o desenvolvimento da inovação na vida geral e na ação política em particular. A partir daí os pensadores descrevem esses movimentos com diferentes nomes, tais como Comunidades virtuais (Rheingold), autocomunicação de massas (Castells) e inteligência coletiva (Levy). A potência das identidades coletivas na rede podem supor uma reorganização social em grande escala, aponta Toret.
A tecnopolítica é cada vez mais uma tendência da subjetividade política na sociedade em rede, é reaproximação das ferramentas e espaços digitais para construir estados de ânimo e noções comuns para empoderamento. Possibilita comportamentos coletivos nos espaços urbanos que levam a tomar assento nas decisões de assuntos comuns a todo cidadão. De acordo com o sociólogo espanhol Manuel Castells, a tecnologia, entendida como cultura material, é uma dimensão fundamental da estrutura da mudança social.
O protagonismo dos barceloneses na praça Sant Jaume revelou a esperança da mudança social. As primeiras palavras da Ada Colau foram de agradecimento para a cidadania: “Obrigada por ter feito possível o impossível”.
Outras cidades… outros países
A eleição de Ada Colau pode ser entendida como a herança dos movimentos Occupy, segundo explica Castells; são indivíduos que constituem uma rede conectando-se mentalmente com outros indivíduos. E por que são capazes de fazer essa conexão num processo de comunicação que, em última instância, leva a ação coletiva.
Essas redes negociam a diversidade de interesses e valores presente em cada uma delas para se concentrar num conjunto de objetivos comuns; essas redes se relacionam com a sociedade em geral e com muitos outros indivíduos; geram conexão que funciona em grande número de casos, estimulando indivíduos a ampliar as redes formadas na resistência à dominação e se envolver num ataque multimodal a uma ordem injusta.
Ao finalizar a entrevista com Javier Toret, ele sinalizou que esta vitória não só acontece em Barcelona, se não também em outras cidades da Espanha, como Madri, Coronha etc. Assim como aconteceu com os outros movimentos ocuppy, ele convida a fazer um processo similar em outras cidades do mundo. De acordo com o psicólogo, a mensagem da eleição da Ada Colau para o mundo é clara, a mudança pode ser possível.
As experiências que juntaram milhões de pessoas em áreas ocupadas, desafiando as normas burocráticas sobre o uso do espaço, podem evoluir numa mudança da realidade política. A tecnopolítica é real, representa a profunda capacidade política de nos organizarmos em rede mediados pelas tecnologias.
Será possível no Brasil?
Álvaro Viera Pinto afirma que “a tecnologia de origem externa serve de instrumento para a aceleração do desenvolvimento da nação retardada unicamente se for uma aquisição de livre escolha por parte de seu centro soberano de poder político”. Pelo que testemunhamos na Espanha, entendemos que é necessário primeiro mudar o centro soberano de poder, o qual deve passar primeiro pela construção de redes de contrapoder. Só assim poderíamos vislumbrar uma liberdade de escolha, como Barcelona está experimentando.
É grande a expectativa em relação à gestão dos 21 novos governos das cidades espanholas que assumiram no último dia 13 de junho. Foi vencido o primeiro passo, liberado o centro soberano de poder político. Os cidadãos estão com sua própria representação. Agora, o caminho está em definir políticas favoráveis para toda a população, vencendo o poder da técnica econômica, ao qual se referiu Ellul. O Barcelona em Comum tem a seu favor o fato de que a campanha foi financiada pelos cidadãos e não pelas grandes corporações, como de praxe. Esse foi um dos principais méritos desse instrumento político. Sim, é possível!
*Mónica Chiffoleau – coordenadora da Câmara de Segurança Alimentar nas estratégias de desenvolvimento do Consea-Rio e mestranda no programa de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ)

A ENCÍCLICA PAPAL É UMA VIRADA HISTÓRICA

DECIDI DISPONIBILIZAR A ENTREVISTA COM NAOMI KLEIN POR DOIS MOTIVOS: PARA PERCEBER COMO A ENCÍCLICA ESTÁ SENDO ACOLHIDA POR DIFERENTES SETORES E ENTENDER CRITICAMENTE OS QUE COMBATEM A ENCÍCLICA, E, POR OUTRO LADO, PARA REFORÇAR A POSIÇÃO DE QUE NÃO SE DEVE BUSCAR RECEITAS OU PÍLULAS NELA, E SIM UMA COMPREENSÃO DA COMPLEXIDADE DA CRISE ECOLÓGICA E O DESAFIO DE MUDANÇAS PROFUNDAS, DESDE O PESSOAL ATÉ AS ESTRUTURAS MUNDIAIS DO MERCADO CAPITALISTA E DAS RELAÇÕES POLÍTICAS ENTRE OS POVOS.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/544020-a-enciclica-papal-e-uma-virada-historica-entrevista-com-naomi-klein
'A encíclica papal é uma virada histórica.'' Entrevista com Naomi Klein

A sacerdotisa antiglobalização encontra oPapa Francisco: nasce uma santa aliança em nome da salvação do planeta. Naomi Klein foi convidada para o Vaticano nos dias 2 e 3 de julho para falar em umaconferência internacional que o Pontifício Conselho Justiça e Paz dedicará à encíclicaLaudato si'.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 28-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Klein, canadense, autora de No LogoA Doutrina do Choque Una rivoluzione ci salverà [Uma revolução nos salvará] (Ed. Rizzoli), é uma das pensadoras mais influentes dos movimentos ambientalistas, terceiro-mundistas, de contestação ao liberalismo. As suas ideias atraíram ao longo do tempo o Occupy Wall Street, os indignados e o Podemos. Nós a entrevistamos enquanto ela está prestes a partir para a Itália: feliz com a oportunidade, entusiasta da encíclica.
Eis a entrevista.
O que você gosta do documento papal sobre as mudanças climáticas?
É uma verdadeira reviravolta, uma ruptura histórica, com implicações importantes: tanto políticas quanto econômicas. O Papa Francisco faz uma leitura radical da emergência ambiental, no sentido literal da palavra: vai às raízes da crise. Ele decidiu chamar pelo nome o motor desencadeante: o modelo econômico, um capitalismo baseado no lucro de curto prazo. É uma encíclica para se estudar e para se digerir bem. Vivemos em uma cultura que quer simplificar tudo. O modelo são as famosas "listicles" do Buzzfeed. A tentação é a de resumir: as 10 coisas que o papa diz sobre o ambiente. Não, o papa abraça a complexidade, e as suas mensagens são complexas.
O seu livro mais recente, Uma revolução nos salvará, é considerado o mais otimista da sua trilogia. Portanto, é possível se salvar e salvar o planeta?
Eu parti de onde tinha ficado no meu livro anterior, Doutrina do Choque, isto é, do fato de que esse sistema econômico – baseado na ditadura do lucro individual – usa as crises para enriquecer ainda mais as elites. As mudanças climáticas não são uma exceção. O furacão Katrina e aquilo que, desde então, aconteceu em Nova Orleans são uma manifestação disso: um sistema econômico brutal explorou o desastre para promover ainda mais privatizações, um agravamento das desigualdades. É o cenário que nos mostram os filmes hollywoodianos de maior sucesso popular, de Mad Max Jogos Vorazes: um futuro de violência, brutalidade, desigualdades cada vez mais ferozes. O desafio é imaginar como podemos mudar esse futuro. Esse é o tema do meu último livro. Eu não sou otimista em sentido ingênuo. Não assumo como óbvio que o cenário melhor vai acontecer. Conecto-me justamente ao espírito da encíclica papal, que aborda os valores culturais e morais dominantes. O nosso sistema de valores atual não nos prepara para cooperar entre nós para a salvação coletiva.
Você é severa contra duas das receitas adotadas no passado para enfrentar as mudanças climáticas: as megacúpulas internacionais de Kyoto em diante; e os sistemas de regulação das emissões através de um mercado, o chamado "cap and trade", ou seja, a troca de cotas de emissão.
O limite das megacúpulas é o mesmo limite dos governos. Se eles não têm a força de tomar certas decisões em nível nacional, por que deveriam se comportar de forma diferente só porque se reúnem juntos em uma cúpula? As elites ainda estão imersas na ideologia neoliberal, não têm a força para se opor às multinacionais da economia do carbono. Veja o exemplo de Barack Obama, que faz belos discursos sobre o ambiente, mas, depois, dá à Shell a permissão de perfurar no Ártico, porque dizer-lhe não seria muito difícil. Quanto ao sistema "cap and trade", ele também é um sintoma da falta de vontade de regulamentar as empresas. Criou-se um mercado das emissões de carbono que gera novas oportunidades de lucro e também muitas fraudes, em vez de estabelecer simplesmente limitações por lei. Esse sistema foi imposto pelos Estados Unidos a uma Europa recalcitrante. Os europeus capitularam nos tempos das negociações sobre o Protocolo de Kyoto (na AlemanhaMerkel era ministra do Meio Ambiente naquela época), a fim de obter que os Estados Unidos assinassem aquele tratado. E depois os norte-americanos também não o assinaram.
Você indica que as novidades mais positivas emergiram em nível local.
Sim, a mobilização dos cidadãos a partir de baixo, em alguns casos, forçou os políticos a dizer "não" aos interesses do capitalismo do carbono. Um exemplo recente de Nova York: o governador Andrew Cuomo quis autorizar a extração de gás e petróleo com a tecnologia do fracking, mas os movimentos contrários o obrigaram a banir essa técnica perigosa e prejudicial. Outro exemplo interessante é o forte movimento antinuclear na Alemanha, que, depois da tragédia de Fukushima, forçou o governo Merkel a acelerar a transição para as energias renováveis: hoje, ela já fornecem 30% da demanda alemã.
Uma das questões levantadas pelo Papa Francisco na Laudato si' é a necessidade de repensar as nossas democracias, junto com os valores éticos que guiam as nossas escolhas cotidianas: como consumidores e como cidadãos.
Sim, a questão da democracia é central. Um exemplo de atentado à democracia: uma multinacional sueca apelou contra a Alemanha, acusando-a de violar os seus direitos, quando Berlim decidiu abandonar a energia nuclear. As democracias nacionais, mesmo aquelas que funcionam melhor, podem ser ameaçada pelos novos tratados de livre comércio com as cláusulas em favor das grandes empresas. Uma das qualidades dessa encíclica papal é a sua abordagem holística, que une ambiente, economia, política. São dimensões inseparáveis. Enquanto, ao contrário, quando há uma crise econômica, ela é enfrentada por compartimentos estagnados. Veja a crise da zona do euro: os cortes nos orçamentos públicos tornaram-se o pretexto para reduzir o apoio às energias renováveis, relançar as perfurações marítimas, penalizar os transportes públicos, aumentando as suas tarifas. Quando falamos dos danos causados pela euroausteridade, regularmente nos esquecemos disto: o dano ao ambiente.

OS "LEGADOS" DA BELO MONTE AOS POVOS DO XINGU

ACHEI IMPORTANTE DISPONIBILIZAR ESTA REPORTAGEM DO ESTADÃO, JÁ QUE MUITOS NÃO LEEM MAIS ESSES JORNAIS. E PORQUE ELA REVELA COMO AS EMPRESAS, CONFIRMANDO A REGRA, TRATAM OS DIREITOS DAS PESSOAS. A ÚNICA REGRA A SER SEGUIDA É ESTA: NADA E NINGUÉM PODE IMPEDIR OU ATRAPALHAR A OBRA NECESSÁRIA AO CRESCIMENTO ECONÔMICO!

ATÉ QUANDO SEGUIRÃO CEGOS E SURDOS OS GOVERNANTES E OS EMPRESÁRIOS? ATÉ QUANDO SE TEIMARÁ REPASSAR A MENTIRA IDEOLÓGICA DE QUE A HIDROELETRICIDADE É UMA NECESSIDADE ABSOLUTA, SENDO QUE HÁ SOL DE SOBRA PARA PRODUZIR O QUE SE NECESSITA DE ENERGIA, DEPOIS DE TODOS OS CUIDADOS COM A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA?

VALE LEMBRAR O QUE TANTA GENTE, E AGORA O PAPA FRANCISCO NOS LEMBRAM: O QUE FAZEMOS À MÃE TERRA É A NÓS MESMOS QUE FAZEMOS! 

Obra do lago de Belo Monte espalha caos

Para dar lugar à represa, moradores perdem as casas e reclamam da indenização

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nova-noticia,1714861
André Borges /TEXTOS
Dida Sampaio/ FOTOS
27 Junho 2015 | 19h 48
Indígenas passam ao lado de escombros em Altamira
“Corre, João Vitor!”, grita Maria das Graças para o filho. Sem tempo para mais nada, pega o garoto pelo braço, abre o portão e sai. O trator avança nas paredes da casa vizinha. São menos de dois minutos até tudo ir abaixo. Em três dias, será a vez de a casa de Maria das Graças cair. Ela assiste de longe, sem largar as mãos do garoto. Duas semanas atrás, um caminhão carregado de entulho derrubou o poste de sua casa e lançou a viga de madeira sobre ela, abrindo um rasgo em sua cabeça. A mulher desmaiou e foi socorrida pelo filho. Levou nove pontos. Desde então, não consegue mais dormir direito.
Em cada esquina de Altamira, histórias como a de Maria das Graças proliferam entre as pilhas de entulho e a derrubada constante de casas e barracos, que já somam 4 mil demolições. Muitas vão cair. Cerca de 1.100 casas. Há pressa. É hora de abrir espaço para encher o lago da hidrelétrica de Belo Monte. É hora de barrar o Rio Xingu.
A corrida frenética dos reassentamentos causada por Belo Monte envolve 7,8 mil famílias – ou cerca de 27 mil pessoas –, impactadas pela obra da quarta maior hidrelétrica do mundo, que neste mês, completa quatro anos de construção no coração do Pará.
A concessionária Norte Energia, dona da usina, devia ter ligado a primeira turbina em fevereiro. Atrasada, corre contra o relógio para retirar, nos próximos dois meses, milhares de imóveis que estão na orla de Altamira, liberando a área para subir o nível do rio e entregar energia a partir de novembro.
Estado percorreu toda a região nesta reta final para o enchimento do lago de Belo Monte, uma ação que ainda depende de emissão de licença ambiental. Altamira, município que vai trocar a paisagem de um rio pela de um reservatório, mais parece um cenário de guerra, com casas destruídas e escombros por todo lado. A derrubada e retirada de milhares de toneladas de material é uma exigência do licenciamento. Entre os milhares de moradores que ainda não trocaram de endereço, o clima é de apreensão, e por vezes, de revolta.
Caos. “A cidade é um caos hoje. Vai precisar de, no mínimo, três anos para voltar à normalidade”, admite o prefeito de Altamira, Domingos Juvenil (PMDB). À frente do município desde 2013, ele diz que boa parte da culpa pela convulsão que toma conta da cidade é da gestão pública. “A origem do caos é o impacto causado pela construção [DA USINA], mas muito disso se deve aos governos do Estado e do município, porque não houve ações antecipatórias que pudessem minimizar esse caos.”
Discutida há 40 anos, Belo Monte escreve linha a linha em Altamira o mesmo roteiro de outras cidades da Amazônia que já receberam grandes projetos hidrelétricos. O município, que em 2010 tinha cerca de 100 mil habitantes, viu sua população subir para mais de 150 mil pessoas. Neste período, já recebeu da concessionária Norte Energia R$ 3,092 bilhões para minimizar os impactos e melhorar as condições de vida.
O resultado mais aparente das mudanças está na retirada de milhares de famílias que viviam em palafitas precárias e insalubres nos igarapés à beira do Xingu. Quase todas as casas de madeira já foram destruídas e a população, levada para os bairros que a empresa ergueu fora da cidade. No mais, Altamira continua a ser a mesma cidade precária, incapaz de traduzir os benefícios de sediar um empreendimento hoje avaliado em R$ 32 bilhões e que terá capacidade de entregar energia para 18 milhões de famílias.
Violência. As ações compensatórias atreladas a Belo Monte acabam de ser medidas pelo Instituto Socioambiental (ISA), a partir de dados oficiais, entrevistas na região e artigos de 20 especialistas. O levantamento mostra que, entre 2011 e 2014, o número de assassinatos na cidade saltou de 48 para 86 casos por ano. Acidentes de trânsito, furtos e roubos mais que duplicaram nesse período. O principal hospital da cidade só ficou pronto em março deste ano e ainda tem pendências para operar, porque o município não tem orçamento suficiente para administrá-lo. Faltam itens como leitos para atendimento e internação.
No saneamento básico, a promessa era entregar para 100% da população uma rede de água e esgoto “igual à da Suíça”, mas o projeto ainda não saiu do papel. As estações de tratamento e as tubulações centrais estão prontas, mas as conexões com as casas foram alvo de um ano de discussões e intrigas entre a concessionária, o município e o Estado. Na última semana, resolveu-se finalmente que a prefeitura ficará responsável pelas ligações até as casas e que a Norte Energia pagará a conta.
Morador chora ao ver sua casa no chão
Na orla do Xingu, o desespero toma conta de José Marconi Bonfim, que vê seu barraco de madeira ser derrubado. O pescador, conhecido como Ceará, perambula em cima dos escombros do que era a sua casa. Treme e chora. Perguntado sobre onde colocou as suas coisas e onde vai dormir, aponta para o barco. “Vou dormir ali, por ali”. 

Projeto pode ter até 1.800 processos judiciais

Casa recém-derrubada pela Norte Energia
Antes de produzir energia, Belo Monte está prestes a gerar uma infindável quantidade de processos judiciais movidos por moradores que protestam para receber uma nova casa ou indenizações em dinheiro.
Nas gavetas improvisadas da Defensoria Pública da União (DPU) em Altamira, já se acumulam processos administrativos de mais de 2 mil famílias que não conseguiram entrar no cadastro social feito pela concessionária. Essa lista, que foi fechada em janeiro de 2013, é o que estabelece quem tem direito às indenizações, segundo a empresa.
Em acordos já feitos com a Norte Energia, a defensoria conseguiu garantir a entrega de casas para cerca de 80 famílias que não estavam nesse cadastro. Algumas indenizações também foram acertadas. A maioria dos casos, porém, tem enfrentado forte resistência da concessionária.
“Vínhamos conseguindo taxas boas de acordo, mas isso foi caindo cada vez mais, porque a empresa passou a fazer várias exigências adicionais que praticamente inviabilizam as negociações. Por isso, devemos judicializar mais de 1,8 mil processos. Não restará outro caminho, teremos de recorrer à Justiça”, diz o defensor público Francisco de Assis Nóbrega. Cerca de 30 processos já foram apresentados à Justiça Federal. O número ainda é pequeno porque Altamira só passou a ter uma defensoria pública para zelar por seus cidadãos em janeiro deste ano.
Entre os casos que já chegaram à Justiça está o de Laura Mendes da Silva. Dona Laura é uma típica beiradeira, como é conhecida a população que habita as ilhas e margens do Rio Xingu. Ela se divide entre a casa que tem na beira do rio, onde produz alimentos, e residência que tem em Altamira, onde vende o que planta. “Disseram que eu não tinha direito a casa na cidade porque eu era dona de uma casa de apoio. Me ofereceram R$ 48 mil. Parece muito, mas não vale mais nada por aqui. Falaram que, se eu não estava satisfeita, que procurasse meus direitos, porque essa casa eu já tinha perdido. Vou lutar até o fim”, diz. 

Nos novos bairros falta energia

Conjunto habitacional Jatobá recebe os moradores de
              palafita
 Bairros construídos na periferia de Altamira pela maior hidrelétrica do Brasil têm enfrentado constantes problemas com abastecimento de energia. É o que se houve de moradores que já passaram a viver no Jatobá, São Joaquim e Casa Nova, três dos cinco bairros erguidos pela Norte Energia. As reclamações incluem o preço caro da conta de luz. “Aqui a luz acaba uma, duas vezes por semana. Às vezes demora um dia inteiro para voltar”, diz Aracélia Oliveira Porto, moradora do bairro Casa Nova, a cerca de 8 km do centro, isolado por uma estrada de terra.
Casa Nova segue o padrão das demais vilas que foram erguidas para abrigar os reassentamentos, com casas coloridas e padronizadas. Nesses bairros, a Norte Energia ergueu cerca de 4,6 mil residências com área de 63 m² cada, em terrenos de 300 m². Todas têm três dormitórios e uma suíte. O saneamento foi concluído e há ônibus escolar para as crianças. O transporte público ainda não existe. Não há rede de comércio nos locais.
Gente que antes morava perto do rio e vivia da pesca reclama que agora tem de se virar com transporte pago ou pegar carona para chegar ao Xingu. Muitos já desistiram da profissão e tentam se virar como podem. Diversas casas das vilas já transformaram a sala em pequenos comércios e salão de cabeleireiro e manicure.
Rapidamente, o visual padronizado das vilas começa a mudar. Famílias erguem cercas de madeira e constroem mais cômodos no terreno.
São muitos os relatos de pessoas que enxergam melhora na qualidade de vida, principalmente daquelas que viviam sobre as palafitas instaladas sobre o lixo e que hoje estão no Jatobá, o bairro mais próximo do centro, há cerca de 5 km. São muitos também os casos de pessoas que não se adaptaram e que já colocaram suas casas à venda, apesar da orientação oficial de que não devem se desfazer dos imóveis.
Para além das queixas sobre a infraestrutura e a distância das vilas, uma das mais ouvidas é a perda de laços sociais com famílias e vizinhos com os quais se convivia há anos, na mesma rua. O plano de reassentamento previa que blocos de residências fossem levados para uma mesma área, mas a correria para garantir a escolha do lar separou muita gente.
Moradora de Casa Nova desde outubro do ano passado, Aracélia colocou uma plaquinha de venda em sua casa no dia em que falou com a reportagem. “Eu tinha tudo lá no centro da cidade. Aqui não tem um açougue, uma farmácia, um supermercado. Quero ir embora, nem que seja para um lugar menor, mas quero voltar para a cidade”, diz ela. Ele pede R$ 75 mil pela casa, mas avisa que negocia.

O fim das obras dos 'barrageiros'

Vertedouro da hidrelétrica de Belo Monte: hoje, obras
              reúnem cerca de 40 mil trabalhadores
Os mais de 24 mil trabalhadores que hoje atuam diretamente nos canteiros de obra de Belo Monte estão em vias de fechar um ciclo. Muitos desse barrageiros – como são conhecidos os funcionários que atuam na construção de hidrelétricas – são da própria região de Altamira, mas uma grande parte desse contingente também saiu do Rio Madeira, em Porto Velho (RO), por conta das desmobilizações nas usinas de Jirau e Santo Antônio.
Ocorre que a próxima grande hidrelétrica que manteria o emprego desse exército de trabalhadores, a usina de São Luiz, prevista para ser erguida no Rio Tapajós, em Itaituba (PA), ainda está longe de se tornar realidade, dada a extrema complexidade ambiental que envolve o projeto. Sem licenciamento, rodeada por florestas protegidas e aldeias indígenas, a usina estimada em mais de R$ 30 bilhões ainda é uma incógnita.
Essa situação é agravada ainda mais por conta dos esquemas de corrupção em que se meteram as principais empreiteiras do País. Trata-se de um grupo de empresa que joga papel central na construção e na formação de sociedades para viabilizar esses empreendimentos.
A ameaça de demissões em massa é iminente. Entre funcionários diretos e indiretos, Belo Monte reúne cerca de 40 mil. Muitos deles começarão a perder emprego já no segundo semestre, quando começa a acabar o pico das obras. Em reunião em Altamira, o diretor socioambiental da Norte Energia, José Anchieta, disse aos convidados que a empresa já está contratando um programa de desmobilização de mão de obra. Sobre os funcionários da região, explicou que serão oferecidos “cursos de readequação e capacitação” para que voltem ao trabalho, seja ele qual for.
“Aqueles que vieram de fora, o CCBM (Consórcio Construtor de Belo Monte, que reúne as empreiteiras que executam as obras da hidrelétrica) tem a obrigação de, da mesma forma que os trouxe, devolvê-los ao seu lugar de origem. Eles receberão passagem de ida sem volta”, disse.
Apesar da atual realidade dos projetos, Anchieta disse que os barrageiros não terão dificuldades de se encaixar em outras obras, porque já aprenderam a construir usinas e há muitos projetos para serem executados. Ele citou como exemplo a Hidrelétrica de Marabá. Trata-se de mais uma que ainda não tem data para se viabilizar. 

Empresa afirma estar 'aberta à negociação'

As mais de 1,8 mil famílias que ainda lutam para conseguir indenizações da Norte Energia podem se preparar para uma boa briga nos tribunais. Por meio de nota, a concessionária informou que está aberta ao diálogo e à negociação em todas as etapas da construção da usina, mas sinalizou que já fechou seu plano de reassentamento. “A empresa cai argumentar e se defender na Justiça.”
O valor investido em ações socioambientais e aquisições fundiárias até maio chegou a R$ 3,092 bilhões e a maior parte dos investimentos exigidos será feita até dezembro.
Segundo a empresa, o cadastro que prevê compensações atinge 7.790 famílias. “Já foram beneficiadas 3,3 mil e mais 600 estão sendo transferidas para casas nos novos bairros.” Informou que foram construídas 3,7 mil casas nas novas vilas e que serão 3,9 mil no total. Sobre as indenizações, 3,4 mil famílias receberam valores em dinheiro e outras 400 aguardam pagamento.
Sobre reclamações de que os valores das indenizações são insuficientes para comprar outra casa, a empresa declarou que “vêm sendo realizadas com o respeito à legislação sobre o tema” e que o assunto foi “amplamente discutido com a sociedade, órgãos competentes e entidades de classe”.
A respeito da conclusão das obras de saneamento, informou que as ligações para as casas dos moradores de Altamira serão feitas em parceria com a prefeitura. Já foram concluídos 170 km de tubulação, oito reservatórios, uma estação de captação e uma de tratamento. A rede de esgoto tem prontos 220 km de tubos, 13 estações elevatórias e uma estação de tratamento.
Quanto à distância dos bairros para abrigar a população ser maior que a prevista, a empresa disse que todos os investimentos e obras foram feitos “após intensa discussão com a população e aprovados pelos órgãos licenciadores”. Reiterou que acompanha a pesca no Xingu, e que suas análises “evidenciam que não houve alterações na qualidade da água do rio além das naturais, com exceção de pontos próximos às obras e por curtos períodos, as quais não ultrapassam os limites da legislação ambiental.”

Pescadores e índios dizem que peixe sumiu

Estudos técnicos e relatos feitos pela Norte Energia concluem que a pesca no Rio Xingu, que sempre foi fonte de alimentação e meio de vida para milhares de pessoas, não sofreu impacto em decorrência da usina. Os pescadores e índios, porém, são unânimes em dizer que o peixe está sumindo rapidamente em meio à água que está mais turva, às luzes das obras que ficam acesas à noite e às explosões de dinamites. 
Ribeirinha nascida na região, Maria de Lourdes Soares da Silva, conhecida como “rainha do tucunaré”, diz que nunca viveu situação igual. “Tenho 55 anos e pesco nesse Xingu desde os nove. A pesca está acabando. Com essa zoada toda e a água suja, o peixe vai sumindo. Antes, eu passava três dias pescando e voltava com 150, 200 quilos de peixe. Hoje, são 20 ou 30 quilos, e quando pega. Os peixes estão correndo daqui”, diz.
Maria vive com a família em uma casa isolada na mata, na Volta Grande do Xingu, área do rio com cerca de 100 km de extensão que ficará isolada entre as duas barragens que formam Belo Monte. Neste trecho, a oscilação natural do nível das águas deixará de existir, permanecendo em sua cota mínima, por conta do represamento no reservatório principal da hidrelétrica. Diversas espécies de peixes, principalmente ornamentais, estão ameaçadas de desaparecer. 
Segundo o Instituto Socioambiental, as ameaças à pesca têm sido ignoradas pelo Ibama, que não se pronuncia sobre os programas de monitoramento há mais de dois anos. 
A Norte Energia, após muita negociação, concordou em erguer uma vila mais próxima do rio para abrigar ribeirinhos e indígenas. O bairro Pedral prevê a construção de 500 casas para quem depende da pesca artesanal. Outra saída dada pela concessionária é que a população adote “tanques-rede” para a criação de peixes, técnica que aproveita o leito dos rios para produção em confinamento. 
Na última sexta-feira, o escritório da Norte Energia em Altamira foi bloqueado por pescadores que reclamam de terem sido ignorados pela empresa em compensações e indenizações. Todos os funcionários tiveram de ir embora.

sábado, 27 de junho de 2015

O CONTRA-SENSO COMUM COMO ARMA DA MINORIA

HÁ REFERÊNCIA À SITUAÇÃO DA EUROPA NO ARTIGO DE BOAVENTURA, MAS NÃO É MUITO DIFÍCIL IDENTIFICAR COMO A REFLEXÃO OFERECE CHAVES DE LEITURA CRÍTICA DO QUE ACONTECE EM NOSSO PAÍS. DE FATO, NÃO DOMINAM AS MINORIAS SOBRE A MAIORIA DOS CIDADÃOS E CIDADÃS? E A MAIORIA, NÃO ESTÁ CONTAMINADA PELAS "VERDADES" QUE SERVEM AO DOMÍNIO DA MINORIA? POR QUE ESSAS "VERDADES" SÃO O CONTRA-SENSO COMUM?

CARTA MAIOR - 24/06/2015  
Boaventura de Sousa Santos

O Contra-senso Comum

Vejamos 10 convicções que se vão tornando senso comum e que, por serem ilusórias e absurdas, constituem o novo contra-senso comum.

Em 1926, o poeta irlandês W.B. Yeats lamentava: "Falta convicção aos melhores enquanto os piores estão cheios de apaixonada intensidade". Esta afirmação é mais verdadeira hoje que então. Admitamos por hipótese que os melhores no plano pessoal, moral, social e político são a maioria da população e que os piores são uma minoria. Como vivemos em democracia, não nos devia preocupar o fato de os piores estarem cheios de convicções que, precisamente por serem adotadas pelos piores, tenderão a ser perigosas ou prejudiciais para o bem-estar da sociedade. Afinal, em democracia são as maiorias que governam. A verdade é que hoje se vai generalizando a ideia de que as convicções que dominam na sociedade são as apaixonadamente subscritas pelos piores, e que isso é a causa ou a consequência de serem os piores que governam. A conclusão de que a democracia está sequestrada por minorias poderosas parece inescapável. Mas se aos melhores falta convicção, provavelmente também eles não estão convictos de que esta conclusão seja verdadeira, e por isso ser-lhes-á difícil mobilizarem-se contra tal sequestro da democracia. Torna-se, pois, urgente averiguar donde vem no nosso tempo a falta de convicção dos melhores.
 
A falta de convicção é a manifestação superficial de um mal-estar difuso e profundo. Decorre da suspeita de que o que se difunde como verdadeiro, evidente, e sem alternativa, de facto, não o é. Dada a intensidade da difusão, torna-se quase impossível ao cidadão comum confirmar a suspeita e, na ausência de confirmação, os melhores ficam paralisados na dúvida honesta. A força desta dúvida manifesta-se como aparente falta de convicção. Para confirmar a suspeita teria o cidadão comum de recorrer a conhecimentos a que não tem acesso e que não vê divulgados na opinião publicada, porque também esta está ao serviço dos piores. Vejamos algumas das convicções que se vão tornando senso comum e que, por serem ilusórias e absurdas, constituem o novo contra-senso comum:
 
A desigualdade social é o outro lado da autonomia individual. Pelo contrário, para além de certos limites a desigualdade social permite aos que estão nos escalões mais altos alterar as regras de jogo de modo a controlar as opções de vida dos que estão nos escalões mais baixos. Só é autónomo quem tem condições para o ser. Para o desempregado sem subsídio de desemprego, o pensionista empobrecido, o trabalhador precário, o jovem obrigado a emigrar, a autonomia é um insulto cruel.
 
O Estado é por natureza mau administrador. Muitos Estados (europeus, por exemplo) dos últimos cinquenta anos provam o contrário. Se o Estado fosse por natureza mau administrador não seria tantas vezes chamado a resolver as crises económicas e financeiras provocadas pela má gestão privada da economia e da sociedade. O Estado é considerado mau administrador sempre que pretende administrar sectores da vida social onde o capital vê oportunidades de lucro. O Estado só é verdadeiramente mau administrador quando os que o controlam conseguem impunemente pô-lo ao serviço dos seus interesses particulares por via do fanatismo ideológico, da corrupção e do abuso de poder.
 
As privatizações permitem eficiência que se traduz em vantagens para os consumidores. As privatizações podem ou não gerar eficiência, sendo sempre de questionar o que se entende por eficiência, que relação deve ter com outros valores e a quem serve. As privatizações dos serviços 3 públicos quase sempre se traduzem em aumentos de tarifas, seja dos transportes, da água ou da eletricidade. As privatizações de serviços essenciais (saúde, educação, previdência social) traduzem-se na exclusão social dos cidadãos que não podem pagar os serviços. Se o privado fosse mais eficiente, as parcerias público-privadas ter-se-iam traduzido em ganhos para o interesse público, o contrário do que tem acontecido. O ludíbrio da proclamada excelência do sector privado em comparação com o sector público atinge o paroxismo quando uma empresa do sector público de um dado Estado é vendida a uma entidade pública de um outro Estado, como aconteceu recentemente em Portugal no sector da eletricidade, vendido a uma empresa pública chinesa, ou quando a aquisição de um bem público estratégico por um investidor de um país estrangeiro pode ser financiada por um banco estatal desse país, como acontece no caso da venda em curso da companhia aérea, TAP, com o possível financiamento da compra do investidor brasileiro por parte do banco estatal brasileiro BNDES.
 
A liberalização do comércio permite criar riqueza, aumentar o emprego e beneficiar os consumidores. Tal como tem vindo a ser negociada, a liberalização do comércio concentra a riqueza que cria (quando cria) numa pequeníssima minoria enquanto os trabalhadores perdem emprego, sobretudo o emprego decentemente remunerado e com direitos sociais. Nas grandes empresas norte-americanas que promovem a liberalização os diretores executivos, CEOs, ganham 300 vezes o salário medio dos trabalhadores da empresa. Por outro lado, as leis nacionais que protegem consumidores, saúde pública e meio ambiente serão consideradas obstáculos ao comércio e, nessa base, postas em causa e provavelmente eliminadas. Estão em curso três grandes tratados de livre comércio: a Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês), Acordo de Comércio de Serviços (TiSA), Pareceria Trans-Atlântica de Comércio e Investimento 4 (TTIP). Pelas razões acima, cresce nos EUA (e na Europa, no caso do TTIP) a oposição a estes tratados.
 
A distinção entre esquerda e direita já não faz sentido porque os imperativos globais da governação são incontornáveis e porque a alternativa a eles é o caos social. Enquanto houver desigualdade injusta e discriminação social (e uma e outra têm vindo a aumentar nas últimas décadas), a distinção faz todo o sentido. Quando se diz que a distinção não faz sentido só a existência da esquerda é posta em causa, nunca a da direita. Sectores importantes da esquerda (partidos socialistas) caíram na armadilha deste contra-senso comum, e é urgente que se libertem dela. Os "imperativos globais" só não permitem alternativas até serem obrigados a isso pela resistência organizada dos cidadãos.
 
A política de austeridade visa sanear a economia, diminuir a dívida e pôr o país a crescer. Nos últimos trinta anos, nenhum país sujeito ao ajustamento estrutural conseguiu tais objetivos. Os resgates têm sido feitos no exclusivo interesse dos credores, muitos deles especuladores sem escrúpulos. É por isso que os ministros que aplicam "com êxito" as políticas de austeridade são frequentemente contratados pelos grandes agentes financeiros e pelas instituições ao seu serviço (FMI e Banco Mundial) quando abandonam as funções de governo.
 
Portugal é um caso de sucesso; não é a Grécia. Este é o maior insulto aos melhores (a grande maioria dos portugueses). Basta ler os relatórios do FMI para saber o que está reservado a Portugal depois de a Grécia ser saqueada. Mais cortes nas pensões, mais redução de salários e mais precarização do emprego serão exigidos e nunca serão suficientes. Os "cofres cheios" apregoados pelo atual governo conservador português são para esvaziar ao primeiro espirro especulativo. 5
 
Portugal é um país desenvolvido. Não é verdade. Portugal é um país de desenvolvimento intermédio no sistema mundial, uma condição que dura há séculos. Foi essa condição que fez com que Portugal fosse simultaneamente o centro de um vasto império e uma colónia informal da Inglaterra. Devido à mesma condição, as colónias e ex-colónias têm por vezes desempenhado um papel decisivo no resgate da metrópole. Tal como o Brasil resgatou a independência portuguesa no tempo das invasões napoleónicas, o investimento de uma ex-colónia (Angola) vai hoje tomando conta de sectores estratégicos da economia da ex-metrópole. Nos últimos trinta anos, a integração na UE criou a ilusão de que Portugal (e a Espanha e a Grécia) podia ultrapassar essa condição semi-periférica. O modo como a atual crise financeira e económica está a ser “resolvida” mostra que a ilusão se desfez. Portugal está ser tratado como um país que se deve resignar à sua condição subalterna. Os portugueses devem contribuir para o bem-estar dos turistas do Norte, mas devem contentar-se com o mal-estar do trabalho sem direitos, da crescente desigualdade social, das pensões públicas desvalorizadas e sujeitas a constante incerteza, e da educação e saúde públicas reduzidas à condição de programas pobres para pobres. O objetivo principal da intervenção da troika foi o de baixar o patamar de proteção social para criar as condições para um novo ciclo de acumulação de capital mais rentável, ou seja, um ciclo em que os trabalhadores ganharão menos que antes e os grandes empresários (não os pequenos) ganharão mais que antes.
 
A democracia é o governo das maiorias. Esse é o ideal mas na prática quase nunca foi assim. Primeiro, impediu-se que a maioria tivesse direito de voto (restrições ao sufrágio). Depois, procurou-se por vários mecanismos que a maioria não votasse (restrições fácticas ao exercício do voto: voto em dia de trabalho, intimidação para não votar, custos dos transportes para exercer direito de voto, etc.) ou votasse contra os seus 6 interesses (propaganda enganosa, manipulação mediática, indução de medo face às consequências do voto, sondagens enviesadas, compra de votos, interferência externa). Nos últimos trinta anos, o poder do dinheiro passou a condicionar decisivamente o processo democrático, nomeadamente através do financiamento dos partidos e da corrupção endémica. Nalguns países a democracia tem vindo a ser sequestrada por plutocratas e cleptocratas. O caso paradigmático são os EUA. E alguém pode afirmar de boa fé que o atual congresso brasileiro representa os interesses da maioria dos brasileiros?
 
A Europa é o continente da paz, da democracia e da solidariedade. Nos últimos cento e cinquenta anos, a Europa foi o continente mais violento e aquele em que os conflitos causaram mais mortes: duas guerras mundiais, ambas causadas pela prepotência alemã, o holocausto, e os genocídios e massacres cometidos nas colónias de África e da Ásia. O preconceito colonial com que a Europa continua a olhar o mundo não europeu (incluindo as outras Europas dentro da Europa) torna impossíveis os diálogos verdadeiramente interculturais, esses sim, geradores de paz, democracia e solidariedade. Os valores europeus do cristianismo, da democracia e da solidariedade são em teoria generosos (mesmo se etnocêntricos), mas têm sido frequentemente usados para justificar agressões imperialistas, xenofobia, racismo e islamofobia. O modo como a crise financeira da Europa do Sul tem sido "resolvida", o vasto cemitério líquido em que se transformou o Mediterrâneo, o crescimento da extrema-direita em vários países da Europa são o desmentido dos valores europeus. Na Europa, como no mundo em geral, a paz, a democracia e a solidariedade, quando são apenas um discurso de valores, visam ocultar as realidades que os contradizem. Para serem vivências e formas de sociabilidade e de política concretas têm de ser 7 conquistadas por via de lutas sociais contra os inimigos da paz, da democracia e da solidariedade
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sexta-feira, 26 de junho de 2015

APIB: OS RESPONSÁVEIS PELO GENOCÍDIO DOS POVOS INDÍGENAS

TODO APOIO À DECISÃO DE AUTODEMARCAÇÃO DOS TERRITÓRIOS. NA FALTA DE GOVERNO PARA GARANTIR DIREITOS LÍQUIDOS E CERTOS, OS POVOS DEVEM FAZER VALER SEUS DIREITOS, E MERECEM A ADMIRAÇÃO E APOIO DE TODOS OS BRASILEIROS E BRASILEIRAS - BEM COMO DOS CIDADÃOS DE TODO O MUNDO - COM SENTIMENTOS DE HUMANIDADE.

Genocídio de povos indígenas no país. Dilma, Cardozo e Luis Adams responsabilizados pela Apib

A Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib) divulgou uma nota pública na tarde desta quinta-feira (25) responsabilizando a presidente Dilma Rousseff, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, pelo genocídio de povos indígenas no país. "Entendemos que não resta outra opção: retomar e autodemarcar nossas terras tradicionais", declarou a organização.
Apib manifesta-se depois das declarações do ministro Cardozo ao programa ‘Bom Dia, Ministro’, para o qual afirmou que o Poder Executivo não paralisou os procedimentos de demarcação das terras indígenas, conforme declarado peloConselho Indigenista Missionário no Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil, lançado na última sexta-feira (19) em Brasília.
Eis a nota:
DilmaCardozo e Adamsos maiores responsáveis pelo genocídio de povos indígenas em curso no Brasil
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao falar sobre os povos indígenas do Brasil, mente para si próprio, para os povos e para a sociedade brasileira. Insiste numa “conversa para boi dormir” segundo a qual o governo não teria paralisado as demarcações e que estaria resolvendo os conflitos por meio do “diálogo” e da “mediação”. Isso é mentira do ministro e, portanto, do governo brasileiro.
Os dados de violência cometidos contra nossos povos em 2014, denunciados recentemente pelo Cimi, e a realidade vivida pelos povos do Brasil, de modo especial, daqueles que estão em áreas superlotadas, em acampamentos de beiras de rodovias, sendo atacados a tiros por fazendeiros em plena luz do dia, como o ocorrido nesta quarta-feira, 24 de junho, contra um grupo de Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Kususú Ambá, no MS, atestam essa mentira e deveriam deixar o ministro da Justiça envergonhado. Mas está cada vez mais evidente que Cardozo não tem vergonha na cara.
Além de não cumprir com sua responsabilidade constitucional de demarcar nossas terras, José Eduardo tenta legitimar sua omissão sugerindo que se ele demarcasse essas terras estaria provocando os fazendeiros a cometerem mais violência do que já cometem. Em vez de enfrentar e prender os assassinos de nossas lideranças, o governo brasileiro se curva às suas ameaças e chantagens.
Neste mesmo sentido, outra justificativa sugerida por Cardozo, em recente entrevista no programa Bom dia Ministro, é que não adiantaria o governo demarcar as nossas terras “sem negociação” com os fazendeiros, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) anularia seus atos administrativos. Todos sabemos, no entanto, que é o ministro Luis Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), homem de confiança da presidente Dilma, que tem atuado organicamente, ao menos desde o ano de 2012, lado a lado com representantes da bancada ruralista e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), junto aos ministros do STF, para consagrar a tese absurda do Marco Temporal e estender para todas as terras indígenas do Brasil a aplicação das Condicionantes estabelecidas pelo Supremo para o caso específico da Raposa Serra do Sol.
É essa a estratégia de Adams e do governo Dilma para legitimar a Portaria 303/12, que continua vigente e sendo plenamente implementada pela consultoria jurídica do Ministério da Justiça nas análises relativas a procedimentos de demarcação de nossas terras.
Ao não demarcar as nossas terras, mesmo havendo procedimentos administrativos conclusos, sem qualquer impedimento técnico e judicial, Dilma e Cardozo descumprem a Constituição e normas infraconstitucionais, como o Decreto 1775/96, e, portanto, cometem crime de prevaricação e devem ser responsabilizados e responder por ele.
Ao não demarcar as nossas terras e trabalhar pela descaracterização do direito originário que temos sobre as mesmas,DilmaCardozo e Adams são os maiores responsáveis pelos assassinatos e criminalização de lideranças e pelos demais crimes cometidos contra nossos povos. Um quadro tão alarmante que podemos caracterizar como de um verdadeiro genocídio.
Diante dessa situação, entendemos que não resta outra opção: retomar e autodemarcar nossas terras tradicionais, mesmo sabendo que isso pode custar a vida de muitas de nossas lideranças e de muitos de nossos guerreiros.
Kretã Kaingang - Região Sul
Lindomar Terena - Centro Oeste
Paulo Tupinikim - Nordeste
Darã Tupi Guarani – Sudeste
COORDENAÇÃO EXECUTIVA
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – API

PAIXÃO E MORTE DE AMARILDO

SÓ QUERO ACRESCENTAR AO TEXTO DO ROBERTO O SEGUINTE: É SANGUINÁRIO O DNA DE NOSSA POLÍTICA APENAS APARENTEMENTE DEMOCRÁTICA, NA REALIDADE OLIGÁRQUICA. TEMOS COMO TAREFA HISTÓRICA ENCONTRAR CAMINHOS PARA FAZER A REVOLUÇÃO CULTURAL SUGERIDA PELO PAPA FRANCISCO NA "LAUDATO SI´", SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM. QUE A O BRASIL SEJA CASA COMUM, DE E PARA TODOS OS BRASILEIROS E BRASILEIRAS, E NÃO PARA MEIA DÚZIA DE PROPRIETÁRIOS DO AGRONEGÓCIO, DA MINERAÇÃO E DO CAPITAL FINANCEIRO. 

Paixão e morte de Amarildo.
- O DNA do Brasil sanguinário -
Roberto Malvezzi (Gogó)

A descrição do assassinado do pedreiro Amarildo, feita por representantes do Ministério Público no Jornal Nacional (22/06/2014) com tantos detalhes, me levou à comparação inevitável com Jesus na cruz pelas mãos das autoridades judaicas. Como não vi nenhuma reação a tanta perversidade, decidi reescrever sobre o assunto.
O fato de ser aprisionado, levado à UPP, sofrer torturas com sacos plásticos na cabeça, afogamentos e outras coisas que nem a representante do MP teve coragem de publicar, mostra um cenário de perversidades cabal por parte dos policiais.
Depois do crime, a ocultação do cadáver, com participação do BOPE, aquele mesmo de heróis como o Capitão Nascimento, consuma a cena.
Qual é mesmo o crime cometido por esse pedreiro? Dizem que ele ou a família ocultava alguma droga em sua pobre casa na favela e que não queria entregar o esquema, ou qualquer coisa assim, pouco importa. Por isso ele foi preso, torturado e morto.
Até hoje não sabemos exatamente de quem era o helicóptero preso com 450 kg de cocaína em Minas Gerais, muito menos quem era o dono da droga. Certamente, não era de alguém parecido com Amarildo, o pobre, o negro, o favelado.
Esses dias prenderam outro avião no Ceará, com 350 kg de cocaína. Até não sabemos de quem era o avião e muito menos de quem era a droga.
O Brasil não tem apenas um problema de segurança pública, mas o DNA de uma sociedade violenta, para parafrasear Barack Obama, quando dizia que os americanos do norte carregam o escravagismo em seu DNA. Não são apenas eles.
O Brasil é o país mais violento do mundo – mais do que aqueles que estão em guerra – com 50 mil assassinatos por ano. A grande maioria cometido por policiais. A grande maioria das vítimas tem a cara do Amarildo.
No campo ainda se mata trabalhadores rurais e indígenas como nos tempos dos bandeirantes. Basta conferir os relatórios da Pastoral da Terra e do CIMI.
A bancada da bala, junto com a da Bíblia e do boi, quer tornar – ou já tornou? – assassinato de policial um crime hediondo. Por que os crimes cometidos por policiais, como esse do Amarildo, também não são hediondos?
A sociedade brasileira é violenta e sanguinária. Porém, nos acostumamos a ela, como nos acostumamos ao fedor do Tietê e do Pinheiros, à destruição de nossas florestas e rios, à uma sociedade cujos 50% dos lares nem tem acesso à rede de esgoto.
Mas, não nos preocupemos. Vamos reduzir a maioridade penal e todos os problemas de violência da sociedade brasileira serão resolvidos. Pelo menos é o que acha a bancada BBB e 87% da população brasileira segundo o Datafolha.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

MINERADORAS COM ISENÇÃO DE ATÉ 82,5% DO IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA JURÍDICA

É DE FICAR COM INVEJA OU RAIVA? ASSIM, ATÉ EU! É POR ISSO QUE FALTAM RECURSOS PARA POLÍTICAS SOCIAIS. E QUE O EQUILÍBRIO FISCAL DEPENDE DE SACRIFÍCIOS DOS ÓRFÃOS E VIÚVAS, DOS DESEMPREGADOS.

"Empresas como a Vale do Rio Doce, BHP Billiton, Hydro Norsk e Mineração Rio do Norte estão na lista das beneficiadas pelos incentivos fiscais com isenção de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. Esta redução pode ser ainda maior se estas empresas, adicionalmente, optarem pela utilização de 30% dos 25% do imposto devido para ampliarem suas capacidades de exploração. Logo, o prêmio que essas empresas recebem da União por estarem na Amazônia explorando recursos minerais, no caso, pode chegar a 82,5% do Imposto de Renda devido; literalmente, um ‘negócio da China’".

DOM ERWIN E A CARTA LAUDATO SI´ DO PAPA FRANCISCO

O DESTAQUE É ESTE: O PAPA OUVE E FAZ QUESTÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE OUTRAS PESSOAS EM SEUS DOCUMENTOS E PRÁTICAS. E DOM ERWIN, MAIS UMA VEZ PRESIDENTE DO CIMI, DEU SUAS CONTRIBUIÇÕES SOBRE A AMAZÔNIA E OS POVOS INDÍGENAS. LEIAM A ENTREVISTA.

 Por que o Papa Francisco decidiu elaborar uma encíclica sobre ecologia, algo sem precedentes na Igreja Católica? O que o senhor destaca no documento?

Havia nas décadas passadas alguns pronunciamentos papais pontuais sobre temas de ecologia. O primeiro Papa que se referiu explicitamente à questão do meio ambiente foi Paulo VI, quando em 16 de novembro de 1970 dirigiu uma mensagem à FAO por ocasião de seu XXV aniversário: "O homem gastou milênios para aprender a submeter a natureza,a dominar a terra (...). Agora soou a hora de ele dominar o seu próprio domínio".João Paulo II e Bento XVI insistiram na responsabilidade humana em relação ao meio ambiente. Cito o Papa João Paulo II em sua encíclica Sollicitudo Rei Socialis de 1987:"Usá-los (os recursos naturais) como se fossem inesgotáveis, com domínio absoluto, põe seriamente em perigo sua disponibilidade não só para a geração presente, mas, sobretudo, para as gerações futuras" (n. 34). O Papa Paulo VI escreveu sete, João Paulo II quatorze e Bento XVI três encíclicas. Os três redigiram outras numerosas mensagens aos bispos e fiéis da Igreja Católica e a "todas as pessoas de boa vontade", mas não dedicaram nenhum documento especial ao tema da ecologia. Assim estava na hora de a Igreja Católica manifestar-se oficialmente sobre esse assunto que diz respeito à humanidade toda para além de todas as fronteiras, também as confessionais. Escreve agora o Papa Francisco: "Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós"(LS 14).

A imprensa internacional comenta, ironicamente, que o Papa deverá lançar o 11º mandamento: não poluirás. Também que ele atribui os problemas ambientais ao acúmulo de riquezas, à voracidade do Capital. Que impacto a encíclica causará na comunidade internacional e na própria Igreja?

Não precisa de um outro mandamento. O quinto mandamento "Não matarás" já inclui o pecado contra o meio ambiente porque ao desrespeitarmos a criação que Deus nos deixou como lar, ao queimarmos e arrasarmos as florestas, ao envenenarmos o solo com agrotóxicos e pesticidas que deixam resíduos em nossos alimentos, ao poluirmos rios, mares e lagos, ao fazermos o ar quase irrespirável por causa de gases venenosos de fábricas e descargas, estamos comprometendo seriamente a vida em nosso planeta e a sobrevivência num ambiente sadio dos filhos e netos de nossa geração que parece comportar-se como se fosse a última. Neste sentido o papa nos fala com toda clareza: "O meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos. Quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos. Se não o fizermos, carregamos na consciência o peso de negar a existência aos outros. Por isso, os bispos da Nova Zelândia perguntavam-se que significado possa ter o mandamento 'não matarás', quando 'uns vinte por cento da população mundial consomem recursos numa medida tal que roubam às nações pobres, e às gerações futuras, aquilo de que necessitam para sobreviver'" (LS 95).

É público o convite que o papa fez pessoalmente ao senhor, em visita ao Vaticano, para contribuir na elaboração da encíclica. Quais as contribuições feitas pelo senhor ao texto da encíclica?

Considero um grande privilégio que o Papa Francisco me concedeu uma audiência particular no dia 4 de abril de 2014. Devo-o de certa maneira ao Cardeal Dom Claudio Hummes que é presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia de que sou secretário. Ele me incentivou a solicitar essa audiência nesta minha função e na qualidade de presidente do Cimi. Nos primeiros minutos da audiência também o Padre Paulo Suess, assessor teológico do Cimi, esteve presente e teve oportunidade de entregar ao papa o seu livro "Dicionário da Evangelii gaudium. 50 palavras-chave para uma leitura pastoral". Foram vinte minutos inesquecíveis. O papa parecia ter todo o tempo à disposição. Foi muito cordial e fraterno. Descrevi a realidade da Amazônia e as condições em que vivem os seus povos. Referi-me primeiro às nossas comunidades e lamentei que por causa da acentuada escassez de ministros ordenados só têm acesso à eucaristia algumas vezes ao ano. Falei dos povos indígenas e entreguei-lhe uma mensagem do Cimi previamente redigida, chamando a sua atenção para os diversos pontos do documento. Disse a ele que os povos indígenas só irão sobreviver física e culturalmente se permanecerem no seu habitat tradicional que hoje é ameaçado pelos grandes projetos governamentais, pelas empresas mineradoras e madeireiras e pelo agronegócio. Aí o papa me revelou que estava pensando em escrever uma encíclica sobre a Ecologia e já havia encarregado o Cardeal africano Peter K. A. Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, de elaborar um "borrador" (espanhol: anteprojeto, esboço). Aí eu insisti que num documento tão importante não poderia faltar uma clara referência à Amazônia e aos povos indígenas. O papa pediu-me então que colaborasse enviando ao Cardeal alguma contribuição minha neste sentido o que, voltando ao Brasil, imediatamente fiz. Ao ler agora a Encíclica deparo-me com vários números do documento em que o papa levou em conta os nossos anseios e angústias e realmente os assumiu como suas próprias preocupações. À guisa de exemplo cito apenas dois números em que nossas questões estão presentes com toda clareza:

O número 38 se refere explicitamente à Amazônia:
"Mencionemos, por exemplo, os pulmões do planeta repletos de biodiversidade que são a Amazônia e a bacia fluvial do Congo, ou os grandes lençóis freáticos e os glaciares. A importância destes lugares para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade não se pode ignorar. Os ecossistemas das florestas tropicais possuem uma biodiversidade de enorme complexidade, quase impossível de conhecer completamente, mas quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos. Todavia, ao falar sobre estes lugares, impõe-se um delicado equilíbrio, porque não é possível ignorar também os enormes interesses econômicos internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem atentar contra as soberanias nacionais. Com efeito, há «propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais». É louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais" (LS 38).

E o número 146 enfoca a questão indígena do jeito como a conhecemos e vivemos no Brasil:
"É indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura" (LS 146).

O que Dilma poderá aprender com a nova encíclica do Papa Francisco?

Não sei se a presidente Dilma vai ler essa Carta do Papa. Iria recomendar a ela que a lesse e meditasse com muita atenção. Seria importante que não só ela, mas todos os integrantes do Governo, do Congresso Nacional e também do Supremo se inteirassem de seu conteúdo tão importante também para o nosso país. Está na hora de o Brasil mudar de paradigma do tipo de desenvolvimento e progresso que está querendo para o país e atualmente promovendo a todo vapor. As agressões inescrupulosas ao meio ambiente são tiros no próprio pé. A natureza há tempo está reclamando. Os desastres naturais são frequentes; secas, escassez de água, enchentes e inundações são sem dúvida consequências dos maus tratos que a natureza sofre há décadas. Cientistas alertam há tempo para as causas desses fenômenos. Pensando na função da Amazônia de regular o clima mundial, está na hora de o Brasil acordar e dar-se conta da imensa responsabilidade que tem em relação ao nosso planeta.

Fonte da notícia: Assessoria de Comunicação - Cimi