sexta-feira, 31 de julho de 2015

IGREJA SOLIDÁRIA COM AFETADOS PELA MINERAÇÃO

MAIS UM SINAL CONCRETO DE QUE A IGREJA CATÓLICA ORIENTADA PELO PAPA FRANCISCO VAI AO ENCONTRO DOS POBRES QUE ESTÃO NA PERIFERIA. DESTA VEZ, O ENCONTRO OUVIU O GRITO E ASSUMIU COMPROMISSOS CLAROS COM OS AFETADOS PELA MINERAÇÃO, QUESTIONANDO AS EMPRESAS QUE SACRIFICAM AS PESSOAS E A NATUREZA APENAS EM BUSCA DE LUCROS DE CURTO PRAZO. 

Unidos a Deus compartilhamos um grito

Carta aberta das comunidades atingidas pela mineração,
recebidas em Roma pelo Pontifício Conselho de Justiça e Paz

Nos dias de 17 a 19 de julho de 2015, realizou-se em Roma o encontro de representantes de comunidades atingidas por atividades mineiras, organizado pelo Pontifício Conselho de Justiça e Paz (PCJP) em colaboração com a rede latino-americana Iglesias y Minería, com o tema “Unidos a Deus escutamos um grito”.

Participaram lideranças de 18 países do mundo: Chile, Peru, Brasil, Colômbia, Honduras, Guatemala, El Salvador, República Dominicana, México, Estados Unidos, Canada, Suíça, Itália, Moçambique, Ghana, República Democrática do Congo, Índia e Filipinas.

Foi um encontro fortemente esperado por nossas comunidades, que estão se organizando progressivamente para denunciar as graves violações aos direitos humanos que sofrem pela destruição e contaminação do meio ambiente, os danos à saúde, as divisões comunitárias, o desenraizamento dos territórios, as enfermidades, a perda da cultura, a prostituição, o alcoolismo e o uso de drogas, a perda da economia local e as vinculações com o crime organizado que são criadas pela indústria mineira. De maneira que as comunidades também se organizam para estabelecer estratégias comuns de resistência e alternativas.

Objetivo desse encontro é reconhecer sua dignidade”, afirmou o cardeal Turkson, presidente do PCJP. Papa Francisco definiu-a “a imensa dignidade dos pobres” (Laudato Sí – LS 158).

A Igreja Católica está deparando-se cada vez mais com a gravidade dos impactos da mineração, ferida profunda no seio da terra e das comunidades e expressão da “única e complexa crise socioambiental” (LS 139).

Papa Francisco, em sua carta aos participantes do encontro, descreveu o contexto dos conflitos mineiros com extrema lucidez e empatia: “Quiseram se reunir (...) para ecoar o grito das numerosas pessoas, famílias e comunidades que sofrem direta ou indiretamente por causa das consequências muitas vezes negativas das atividades mineiras. Um grito pela extração de riquezas do solo que paradoxalmente não produziu riquezas para as populações locais que permanecem pobres; um grito de dor em reação às violências, ameaças e corrupção; um grito de indignação e ajuda pelas violações de direitos humanos, discreta ou descaradamente pisados pelo que se refere à saúde das populações, às condições de trabalho, por vezes à escravidão e ao tráfico de pessoas que alimentam o trágico fenômeno da prostituição; um grito de tristeza e impotência pela poluição das águas, do ar e dos solos; um grito de incompreensão pela ausência de processos inclusivos e de apoio por parte das autoridades civis, locais e nacionais, que têm o dever de promover o bem comum”.

O Card. Turkson concluiu o evento comunicando às comunidades: “Estamos cientes de seu isolamento, da violação de direitos humanos, da persecução, do desequilíbrio de poder...”.
O sofrimento das comunidades teve, através desse encontro, uma preciosa divulgação e visibilidade frente à opinião pública mundial.

Refletindo sobre a Doutrina Social da Igreja, nós participantes chegamos à conclusão que a Igreja não pode ser uma mediadora neutra entre as comunidades e as empresas. “Onde há tantas desigualdades e são tantas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência lógica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres” (LS 158).

As afinidades de nossas denúncias revelam que há práticas repetidas por parte das empresas em todas as latitudes, frequentemente em aliança com os governos nacionais e locais e com uma forte incidência e lobby das mineradoras em todos os espaços de poder: através da elaboração de leis prejudiciais à vida, buscam proteger seus projetos operacionais e interesses de lucro.

Com essa desproporção de forças e influências e com a falta de um adequado acesso à justiça e à informação, mantendo-se uma forte criminalização do protesto social, é praticamente impossível que haja um diálogo respeitoso e atento das empresas e governos para com as exigências dos mais pobres. Em sua encíclica, Papa Francisco recomenda fortemente “grandes percursos de diálogo”, mas os vincula todos a responsáveis processos políticos e decisórios em nível internacional, nacional e local (LS 164-198). Esse é o nível que podemos e queremos potencializar, com a determinante postura do Pontifício Conselho de Justiça e Paz.

Expressamos também nossa preocupação a respeito da estratégia de aproximação das grandes corporações mineiras à Igreja institucional, ressaltando as contradições entre os discursos realizados em Roma por essas multinacionais e suas práticas locais, que continuam na maioria dos casos a violar os direitos humanos nos territórios. 

Nesse sentido, ressoam ainda mais fortes as palavras que Papa Francisco escreveu-nos por ocasião do encontro: não se trata de buscar pequenos ajustes de conduta ou elevar um pouco os padrões da assim chamada “responsabilidade social corporativa”. Ao contrário, diz o Papa, “o inteiro setor minerário está sem dúvida chamado a realizar uma mudança radical de paradigma para melhorar a situação em muitos países”.

Celebramos esse encontro porque o grito de socorro das comunidades está sendo escutado e está cada vez mais se organizando. Mas sentimos também o desafio de garantir os direitos humanos e o protagonismo das pessoas em seus territórios: “os novos processos em gestação (...) hão de ser provenientes da própria cultura local” (LS 144).

Aguardamos com muito interesse o documento que o Pontifício Conselho de Justiça e Paz redigirá, com reflexões e indicações a respeito dos conflitos provocados pelas atividades de mineração. Esperamos seja um documento pastoral: poderá de um lado reforçar e empoderar as comunidades confirmando sua dignidade e seus projetos de vida, do outro recomendar às igrejas locais a importância de educar ao cuidado da Mãe Terra, defender as vítimas dos conflitos e da criminalização, promover políticas e ações institucionais a proteção dos direitos socioambientais, bem como serem vigilantes na relação com as empresas.

Sugerimos ao PCJP que, em seu encontro com os empresários das grandes mineradoras, confirme de maneira contundente a solicitação de vários outros povos e organizações do mundo: avançar na definição do Tratado Vinculante sobre Empresas e Direitos Humanos, atualmente em construção na ONU.

Consideramos que o caminho mais adequado para a gestão dos conflitos entre as comunidades que reivindicam seu direito ao território e os projetos das empresas, com o aval dos estados, seja o total respeito dos direitos humanos e das leis e tratados já existentes, bem como a definição de novos consistentes instrumentos regulatórios, políticos, jurídicos e econômicos, tanto em nível nacional como internacional (LS 177); “mas, no debate, devem ter um lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato” (LS 183). As comunidades têm o direito de dizer ‘não’ à mineração.
Nesse sentido, reforçamos a importância de garantir áreas livres da mineração. Trata-se de regiões de especial proteção ecológica, comunidades em territórios pequenos que seriam atropeladas por gigantescos projetos mineiros, espaços sagrados onde se celebram a história de um povo e sua cultura, áreas de particular beleza natural ou onde vivem comunidades que já foram removidas anteriormente, entre outras.

O card. Turkson nos garantiu que esse encontro representa mais uma etapa de um longo compromisso do Conselho Pontifício: “Não é só o Vaticano que escuta o grito das vítimas. Também os bispos o fazem. Encorajaremos os bispos locais a ficar mais próximos às comunidades atingidas”. 

Agradecemos a Igreja Católica por escutar o grito dos atingidos pela mineração e queremos continuar a caminhar com esperança “para que venha o Reino de justiça, paz, amor e beleza”.


Roma, 28 de julho de 2015
As comunidades que participaram do encontro “Unidos a Deus escutamos um grito”


quinta-feira, 30 de julho de 2015

A HUMANIDADE CONSEGUIRÁ EVITAR QUE A TEMPERATURA AUMENTE MENOS DE 1,5ºC?

VEJAM INICIATIVAS, ESFORÇOS, INCLUÍDOS OS QUE TRABALHAM A CONSCIÊNCIA HUMANA. ISSO É POSITIVO, MAS SERÁ NECESSÁRIA UMA PRESSÃO MUITO INTENSA, QUASE AMEAÇADORA, PARA QUE OS GOVERNOS SE LIBERTEM DOS "CONSELHOS" OU ORDENS DOS DONOS DO DINHEIRO, DA RIQUEZA CADA VEZ MAIS GLOBALIZADA E CONCENTRADA, E DECIDAM, NA COP 21, O QUE A HUMANIDADE E A PRÓPRIA TERRA EXIGEM COM URGÊNCIA.

Ministros de 46 países aceitam mecanismo de revisão de acordo do clima de cinco em cinco anos

Representantes diplomáticos concordam que novo pacto climático deve corrigir lacunas em relação aos cenários deredução das emissões. Resolução não faz parte de negociações formais, mas é sinal político positivo
A reportagem foi publicada pelo Instituto Socioambiental - ISA, 28-07-2015.
Uma reunião informal de ministros de 46 países, realizada em Paris, nesta semana, chegou a um consenso sobre um mecanismo de revisão do futuro acordo internacional sobre mudanças climáticas. A ideia seria avaliar, de cinco em cinco anos, os progressos do acordo, que poderá ser fechado também Paris, em dezembro, durante a próxima Conferência do Clima (COP-21).
O encontro não faz parte da rodada de negociações oficiais que precede a COP 21, portanto não tem influência formal sobre elas, mas é um sinal político positivo em meio às incertezas sobre os resultados da conferência.
“[Os países presentes] chegaram a acordo sobre uma cláusula de revisão dos compromissos nacionais a cada cinco anos, revisão de forma voluntária, mas que poderá apenas ser para o aumento [dos compromissos]”, informou Laurence Tubiana, embaixadora francesa para as Negociações do Clima, que chefia a Conferência Paris de 2015, à agência Reuters. “Isso é completamente novo. Nós temos o consenso de todos os grandes países”, afirmou Tubiana.
Ela lembrou que muitas das principais nações envolvidas nas negociações internacionais seguiam até aquí relutando em aceitar um instrumento de revisão semelhante. Daí a importancia do resultado do encontro desta semana. Tubianaressalvou, no entanto, que o evento contou com representantes de apenas 46 países e que ainda é necessário convencer muitos outros – 195 nações fazem parte da Convenção das Nações Unidas sobre Clima.
Os participantes da reunião validaram a proposta de que a avaliação quinquenal do novo pacto climático deve levar em conta o desenvolvimento do conhecimento científico e corrigir lacunas em relação aos cenários de redução das emissões e de controle do aquecimento global. Os ministros também chegaram a um consenso sobre a definição de um quadro comum para Monitoramento, Relatório, Verificação (MRV em inglês) dos compromissos nacionais de redução de emissões, com as mesmas regras para todos os países.
“Cada país reiterou seu compromisso de fazer o máximo para o sucesso da COP-21 em Paris. Ou seja, construir um novo acordo global juridicamente vinculativo para permanecer abaixo de 1,5 ou 2 graus, melhorando a capacidade de adaptação e mobilizar os recursos de implementação (finanças, tecnologia, capacitação) que permitirão atingir essas metas”, concluiuLaurent Fabius, ministro de Assuntos Estrangeiros da França.
“Cúpula das Consciências”
As autoridades francesas, inclusive Laurence Tubiana, vêm manifestando preocupação não tanto em relação à possibilidade do fechamento de um acordo, em dezembro, mas quanto ao seu grau de ambição. Especialistas e políticos preveem que o entendimento pode ter metas que fiquem muito aquém do objetivo de evitar um aquecimento de mais de 2ºC na temperatura média do planeta, limite considerado seguro pelos cientistas.
Por causa dessas preocupações, o governo francês busca articular apoio para um acordo mais ambicioso. Com esse objetivo, organizou, também nesta semana em Paris, paralelamente ao encontro entre ministros, uma “Cúpula das Consciências” sobre mudanças climáticas, com a presença líderes carismáticos e autoridades religiosas de todo o mundo. Laurent Fabius explicou que os dois eventos compartilhavam o objetivo de engajar a comunidade internacional em um momento em que as negociações caminham devagar.
“A Cúpula das Consciências tem sido um momento importante de reflexão coletiva antes da Conferência do Clima de dezembro. Paris será a paz ou o conflito, a crise climática é a última das injustiças”, afirmou Nicolas Hulot, organizador da reunião e enviado especial para a Proteção do Planeta do governo francês.
Sábios da Índia, líderes católicos, muçulmanos, budistas, judeus, sufis e taoístas, além de indígenas da Amazônia, participaram de um variado mosaico de palestras na “cúpula”. Também estiveram presentes personalidades como Marina SilvaSégolène Royal, ministra da Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Energia da França; o prêmio Nobel da Paz de Bangladesh, Muhammad Yunus, e Kofi Annan, ex-secretário Geral de Nações Unidas (veja abaixo falas do encontro).
“Eu sou um guardião das florestas, cuja única ambição é garantir aos seus filhos um ’Testamento verde’, que é sinônimo de conservação da natureza. O relacionamento respeitoso do meu povo com a terra, a fauna e a flora é uma simples expressão de estilo de vida Kaiowá. Nossos territórios estão sendo destruídos por homens cobiçosos, cujo único objetivo é ficar ricos enquanto abastecem o mercado internacional de soja, carne. Quanto a nós, o nosso flagelo são os agrocombustíveis: o etanol é feito a partir do sangue que corre pelas nossas veias e inunda a terra Kaiowá.”
“O mundo está numa encruzilhada. Os direitos indígenas dos índios brasileiros, reconhecidos pela Constituição, brasileira estão em perigo. Nossa sustentabilidade cultural, econômica e social depende da terra. A Mãe Terra precisa dos seus guardiões, precisa dos povos nativos porque eles não ficam nas mãos da ganância e do progresso ilusório. Devemos nos unir com os outros, guiados por guardiões que nos enraízam na Terra. Só assim podemos conquistar nosso futuro, juntamente com todos os povos que lutam para que o planeta possa ainda respirar.”
Valdelice Veron, indígena Guarani Kaiowá, do Brasil
“Um país como o Brasil, que é uma potência ambiental, não pode deixar de ter uma ação de liderança no debate. Obviamente, espera-se do Brasil que lidere pelo exemplo.” “Esse encontro é importante para reiterarmos que é preciso que se tenha uma ética de valores que oriente nossa técnica para implementar compromissos políticos ou empresariais entre outros.”
Marina Silva
“A crise climática e ecológica não se reduz às dimensões científicas, tecnológicas, econômicas e políticas, é uma crise de bom senso. A causa profunda é o modo de vida, de produção, de consumo que já não é mais compatível com o desenvolvimento humano.”
François Hollande, presidente da França
“Uma forma importante de reduzir a presença de carbono é plantando. Se eu consegui replantar uma floresta de 600 hectares com mais de dois milhões de árvores, imagina o que os poderes políticos e empresariais podem fazer.”
Sebastião Salgado, fotógrafo
“Lutar contra a mudança climática pode ser caro, mas o preço de não agir é infinito.”
Susan George, presidente honorária da Associação para a Tributação das Transações Financeiras e para a Ação Cidadã (ATTAC)

AMAZÔNIA: AGIR COM SABEDORIA É AGIR A FAVOR DA TERRA

CERTO, EGÍDIO, E É ISSO QUE SE BUSCA COM A ARCA, A ARTICULAÇÃO PELA CONVIVÊNCIA COM A AMAZÔNIA. É PRECISO COMBATER TUDO QUE DESEJA FAZER DA AMAZÔNIA UM LUGAR QUALQUER, SEM FLORESTA E SEUS SERES VIVOS, SEM SEUS RIOS, SEM A UMIDADE QUE PODE OFERECER GRACIOSAMENTE PARA OUTROS BIOMAS - E TUDO EM FAVOR APENAS DOS INTERESSES DE CURTO PRAZO E DA INSENSIBILIDADE INFINITA DOS CAPITALISTAS NEOLIBERAIS GLOBALIZADOS. E É PRECISO UNIR TODOS QUE AGEM PROMOVENDO A CONVIVÊNCIA COM A AMAZÔNIA PARA QUE SUA VOZ E SUA CIDADANIA POLÍTICA EVITE O DESASTRE EM CURSO COM AS AÇÕES CONTRA A TERRA. 

Amazônia: agir com sabedoria é agir a favor da terra

"Agronegócio, grandes hidrelétricas, asfalto, exploração de minérios para venda como comodities, desencadeiam processos de destruição da natureza, de saberes acumulados durante milênios e incalculáveis fontes de pesquisa". O comentário é deEgydio Schwade em artigo publicado no portal do Cimi, 28-07-2015. Egydio Schwade é um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - Cimi e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do Cimi, residindo em Presidente Figueiredo-AM.
Eis o artigo.
Cada gesto que fazemos em direção à mãe-terra desencadeia um processo de conseqüências boas ou más sobre a vida no Planeta. Quando este gesto ou investimento é correto desencadeia um processo de conseqüências a favor da vida, alcançando o objetivo da ação e outros no seu caminho.
Em uma estrada com declive a água das chuvas prejudica não apenas a estrada, mas causa erosão e assoreamento em todo o seu caminho rumo ao mar. O que se faz costumeiramente, à frente o poder público, é levar essas águas o mais depressa possível para dentro do igarapé, rio ou mar, acumulando um problema atrás do outro. A água abre sulcos cada vez mais profundos nas laterais da estrada, causa frequentes avalanches, transporta toneladas de terra que vão assorear igarapés e rios, prejudicando a flora e a fauna aquáticas... Ou seja, se desencadeia um processo de destruição que futuramente exigirá fortunas para ser reparado.
Acolhendo esta água no sítio ao lado resolvemos o problema dos usuários da estrada: a erosão. Economizamos o dinheiro para a manutenção da estrada. No sítio a água canalizada irriga as plantas. E, abrindo buracos ao longo do canal, de espaço em espaço e enchendo-os com matéria orgânica resultante de poda ou lixo orgânico, estes formarão “ilhas de fertilidade”, onde poderão ser cultivados frutos, hortaliças ou plantas medicinais.  Os canais ainda absorverão e filtrarão parte da água que abastecerá o lençol freático... Assim a simples canalização da água para dentro de um sítio pode desencadear ações a favor da vida e do planeta.
Semelhantemente, repetimos, a cada hora do dia que passa ações de consequências positivas ou negativas. A existência de sauveiros ou formigueiros de saúvas tem a sua finalidade positiva. São amaciadores e adubadores da terra árida e mediante os canais que criam no solo abastecem as águas os lençóis freáticos. Mantidos sob controle mediante água e serragem, protegem-se as flores e fruteiras e mantém-se a terra adubada e úmida... Combatidos com veneno desencadeamos processo inverso, de malefícios para a vida na terra. Destruímos a finalidade de sua existência, envenenamos a terra e os alimentos que ela produz. E os processos nefastos se prolongam ao infinito. O governo ainda não avaliou e talvez nunca vá avaliar os prejuízos que causou à Amazônia, ao mundo e continua causando com a entrega do chapadão dos Parecis e do estado de Tocantins ao agronegócio, que destruiu milhões de sauveiros que regulavam as águas rumo ao rio Amazonas e ao mar.
Visite-se Santarém, considerada uma das concentrações humanas mais antigas das Américas. Vejam o que a Prefeitura e a população vêm fazendo com a “terra preta”, a melhor terra de toda a região amazônica. O que gerações e gerações de humanos acumularam com sua sabedoria para o cultivo da terra está sendo diariamente “enxotado” às toneladas, como lixo, para o Rio Tapajós, para o rio Amazonas, para o mar... para ser substituída por asfalto e cimento.
Agronegócio, grandes hidrelétricas, asfalto, exploração de minérios para venda como comodities, desencadeiam processos de destruição da natureza, de saberes acumulados durante milênios e incalculáveis fontes de pesquisa.
Todas as metrópoles são arsenais ou fábricas de burrice porque se estruturam todas sobre processos iníquos. É asfalto e cimento cobrindo a mãe-terra. São arranha-céus que exigem milhões de toneladas de seixo ou brita que vão aniquilando o alimento e os refúgios da fauna dos rios ou desmontam com potentes dinamites milhões de toneladas de rochas, abalando a estrutura do solo e do subsolo...
A exploração da floresta para transformar sua madeira em mercadoria não é sustentável, pois também desencadeia processos nefastos para a humanidade. O madeireiro não reconhece e não vê valor nos cipós e na variedade imensa de plantas valiosas não-madeireiras, nem os animais silvestres e nem o abrigo das águas.
O sustento e o incentivo cego às fábricas de carros e de plásticos descontrola a humanidade com relação ao destino do lixo inorgânico...
O “cidadão” se transforma em um “urbanagem”, em “urbanoide”. Viciado por milhares de leis escritas acaba estruturando sobre elas toda a sua “sabedoria” e ”ciência”. A ciência congênita, ou consciência, fica em segundo plano ou até totalmente esquecida, tornando o cidadão um “paraplégico” entregue aos “cuidados” de um Estado cego, sempre descontrolado pelas forças ou interesses que o comandam. Assim em meio a toda esta crematística, como Aristóteles denomina este tipo de “economia” que vem sendo praticada pelos Estados, é salutar pensar na transformação do sistema político e social vigente e não apenas em paliativos.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

PARA QUEM É CATÓLICO COMO O PAPA FRANCISCO E QUER DEFENDER A VIDA E A TERRA

SUBSCREVAM ESTA PETIÇÃO, FAZENDO VALER SUA FÉ E SUA CIDADANIA.

Cardeal Turkson apoiou a Petição Católica pelo Clima na Bolívia 

Durante o II Encontro Mundial dos Movimentos Populares com o Papa Francisco, na Bolívia, o Cardeal Turkson,  presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz no Vaticano, apoiou a Petição Católica pelo Clima, que convoca os líderes políticos de todo o mundo a assumir compromissos concretos para resolver a urgente crise do clima e se comprometam a ajudar os países mais pobres para que resistam aos impactos da mudança climática. Dom Guilherme Welang,  presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB e Ivo Poletto, assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social também apoiaram a petição.
Depois de quase um ano do primeiro encontro do Papa Francisco com os movimentos populares, em Roma, as organizações sociais voltaram a ser encontrar com o Pontífice em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Mais de 1.500 delegados de diversos movimentos populares do mundo inteiro, junto a dezenas de bispos e agentes pastorais, participaram de três dias de reuniões, análises e debates sobre os problemas sociais e ambientais que eclodem no mundo inteiro.
No discurso aos movimentos populares, o Papa Francisco propôs três grandes tarefas que buscam uma mudança positiva em benefício de todos os nossos irmãos e irmãs. A terceira tarefa que, segundo ele, “talvez seja a mais importante que devemos assumir hoje”, é defender a Mãe Terra. “O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança. Estou convosco”, completa o Papa.
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PAPA FRANCISCO QUER OS CRISTÃOS JUNTO AOS MOVIMENTOS POPULARES

IHU - Sábado, 25 de julho de 2015

Papa Francisco e uma mudança de rota: como os movimentos populares analisam a realidade? Entrevista especial com Ivo Poletto

“As mensagens da Laudato Si' e da fala aos movimentos populares não são apenas uma palavra amiga aos cristãos, e especialmente aos católicos, para quem Francisco é papa. Nem são palavras amigas para os que estavam em Santa Cruz. Francisco está proferindo palavras amigas para todas as pessoas que têm sentimento de humanidade”, afirma o assessor de pastorais e movimentos sociais.
Foto: http://www.adital.com.br
encontro do Papa Francisco com movimentos populares na Bolívia, mas também em outros momentos no Vaticano, sinaliza “uma mudança essencial de rota”, avalia Ivo Poletto, que participou do II Encontro Mundial de Movimentos Populares, realizado em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, quando o papa falou para mais de 1.500 representantes de movimentos populares de mais de 40 países. Para Poletto, que acompanha os movimentos populares no Brasil desde a época das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, a novidade inaugurada por Francisco está no fato de que “em vez de só convidar pesquisadores e intelectuais, passa-se a ouvir como os movimentos populares analisam a realidade do mundo atual e como atuam para enfrentar o que os afeta”.  
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, após retornar da Bolívia, Poletto comenta os principais temas abordados no II Encontro Mundial de Movimentos Populares, e assinala que a insistência do papa com o discurso sobre a necessidade de mudança indica “pelo menos duas dimensões das práticas: por um lado, evitar o assistencialismo, as práticas que reduzem o pobre a objeto da ação alheia; por outro, assumir e implementar práticas que produzem etapas sucessivas de mudança, que partem do que é possível de imediato, mas que avançam na direção de mudanças profundas, até atingirem as bases da dominação colonial, cultural, econômica, política. Esses processos demandam a participação consciente e desejada das pessoas, das comunidades, dos povos. Só assim existirão movimentos populares fortes, capazes de mobilizar o poder transformador dos pobres, dos excluídos”.
Na avaliação dele, ao contrário do que muitos pensam, o Papa Francisco “não insiste na ‘imagem dos pobres’”, mas os vê não como “uma abstração, um alguém indefinido a ser apresentado como um possível próximo a ser encontrado. Ele é um ser humano, uma comunidade de periferia urbana ou uma vila rural, um povo indígena, um conjunto de migrantes que se arriscam a atravessar o mar em busca de chances de vida, uma mulher com seus filhos”. 
Ivo Poletto frisa ainda que a aproximação do papa com os movimentos populares não é uma “estratégia da Igreja”. Ao contrário, esclarece, “o objetivo do papa é duplo: ouvir o que os movimentos populares têm a dizer e criar oportunidades para que eles se articulem em âmbito mundial”. 
Ivo Poletto é assessor de pastorais e movimentos sociais. Trabalhou durante os dois primeiros anos do governo Lula como assessor do Programa Fome Zero e foi o primeiro secretário-executivo da Comissão Pastoral da Terra - CPT. Poletto é autor de Brasil, oportunidades perdidas: Meus dois anos no governo Lula (Rio de Janeiro: Garamond, 2005).
Confira a entrevista.
Foto: twitter.com/ivopoletto
IHU On-Line - Em que consiste o Encontro Mundial dos Movimentos Populares, que teve recentemente sua segunda edição na Bolívia? Qual é a agenda dos movimentos que participam desse encontro?
Ivo Poletto – Trata-se de uma iniciativa inédita do Vaticano, pelo menos segundo minha informação. O próprio Papa Francisco convidou seu amigo argentino que trabalha com coletores de materiais recicláveis a organizar uma primeira reunião com alguns líderes de movimentos populares em âmbito mundial para dialogar sobre como a Igreja Católica poderia contar com sua presença nos debates sobre a realidade atual e sobre como enfrentar o que causa sofrimento e exclusão de tantas pessoas no mundo.
O passo seguinte foi o convite e a participação de representantes de movimentos sociais num Seminário realizado pela Academia de Ciências do Vaticano. Uma mudança essencial de rota: em vez de só convidar pesquisadores e intelectuais, passa-se a ouvir como os movimentos populares analisam a realidade do mundo atual e como atuam para enfrentar o que os afeta. Mais uma mudança: o Vaticano acolhe a proposta de abrir espaço para um encontro mundial de movimentos populares. E aí, com o grupo de lideranças que já se reunira, e havia recebido apoio pessoal do papa, foi organizado o I Encontro Mundial de Movimentos Populares, realizado no Vaticano em outubro do ano passado. E foi aí que, depois de dois dias de trabalho autônomo dos movimentos em torno de três direitos fundamentais: Terra, Trabalho e Teto, o papa, em sua fala, formulou a meta: “Nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem trabalho, nenhuma família sem teto”, e anunciou o compromisso da Igreja de apoiar as lutas dos movimentos populares.
A partir da sugestão de que fossem apoiados encontros internacionais em diferentes regiões, possibilitando a inclusão de mais movimentos que aceitassem o convite, foi planejado o II Encontro Mundial de Movimentos Populares, realizado em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. É importante ter presente que Evo Morales participou do I Encontro não como presidente da Bolívia, e sim como líder de um dos movimentos sociais que lhe confiaram a missão da Presidência: o movimento dos cocaleros.
Apenas para deixar bem claro, vale destacar que não se trata de reunir movimentos populares como estratégia da Igreja; o objetivo do papa é duplo: ouvir o que os movimentos populares têm a dizer e criar oportunidades para que eles se articulem em âmbito mundial. Na linha de agenda, foi tomada a decisão de manterem-se interligados, buscando as mediações necessárias, e mais concretamente, já há a decisão de realizar outro Encontro Mundial emBelo Horizonte, em fevereiro de 2016, com patrocínio da CNBB.
IHU On-Line - Que leitura faz do encontro do papa com os movimentos populares na Bolívia? Qual é o significado político e social do encontro?
Ivo Poletto – Em primeiro lugar vale destacar a prática do papa: ele deixou estampada em seu rosto a alegria por encontrar-se com os mil e quinhentos representantes de movimentos populares de mais de 40 países. Mesmo no final de um dia de muitas atividades, ele chegou e saiu jovial, declarando nos gestos e palavras que estava feliz de encontrar-se com amigos e amigas, com parceiros de caminhada.
Com essa base, o papa ouviu com muita atenção o conteúdo da Carta de Santa Cruz, em que foram sistematizadas e resumidas as principais reflexões críticas sobre a realidade do mundo atual e os compromissos assumidos pelos movimentos no II Encontro. Despois de acompanhar o discurso de Evo Morales, desta vez falando como líder popular e presidente da Bolívia, o papa apresentou a sua mensagem.
Impressiona como Francisco surpreende as pessoas. Neste Encontro, mesmo as que se declaram não crentes ou ateias sentiram que ele fala para todos, sem discriminação. E percebem como é sincera sua palavra, tanto pela firmeza das denúncias do sistema como no anúncio de que a Igreja quer estar com os movimentos populares em suas lutas para transformar o mundo. Ele tem gestos e palavras de quem vive o macroecumenismo, capaz de ver valores e atos de amor em toda pessoa que tem sentimentos de humanidade. 

"E este foi um dos convites do papa: a necessidade da união para enfrentar o sistema que mata"

 

IHU On-Line - Quais movimentos participaram do encontro?
Ivo Poletto – Como foram mais de oitenta, não seria possível e conveniente citar nomes. O que vale destacar é que os convites foram feitos com esse critério: movimentos ligados a lutas por terra,trabalho e teto. Houve cuidado para evitar que uma das frentes de luta tivesse maioria, desejando que estivessem presentes iniciativas populares urbanas e rurais. Com certeza não estavam todos os movimentos populares, nem mesmo a América Latina, de onde veio a maioria dos participantes. Mas creio que em representatividades foi razoável.
Houve também presença das pastorais sociais dos diferentes países, algumas delas acompanhando movimentos parceiros. O Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, por exemplo, abriu espaço para a participação de um membro da comissão nacional do Movimento Nacional de Afetados por Desastres Socioambientais - MONADES, que, entre outros, lutam pelo direito de nova moradia. E igualmente participaram alguns bispos, sem que isso significasse algum tipo de direção. Pelo contrário, ouvi comentários de admiração em relação à forma simples de sua presença, atenção e participação.
IHU On-Line - Quais foram os temas que apareceram com mais destaque no encontro, tanto da parte do papa quanto dos movimentos?
Ivo Poletto – Os debates e trocas de experiências aconteceram em torno dos “3 ts”: terra, trabalho e teto. Junto com o reconhecimento da persistência das lutas populares, que revelam que o direito à terra, ao trabalho e ao teto não é algo doado por alguém ou pelo Estado, mas está enraizado na dignidade da pessoa, da família, dos povos, foi muito forte, explícita e profunda a reflexão crítica em relação à ausência ou à falta de prioridade das políticas públicas que deveriam garantir de forma universal estes direitos. E por isso, temas como pobreza, segurança e soberania alimentar, marginalização e abandono das pessoas nas periferias urbanas, a repressão, violência e criminalização dos movimentos populares, foram temas recorrentes. E em relação ao direito à terra, os direitos coletivos dos povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais foram insistentemente defendidos.
Nessa direção, às análises de assessores e às denúncias de lideranças dos movimentos, somou-se de forma surpreendente a crítica profética do Papa Francisco ao sistema dominante no mundo: ele explora os pobres e a Terra, ele mata.
Por outro lado, o papa deixou clara a resposta à pergunta: o que podem fazer os movimentos populares em relação à situação dramática em que se encontra a humanidade e a Terra?, afirmando: “muito! Podem fazer muito. Na verdade, já estão fazendo muito...”. 
IHU On-Line - As tensões que os movimentos populares enfrentam na América Latina, como na própria Bolívia, por exemplo, foram tratadas no encontro? De que modo?
Ivo Poletto – O que se percebeu nos presentes foi uma atitude de sentirem-se convidados para uma prática nova, uma prática de encontro com o objetivo de construir a necessária unidade para avançar na conquista dos direitos; na verdade, na construção de um mundo novo, com sociedades assentadas sobre relações de cooperação entre pessoas e povos e sobre relações harmoniosas com a natureza. Mesmo quando apareceram pontos de vista e até de práticas diferentes, a atitude foi mais de procurar o que havia de comum, respeitando as diferenças.
É evidente que, no caso destes encontros se multiplicarem, como já se anuncia, haverá necessidade de avaliar e refletir sobre as diferenças, buscando uma unidade superior e mais eficaz. Por outro lado, a prática do papa e de seus companheiros do Vaticano, deixando claro que não desejam instrumentalizar a nada e ninguém, já está produzindo o fruto de uma maior abertura dos participantes ao diálogo. E este foi um dos convites do papa: a necessidade da união para enfrentar o sistema que mata.
IHU On-Line - Como interpreta especificamente essa mensagem do papa aos movimentos populares: “Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, teto, terra), e também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!”. Como lê essa mensagem, considerando que os governos da América Latina em geral, aqueles que se dizem progressistas, não dão conta das demandas dos movimentos populares?
Ivo Poletto – Ele falou aos movimentos populares, não aos governos, mesmo os que foram eleitos por estes movimentos. Pode-se até dizer, no contexto da mensagem papal, que ele estava dizendo que, queiram ou não os governos, sejam ou não fiéis os eleitos a cargos governamentais, está nas mãos dos excluídos, dos sobrantes, dos que são descartados pelo sistema econômico, cultural e político dominante, o futuro da humanidade. É claro que ao iniciar a frase com o “atrevo-me”, ele manifestava ao mesmo tempo uma afirmação positiva e um desejo, deixando para quem não se encontra exatamente na situação de exclusão a pergunta: e você, vai continuar indiferente, ou vai unir-se aos movimentos populares?
Dialogando com amigos e amigas, ainda lá em Santa Cruz, lembrei-me que esta afirmação tem tudo em comum com a esperança em que se assentou a nossa Educação Popular – que depois foi também denominada como “libertadora” –, de modo especial na fundamentação de Paulo Freire: os excluídos são portadores da possibilidade de um mundo de todas e para todas as pessoas, justamente por não estarem presos a bens e interesses que facilmente excluem os demais. Está na linha também dos processos revolucionários que visavam a socialização, mesmo se, depois, as práticas institucionalizadas não corresponderam, o que os levou a fracassos.
Por outro lado, arrisco-me a dizer, mesmo não me dedicando tanto à teologia bíblica nos últimos tempos, que esta afirmação é a tradução atualizada da bem-aventurança: “bem-aventurados os pobres porque deles é o reino de Deus”. Sabendo que, para Jesus, Reino é o processo permanente de construção de formas humanas de as pessoas estarem mais próximas do projeto de Deus para suas filhas e filhos, e por isso, de serem melhores mulheres e homens, melhor humanidade – processo que Deus, em sua bondade, complementará na forma de vida que só ele conhece –, os pobres é que são portadores do projeto de humanidade mais radical, mais humano, mais possível para todas as pessoas e para a própria Terra. Os ricos não estão abertos a isso; estão ocupados demais, desejam acumular, impedindo sequer espaço para que cada família tenha um teto. Por isso, a comunidade do evangelista Lucas dirá: “ai de vós, os ricos...”. 

 

"Ele falou aos movimentos populares, não aos governos, mesmo os que foram eleitos por estes movimentos"

IHU On-Line - Que semelhanças e diferenças percebe nas visitas do papa ao Equador e à Bolívia?
Ivo Poletto – A participação no II Encontro dos Movimentos Populares me impediu de acompanhar com atenção a visita do papa ao Equador. Prefiro, por isso, não fazer comparações. De toda forma, não há dúvida de que sua visita à América Latina antes de sua ida aos Estados Unidos tem a ver com a coerência que caracteriza suas práticas. No caso do encontro dos movimentos populares, estava muito claro o convite no sentido de colaborarem em relação ao que deve estar presente em suas mensagens ao país mais consumista de todo o planeta; por outro lado, ao falar aos povos da América Latina também estava presente sua mensagem de questionamento e de convite em favor de uma mudança profunda no estilo de vida, na cultura consumista tanto dos setores ricos desses países, como os dos países que se enriqueceram explorando os pobres e a Terra.
IHU On-Line - O que o papa quis dizer com seu discurso acerca de uma economia a serviço da vida? Que cosmovisão ele está propondo a partir dessa ideia?
Ivo Poletto – Desde que as sociedades humanas se organizaram, inclusive com constituições republicanas, em torno da afirmação da livre iniciativa capitalista como fonte do progresso, a vida humana e tudo que constitui a Terra foramsubmetidas à economia. Em outras palavras, a história tornou-se a história do crescimento econômico, das lutas e guerras para definir o domínio mundial desse tipo de economia.
O que o papa afirma, com todas as letras e tendo como base também a insustentável concentração da riqueza que esse modo de pensar e de organizar a vida produziu, e por isso, a inevitável e desejada multiplicação da pobreza, da miséria, da fome, da morte por fome, bem como a inevitável e desejada exploração dos bens naturais a ponto de gerar gravíssimos desequilíbrios climáticos e ecológicos, é que este é um caminho sem futuro, um grave erro, uma fonte de injustiças, uma ameaça à vida da humanidade e de todos os seres vivos da Terra.
Por isso, a grande tarefa, o grande desafio atual é o de colocar a economia a serviço da vida, dos povos. Isso significará também fazer que a política, os governos, os legisladores e o sistema judiciário deixem de estar a serviço dos que controlam esta economia e passem a agir em favor da vida em sua integralidade. A economia a serviço da vida é uma das dimensões existenciais necessárias para se chegar ao que o papa denomina “ecologia integral”: um mundo, desde a comunidade local até o conjunto da humanidade, em que os seres humanos usem sua inteligência e demais capacidades, não para dominar e explorar, mas para promover relações de cooperação entre eles e relações de cuidado e harmonia com tudo que constitui o ambiente da vida na Terra.
Trata-se de uma visão utópica? Certamente, mas é preciso ter presente que ela já existe, praticada por povos, mesmo se ainda carregada de limites. É isso que leva o papa a afirmar que os movimentos populares “já estão fazendo muito”: já estão construindo práticas que anunciam que um mundo diferente é possível. A utopia, então, continua sendo necessária para nos fazer caminhar, como insistia o poeta Eduardo Galeano.
IHU On-Line - Como interpreta a insistência do papa com o discurso acerca da importância de se fazer uma mudança? O que ele quer dizer especificamente com “processo de mudança”?
Ivo Poletto – Ele assumiu a expressão boliviana de “processo de mudança” para indicar pelo menos duas dimensões das práticas: por um lado, evitar o assistencialismo, as práticas que reduzem o pobre a objeto da ação alheia; por outro, assumir e implementar práticas que produzem etapas sucessivas de mudança, que partem do que é possível de imediato, mas que avançam na direção de mudanças profundas, até atingirem as bases da dominação colonial, cultural, econômica, política. Esses processos demandam a participação consciente e desejada das pessoas, das comunidades, dos povos. Só assim existirão movimentos populares fortes, capazes de mobilizar o poder transformador dos pobres, dos excluídos.
Essa advertência de metodologia adequada às mudanças estruturais necessárias e urgentes no mundo atual servem tanto para os movimentos populares quanto para os governos que desejam realizar estas mudanças com participação de seus povos. Saber que não é possível realizar tudo de imediato não serve como justificativa para não fazer nada de novo, ou para acomodar-se e continuar fazendo mais do mesmo, sabendo que isso agravará o que deve ser mudado. Deve, sim, abrir espaço para a sabedoria popular e para sua participação nos processos de mudança possíveis de forma constante e progressiva, visando sempre colocar a economia a serviço da vida. E não qualquer economia, mas aquela que garante o que é necessário para uma vida feliz e digna para todas as pessoas sem ferir de morte a Mãe Terra; ao contrário, uma economia que produz o necessário em diálogo com a Terra.   

"O grande desafio atual é o de colocar a economia a serviço da vida, dos povos"

 

IHU On-Line - Por que o papa insiste tanto na imagem dos pobres em seus discursos?
Ivo Poletto – Ele não insiste na “imagem dos pobres”. Ele os nomeia, em diversas oportunidades e em diferentes ordens, em suamensagem aos movimentos populares. Basta ler com atenção sua fala para dar-se conta de como ele está dialogando com pessoas, com setores sociais, como movimentos concretos de catadores de materiais recicláveis, por exemplo, ou de camponeses sem terra, ou de povos indígenas, de famílias sem teto... A ponto de, extremando o diálogo com sujeitos concretos, ele mesmo formular perguntas sobre o que cada um deles pode fazer, provocando-os a não aceitarem o discurso de que não fazem nada, de que não são capazes de fazer algo significativo, que insistem em negar seu valor de pessoas e cidadãos. A resposta é clara: “vocês já fazem muito... e me arrisco a dizer que o futuro da humanidade está nas mãos de vocês...”.
Por isso, o pobre, para o papa, não é uma abstração, um alguém indefinido a ser apresentado como um possível próximo a ser encontrado. Ele é um ser humano, uma comunidade de periferia urbana ou uma vila rural, um povo indígena, um conjunto de migrantes que se arriscam a atravessar o mar em busca de chances de vida, uma mulher com seus filhos... Com certeza, sua iniciativa de provocar oportunidade de encontro mundial dos movimentos populares, isto é, de iniciativas concretas destes pobres concretos, é uma das formas de estreitar relações de solidariedade e de amor aos pobres... seguindo o exemplo de Jesus de Nazaré, quando convidou a “amar como ele amou as pessoas”, e por isso pode dizer: “ninguém ama mais do que a pessoa é dá sua vida pela pessoa que ama”. É tão concreto o pobre para o papa, que vale a pena dar sua vida por ele.  
IHU On-Line - Em que contexto e momento histórico o papa lança tanto a Encíclica Laudato Si’ quanto faz  o discurso no Encontro com os movimentos sociais na América Latina?
Ivo Poletto – A humanidade vive um tempo desafiador. Há consciência de que não se pode seguir no caminho que produziu o progresso com um tipo de vida centrado e a serviço da economia neoliberal globalizada. Isso serve ao consumismo de uma minoria e à exclusão da maioria da humanidade. Isso exigiu e continua exigindo uma exploração intensiva de bens da natureza que estressam a Terra, provocam aquecimento da temperatura e mudanças climáticas ameaçadoras. Se teimar em seguir por esse caminho, parte da humanidade estará colocando em risco a vida humana, a vida de muitas outras espécies, o próprio ambiente que torna possível a vida.
Nesse contexto, o papa, ao lançar a encíclica Laudato Si’sobre o Cuidado da Casa Comum, bem como ao falar aosmovimentos populares em Santa Cruz de la Sierra, está dando sua contribuição para o processo de preparação e construção da 21ª Conferência da ONU sobre o Clima (COP-21), que será realizada em dezembro deste ano em Paris. Tendo por base o que os pobres estão fazendo, e contando com o potencial de seus movimentos populares, ele provoca os governos a darem os passos necessários na direção de acordos mundiais que enfrentem o que está colocando a vida em risco em todo o planeta. Ele irá aos Estados Unidos em setembro, passando antes em Cuba, e lá, entre as atividades junto ao povo, falará com o presidente Obama, com os políticos no Congresso Nacional e com os representantes dos governos dos países membros na Assembleia Geral da ONU.
Repetindo o que é tão caro e importante à visão apresentada na Laudato Si’, “tudo está interligado”. Isso se dá na relação entre os elementos que constituem o universo e o planeta Terra, entre os seres vivos, incluindo os menores e escondidos no solo, entre a água e os solos e a atmosfera, entre os seres vivos dos mares e a atmosfera, entre os próprios seres humanos. Daí a necessidade de mudanças estruturais urgentes no sistema dominante, já que ele parte e se assenta na separação de tudo, a começar do rompimento da relação entre os seres humanos e a natureza, da relação entre economia e vida, entre economia e ética, entre conhecimentos e apropriação privada de tecnologias, entre política e poder popular...
IHU On-Line - Que relações estabelece entre a Encíclica e o discurso do papa na Bolívia?
Ivo Poletto – Vale repetir: tudo está interligado. Ele próprio lembrou da encíclica em sua mensagem aos movimentos populares, de modo especial quando detalhou o que estendia ser a sua terceira sugestão de tarefa para e com os movimentos sociais: defender da Terra. Não se trata só de “cuidar”, pois esta é uma tarefa permanente. Agora, no contexto desafiador em que nos encontramos, precisamos juntar forças para “defender a Terra”.
Ele já havia pedido licença para propor três tarefas aos movimentos populares, e indicara as duas primeiras: “colocar a economia a serviço dos povos”, e “unir nossos povos no caminho da justiça e da paz”. Como se percebe, são tarefas para este tempo da história, e para realizá-las é essencial unir os povos. Insistiu muito sobre a necessidade de superar divisões, unindo-nos em torno do que é absolutamente necessário para salvar a Terra. A economia, a justiça e a paz, o equilíbrio do ambiente vital – tudo está interligado.   

"A economia a serviço da vida é uma das dimensões existenciais necessárias para se chegar ao que o papa denomina 'ecologia integral'"

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Ivo Poletto – As mensagens da encíclica e da fala aos movimentos populares não são apenas uma palavra amiga aos cristãos, e especialmente aos católicos, para quem Francisco é papa. Nem são palavras amigas para os que estavam em Santa Cruz. Francisco está proferindo palavras amigas para todas as pessoas que têm sentimento de humanidade. O tempo atual exige, e ele está praticando, uma abertura macroecumênica. E ele deixou claro o desejo que todas as instâncias da Igreja Católica – dioceses, conferências episcopais – abram espaço para que se amplie e se aprofunde este caminho de encontro, diálogo e construção de unidade entre os movimentos populares. De sua parte, não teve dúvida: contem sempre com a gente!
A frase final foi exemplar: rezem por mim, e se tiverem dificuldade de rezar, lembrem de mim e desejem que tudo esteja bem. Esta é a forma mais universal de oração: desejar que cada pessoa, que cada ser vivo, esteja bem... Pai, que venha a nós – a cada pessoa e a toda a humanidade – o Teu Reino.
Por Patricia Fachin