sexta-feira, 30 de março de 2018

MINERADORA HIDRO ENLAMEIA O MITO NORUEGUÊS

É MAIS COMUM DO QUE A GENTE PENSA ESSA PRÁTICA DE SER "MENOS SUJO" NO PAÍS DE ORIGEM E "MUITO SUJO" NOS PAÍSES PERIFÉRICOS. HOUVE TEMPOS EM QUE AS EMPRESAS DECLARAVAM ABERTAMENTE TEREM VINDO PRA CÁ PARA GERAR CRESCIMENTO ECONÔMICO E NÃO PARA CUIDAR DO MEIO AMBIENTE. AGORA TENTAM MOSTRAR-SE "VERDES", MAS DE VERDE ELAS SÓ AMAM O DÓLAR!

Hydro enlameia o mito
Lúcio Flávio Pinto, do blog PORTAL AMAZONIA
27/03/2018
Descrição: Resultado de imagem para hydro pará
A lama ver­melha que a mul­ti­na­ci­onal no­ru­e­guesa Norsk Hydro des­pejou, sem o de­vido tra­ta­mento, nas águas do es­tuário do rio Pará, não po­luiu apenas o meio am­bi­ente e pre­ju­dicou a saúde e a vida da po­pu­lação da área: ful­minou também a pró­pria em­presa e seu país de origem. Ambos se or­gu­lhavam se dar tra­ta­mento di­fe­ren­ciado à na­tu­reza e ao ser hu­mano.
Esta tra­dição, que, na Hydro, tem mais de 100 anos de exis­tência, foi cor­roída na en­trada da re­gião amazô­nica, que abriga a maior flo­resta tro­pical do pla­neta e a maior bacia hi­dro­grá­fica da terra, com 8% da sua água doce.
A 40 quilô­me­tros de Belém, a Hydro se tornou pro­pri­e­tária do maior polo de alu­mínio do Brasil e dos mai­ores do mundo. Em 2011, com­prou da Vale, maior mi­ne­ra­dora mun­dial de ferro, a maior ja­zida de bau­xita do Brasil, e das mai­ores do mundo, a maior fá­brica de alu­mina do mundo, a oi­tava maior planta de alu­mínio do mundo e a maior da Amé­rica do Sul.
A Hydro pulou vá­rios es­tá­gios no ran­king mun­dial, tor­nando-se das poucas cor­po­ra­ções in­ter­na­ci­o­nais a atuar desde a origem, na ex­tração do mi­nério, até a úl­tima fase do be­ne­fi­ci­a­mento do metal de alu­mínio.
O polo de Bar­ca­rena, no Pará, re­cebeu o maior in­ves­ti­mento da Hydro fora da Eu­ropa. Uma nota que a em­presa di­vulgou no dia 18, em Belém, mos­trou que o ganho que a em­presa ob­teve com a sua fi­xação na en­trada do maior rio do mundo, o Ama­zonas, não cor­res­pondeu ao tra­ta­mento que dis­pensou a essa re­gião.
No dia 17 do mês pas­sado, quando ocorreu a con­ta­mi­nação de rios e iga­rapés pró­ximos às uni­dades in­dus­triais da Hydro Alu­norte, po­luição com­pro­vada pelo Ins­ti­tuto Evandro Chagas, a com­pa­nhia alegou que a pe­ne­tração de lama ver­melha se devia ao ex­cesso de chuvas. Não podia ser por uma falha no seu sis­tema de cap­tação, tra­ta­mento e des­pejo de re­sí­duos só­lidos e eflu­entes lí­quidos.
Esse sis­tema era o mesmo que a em­presa ado­tava na No­ruega, com re­co­nhe­ci­mento in­ter­na­ci­onal sobre a sua qua­li­dade. Logo, teria sido um aci­dente im­pre­vi­sível e ine­vi­tável.
Na nota a em­presa fi­nal­mente ad­mitiu que des­pejou re­sí­duos tó­xicos do pro­cesso pro­du­tivo, com a pre­sença de soda cáus­tica, pro­duto usado na la­vagem do mi­nério. Re­co­nheceu que ca­nais e dutos, que de­viam estar de­sa­ti­vados ou que fun­ci­o­navam sem li­cen­ci­a­mento am­bi­ental, aca­baram le­vando lama ver­melha até o es­tuário do rio Pará, um dos mai­ores e mais im­por­tantes do li­toral bra­si­leiro, em cuja margem está a 10ª maior ci­dade bra­si­leira.
A Hydro res­salta que se an­te­cipou ao laudo de uma con­sul­toria in­de­pen­dente, que só es­tará con­cluído no dia 9 de abril. E tratou logo de re­co­nhecer as fa­lhas e seu mau pro­ce­di­mento, com­bi­nando o fator oca­si­onal com o efeito causal. Um dia, o fun­ci­o­na­mento do sis­tema iria re­sultar em aci­dente porque não es­tava sendo mo­ni­to­rado ade­qua­da­mente – nem pela em­presa nem pela Se­cre­taria de Meio Am­bi­ente e Sus­ten­ta­bi­li­dade do Pará, que a li­cen­ciou e tinha a in­cum­bência legal de fis­ca­lizá-la.
A ne­gli­gência é agra­vada porque só agora a Hydro se com­pro­mete (com in­ves­ti­mento em torno de meio bi­lhão de reais, 15 vezes maior do que o or­ça­mento do Ins­ti­tuto Evandro Chagas, que com­provou a con­ta­mi­nação) para im­plantar o que de­veria ter exis­tido desde o início, no pro­jeto da fá­brica, ou no cum­pri­mento in­te­gral das con­di­ci­o­nantes do li­cen­ci­a­mento.
A Hydro, assim, quer voltar no tempo e cor­rigir seus erros. É uma ini­ci­a­tiva sa­lutar. Mas essa re­missão pre­cisa ser feita por con­trole ex­terno, apu­rando as res­pon­sa­bi­li­dades, pu­nindo os res­pon­sá­veis e ga­ran­tindo que a na­tu­reza e os seres hu­manos estão ade­qua­da­mente pro­te­gidos de aci­dentes – e a ver­dade dos fatos de­mar­cará as re­la­ções entre a em­presa, o poder pú­blico e a so­ci­e­dade.
Ou a moral da his­tória será que, ao invés de ser tra­tado como uma No­ruega, a Amazônia está mais para um Haiti na visão dos donos dos grandes em­pre­en­di­mentos econô­micos.

 
Lúcio Flávio Pinto é jor­na­lista desde e autor de mais de 20 li­vros sobre a Amazônia. 
Pu­bli­cado ori­gi­nal­mente no Portal Amazônia Real.

quinta-feira, 29 de março de 2018

PARA CONHECER MELHOR E AJUDAR A SALVAR O BIOMA CERRADO

BELA MATÉRIA DO "EL PAÍS" SOBRE O CERRADO E A LUTA DOS SEUS POVOS POR SUA PRESERVAÇÃO - QUE HOJE DEVE SER TRADUZIDA POR SUA SALVAÇÃO. LEIAM E COMPARTILHEM.


Por dentro da destruição secreta da grande savana do Brasil
A cachoeira do Macapá não está exatamente à mão, mas é assim que tem que ser, na opinião dos integrantes desta comunidade de…
https://brasil.elpais.com

quarta-feira, 28 de março de 2018

NÃO À CONSTRUÇÃO DA USINA NUCLEAR ANGRA 3

Carta Aberta à Dra. Raquel Dodge, DD Procuradora-Geral da República

Salvador, 14 de março de 2018

Os participantes brasileiros do Dialogo Brasil-França-Japão-Suíça em questões nucleares, atividade de debate e reflexão que teve lugar no Fórum Social Mundial realizado em Salvador da Bahia de 13 a 17 de março de 2018, consideraram imprescindível e urgente dirigir esta Carta Aberta a V.Exa. ao tomarem conhecimento do risco deretomada da obra da usina nuclear de Angra 3 com um projeto obsoleto, elaborado na década de 70.

Em país nenhum do mundo se inicia hoje em dia a construção de usinas nucleares com projetos elaborados antes de 1979, data em ocorreu em Three Miles Island, nos Estados Unidos, um acidente de tipo novo, até então considerado impossível: uma série de falhas combinadas leva à perda do controle da elevação da temperatura do reator nuclear, que funde, o que pode ser seguido da explosão da usina. Este tipo de acidente, chamado “severo”, tem como consequência catástrofes ambientais e sociais como as que assombraram o mundo quando um segundo voltou a ocorrer em 1986, em Chernobyl na então União Soviética, e um terceiro em 2011, emFukushima no Japão, com a disseminação de grandes quantidades de partículas radioativas em vastos territórios. Diante disso a Agência Internacional de Energia Atômica elaborou novas normas de segurança, para evitar esses acidentes ou pelo menos mitigar seus efeitos calamitosos. Ora, projetos elaborados antes disso não poderiam evidentemente levar em conta essas normas.

Se o projeto da usina de Angra 3 não for atualizado poderemos ter a infelicidade de que um acidente como esse ocorra em nosso país, agravado pelo risco das partículas radioativas disseminadas chegarem até as duas maiores capitais brasileiras.

São extremamente preocupantes as iniciativas que estão sendo tomadas celeremente pela ELETRONUCLEAR para uma retomada da obra sem que essa atualização tenha sido feita, contrariando o mais elementar bom senso e de novo sem levar em conta as recomendações nesse sentido feitas pelo Ministério Publico em 2010 (conforme o processo inconcluso no.1.30.014000123/2009-43, iniciado em 30/09/2009 pela Procuradoria da República em Angra dos Reis). Além disso, a ELETRONUCLEAR não está revendo nem mesmo o Plano de Emergência para a evacuação dos moradores da região, em caso de acidente, Plano esse que considera somente a possibilidade de acidentes menos graves.

Cabe, portanto, determinar que seja feita uma auditoria internacional independente que verifique se o projeto de Angra 3 atende às atuais exigências de segurança, assim como defina as mudanças a fazer no Plano de Emergência.

Considerando que o Ministério Público é, nos termos da Constituição da República, o defensor dos interesses difusos da sociedade, os cidadãos e cidadãs que subscrevem a presente Carta Aberta estão seguros de que seu pleito será atendido por V.Excia., frente a uma grave irresponsabilidade funcional de agentes públicos que poderá vitimar milhares de brasileiros.
Atenciosamente,
Ivo Poletto, subscrevendo a Carta Aberta 

PARA SUBSCREVER:
Subscrevo a Carta Aberta de 14/03/2018 à Procuradora-Geral da República.
Nome e assinatura, cidade e Estado de moradia, organização de que participa

Remeter para Caixa Postal no. 11.320, Ag. ECT Rua dos Pinheiros, 1502, CEP: 05422-970, São Paulo - SP

ÁGUA E ESPIRITUALIDADE

ESTA É UMA MENSAGEM UNIVERSAL. TODOS A PODEM ACOLHER. TALVEZ, CONTUDO, OS QUE REDUZEM A ÁGUA A MERCADORIA NÃO ESTEJAM ABERTOS A ESTA MENSAGEM. É PENA PORQUE ISSO ESTÁ LEVANDO E IRÁ AUMENTAR O SOFRIMENTO DE TANTAS PESSOAS QUE NÃO TERÃO COMO SER ÁGUA. A UNIÃO DAS PESSOAS QUE ASSUMEM CONSCIENTEMENTE QUE SÃO ÁGUA PODE REVERTER ESSE DESTINO CONSTRUÍDO POR SERES HUMANOS DESUMANIZADOS, CEGOS, DOMINADOS PELO FETICHE DA MERCADORIA.

A MENSAGEM DO MONGE SATO, ANIMADOR DA COMUNIDADE BUDISTA DE BRASÍLIA, NOS CONVIDA A TERMOS CONSCIÊNCIA E RESPONSABILIDADE PELA ÁGUA NOSSA DE CADA DIA. 



EU-ÁGUA

Eu me sinto honrado em participar dessa sessão especial denominada “Água e Espiritualidade” no âmbito do 8º Fórum Mundial da Água”, em companhia de outros irmãos religiosos.        

Eu sou a Água.

Existo antes da Terra, fundamento o mundo material, sou a essência da vegetação.  Sou fonte e a origem, a matriz de todas as possibilidades de existência.  Asseguro longa vida, força criadora, bálsamo e cura a qualquer dor, produzo bem-estar.

Sou receptáculo de qualquer forma embrionária, simbolizo a substancia primordial onde nascem todas as formas e às quais retorna, por regressão ou por cataclismo.

Estava no começo e retorno ao fim de todo ciclo histórico ou cósmico.  Estarei, sempre, recompondo a unidade inquebrantável das virtualidades em todas as suas formas.

A imersão na água simboliza regressão à pré-forma, a regeneração total, o novo nascimento, equivale à dissolução das formas, reintegrar-se ao todo indiferenciado da pré-existência.  Emergir dela nada mais é que repetir o gesto cosmológico de voltar a se manifestar em outra forma.  O contato com a água implica sempre em regeneração, porque a dissolução é seguida por um novo nascimento, a imersão fertiliza e aumenta o potencial da vida e da criação.  Seja por ritual iniciático, crença mágica ou cerimonial religioso, é a incorporação de todas as virtualidades como símbolo de Vida.

É a Água que confere a Vida, a Água é a Vida.  Fecunda a terra, os animais, o feminino.  Água na terra, lua no céu, elas conjugam o mesmo ritmo, na aparição e desaparição periódica de todas as formas, dando ao futuro universal uma estrutura cíclica.  A água sustenta o circuito antropocósmico, tanto como o esperma que guarda o sémen como o líquido amniótico em que o gérmen-feto se gesta.  É muito bonita a lenda primitiva de que a Terra-Mãe foi fecundada por uma gota d’água que caiu de uma nuvem em uma noite enluarada.

Na cosmologia, na mística, na religião, na iconografia, Eu-Água guardo essa mesma função, em roupagens culturais diferentes, mas nunca deixo de preceder a todas as formas e sustentar toda a criação.      

Assim, aqui estou, Eu-Água, porque não quero ser considerada uma mera mercadoria.

Mercadoria é traduzida em inglês como commodity e carrega o estigma de lucro.  Sim, ninguém trabalha com mercadorias sem levar alguma vantagem, mas o sentido de commodity é pior, nos lembra Comodus, o Imperador Romano que não só vendeu a irmã, como provocou grande caos na Roma do século II.     

Lembremos que commodity passou a designar os bens primários de produção massiva, seja mineral ou agrícola, que tem seu preço negociado em um mercado especial chamado bolsa de mercadorias, que até parece o caos provocado pelo Imperador Comodus conduzido pelo valor mercantil de troca e não o valor de uso do bem nem a sua utilidade social!

Eu-Água, não quero ser fetichizada como mercadoria.

Há 150 anos, fala-se em fetiche da mercadoria como alienação fantasmagórica em que objeto animado ou inanimado, feito pelo homem ou produzido pela natureza, assume poder sobrenatural e se presta à adoração.  Fenômeno psicológico que se generaliza pela sociedade em que coisas passam a ter vontade própria no lugar das pessoas, pessoas agindo como coisas, coisas se tornando cada vez mais importantes que pessoas, em que a interação fraterna se transforma em trocas mal intencionadas, o valor de tudo que se mede pela lei da oferta e procura.  Comodismo conduzido pelo preço de mercado que, paradoxalmente, nos distancia da felicidade que todo avanço científico e tecnológico estaria propiciando à humanidade.

Na pós-modernidade, após a revolução agrícola e industrial que aumentou continuamente a produtividade humana e o valor do trabalho que marca a modernidade, vivemos a revolução comunicacional propiciada pelo extraordinário avanço cientifico e tecnológico.  Entretanto, a selvageria e a barbárie continuam a despeito do aumento da criatividade humana e da produtividade social. O crescimento das desigualdades dificultou o exercício da fraternidade humana, agudizando as idiossincrasias e os estereótipos de direita e esquerda.         

Até a economia é conduzida pelo chamado risco idiossincrático das bolsas de valores que se aproveitam sistematicamente dos riscos de mudanças do preço das commodities e, consequentemente, de todos os bens, especialmente os virtuais, estimulando e provocando circunstancias anormais de intranquilidade e de desconfiança através da dança macabra de boatos e informações caóticas, muitas vezes falsas. 

Para muitos, a última instância é a religião.  Mas cuidado, a religião deve ser a grande incentivadora da espiritualidade e universalidade na sua diversidade de cultos, impedindo a difusão de idiossincrasias estereotipadas.  Mais do que ninguém os religiosos devem respeitar a formação cultural da equanimidade, a crença sincera na verdade divina ou cósmica e aceitar o comportamento diferenciado do outro, quem quer que seja, se está voltado para o bem comum. 
Por tudo isso, Eu-Água, me recuso a ser mercadoria. 

Tenho vontade de regredir ao horizonte dos primórdios e retornar como um tsunami que dissolve todas as formas para a regeneração total, na crise que estamos vivendo. 
Não, não posso fazer isso. 

Busco então sustentar na superfície a flor de lótus que se alimenta do lodo do fundo, mas ostenta no seu trono o Buda Amida, o Patrono da Terra Pura.

Obrigado pela atenção.

Monge Sato
22/3/2018


PRISÃO INJUSTA DO PADRE AMARO, EM ANAPU, PARÁ

ESTAMOS NA SEMANA SANTA. PARA OS SEGUIDORES DE JESUS DE NAZARÉ É UM TEMPO PARA REVIVER O MISTÉRIO DA INIQUIDADE AO LADO DO MISTÉRIO DA DOAÇÃO RADICAL DA VIDA POR AMOR ÀS OUTRAS PESSOAS. 

A NOTÍCIA DA PRISÃO DO PADRE AMARO, DA CPT EM ANAPU, PARÁ, ATUALIZA OS DOIS MISTÉRIOS: O DA INIQUIDADE, CLARAMENTE PRESENTE NAS FALSAS ACUSAÇÕES DOS QUE SÃO INIMIGOS DO POVO E QUEREM APROPRIAR-SE DE TODAS AS TERRAS, COMO NA SUA ACEITAÇÃO PELA JUÍZA QUE DECRETOU A PRISÃO SEM OUVIR O MINISTÉRIO PÚBLICO; E O DO AMOR RADICAL, QUE VALE A VIDA, PRESENTE NA MÁRTIR IRMÁ DOROTY E NA VIDA DO PADRE AMARO.

QUE A PÁSCOA, A PASSAGEM DA MORTE PARA A VIDA, DE JESUS DE NAZARÉ MANTENHA A ESPERANÇA DOS QUE OPTARAM PELO AMOR LIBERTADOR. E QUE DEUS NOS AJUDE A ENFRENTAR A PERSEGUIÇÃO E OS PERSEGUIDORES, QUE NÃO PODEM CONTINUAR DOMINANDO SOBRE O POVO COM SUAS FALSIDADES, VIOLÊNCIAS E PODER ECONÔMICO. LIVRAI-NOS DELES, SENHOR! 



NOTA PÚBLICA 
O avanço da criminalização não vai parar nossa missão! 
Dorothy vive e queremos Padre Amaro livre!

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi surpreendida ontem (27) com a notícia da prisão do Padre José Amaro Lopes de Sousa, em Anapu, Pará. 

Padre Amaro faz parte da equipe pastoral da Prelazia do Xingu, e da equipe da CPT, à qual pertencia a Irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005, em Anapu, na luta pelo direito à terra para os que dela precisavam e na defesa de uma convivência harmoniosa com a natureza.. Por isso, ela foi incansável e obstinada na concretização dos chamados PDS, Projetos de Desenvolvimento Sustentável. 

O Padre Amaro e as Irmãs de Notre Dame de Namur (Congregação a qual Irmã Dorothy pertencia) continuaram apoiando as comunidades que lutavam pela terra e o PDS, como Dorothy fazia. Durante estes 13 anos após a morte de Dorothy, sofreram vários tipos de ataques e ameaças. Desde 2001 o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, registra ameaças de morte contra o Pe. Amaro, que se sucederam diversas vezes nos anos seguintes. 

A prisão do Pe. Amaro é uma medida que vem satisfazer a sanha dos latifundiários da região que pretendem de toda forma destruir o trabalho realizado pela CPT, e desmoralizar os que lutam ao lado dos pequenos para ver garantidos os seus direitos. E se enquadra no contexto do cenário nacional em que os ruralistas ditam os rumos da política brasileira. 

A ele se atribui uma série de crimes: “lidera uma associação criminosa, com o fim de cometer diversos crimes, tais como, ameaça à pessoa,  esbulho possessório, extorsão, assédio sexual, importuna ofensa ao pudor, constrangimento ilegal e lavagem de dinheiro.” 

Até o momento não tivemos acesso ao Inquérito Policial que deu origem a este mandado de prisão, mas há suspeita de que houve uma ação bem orquestrada para juntar elementos, não se sabe de que qualidade, que pudessem sustentar uma decretação de sua prisão. A ordem de prisão se baseia não em fatos concretos, mas em depoimentos de fazendeiros e de outras pessoas que se dispuseram a atestar contra o padre. 

O que chama a atenção é que boa parte do inquérito, como se extrai do mandado de prisão, começou a ser elaborada após a prisão de um motorista que trabalhava com o Pe. Amaro, em janeiro último. Vários depoimentos, citados no mandado, iniciam dizendo praticamente que, ao saber da prisão do referido motorista, aí sim decidiram comparecer à delegacia para agregar algumas informações a respeito da ação do Pe. Amaro, que é apresentado como o grande líder e incentivador das ocupações de terras no município. A ele se incrimina, inclusive, ser o incentivador de assassinatos de pessoas, a fim de caracterizar a região como de conflitos agrários. A juíza sequer ouviu o Ministério Público antes de decretar a prisão do padre. 

O estado do Pará é historicamente conhecido pelos conflitos no campo que ameaçam, escravizam e assassinam dezenas de homens e mulheres todos os anos. Anapu não escapa desse cenário. Irmã Dorothy, padre Amaro e as irmãs de Notre Dame de Namur colocaram suas vidas a serviço das pessoas abandonadas, pelo Estado, à própria sorte. A partir de sua atuação foram criados os PDS’s, como uma alternativa de desenvolvimento sustentável, transformando terras, em sua maioria públicas e apropriadas indevidamente por poucos, em um projeto de agricultura que além de garantir a subsistência das famílias e de abastecer as mesas da cidade, buscam preservar ao máximo o meio ambiente. É uma nova forma de se conviver com a terra, uma nova proposta de sociedade, e isso incomoda aqueles que querem manter seus interesses escusos. Dorothy não foi apenas morta nesse chão, ela foi plantada nessa terra e sua luta continuou e irá continuar pelas mãos de tantas mulheres e homens da terra, de padre Amaro, pelo trabalho das organizações populares, da CPT e por todo o povo pobre que resiste bravamente e diariamente no campo. 

Como dizem as irmãs que com o padre trabalham: “Padre Amaro é um incansável defensor dos direitos humanos e, por isso, é odiado pelos exploradores da região e por aqueles que acobertam seus crimes. Há muito tempo que ele vem sendo ameaçado de morte pelos latifundiários, por aqueles que querem se apropriar criminosamente de terras públicas para explorá-las, às custas da expulsão do povo que precisa das terras para sobreviver”. 
Também fazemos nossa a preocupação das irmãs de o Padre Amaro ter sido “levado para o presídio em Altamira, uma vez que Taradão - o mandante do assassinato de Dorothy - está lá. Isso coloca a vida do padre Amaro em sério risco”.. 

A Diretoria e a Coordenação Nacional da CPT denunciam mais este esquema de atacar os que defendem o direito dos e das camponeses de lutar pela terra e por condições de vida dignas, os que, como o papa Francisco pede, sabem mergulhar os pés na lama para estar junto dos que são injustamente espoliados dos seus direitos e da dignidade de pessoas humanas. 
Goiânia,  28 de março de 2018. 
Direção Nacional da CPT
Coordenação Executiva Nacional da CPT 

Mais Informações:
Cristiane Passos (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6412 | 99307-4305

segunda-feira, 26 de março de 2018

ÁGUA: 27 TESES SUBVERSIVAS

ESSAS TESES SÃO O COMPLEMENTO DO ARTIGO DISPONIBILIZADO HÁ POUCOS DIAS: "ÁGUA: A DISPUTA DO SÉCULO RECRUDESCE". VALE A PENA LER E ASSUMIR ESSAS TESES COMO REFERÊNCIA PARA A LUTA ATUAL PELA ÁGUA.

Água: 27 teses subversivas

Mercantilização avança e multiplica as crises hídricas. Há alternativa: tratar abastecimento como direito universal e converter as fontes em Bens Comuns Globais. Eis um possível caminho
Por Riccardo Petrella | Tradução: Inês Castilho

LEIA TAMBÉM:
Água: a disputa do século recrudesceUm dos grandes defensores do direito universal ao abastecimento denuncia: privatização fracassou, ao excluir bilhões e multiplicar desastres ambientais. Porém, prossegue — movida por oligarquia global cuja soberba ameaça o planetaPor Riccardo Petrella
Tese 1. A água é um elemento natural indispensável e insubstituível para todas as formas de vida, todas as espécies vivas (seres humanos, espécies microbianas, vegetais e animais). A água é a própria vida. Enquanto tal ela deve ser salvaguardada e protegida. A vida tem em si um valor absoluto. Ela vale porque ela é. Isso significa que quando se entra no domínio dos direitos não se deve apenas falar do direito humano à água, mas também do direito da própria água à vida, à sua regeneração, sua integridade, seu bom estado ecológico. Fonte de vida, a água é também, não nos esqueçamos, fonte de doenças, de calamidades e de cada vez mais antróprica.
Tese 2. Nenhuma forma de vida pode manter-se sem água. A vida sobre a Terra começou pela água, no meio aquático e só depois fora dele. No plano humano, o recurso à água não é uma questão de escolha ou de preferência em função de necessidades individuais diversas ou modos de vida coletiva, mas uma necessidade vital a ser satisfeita, na igualdade e responsabilidade. A água não é e nem pode ser considerada uma mercadoria, um “recurso”/coisa que se vende ou se compra, apropriável a título privado (quer seja de natureza privada ou pública ou mista). Todo Estado ou organização política internacional intergovernamental que reconheça ou trate a água (e os serviços hídricos) como uma mercadoria apropriável posiciona-se fora do campo do respeito à água como vida e do Estado de direitos. O direito de propriedade privada e pública existe mas estimamos que, no caso da água para a vida, ninguém, nem mesmo o Estado, pode considerar-se proprietário. É necessário sobretudo falar de responsabilidade e de garantia. A constituição do Chile, herdada do regime ditatorial de Pinochet e ainda em vigor, estipula que a água no Chile é de propriedade privada. Trata-se de fato único no mundo, inaceitável.
TEXTO-MEIO
Tese 3. Todos os seres humanos e todas as outras espécies vivas têm direito à água na quantidade e qualidade suficientes para a vida. Da mesma forma, para além de qualquer abordagem antropocêntrica e tecnoprodutivista, a água também tem seus direitos à vida, ao seu bom estado ecológico. Daí a importância fundamental de uma política da água a serviço da salvaguarda, do cuidado e da defesa da vida e do direito à vida que vá além das concepções funcionalistas instrumentais da água a serviço da vida e do bem-estar dos seres humanos. Exemplo: o tratamento/descontaminação das águas usadas é essencial no quadro de um manejo sustentável das diferentes fases do ciclo longo da água. Significa não somente para permitir aos outros humanos recaptar a água “boa” regenerada para suas necessidades, mas também permitir a regeneração da água e da vida dos ecossistemas enquanto tais. Assim, é preciso que os investimentos coletivos no tratamento/saneamento da água sejam públicos e, no caso de capitais privados estarem associados, é preciso impedir que as prioridades de investimento nos diferentes setores de tratamento e reciclagem sejam definidos em função dos rendimentos financeiros dos capitais e do princípio “o poluidor paga”. Nesse caso, a tendência “natural”, em obediência ao princípio da rentabilidade, seria favorecer o tratamento e a reciclagem dos usos mais poluentes da água, o que é incompatível com o princípio da vida.
Tese 4. O princípio “o poluidor paga”, imposto e aplicado à água a partir do fim dos anos 1980 deve ser revisto. A experiência demonstra que é ineficaz, inadequado e mistificador. A maioria das poluições e contaminações das águas das últimas décadas fragiliza as estruturas microbianas dos seres vivos, em nível dos indivíduos (inclusive seres humanos), das espécies e dos ecossistemas. Os danos consequentes são em sua maioria irreversíveis, irreparáveis ou demandam longos períodos de tratamento e de custos consideráveis. Nesse caso, impor um pagamento ao poluidor para reparar um dano “existencial” irreparável faz pouco sentido. A opção mais sábia e coerente é simplesmente a proibção de usos poluentes e contaminações irreparáveis.
Tese 5. O direità água potável e ao saneamento foram reconhecidos pela Assembleia Geral da ONU em 28 de julho de 2010 e consolidados pela resolução do Conselho dos Direitos Humanos da ONU de 15 de setembro de 2010, que ratificou o direito à água no Pacto Internacional relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), cuja justiciabilidade de direitos foi reconhecida alguns meses depois pelas Nações Unidas. O não cumprimento da resolução da ONU constitui uma violação do direito público internacional em vigor. É igualmente necessário denunciar o comportamento dos Estados membros da ONU que votaram contra a resolução (formalmente eles se abstiveram) e que, desde então, tentam regularmente, muitas vezes com sucesso, mencionar o reconhecimento desse direito em todo novo documento da ONU. Propomos que o dia 28 de julho seja declarado pela ONU “o dia do direito à água” em substituição ao dia internacional da água, 22 de março, instituído em 1993 — sob pressão, entre outros, do Banco Mundial. Este havia publicado, em 1993, o documento “Integrated Water Resources Management” (Gestão Integrada dos Recursos Aquáticos), que impôs como “Bíblia” da política mundial da água. Nesse documento, estipula-se que a água é um bem econômico, privado, e que a gestão ótima dos recursos hídricos passa pela gestão privada e pela fixação de um preço pela água, a ser pago pelo consumidor.
Tese 6. Existem diferenças inevitáveis nos dispositivos e modalidades de organização pelas quais as sociedades humanas concretizam o direito à água. Em geral, os Estados signatários das convenções dos direitos do homem têm a tripla obrigação de respeitar, proteger e cumprir o direito à água e ao saneamento. Nesse quadro, o direito humano à água significa concretamente a obrigação por parte dos Estados de criar as condições necessárias e indispensáveis para que cada ser humano possa utilizar 50 litros de água “boa” por dia, segundo as recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde e da Unicef. Ademais, conforme a resolução 70/169 da Assembleia Geral das Nações Unidas reconhecendo, em 17 de dezembro de 2015, o direito ao saneamento como um direito humano fundamental distinto do direito à água, este significa a implantação de um sistema de coleta, transporte, tratamento e eliminação ou reutilização de excrementos humanos, aos quais estão associados os dispositivos de higiene relacionados. Mais de 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso a banheiros seguros e dignos de um ser humano.
Tese 7. O direito à água potável e ao saneamento não pode ser objeto de rivalidade e exclusão. Ninguém pode ser excluido pelas “razões” de nacionalidade, de raça, de sexo, de religião, de renda. A maior parte dos Estados atuais estão na ilegalidade em relação a esse direito no plano legislativo, ou pela políticas implementadas ou pelos comportamentos coletivos. O direito à água e ao saneamento deve ser consagrado nas cartas constitucionais de todos os Estados e regulamentado pelas leis estatais ad hoc (federais ou nacionais ou “regionais” ou comunitárias de base, dos povos indígenas…).
Tese 8. Cabe aos Estados, assumir a responsabilidade coletiva – em nome do povo, dos povos – da garantia do direito à água potável e ao saneamento, assegurando a cobertura do conjunto de custos monetários (e não-monetários) ligados à realização adequada do direito, segundo o princípio da gratuidade. No contexto da economia pública dos direitos humanos, a gratuidade não significa ausência de custos a serem cobertos, mas fica a cargo da comunidade através de tributação geral progressiva e redistributiva. É o caso dos custos, também consideráveis, do direito à segurança. As despesas militares estão a cargo do Estado. Predominante desde os anos 80, esse princípio foi gradualmente mas sistematicamente substituído pelo princípio do financiamento da água pelo preço pago pelo consumidor, como qualquer outro bem ou serviço mercantil, industrial, privado. O princípio “a água paga a água”, acoplado ao do “o poluidor paga”, demonstraram suas falhas estruturais e sua inadequação quanto à pretendida gestão eficaz e econômica da água, que eles prometeram e asseguraram. Contribuíram unicamente para assegurar os lucros que importam aos capitais privados, aumentando o nível dos custos para os consumidores e deteriorando as finanças das coletividades territoriais cada vez mais escravizadas à busca contraditória de “lucros pela água” e derrotados em termos de sua autonomia política. Além disso, não impediram o agravamento dos fenômenos de contaminação e poluição da água, bem como seu desperdício e escassez.
Tese 9. O princípio do direito à água “a preços acessíveis” é uma mistificação pois, além da insustentabilidade da tese sobre a obrigação do “consumidor” de pagar o direito à água definido nos termos acima especificados, ele consagra legalmente o fato de que a acessibilidade da água é determinada pelos critérios de rendimento financeiro fixados pelos mercados. Mistificação também no que concerne a “tarifação da água dita social” em favor de pessoas, famílias e categorias definidas como “desfavorecidas”, pobres, incapazes de pagar os custos e, portanto, com risco de cortes de água. Aqui, a mistificação é ainda maior porque significa que nossas sociedades se arrogam o poder de lançar no mercado o acesso à água em bases excepcionais, enquanto forçam as pessoas empobrecidas a pagar um preço, mesmo que simbólico. Em outras palavras, as autoridades públicas atuam na esfera da caridade, da assistência social, embora esta seja uma questão estritamente do campo dos direitos. Não se respeitam direitos fazendo caridade.
Tese 10. A monetização da natureza (nature pricingnature banking), ou seja, medir em termos monetários os chamados custos e benefícios ambientais de todos os seres vivos (incluindo os ecossistemas aquáticos), explicitamente aprovada durante a resolução final da 3ª Cúpula da Terra no Rio de Janeiro (2012), inscreve-se totalmente na lógica da mercantilização, privatização e financeirização da vida. Deve ser fortemente questionada, porque representa um novo passo adiante, inaceitável, na submissão do destino da água, da vida, às concepções extrativistas, financistas e predatórias da vida. Trata-se aqui de assegurar, também, o futuro da democracia e da justiça.
Tese 11. O direito humano universal à água para a vida deve ser garantido e assegurado segundo uma concepção dos direitos pluridimensionais. Ele se traduz por um sistema de regulação em quatro níveis:
– O nível do direito de até 50 litros por pessoa, por diaNeste nível, os custos envolvidos são atribuídos à coletividade por meio da tributação. Para isso, é preciso abolir os paraísos fiscais, acabar com as reduções e incentivos fiscais para as empresas privadas que atuam no mercado de ações, remunicipalizar os sistemas de poupança e bancos de crédito locais, colocar na ilegalidade os derivativos…
– O nível do bem-estar coletivo fundamentado, entre outros, na segurança hídrica das comunidades humanas e do consumo entre 50 e 120 litros por dia, por pessoa
Nesse nível, as autoridades públicas são autorizadas a demandar de todos os cidadãos a contribuição financeira dos custos de salvaguarda da água pelo pagamento de uma taxa anual fixa (a taxa de responsabilidade hídrica).
– O nível de bem-estar individual, entre 120 e 250 litros por dia, por pessoaNesse nível, tratando-se de uma quantidade de água individual importante, cujo impacto sobre o ambiente e o modo de vida deve ser rigorosamente controlado, os cidadãos devem contribuir com o financiamento com uma taxa progressiva cujo objetivo será, entre outros, aumentar a conscientização sobre a necessidade de um estilo de vida sóbrio, respeitando os imperativos ambientais e da vida em coletividade.
– O nível (além dos 250 litros por dia, por pessoa) do uso insustentável para o bom estado dos corpos hídricos e o bom funcionamento das bacias hídricasNesse nível, é preciso abandonar o princípio “o poluidor paga” e adotar o princípio da interdição. Mesmo quando se paga, não podemos prejudicar a integridade da água e sua regeneração (ver tese 4).
Tese 12. Em conformidade com as concepções e às práticas consolidadas no decorrer do tempo em todas as sociedades, propõe-se respeitar a seguinte hierarquia quanto aos usos da água:
1. Usos domésticos (água potável, higiene, alimentação, saúde…)
2. Usos na agricultura: essencialmente irrigação e criação de animais…
3. Atividades industriais, inclusive produção de energia
4. Atividades terciárias, especialmente turismo.
Tese 13. No caso de “estresse hídrico” – segundo a definição da ONU, trata-se da situação de uma comunidade humana dispondo de menos de 1000 m³ por ano por pessoa para todos os usos – não se pode estimar que a solução virá essencialmente do recurso às soluções tecnológicas visando o aumento da oferta de água, tais como a melhora da produtividade hídrica na agricultura, a redução de perdas e desperdícios de rede, a dessalinização da água do mar, a produção de água por meio da captura em grande escala da umidade, o transporte de água por longas distâncias (no mesmo modelo de petróleo e gás). Nem a solução deverá vir das técnicas de gestão capitalistas, como a gestão da demanda de água pelo preço ao consumidor, os bancos de água, os mercados de água. A cocacolização da água, usada para refrigerantes e águas minerais engarrafadas, demonstrou largamente sua inconsistência e seus riscos.
Tese 14. A mesma proposta vale no caso de “penúria de água” (definida como a situação de uma comunidade humana que disponha menos de 500 m³ por ano por pessoa para todos os usos). A monetização e a bancarização não passam de instrumentos inventados pelos grupos sociais fortes do sistema econômico e político dominante, que lhes permite dispor e ter acesso à água rara/escassa de modo a satisfazer unicamente suas necessidades vitais, seu bem-estar e seus interesses de poder.
Tese 15. As soluções devem vir essencialmente de uma mudança radical na maneira de “pensar a água”, segundo as linhas examinadas e propostas neste trabalho, em particular segundo os três princípios gerais mencionados:
– a água para a vida deve ser reconhecida e tratada como um bem comum público mundial
– a disponibilidade e o acesso/uso da água devem ser considerados e realizados concretamente como um direito universal para todos os habitantes da terra, todas as espécies vivas
– a água enquanto tal também tem direitos.
Tese 16. Todos os usos da água, segundo as prioridades acima, devem respeitar os princípios da sustentabilidade da vida (regeneração…), da responsabilidade coletiva e individual/comunitária, da justiça social e da igualdade em relação aos direitos, da democracia participativa efetiva, da sobriedade, da precaução.
Tese 17. A água de irrigação para produtos agrícolas de exportação e os hábitos alimentares esbanjadores e devastadores dos consumidores das classes sociais abastadas não podem ser uma prioridade, como ocorre hoje. Da mesma forma, a água usada para produzir vegetais destinados à produção de combustível para os transportes rodoviários não pode figurar entre os usos prioritários. É urgente reconstruir uma bio-agricultura que valorize localmente, de maneira sustentável, o capital de terra e de água para as necessidades vitais das populações locais no quadro de um sistema de cooperação, troca e partilha sem rivalidade e competição.
Tese 18. O mesmo princípio deve ser aplicado à construção das grandes barragens para a produção de água para a irrigação segundo os moldes de uso não sustentáveis atuais, ou para a produção de eletricidade para as indústrias de mineração, agroalimentar e química, ou atividades militares. É inaceitável que centenas de milhões de pessoas, na África, América Latina e Ásia não tenham acesso à eletricidade, pois suas terras e águas estão entre as principais fontes de produção de eletricidade do mundo, para alimentar as indústrias mencionadas.
Tese 19. Apoiados no princípio da soberania, os Estados atuais são incapazes de reconhecer que as águas situadas sobre seu território devem ser salvaguardadas e valorizadas no que diz respeito à vida global sobre a Terra e aos direitos de todos seus habitantes. Isso se traduz hoje na impossibilidade de conceber, ou de realizar, uma política mundial cooperativa e solidária de água.
Tese 20. Face à crescente escassez de boa água, o conceito de segurança hídrica pensado e defendido pelos Estados é o da segurança nacional. O mesmo quanto à segurança alimentar, energética, econômica. É urgente e indispensável eliminar os obstáculos profundos construídos por tal visão de segurança, em favor da concepção e promoção da segurança coletiva mundial. Com esse objetivo, a proposta é criar um Conselho da Segurança dos Bens Comuns Públicos Mundiais, a partir da água, das sementes e do conhecimento.
Tese 21. Em vista da globalização desigual e predadora atual, a abordagem multilateral e interestatal aplicada à política da água tornou-se inadequada e inapropriada — ainda mais porque o poder político efetivo não está mais concentrado nos Estados, nas instituições políticas públicas. Após as sucessivas concessões feitas pelos Estados em todos os terrenos, o poder político real passou às mãos de grandes organizações privadas, empreendimentos multinacionais mundiais e mercados financeiros globais. Exemplo emblemático entre todos: o Forum Mundial da Água, organização privada dominada pelo mundo do business e das finanças, substituiu a ONU — com o acordo e a cumplicidade dos Estados — como a principal ágora do mundo para debates e propostas sobre questões relativas aos problemas, desafios e prioridades da água em escala mundial. É necessário que a ONU recupere seu papel de sujeito público “mundial” e que seja profundamente mudado o Pacto Global nesse domínio assinado em 2000 entre a ONU e as corporações multinacionais privadas.
Tese 22. É urgente construir um sistema planetário plural, participativo, em rede, para regulação política mundial da água, no quadro de uma regulação mais ampla que cubra a terra e as sementes, e o conhecimento (veja tese 20). Este sistema pode denominar-se Ágora Planetária, Conselho de Segurança Mundial ou o que seja. Sua missão, a definir de maneira clara e precisa, será tripla: legislativa, programática, judiciária. Essas competências e meios serão gradualmente colocados em prática com base na avaliação das experiências realizadas. É assim que o sistema poderá contribuir com o crescimento de uma regulação do futuro da vida em nome da humanidade e do conjunto da comunidade geral da vida na Terra, em alternativa à regulação atual imposta em nome do dinheiro e dos interesses de grupos sociais e de oligarquias dos Estados mais poderosos.
Tese 23. As experiências em andamento em matéria de governo cooperativo das águas transnacionais e interregionais – principalmente as dezenas de organizações de bacias hidrográficas pelo mundo – são de grande utilidade para definir as configurações possíveis das instituições de regulação mencionadas. Elas destacam o fato de que, para tornar-se aceitáveis e estáveis, as configurações deverão respeitar os princípios da vida em sua integridade e globalidade, o papel da autonomia complementar que liga as múltiplas entidades membros do sistema, cuja liberdade será real de acordo com sua cooperação com os outros, a primazia da segurança coletiva comum e, consequentemente, o privilégio da memória nacional, a justiça social, a não mercantilização da água e a não privatização do governo das diferentes fases do longo ciclo da água.
Tese 24. Um papel capital na pesquisa e na construção de uma regulação política, econômica e social da água deve ser desempenhado pelas cidades, particularmente as grandes cidades da África, América Latina e Ásia. Em 2050, segundo pesquisa publicada na Nature Sustainability (fevereiro de 2018), os habitantes de aproximadamente 300 a 482 cidades mais populosas do mundo não terão acesso à água potável e aos serviços higiênico-sanitários de base. Trata-se de um cenário absurdo. Nossas sociedades não podem deixar de reagir com força. É seu dever improcrastinável a produção de um programa de ação de envergadura planetária que possa chamar-se a Água urbana 2020, pois a proposição será lançada em 2020 por uma ágora de cidades, por ocasião do décimo aniversário do reconhecimento do direito universal à água pela ONU.
Tese 25. Nesse contexto, e fazendo referência à água potável, é indispensável opor-se à tendência que se afirma até hoje e que consiste na substituição, para beber, da água de torneira pela água mineral natural e de fonte em garrafa. Uma publicidade agressiva e enganosa conseguiu fazer as pessoas acreditarem que a água engarrafada é melhor para a saúde do que a água de torneira, o que é completamente falso. Na realidade, só a água de torneira é potável por definição — no sentido de que é tratada segundo os critérios de potabilidade definidos pelas autoridades públicas. Ao contrário, as águas minerais naturais em garrafa não são tratadas para tornar-se conformes aos critérios de potabilidade, pois sua estrutura bio-química é permanente, portanto não precisam ser engarrafadas ao sair da fonte. Elas podem ser bebidas, mas se usadas regularmente no lugar da água da torneira, isso deve ser feito ser sob supervisão médica. Depois de sua injustificável privatização – pelas concessões de exploração de longo prazo, remuneradas por uma taxa anual irrisória, seu uso comercial atingiu níveis muito altos, excedendo, em alguns países, o percentual de uso de água da torneira. Custam de 200 a 1000 vezes mais do que a água da torneira. Resultado: a água potável é usada nas casas e nos lugares públicos cada vez mais para funções não nobres (o vaso sanitário, os chuveiros, as máquinas de lavar, a lavagem de carros…). Uma situação inaceitável, devida unicamente a uma estratégia de altos lucros permitida pelos poderes públicos, em detrimento das coletividades locais. Os sinais de inversão de tendência parecem se manifestar. É tempo de republicizar e remunicipalizar as águas minerais naturais e de fonte e dar novamente prioridade ao uso da água potável nas casas e nos lugares públicos com o uso da água local.
Tese 26. Não se pode concluir sem mencionar a questão da água virtual, a saber a água necessária para produzir um bem ou um serviço que podemos substituir — seja comprando localmente ou tendo acesso aos bens e serviços de outros. Essa noção deu vida a reflexões importantes na questão de avaliação na escolha de prioridades a estabelecer entre produção direta ou compra/importação de bens e serviços em função da política de água (conservação, proteção da qualidade da água, objetivos ambientais, regimes de propriedade, participação dos cidadãos, cooperação entre os povos…). É lamentável que os aspectos comerciais e financeiros tenham dominado até agora os debates sobre a água virtual. Cabe aos poderes legislativos locais e regionais legislar sobre essa área e também enfatizar a importância de outros aspectos.
Tese 27. A água, como a terra, as sementes, as plantas, os animais, os seres humanos são parte da grande comunidade da vida na Terra. A essa comunidade corresponde um universo múltiplo e complexo de funções, direitos, responsabilidades em todos os níveis espaciais de organização da vida. Numa perspectiva humana, os princípios unificadores permitem a esse universo “viver bem” sem rupturas “existenciais” frequentes e sem conflitos destrutivos, uma vez que seu funcionamento é inspirado e guiado pelos princípios de complementariedade, cooperação, segurança comum, compartilhamento, solidariedade, tolerância, não violência, liberdade comum.
Isso significa que não podemos deixar o futuro do mundo e da vida sobre a Terra sob os princípios de rivalidade e de exclusão, de dominação e de predação, de escassez e apropriação autocrática, próprias do sistema econômico dominante hoje e principalmente de suas lógicas financeiras e mercantis. É preciso libertar a água e o direito à vida das finanças atuais e de seu controle mortal.
 https://outraspalavras.net/destaques/agua-as-27-teses-subversivas/

DECLARAÇÃO FINAL DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS


PARA QUE TODOS E TODAS O TENHAMOS PRESENTE E O COLOQUEMOS EM PRÁTICA. NÓS, PARTICIPANTES DO FAMA, E TODAS E TODOS OS AMIGOS QUE DESEJAREM ASSUMIR CONOSCO A CAUSA DA ÁGUA COMO BEM COMUM DE TODOS OS SERES VIVOS.


DECLARAÇÃO FINAL DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS

Quem somos

Nós, construtores e construtoras do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), reunidos de 17 a 22 de março de 2018, em Brasília, declaramos para toda a sociedade o que acumulamos após muitos debates, intercâmbios, sessões culturais e depoimentos ao longo de vários meses de preparação e nestes últimos dias aqui reunidos. Somos mais de 7 mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, das águas e das florestas, representantes de povos originários e comunidades tradicionais, articulados em 450 organizações nacionais e internacionais de todos os continentes. Somos movimentos populares, tradições religiosas e espiritualidades, organizações não governamentais, universidades, pesquisadores, ambientalistas, organizados em grupos, coletivos, redes, frentes, comitês, fóruns, institutos, articulações, sindicatos e conselhos.

Na grandeza dos povos, trocamos experiências de conhecimento, resistência e de luta. E estamos conscientes que a nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida. A nossa luta é a garantia da vida. É isso que nos diferencia dos projetos e das relações do capital expressos no Fórum das Corporações – Fórum Mundial da Água.

Também estamos aqui para denunciar a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas. O Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.

Nossas constatações sobre o momento histórico

O modo de produção capitalista, historicamente, concentra e centraliza riqueza e poder, a partir da ampliação de suas formas de acumulação, intensificação de seus mecanismos de exploração do trabalho e aprofundamento de seu domínio sobre a natureza, gerando a destruição dos modos de vida. Vivemos em um período de crise do capitalismo e de seu modelo político representado pela ideologia neoliberal, na qual se busca intensificar a transformação dos bens comuns em mercadoria, através de processos de privatização, precificação e financerização.

A persistência desse modelo tem aprofundado as desigualdades e a destruição da natureza, através dos planos de salvamento do capital nos momentos de aprofundamento da crise. Nesse cenário, as ações do capital são orientadas pela manutenção a qualquer custo das suas taxas de juros, lucro e renda.

Esse modelo impõe à América Latina e ao Caribe o papel de produtores de artigos primários e fornecedores de matéria prima, atividades econômicas intensivas em bens naturais e força de trabalho.  Subordina a economia desses países a um papel dependente na economia mundial, sendo alvos prioritários dessa estratégia de ampliação da exploração a qualquer custo.
O Brasil, que sedia esta edição do FAMA, é exemplar nesse sentido. O golpe aplicado recentemente expõe a ação coordenada de corporações com setores do parlamento, da mídia e do judiciário para romper a ordem democrática e submeter o governo nacional a uma agenda que atenda seus interesses rapidamente. A mais dura medida orçamentária do mundo foi implantada em nosso país, onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.

Quais são as estratégias das corporações para a água?

Identificamos que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro. Para isso, estão em curso diversas estratégias que vão desde o uso da violência direta até formas de captura corporativa de governos, parlamentos, judiciários, agências reguladoras e demais estruturas jurídico-institucionais para atuação em favor dos interesses do capital. Há também uma ofensiva ideológica articulada junto aos meios de comunicação, educação e propaganda que buscam criar hegemonia na sociedade contrária aos bens comuns e a favor de sua transformação em mercadoria.

O resultado desejado pelas corporações é a invasão, apropriação e o controle político e econômico dos territórios, das nascentes, rios e reservatórios, para atender os interesses do agronegócio, hidronegócio, indústria extrativa, mineração, especulação imobiliária e geração de energia hidroelétrica. O mercado de bebida e outros setores querem o controle dos aquíferos. As corporações querem também o controle de toda a indústria de abastecimento de água e esgotamento sanitário para impor seu modelo de mercado e gerar lucros ao sistema financeiro, transformando direito historicamente conquistado pelo povo em mercadoria. Querem ainda se apropriar de todos os mananciais do Brasil, América Latina e dos demais continentes para gerar valor e transferir riquezas de nossos territórios ao sistema financeiro, viabilizando o mercado mundial da água

Denunciamos as transnacionais Nestlé, Coca-Cola, Ambev, Suez, Veolia, Brookfield (BRK Ambiental), Dow AgroSciences, Monsanto, Bayer, Yara, os organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e ONGs ambientalistas de mercado, como The Nature Conservancy e Conservation International, entre outras que expressam o caráter do “Fórum das Corporações”. Denunciamos o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP Billiton, que contaminou com sua lama tóxica o Rio Doce, assassinando uma bacia hidrográfica inteira, matando inúmeras pessoas, e até hoje seu crime segue impune. Denunciamos o recente crime praticado pela norueguesa Hydro Alunorte que despejou milhares de toneladas de resíduos da mineração através de canais clandestinos no coração da Amazônia e o assassinato do líder comunitário Sergio Almeida Nascimento que denunciava seus crimes. Exemplos como esses têm se reproduzido por todo o mundo.

Os povos têm sido as vítimas desse avanço do projeto das corporações. As mulheres, povos originários, povos e comunidades tradicionais, populações negras, migrantes e refugiados, agricultores familiares e camponeses e as comunidades periféricas urbanas têm sofrido diretamente os ataques do capital e as consequências sociais, ambientais e culturais de sua ação.

Nos territórios e locais onde houve e/ou existem planos de privatização, aprofundam-se as desigualdades, o racismo, a violência sexual e sobrecarga de trabalho para as mulheres, a criminalização, assassinatos, ameaças e perseguição a lideranças, demissões em massa, precarização do trabalho, retirada e violação de direitos, redução salarial, aumento da exploração, brutal restrição do acesso à água e serviços públicos, redução na qualidade dos serviços prestados à população, ausência de controle social, aumentos abusivos nas tarifas, corrupção, desmatamento, contaminação e envenenamento das águas, destruição das nascentes e rios e ataques violentos aos povos e seus territórios, em especial às populações que resistem às regras impostas pelo capital.

A dinâmica de acumulação capitalista se entrelaça com o sistema hetero-patriarcal, racista e colonial, controlando o trabalho das mulheres e ocultando intencionalmente seu papel nas esferas de reprodução e produção. Nesse momento de ofensiva conservadora, há o aprofundamento da divisão sexual do trabalho e do racismo, causando o aumento da pobreza e da precarização da vida das mulheres.

A violência contra as mulheres é uma ferramenta de controle sobre nossos corpos, nosso trabalho e nossa autonomia. Essa violência se intensifica com o avanço do capital, refletindo-se no aumento de assassinato de mulheres, da prostituição e da violência sexual. Tudo isso impossibilita as mulheres de viver com dignidade e prazer.

Para as diversas religiões e espiritualidades, todas essas injustiças em relação às águas e seus territórios, caracterizam uma dessacralização da água recebida como um dom vital, e dificultam as relações com o Transcendente como horizonte maior das nossas existências.
Destacamos que para os Povos Originários e Comunidades Tradicionais há uma relação interdependente com as águas, e tudo que as atinge, e que todos os ataques criminosos que sofre, repercutem diretamente na existência desses povos em seus corpos e mentes. Esses povos se afirmam como água, pois existe uma profunda unidade entre eles e os rios, os lagos, lagoas, nascentes, mananciais, aquíferos, poços, veredas, lençóis freáticos, igarapés, estuários, mares e oceanos como entidade única. Declaramos que as águas são seres sagrados. Todas as águas são uma só água em permanente movimento e transformação. A água é entidade viva, e merece ser respeitada.

Por fim, constatamos que a entrega de nossas riquezas e bens comuns conduz a destruição da soberania e a autodeterminação dos povos, assim como a perda dos seus territórios e modos de vida.

Mas nós afirmamos: resistimos e venceremos!

Nossa resistência e luta é legítima. Somos os guardiões e guardiãs das águas e defensores da vida. Somos um povo que resiste e nossa luta vencerá todas as estruturas que dominam, oprimem e exploram nossos povos, corpos e territórios. Somos como água, alegres, transparentes e em movimento. Somos povos da água e a água dos povos.

Nestes dias de convívio coletivo, identificamos uma extraordinária diversidade de práticas sociais, com enorme riqueza de culturas, conhecimento e formas de resistência e de luta pela vida. Ninguém se renderá. Os povos das águas, das florestas e do campo resistem e não se renderão ao capital. Assim também tem sido a luta dos povos, dos operários e de todos os trabalhadores e trabalhadoras das cidades que demonstram cada vez maior força. Temos a convicção que só a luta conjunta dos povos poderá derrotar todas as estruturas injustas desta sociedade.

Identificamos que a resistência e a luta têm se realizado em todos os locais e territórios do Brasil e do mundo e estamos convencidos que nossa força deve caminhar e unir-se a grandes lutas nacionais e internacionais. A luta dos povos em defesa das águas é mundial.
Água é vida, é saúde, é alimento, é território, é direito humano, é um bem comum sagrado.

O que propomos

Reafirmamos que as diversas lutas em defesas das águas dizem em alto e bom som que água não é e nem pode ser mercadoria. Não é recurso a ser apropriado, explorado e destruído para bom rendimento dos negócios. Água é um bem comum e deve ser preservada e gerida pelos povos para as necessidades da vida, garantindo sua reprodução e perpetuação. Por isso, nosso projeto para as águas tem na democracia um pilar fundamental. É só por meio de processos verdadeiramente democráticos, que superem a manipulação da mídia e do dinheiro, que os povos podem construir o poder popular, o controle social e o cuidado sobre as águas, afirmando seus saberes, tradições e culturas em oposição ao projeto autoritário, egoísta e destrutivo do capital.

Somos radicalmente contrários às diversas estratégias presentes e futuras de apropriação privada sobre a água, e defendemos o caráter público, comunitário e popular dos sistemas urbanos de gestão e cuidado da água e do saneamento. Por isso saudamos e estimulamos os processos de reestatização de companhias de água e esgoto e outras formas de gestão.
Seguiremos denunciando as tentativas de privatização e abertura de Capital, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde 18 estados manifestaram interesse na privatização de suas companhias.
Defendemos o trabalho decente, assentado em relações de trabalho democráticas, protegidas e livre de toda forma de precarização. Também é fundamental a garantia do acesso democrático e sustentável à água junto à implementação da reforma agrária e defesa dos territórios, com garantia de produção de alimentos em bases agroecológicas, respeitando as práticas tradicionais e buscando atender a soberania alimentar dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos e do campo, florestas e águas.

Estamos comprometidos com a superação do patriarcado e da divisão sexual do trabalho, pelo reconhecimento de que o trabalho doméstico e de cuidados está na base da sustentabilidade da vida. O combate ao racismo também nos une na luta pelo reconhecimento, titulação e demarcação dos territórios dos povos originários e comunidades tradicionais e na reparação ao povo negro e indígena que vive marginalizado nas periferias dos centros urbanos.

Nosso projeto é orientado pela justiça e pela solidariedade, não pelo lucro. Nele ninguém passará sede ou fome, e todos e todas terão acesso à água de qualidade, regular e suficiente bem como aos serviços públicos de saneamento.

Nosso plano de ações e lutas

A profundidade de nossas debates e elaborações coletivas, o sucesso da nossa mobilização, a diversidade do nosso povo e a amplitude dos desafios que precisam ser combatidos nos impulsionam a continuar o enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal, racista e colonial, tendo como referência a construção da aliança e da unidade entre toda a diversidade presente no FAMA 2018.

Trabalharemos, através de nossas formas de luta e organização para ampliar a força dos povos no combate à apropriação e destruição das águas. A intensificação e qualificação do trabalho de base junto ao povo, a ação e a formação política para construir uma concepção crítica da realidade serão nossos instrumentos. O povo deve assumir o comando da luta. Apostamos no protagonismo e na criação heroica dos povos.

Vamos praticar nosso apoio e solidariedade internacional a todos os processos de lutas dos povos em defesa da água denunciam a arquitetura da impunidade, que, por meio dos regimes de livre-comércio e investimentos, concede privilégios às corporações transnacionais e facilitam seus crimes corporativos.

Multiplicaremos as experiências compartilhadas no Tribunal Popular das Mulheres, para a promoção da justiça popular, visibilizando as denúncias dos crimes contra a nossa soberania, os corpos, os bens comuns e a vida das mulheres do campo, das florestas, águas e cidades.
A água é dom que a humanidade recebeu gratuitamente, é direito de todas as criaturas e bem comum. Por isso, nos comprometemos a unir mística e política, fé e profecia em suas práticas religiosas, lutando contra os projetos de privatização, mercantilização e contaminação das águas que ferem a sua dimensão sagrada.

O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) apoia, se solidariza e estimulará todos os processos de articulação e de lutas dos povos no Brasil e no mundo, tais como a construção do “Congresso do Povo”, do “Acampamento Terra Livre”, da “Assembleia Internacional dos Movimentos e Organizações dos Povos”, da “Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo”; da campanha internacional para desmantelar o poder corporativo e pelo “tratado vinculante” como ferramenta para exigir justiça, verdade e reparação frente aos crimes das transnacionais.

Convocamos todos os povos a lutar juntos para defender a água. A água não é mercadoria. A água é do povo e pelos povos deve ser controlada.

É tempo de esperança e de luta. Só a luta nos fará vencer. Triunfaremos!

Assinam a declaração:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Articulação Semiárido Brasileiro
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento
Cáritas Brasil
Central de Movimentos Populares
Conselho Nacional das Populações Extrativistas
Confederação Nacional dos Urbanitários
Confederação Nacional das Associações de Moradores
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Comissão Pastoral da Terra
Confederação Sindical de Trabalhadores/as das Américas
Central Única dos Trabalhadores
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental
Federação Nacional dos Urbanitários
Federação Única dos Petroleiros
Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
Internacional de Serviços Públicos
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento dos Atingidos por Barragens
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
ONG Proscience
Rede Mulher e Mídia
Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia
Sociedade Internacional de Epidemiologia Ambiental