sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A DESTRUIÇÃO DE MANGUEZAIS E PÂNTANOS É MAIOR QUE A DE FLORESTAS

ClimaInfo, 28 de setembro de 2018

A Convenção sobre Zonas Úmidas (wetlands) de Importância Internacional, mais conhecida como Convenção Ramsar, publicou seu primeiro Panorama Global de Zonas Úmidas, mostrando que, entre 1970 e 2015, o planeta perdeu um terço destas zonas numa taxa três vezes maior do que a de perda de florestas tropicais. E essa perda vem se acelerando desde a virada do século. 

As zonas úmidas compreendem lagos, rios e pântanos, assim como áreas costeiras como estuários, lagoas, manguezais e corais. Estima-se que cubram mais de 13 milhões de km2 e que, se fossem um país, seriam equivalentes ao segundo maior em extensão, só menores que a Rússia. Desta área, a Convenção declarou que cerca de 2,5 milhões de km2 são de Importância Internacional. As principais causas de sua destruição são a mudança do clima, o aumento populacional e a urbanização - principalmente em zonas costeiras. Direta ou indiretamente, quase toda água potável do mundo vem destas áreas. Mais de um bilhão de pessoas dependem delas para viver.

A secretária-geral da Convenção, a colombiana Martha Rojas Urrego, disse que “está ocorrendo um lento despertar para o valor das zona úmidas. Em todo o planeta, a esfera legislativa precisa inserir as zonas úmidas em políticas, programas e fazer investimentos para sua sustentabilidade. Precisamos educar o mundo sobre a importância crítica desse ecossistema em vias de rápido desaparecimento. Sem as áreas úmidas no mundo, todos nós estaremos por um fio”.

O Brasil e outros 170 países ratificaram a Convenção.

https://www.lemonde.fr/planete/article/2018/09/27/lacs-rivieres-marais-et-mangroves-disparaissent-a-grande-vitesse_5361006_3244.html

VIOLÊNCIA: A CRUEL SITUAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

Relatório do Conselho Indigenista Missionário critica "sucateamento" da Funai, comandada por interesses "anti-indígenas".

A reportagem é de Gil Alessi, publicada por El País, 27-09-2018.

O pequeno Cirleudo Cabral Monteza Manchineri, de um ano de idade, dormia no colo da mãe confortavelmente apesar do balanço da pequena embarcação a motor. A viagem já durava horas. A família da etnia Manchineri havia partido da aldeia São Paolino, localizada na Boca do Acre, Amazonas, descido o rio Purus e entrado em um dos seus braços, o Iaco. Por volta das 22h eles se aproximavam do pequeno porto de Feira dos Colonos, na cidade acreana de Sena Madureira. O pai do bebê apontava uma lanterna para a barranca quando recebeu ordens para apagar a luz. Sem ter como atracar na escuridão, ele ignorou o comando. O barco foi recebido à bala. Uma delas acertou a cabeça de Cirleudo, que foi socorrido, mas chegou morto ao hospital.

Cirleudo foi enterrado em um pequeno caixão branco com seus poucos pertences. Para as autoridades uma facção criminosa que controla o porto confundiu a família com um grupo rival e abriu fogo. Para o Conselho Indigenista Missionário, no entanto, o crime tem relação com “o ódio local disseminado pelos invasores da terra indígena”: o cacique da aldeia São Paolino foi alvo de três tentativas de homicídio, a última delas dias antes do assassinato de Cirleudo. Sua morte é o retrato da situação dos povos tradicionais brasileiros: seu corpo jaz em um túmulo localizado em território indígena tradicional ainda não demarcado.

O bebê foi o mais jovem dos 110 indígenas vítimas de homicídio em 2017, segundo o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, organizado pelo Cimi. Em comparação com 2016, quando foram 118 vítimas fatais, houve uma redução de 6,7%. Roraima e Amazonas lideram com 33 e 28 casos, respectivamente. Apesar da pequena queda no total de mortos, o cenário traçado pelo documento é sombrio, e não há motivo para comemorar: 2017 foi um ano marcado por retrocessos nos direitos indígenas e pela eliminação sistemática de suas lideranças.

Foi o caso do cacique Kaingang Antônio Ming, assassinado em março na Terra Indígena Serrinha, no Rio Grande do Sul. Ele recebeu cinco tiros enquanto fazia compras em um armazém local. Crítico ferrenho do arrendamento de terras para não-indígenas, suspeita-se que ele tenha sido morto por contrariar os interesses de fazendeiros da região. Também foi o que ocorreu com Manoel Quintino da Silva Kaxarari, liderança da aldeia Pedreira, em Rondônia, que vinha criticando a extração ilegal de madeira na terra indígena, e foi baleado e morto em junho.

Com exceção do ataque contra os índios Gamela, no Maranhão, que deixou 22 feridos a bala e golpes de facão (alguns com as mãos decepadas), a maioria dos episódios de violência citados no relatório, como o do bebê Cirleudo, não ganharam manchetes. É o caso de três índios chacinados em Santo Antônio do Içá, a 800 km de Manaus, ao oferecer carona de barco para dois pistoleiros. Ou de Rodrigo Gomes Redis, um Guarani-Kaiowá morto a facadas por uma dívida de 10 reais em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.

Não é apenas a violência que ceifa a vida dos indígenas brasileiros. O relatório do Cimi aponta para oito casos de mortes provocadas por desassistência na área da saúde, em muitos casos envolvendo doenças de fácil tratamento. Tari Uru Eu Wau Wau, da terra indígena de Rio Negro Ocaia, em Rondônia, morreu de tuberculose. Leonardo Leite Kanamari, da terra indígena Taquara, no Amazonas, de malária.

Sucateamento da Funai e pressão ruralista


De acordo com o relatório, o presidente Michel Temer “legitimou a violência contra os povos indígenas”, ao ajudar e permitir que se instalasse “dentro do Governo uma organização que visa depredar o patrimônio público e impor, mesmo que à força, o seu intento exploratório no tocante aos bens ambientais, minerais, hídricos e da biodiversidade”. Trata-se da bancada ruralista, grupo parlamentar composto por deputados e senadores com interesses ligados ao agronegócio, e que foram um dos pilares de sustentação do Governo emedebista. “Ao longo do ano de 2017, os povos indígenas viram seus territórios serem invadidos, loteados e explorados por aqueles que desejam implementar o monocultivo agrícola, a pecuária e a exploração de minerais, madeira e energia”, diz o relatório.

Segundo o Cimi, a Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a ser conduzida em 2017 por segmentos “historicamente anti-indígenas” ligados aos ruralistas. O então presidente da entidade Antonio Costa chegou a dizer, ao tomar posse em março, que os povos tradicionais "não podiam ficar parados no tempo". Seu sucessor, Framklimberg de Freitas, que assumiu a entidade em julho se defendeu das críticas, e afirmou que "a Funai não foi omissa e não é omissa para averiguar tudo aquilo que diz respeito à sua função institucional".

As consequências mais graves desta apropriação da entidade foram, segundo o Cimi, a “paralisação de todas as demarcações de terras, (...) restrições orçamentárias para as ações e os serviços nas áreas (...) o abandono das atividades voltadas à proteção dos povos em situação de isolamento e risco e à fiscalização das terras demarcadas, em especial na Amazônia”. A Funai chegou a ser alvo, naquele ano, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, cujo relatório final pediu o indiciamento de mais de cem pessoas, em sua maioria militantes, antropólogos e lideranças indígenas.

Advocacia Geral da União é criticada por agir como “escritório de advocacia da bancada ruralista” Neste cenário, a Advocacia Geral da União é criticada por agir como “escritório de advocacia da bancada ruralista”. O parecer vinculante nº 001/2017, editado em julho pela advogada-geral, Grace Mendonça, estabelece um marco temporal segundo o qual só podem ser demarcadas as terras que estivessem sob posse das comunidades indígenas na data de 5 de outubro de 1988. De acordo com o Cimi, isso “legalizou e legitimou o esbulho, a violência e as violações de que os povos indígenas foram vítimas antes de 1988”. Mendonça rebateu as críticas, e afirmou que o parecer visa "conferir segurança jurídica para a viabilização da política pública de demarcações de terras indígenas".

As consequências práticas do parecer foram, segundo o relatório, a paralisação das demarcações. O documento aponta que existem 537 terras indígenas (41% do total) que são reivindicadas pelas comunidades sem que haja nenhuma providência para sua regularização por parte das autoridades. O número é maior do que as 400 (30%) terras que já foram registradas para os povos tradicionais. Temer não homologou nenhum território indígena de agosto de 2016 a dezembro de 2017.

Se a tendência é que não haja muita renovação no Congresso nas eleições deste ano - a bancada ruralista deve continuar dando as cartas na Câmara e no Senado -, no Executivo podem haver mudanças relevantes no tratamento da questão indígena. Dentre os candidatos mais bem posicionados na corrida presidencial, o PT de Fernando Haddad e o PDT de Ciro Gomes possuem propostas para ampliar a demarcação de terras. Bolsonaro, do PSL, já sinalizou que existem "terras indígenas demais", e que não deve retomar a demarcação caso eleito.

http://www.ihu.unisinos.br/583208-bebe-morto-com-tiro-na-cabeca-e-um-cruel-simbolo-da-situacao-dos-povos-indigenas-no-brasil 

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

CUIDADO: O TEMPO DOS VENTOS SELVAGENS

O ARTIGO É PROFÉTICO, ANUNCIANDO O QUE VIRÁ SE NÃO CONQUISTARMOS AS MUDANÇAS PROFUNDAS QUE DEVEM SER FEITAS.

APENAS UMA UMA DISCORDÂNCIA: NO FINAL DO TEXTO, AO REFERIR QUE ESTAMOS EM TEMPO APOCALÍPTICO, O AUTOR FALA QUE ELE ESTÁ SENDO PROVOCADO PELA HUMANIDADE. O CORRETO É DIZER QUE APENAS PEQUENA PARTE DA HUMANIDADE É RESPONSÁVEL PELO TEMPO DOS VENTOS SELVAGENS. E JÁ QUE SE FALA DO APOCALIPSE, NÃO HÁ DÚVIDA DE QUE HÁ MONSTROS DE MUITAS CABEÇAS QUE TÊM TUDO A VER COM A DESDITA QUE AFETA TODA A HUMANIDADE. É PRECISO DAR O NOME DOS SENHORES DA RIQUEZA E DO PODER CAPITALISTA NEOLIBERAL COMO OS TIMONEIROS DO BARCO QUE RUMA PARA O DESASTRE! E OS QUE DEIXAM ENVOLVER PELA TENTAÇÃO DO CONSUMISMO SÃO SEUS AUXILIARES...

https://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/o-tempo-dos-ventos-selvagens/

O tempo dos ventos selvagens

– 22 de setembro de 2018

Como o aquecimento global está tornando mais devastadores os furacões, tufões e ciclones. Por que já se preveem as “supertempetades” de categoria 6

Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDebate

Os furacões (que acontecem no Atlântico Norte e no Pacífico entre o Havaí e a costa oeste dos EUA), os Tufões (que acontecem no Pacífico entre o Havaí e o leste asiático) e os Ciclones que acontecem no hemisfério sul e no oceano índico) são fenômenos provocados pelo aquecimento da superfície do mar, que faz evaporar a água em ritmo mais acelerado, formando nuvens de chuva. Isto faz cair a pressão atmosférica e favorece a subida do ar, retroalimentando a evaporação. Este fenômeno intensifica as correntes de vento oceânicas que passam a se movimentar em espiral, podendo atingir velocidades muito altas.

Pela escala Saffir-Simpson, o ciclone extratropical tem ventos até 117 km/h. Na categoria 1: os ventos vão de 118 a 152 km/h; na categoria 2: de 153 a 176 km/h; categoria 3: de 177 a 207 km/h; categoria 4: de 208 a 250 km/h e categoria 5: acima de 251 km/h.

Nos últimos anos os Furacões, Tufões e Ciclones têm aumentado de frequência e de intensidade e, obviamente, não dá para ignorar o efeito do aquecimento global, que é intensificado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, gerados pelo crescimento exponencial das atividades antrópicas, especialmente a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a expansão da pecuária.

Por conta da maior concentração de CO2 e outros gases de efeito estufa (como o metano) na atmosfera, a temperatura do Planeta já subiu cerca de 1°C., em relação às temperaturas pré-industriais. Os desastres naturais aumentam em decorrência dos efeitos da mudança climática. Cientistas da Universidade de Stony Brook consideram que o aumento da temperatura da superfície dos oceanos, eleva a umidade do ar e o calor adicional funciona com catalisador e potencializador dos Furacões, Tufões e Ciclones. No caso do Florence, eles consideram que as chuvas do furacão são 50% mais altas do que seriam sem o aquecimento global e que o tamanho projetado do furacão é cerca de 80 quilômetros maior.

O gráfico abaixo mostra que as perdas econômicas estão aumentando nos Estados Unidos. No século passado, o Furacão Andrew gerou um prejuízo de US$ 49,1 bilhões, em 1992. Isto foi largamente superado pelos prejuízos do Furacão Katrina, em 2005, que gerou custos de US$ 165 bilhões. Mas o ano de 2017 foi recordista com o prejuízo somado dos Furacões Harvey, Irma e Maria totalizando cerca de US$ 250 bilhões.


Ainda é cedo para calcular os prejuízos do Furacão Florence que atingiu a categoria 5 (ventos acima de 251 km/h), mas desacelerou e atingiu a costa da Carolina do Norte como categoria 1 e logo se transformou em tempestade tropical. Mesmo perdendo força e deixando de ser um desastre de grandes proporções como o Katrina, o Furacão Florence ocasionou a ordem de retirada de mais de 1,7 milhão de moradores da costa leste dos EUA, parou a economia, cancelou milhares de voos, gerou blecautes e destruição de patrimônio, provocou a morte de pelo menos 15 pessoas (contagem preliminar) e inundou e paralisou extensas áreas. Mas como disse Kevin Arata, porta-voz da cidade de Fayetteville, na CNN, no domingo: “O pior ainda está por vir”.

Concomitante ao Furacão Florence que se formou e se expandiu no Atlântico Norte, o Tufão Mangkhut (que se formou no Pacífico mais ou menos no mesmo período, na segunda semana de setembro de 2018) atingiu o leste asiático também deixou um rastro de destruição em termos econômicos e humanos, embora em proporção menor do que o estimado anteriormente. O tufão Mangkhu, que também tinha chegado à categoria 5, desacelerou e atingiu o norte das Filipinas (uma região com baixa densidade demográfica) com ventos de 170 km/h e rajadas de até 260 km/h.

Em sua passagem pelo arquipélago, o Mangkhut deixou 54 mortos e 42 pessoas desaparecidas nas Filipinas (contagem preliminar), incluindo um bebê e uma criança. A maioria das mortes foi causada por deslizamentos de terra e destruição de casas pela força dos ventos. Em sua trajetória filipina o tufão deslocou 50 mil pessoas, que tiveram que deixar suas casas e afetou mais de 5,2 milhões de indivíduos que vivem em um raio de 125 km da trajetória do Mangkhut.

Em Hong Kong, o Tufão chegou com ventos de 173 km/h e rajadas de até 223 km/h, paralisando totalmente uma das cidades mais dinâmicas do mundo. Embora tenha havido muita inundação, telhados arrancados, muitas árvores caídas e guindastes derrubados, não houve nenhuma vítima fatal em uma cidade muito bem preparada para enfrentar os desafios da instabilidade climática. Mas os prejuízos econômicos foram enormes e ainda estão sendo contabilizados.

Na China, os danos provocados pelo Tufão Mangkhut foram de grande extensão. A cidade de Macau, famosa pelos seus casinos, parou totalmente e foi tão ou mais afetada do que Hong Kong. A tempestade adentrou pelo continente e assolou a populosa região de Guangdong, onde mais de 2,4 milhões de pessoas foram evacuadas. A tempestade atingiu a cidade de Haiyan por volta das 17h de domingo (segunda-feira na China) e, pelo menos, duas pessoas morreram. As escolas fecharam, as viagens dos trens de alta velocidade foram suspensas, centenas de voos foram cancelados, os barcos de pesca retornaram e as inundações se espalharam, segundo a agência de notícias estatal, Xinhua. Os estragos continuam pelo interior do sul da China.

O fato é que um mundo mais quente traz furacões/tufões/ciclones mais destruidores, pois a combinação de maior temperatura das águas oceânicas e maior umidade do ar funciona como um catalisador destes redemoinhos. A ciência mostra que as tempestades são mais fortes em decorrência do aquecimento global. As leis da termodinâmica não deixam dúvida de que as mudanças climáticas estão aumento a frequência e o poder de destruição dos eventos extremos que trazem chuva, agitam o oceano e provocam inundações.

O escritor Jeff Nesbit tem chamado a atenção para o desafio climático e como o aquecimento global tem impactando as comunidades em todo o mundo: secas mais longas no Oriente Médio, desertificação crescente na China e na África (duas regiões com alta densidade demográfica), temporada de monções encolhendo na Índia e ficando mais instáveis, ondas de calor amplificadas na Austrália, no Irã, Paquistão, etc., furacões/tufões/ciclones mais intensos atingindo a América e a Ásia, guerras por água no Chifre da África, rebeliões, refugiados e crianças famintas em todo o mundo. Nesbit escreveu o livro “This is the way the world ends: how droughts and die-offs, heat waves and hurricanes are converging on America”, onde mostra que a mudança climática não é uma ameaça distante, pois já está impactando comunidades em todo o mundo.


Ele chama a atenção para a possibilidade de surgimento de furacões com categoria 6, com ventos que excedam 200 milhas por hora (mais de 300 km/h). Esta possibilidade é cada vez mais real devido ao aquecimento dos oceanos e ao maior vapor de água circulando pela atmosfera. As super-tempestades podem ter um poder devastador e, junto ao aumento do nível do mar, podem fazer naufragar amplas áreas costeiras, com prejuízos incalculáveis para a agricultura e as cidades.

O que é preciso reconhecer é que esses eventos climáticos extremos estão relacionados ao fato de que, desde 2015, o Planeta já está em torno de 1º C acima da média pré-industrial.

A terra está se tornando um local perigoso. Portanto, a recente onda de eventos catastróficos não é mera anomalia. O sistema climático está cada vez mais desequilibrado, em função do modelo “Extrai-Produz-Descarta”. Os últimos quatro anos (2014-2017) foram os mais quentes já registrados no Holoceno e tudo indica que o mundo assistirá temperaturas mais extremas nos próximos quatro anos.
Infelizmente, em vez de confrontar essa ameaça à espécie humana e às demais espécies vivas da Terra, a humanidade, egoisticamente, reforça o mito do crescimento econômico acreditando no mantra que diz que a qualidade de vida depende do aumento das atividades antrópicas.

Contudo, a economia não pode ser maior do que a ecologia e nem a humanidade pode superar a capacidade de carga da Terra. Ou a civilização muda o rumo que está levando ao aumento da probabilidade de um colapso ambiental ou haverá de lidar com um colapso civilizacional. Esta possibilidade foi abordada em novo estudo científico que indicou que a Terra pode entrar em uma situação com clima tão quente, que pode elevar as temperaturas médias globais a até cinco graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais.

estudo mostra que o aquecimento global causado pelas atividades antrópicas de 2º Celsius pode desencadear outros processos de retroalimentação, podendo desencadear a liberação incontrolável na atmosfera do carbono e do metano armazenado no permafrost, nas calotas polares, etc. Isto provocaria o fenômeno “Terra Estufa”, o que levaria à temperatura ao recorde dos últimos 1,2 milhão de anos.

Ou seja, o cenário da “Terra Estufa”, aumenta a possibilidade de furacões/tufões/ciclones de categoria 6, o que traria grande sofrimento e grande prejuízo para a humanidade e afetaria todos os seres vivos do Planeta. Seria algo parecido com o apocalipse, só que provocado pela crescente interferência humana e pela dimensão da economia que, no conjunto, se transformaram em forças globais de rompimento do equilíbrio homeostático da Terra.

O Furacão Florence e o Tufão Mangkhut são apenas sinais de uma catástrofe de maiores dimensões que está ocorrendo “à prestação”, mas que são um aviso do muito que está por vir.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

POLÍTICA É A SUPREMA FORMA DE CARIDADE

Roberto Malvezzi (Gogó)
Estamos às vésperas de uma importante eleição nacional (7 de outubro) e também às vésperas da canonização do Papa Paulo VI (14 de Outubro), juntamente com São Oscar Romero, o mártir de El Salvador e de toda América Latina, agora do mundo.

Na atual confusão do quadro político há muitos cristãos, inclusive católicos, preferindo o jogo de que todos estão interessados apenas em si mesmos, tanto fez como faz, são todos iguais.

É preciso toda cautela com esse discurso. A política é cheia de interesses cruzados e contraditórios, inclusive os de classe, de família, de pessoas, de igrejas, assim por diante. Entretanto, as imensas dificuldades de discernimento não anulam que “a política é suprema forma de caridade”, ou das supremas injustiças. Quem tem o poder nas mãos pode decidir sobre o futuro de milhões de pessoas, de sua educação, saúde, moradia, trabalho, renda, enfim, as condições mínimas para se viver em sociedade.

Não é preciso buscar os mais puros, os mais incorruptíveis, ou só quem fala contra o aborto. Isso é muito pouco. O principal é se o partido ou as pessoas se interessam pelo bem-estar dos mais pobres, o respeito pela natureza, a inclusão social e pelo futuro mais justo de todo nosso país.

Na Dimensão Socioambiental da Fé (Doutrina Social da Igreja) aprendemos os quatro pés que sustentam a ação dos cristãos na área: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade. Todo cristão pode, ao menos, olhar cada partido e cada candidato por esse viés.

D. Paulo Evaristo Arns dizia que, nessas situações, no mínimo há sempre um “menos pior”. Então, se houver o péssimo e o ruim, votarei no ruim. Mas, pode haver o bom e o melhor. Nesse caso votarei no melhor.

Então, escolha bem seu deputado estadual e federal. Escolha bem seu senador. Escolha bem seu governador e presidente da república. Se as pessoas vão mudar uma vez no poder, nós nunca sabemos. Mas, ao menos teremos a consciência tranquila que buscamos o melhor para o nosso povo. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

COMPROVADO: A REFORMA TRABALHISTA PROMOVE O PRECARIADO



Reforma Trabalhista: 78% das vagas são intermitentes e parciais

por Barbara Vallejos Vazquez, Euzebio Jorge de Sousa e Ana Luíza Matos de Oliveira — publicado 14/09/2018 15h02
Houve redução da ocupação em geral, mas em especial de empregos com carteira assinada e a sua substituição por contratos atípicos
José Cruz/Agência Brasil
Reforma trabalhista: 78% de vagas criadas são intermitentes ou parciais
Entre dezembro de 2014 e dezembro de 2017 foram fechados 2,9 milhões de empregos com carteira
[Este é o blog do Brasil Debate em CartaCapital. Aqui você acessa o site]
Com a divulgação do saldo de empregos de julho, tem-se que desde a entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei 13.467/17) foram gerados apenas 50.545 postos de empregos formais em 9 meses. O resultado é irrisório frente ao fechamento de 2,9 milhões de empregos com carteira entre dez/14 e dez/17, uma média de 79,5 mil postos a menos por mês, durante 36 meses.
Não é apenas a insuficiência da geração de postos formais que preocupa. A qualidade dos postos é o ponto crítico no pós-reforma: Foram gerados 26.300 postos intermitentes e 13.320 parciais no período (saldo). Ou seja 78,4% do saldo de empregos formais gerados desde novembro foi em contratos “atípicos” e precários, que passam a ser reconhecidos pela Reforma Trabalhista. 
A ampliação dos contratos atípicos concentrou-se em setores econômicos com maior rotatividade e menores salários: 62% do saldo de emprego com contratos intermitentes estavam nos setores de comércio ou serviços, com menores salários. Esse setor, além de acumular o maior saldo de contratos intermitentes, também é o segundo com maior diferença salarial entre admitidos e desligados (-16,35%), o que estimula a rotatividade.
As ocupações com maior saldo de contratos intermitentes são respectivamente assistente de vendas, servente de obras, alimentador de linha de produção,faxineiro, vigilante e garçom, o que sugere que as medidas para “modernização” do mercado de trabalho, reduzindo seguridade no trabalho acometem prioritariamente ocupações que já eram mais vulneráveis e com menores salários.
O quadro é semelhante entre os contratos por tempo parcial, com praticamente as mesmas ocupações no topo do ranking: assistente de vendas, servente de obras, operador de caixa, faxineiro, alimentador de linha de produção, repositor de mercadorias, vendedor de comércio varejista e vigilante.
O desligamento por comum acordo, criado com a reforma  (Art.484-A), também é expressivo: Foram 94,5 mil desligamentos sob essa forma. Nesses casos, o trabalhador não acessa integralmente as verbas rescisórias e não tem acesso ao seguro-desemprego.
Alterações para a mensuração de novos contratos da reforma foram aplicadas apenas aos registros administrativos do Ministério do Trabalho. Porém, os dados da PNAD Contínua – IBGE apontam para conclusões similares.
Por estes dados é possível verificar degradação do mercado de trabalho, expressa na redução em 9,7% do emprego com carteira assinada no Brasil, passando de 36,5 milhões de postos com carteira no trimestre encerrado em dezembro de 2014 para 33,0 milhões no trimestre encerrado em julho de 2018.
Ademais, observa-se recuo da ocupação em geral, que passou de 92,9 milhões para 91,2, representando uma queda de 1,3% no mesmo período. Em compensação, há expressivo aumento no número de empregadores (11,7%), conta própria (6,2%), emprego no setor privado sem carteira (5,8%), e do trabalho doméstico sem carteira (8,9%).
Portanto, verifica-se uma redução da ocupação em geral, uma redução ainda mais intensa dos empregos com carteira assinada e, por outro lado, há o aumento do trabalho desprotegido.
A PNAD Contínua demonstra ainda que a despeito das promessas de geração de 6 milhões de empregos[1], o mercado de trabalho se contrai e o desemprego persiste. A taxa de desemprego era de 6,5% em dezembro de 2014 e apresentou rápida expansão durante a crise.
Quando a reforma entrou em vigor, a taxa de desemprego estava em 12,0%. O dado mais recente da PNAD Contínua revela uma taxa de desocupação de 12,4% (12,9 milhões de desocupados no país).
A reforma não atacou o desemprego, mas desarrumou o trabalho formal no Brasil, precarizando o trabalho existente. Tendência similar foi constatada em estudo comparativo realizado por Salas e Pernías (2017)[2]. Os autores apontam que, com a crise de 2008, diversos países colocaram em marcha Reformas Trabalhistas, sob o discurso de que seriam um antídoto ao alto desemprego.
Ao analisar os impactos das reformas trabalhistas levadas a cabo em países como Alemanha, Reino Unido, Espanha, entre outros, verificou-se que os efeitos mensurados no mercado de trabalho são similares aos encontrados no Brasil: um processo de substituição da força de trabalho abrangida por contratos formais, por formas atípicas de contratação e consequente aumento na desigualdade de renda.
No Brasil, essa tendência funde-se a uma estrutura pré-existente, marcada por heterogeneidades e desigualdades profundas. Assim, soma-se um passado excludente a uma perspectiva de futuro também altamente excludente. Não é de se espantar que já se aponte para o retorno de níveis elevados de pobreza e extrema pobreza no país.
O Relatório Luz da agenda 2030 de desenvolvimento sustentável[3], apontou expansão de 53,2% no número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza desde 2014, passando de 14,1 milhões de pessoas para 21,6 no final de 2017. A extrema pobreza já atinge 11,8 milhões de brasileiros, nível mais alto desde 2005.
*Barbara Vallejos Vazquez é mestre em Desenvolvimento Econômico (IE-Unicamp) e graduada em ciências sociais (USP). É técnica do Dieese e professora da Escola Dieese de Ciências do Trabalho. Integra o GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp. Pesquisa mercado de trabalho e terceirização, com foco no setor financeiro;
Euzebio Jorge Silveira de Sousa é mestre em Economia Política pela PUC, é doutorando em Desenvolvimento Econômico na Unicamp, presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ) e conselheiro do Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE);
Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp


https://www.cartacapital.com.br/blogs/brasil-debate/reforma-trabalhista-78-de-vagas-criadas-sao-intermitentes-e-parciais?utm_campaign=newsletter_rd_-_20092018&utm_medium=email&utm_source=RD+Station 

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

OPORTUNIDADES REALMENTE IGUAIS FIZERAM DA FINLÂNDIA REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO

NADA MELHOR DO QUE PROVAR QUE É POSSÍVEL FAZER EDUCAÇÃO DIFERENTE - DIFERENTE MESMO, EM TODOS OS SENTIDOS. E O RESULTADO COMBINA PESSOAS MAIS FELIZES E EQUILIBRADAS COM AVANÇOS NA CAPACIDADE CRIATIVA.

PARA ISSO, SÓ UM CAMINHO CONSTRUÍDO EM CONJUNTO A PARTIR DE UMA CONVICÇÃO POLÍTICA: A EDUCAÇÃO SÓ SE RENOVA QUANDO É PARTE E DIALOGA COM AS POLÍTICAS SOCIAIS. E QUANDO A COOPERAÇÃO SUBSTITUI A CONCORRÊNCIA, A TENSÃO É SUBSTITUÍDA PELA CONFIANÇA. VALE A PENA PRESTAR ATENÇÃO AOS DADOS QUE REVELAM OS EFEITOS NA VIDA DAS CRIANÇAS E JOVENS PELO SISTEMA JAPONÊS E FINLANDÊS.

POR QUE NÃO NOS INSPIRAMOS EM BOAS E CONFIRMADAS PRÁTICAS?

IHU - 19 de setembro de 2018
Os finlandeses só conheceram o asfalto na década de 1920. Até o começo do século 20, conheciam sobretudo a pobreza. Quando, em 1891, foi inaugurada no Brasil a avenida Paulista, a primeira via asfaltada da cidade de São Paulo, a hoje rica Finlândia era uma economia substancialmente agrária, e seus primeiros 14 km de rodovia seriam inaugurados somente em 1963.
A reportagem é de Claudia Wallin, publicada por BBC Brasil, 18-09-2018.
Mas, nos anos seguintes, o país foi transformado por um conjunto de políticas educacionais e sociais - que criaram um dos mais celebrados modelos de excelência em educação pública do mundo. No Brasil, enquanto isso, reduzir a imensa desigualdade de oportunidades educacionais que existe entre as crianças que nascem em famílias pobres e as mais ricas segue sendo um dos principais desafios do país.
É o conhecido milagre finlandês, iniciado na década de 70 e turbinado nos anos 90 por uma série de reformas inovadoras. Em um espaço de 30 anos, a Finlândiatransformou um sistema educacional medíocre e ineficaz, que amargava resultados escolares comparáveis aos de países como o Peru e a Malásia, em uma incubadora de talentos que a alçou ao topo dos rankings mundiais de desempenho estudantil e alavancou o nascimento de uma economia sofisticada e altamente industrializada.
Trata-se, à primeira vista, de um enigma: os finlandeses estão fazendo exatamente o contrário do que o resto do mundo faz na eterna busca por melhores resultados escolares - e está dando certo. O receituário finlandês inclui reduzir o número de horas de aula e limitar ao mínimo os deveres de casa e as provas escolares.
Delegações de educadores internacionais vasculham o paradoxal modelo finlandês em busca da fórmula do milagre. E ouvem, dos finlandeses, a seguinte resposta: a educação pública de alta qualidade não é resultado apenas de políticas educacionais, eles dizem, mas também de políticas sociais.
"O Estado de bem-estar social finlandês desempenha um papel crucial para o sucesso do modelo, ao garantir a todas as crianças oportunidades e condições iguais para um aprendizado gratuito e de qualidade", diz o educador Pasi Sahlberg, um dos idealizadores da reforma das políticas educativas da Finlândia nos anos 90, no livro Finnish Lessons (Lições Finlandesas, em tradução livre).
A preocupação em garantir que todos os finlandeses tenham oportunidades iguais de desenvolvimento é visível nas instalações da escola Viikki, um dos centros educacionais de ensino médio e fundamental da capital finlandesa, Helsinque. Como em todas as escolas finlandesas, ali o filho do empresário e o filho do operário estudam lado a lado.
No amplo refeitório, refeições fartas e saudáveis são servidas diariamente aos estudantes.
Serviços de atendimento médico e odontológico cuidam, gratuitamente, da saúde dos 940 alunos. Todo o material escolar é também gratuito. Equipes de pedagogos e psicólogos acompanham cuidadosamente o desenvolvimento de cada criança, identificando na primeira hora problemas como a dislexia de um aluno e fornecendo apoio imediato. Mensalidades escolares não existem.
Pasi Sahlberg destaca ainda o impacto fundamental exercido no ensino pelo modelo de igualdade e justiça social criado gradualmente pelos finlandeses a partir do pós-guerra: saúde, educação e moradia para todos, generosas licenças-paternidade para cuidar das crianças e creches altamente subsidiadas ou até gratuitas, além de uma vasta e solidária rede universal de proteção aos cidadãos.
"A desigualdade social, a pobreza infantil e ausência de serviços básicos têm um forte impacto negativo no desempenho do sistema educacional de um país", pontua Sahlberg.

A transformação

Até o fim dos anos 1960, apenas 10% dos finlandeses completavam o ensino secundário. As oportunidades eram limitadas, e o acesso, desigual: muitas famílias não tinham condições de pagar por instituições privadas de ensino, e as escolas públicas eram insuficientes.
Um diploma universitário era considerado, na época, um troféu excepcional - apenas 7% da população tinha educação superior. Em todas as faixas de aprendizado, a Finlândia era um símbolo de atraso.
Mas a História do país sempre foi marcada pela resiliência do seu povo, que só conquistou a independência em 1917 - depois de seis séculos sob o domínio do reino da Suécia e mais de cem anos como grão-ducado do Império Russo e seus cinco czares.
Na década de 70, a nação foi convocada a mudar. Uma educação pública estelar passou a ser percebida como a base fundamental para a criação de um futuro menos medíocre: desenvolver o capital humano do país tornou-se a missão primordial do Estado finlandês.
O princípio da igualdade e da inclusão social marcou o desenvolvimento nos anos 70 da nova peruskoulu, a educação obrigatória finlandesa, que abrange o ensino fundamental e médio. Em uma decisão histórica do Parlamento finlandês, todas as crianças, independentemente de background socioeconômico ou região de domicílio, passaram a ter acesso igualitário e gratuito a escolas de qualidade para cumprir os nove anos da educação básica.
O vital passo seguinte foi uma valorização sem precedentes do professor. A Finlândialançou programas de formação de excelência para o magistério nas universidades do país, criou notáveis condições de trabalho e ampla autonomia decisória nas escolas, pagando razoavelmente bem seus professores. E a carreira de professor tornou-se uma das preferidas entre os jovens finlandeses - à frente de profissões da Medicina, do Direito e da Arquitetura.

Participação da sociedade

Nos anos 90, o país anunciou uma nova revolução do ensino. Associações de professores, políticos, pais, membros da academia e diferentes setores da sociedade foram chamados a participar da criação dos novos e revolucionários paradigmas da educação no país, que rejeitavam a fórmula convencional aplicada na maior parte do mundo como receita para melhorar o desempenho escolar.
"Particularmente significativo foi o papel desempenhado por variadas organizações da sociedade civil", destaca Pasi Sahlberg, que foi um dos conselheiros do Ministério da Educação finlandês nos anos 90.
A transformação do sistema foi profunda - e rápida. Como resultado, já no fim da década de 90 a peruskoulu finlandesa tornou-se líder mundial em matemática, ciências e interpretação.
Os primeiros resultados do PISA publicados em 2001 surpreenderam os próprios finlandeses: em todos os domínios acadêmicos, a Finlândia despontou no topo do ranking mundial. E permanece, até hoje, entre os mais destacados membros do clube.
Finlândia diz ter aprendido uma lição: políticas de educação efetivas devem estar interligadas às demais políticas sociais. "As pessoas na Finlândia têm um profundo senso de responsabilidade compartilhada e importam-se não apenas com as próprias vidas, mas também com o bem-estar dos outros", observa Sahlberg no livro Finnish Lessons.
"Os cuidados com o bem-estar da criança começam antes mesmo de ela nascer e se estendem até a idade adulta. As creches públicas são um direito garantido para todas as crianças, que também têm acesso igualitário a todo tipo de serviço básico. A educaçãoem nosso país é considerada um bem público. É, portanto, protegida, na Constituiçãodo país, como um direito humano básico", acrescenta.
Desde o fim dos anos 30, a Finlândia oferece a todas as gestantes um kit-maternidade com cerca de 50 itens básicos para o bebê - um presente destinado a proporcionar a todos um começo de vida igual, independentemente da classe social.
Quando uma criança nasce na Finlândia, a mãe tem direito a 105 dias úteis de licença-maternidade. O pai recebe outros 54 dias úteis de licença. Além disso, os casais podem dividir entre si um período adicional de mais de cinco meses de licença parental.
Isso significa que a maioria das crianças finlandesas pode ter a atenção dos pais, em casa, durante seu primeiro ano de vida.
Após o período de licença-paternidade, um dos pais tem o direito de permanecer em casa com a criança, se assim preferir, e receber um subsídio de cerca de 450 euros por mês. Nesse caso, o pai ou a mãe poderão retornar ao mesmo emprego que tinham antes até a criança completar três anos de idade.
Os pais têm ainda a opção de retornar ao trabalho, mas com carga horária reduzida, e obter um subsídio parcial do Estado.
A maior parte dos pais e mães volta eventualmente ao trabalho - e quando decidem fazer isso, o Estado oferece uma rede de creches especializadas e altamente subsidiadas para cuidar das crianças.

Educação infantil

Pela lei finlandesa, todas as crianças de 0 a seis anos têm direito a um lugar na creche, seja em horário parcial ou integral. As taxas variam de acordo com a renda dos pais e da municipalidade onde a família reside. O valor máximo da mensalidade é atualmente de 290 euros (cerca de R$ 1.340).
Para famílias de menor renda, as creches são gratuitas.
Quando completam 6 anos de idade, todas as crianças finlandesas têm direito à educação pré-escolar – que é inteiramente gratuita. O objetivo dos centros pré-escolares é proporcionar a cada criança o aprendizado de habilidades e conhecimentos básicos, a fim de prepará-las para a vida escolar.
Com o acesso gratuito às universidades e instituições de ensino técnico e profissionalizante, a educação de nível superior também passou a ser uma oportunidade igual para todos: a educação na Finlândia é livre de mensalidades para todos, do pré-escolar ao PhD.
As estatísticas apontam o êxito da fórmula de aliar políticas educacionais a políticas sociais, diz Pasi Sahberg:
"As sociedades igualitárias têm cidadãos com grau de instrução mais elevado, raros casos de evasão escolar, menores taxas de obesidade, melhores indicadores de saúde mental e índices mais reduzidos de ocorrência de gravidez entre adolescentes, em relação aos países nos quais a distância entre ricos e pobres é maior", enfatiza o educador finlandês.
Inovar - sempre - é preciso, ensinam os finlandeses. Já nos anos 90, a reforma educacional conduzida pela Finlândia surpreendeu o mundo acadêmico com uma teoria paradoxal, que provaria ser visionária.

Paradoxo 1: Os alunos aprendem mais quando os professores ensinam menos

A experiência finlandesa desafia a lógica convencional, que prescreve mais horas de aula e maior quantidade de lições de casa como fórmula para turbinar o desempenho estudantil.
Os dias são mais curtos nas escolas da Finlândia: são menos horas de aula do que em todas as demais nações industrializadas, segundo estatísticas da OCDE, organização que reúne os países mais ricos do mundo.
"É importante que crianças tenham tempo de ser crianças", disse a professora Erja Schunk, na escola Viikki, situada em um campus da Universidade de Helsinque. "O mais importante é a qualidade do tempo em sala de aula, e não a quantidade".
Nos Estados Unidos, um professor gasta aproximadamente o dobro do tempo ensinando na sala de aula por semana, em comparação com um professor finlandês.
"Dar seis horas de aula por dia é uma tarefa árdua, que deixa os professores cansados demais para se dedicar a outras tarefas importantes no trabalho de um educador, como planejar, reciclar-se e dar assistência cuidadosa ao aluno", diz Sahlberg. Em uma típica escola finlandesa, os professores dão cerca de quatro aulas por dia.
"A preocupação central da escola finlandesa não é atingir recordes de desempenho escolar, e sim ajudar a desenvolver as aptidões de uma criança a fim de formar indivíduos capazes de viver vidas felizes, dentro e fora do trabalho", acrescenta Sahlberg.
Professores finlandeses também não acreditam que aumentar a carga de trabalho de casa dos estudantes leva necessariamente a um melhor aprendizado - especialmente se as lições forem entediantes exercícios que não desafiam a capacidade criativa do aluno.
Pelas estatísticas da OCDE, os estudantes finlandeses gastam menos tempo fazendo trabalho de casa do que os colegas de todos os outros países: cerca de meia hora por dia.
"Os alunos aprendem o que necessitam saber na sala de aula, e muitos fazem o dever de casa aqui mesmo, na própria escola. Assim, eles têm tempo para conviver com os amigos e se dedicar às coisas que gostam de fazer fora da escola, o que também é importante", disse o professor Martti Mery na escola Viikki.
Na fase pré-escolar, a prioridade é desenvolver a autoconfiança das crianças: os dias na escola são preenchidos com tarefas como aprender a se orientar desacompanhadas em uma floresta, ou amarrar sozinhas seus patins de gelo.

Paradoxo 2: Os alunos aprendem mais quando têm menos provas e testes

Estudantes finlandeses não precisam se preocupar com provas: seu sistema educacional não acredita na eficácia de uma alta frequência de provas e testes, que por isso são aplicados com pouca regularidade. Apesar disso, a Finlândia brilha nos rankings globais de educação, ao lado dos países com melhor desempenho escolar do mundo.
Milagre? A filosofia finlandesa é de que o foco principal dos professores deve ser ajudar os alunos a aprender sem ansiedade, a criar e a desenvolver a curiosidade natural, e não simplesmente a passar em provas.
"A pressão do modelo tradicional de ensino traz consequências dramáticas para os alunos, como o medo, o tédio e o receio de correr riscos", afirma o educador Pasi Sahlberg.
Relatórios do PISA indicam que apenas 7% dos alunos finlandeses sentem-se ansiosos ao estudar matemática. Já no rígido sistema de ensino do Japão, que ostenta altos níveis de desempenho escolar enquanto registra recordes de suicídio entre estudantes, esse índice chega a 52%.
Nas salas de aula da escola Viikki, o ambiente é tranquilo e descontraído. Não há uniformes escolares, e os alunos estudam descalços – refletindo o clima das casas escandinavas, onde ninguém usa sapatos.
A escola primária é praticamente uma época livre de testes. A fim de evitar que as crianças sejam categorizadas de acordo com sua performance, o sistema finlandês virtualmente aboliu a avaliação por notas escolares nos cinco primeiros anos da peruskoulu.
Nos anos seguintes, a avaliação é feita com base em testes elaborados pelo professor e no desempenho do aluno em sala de aula, além de uma ampla avaliação de cada estudante realizada coletivamente pelos professores ao fim de cada semestre.
Os que precisam de maior assistência no ensino recebem atenção particular: a filosofia finlandesa preza a crença de que todas as crianças têm o potencial de aprender, se tiverem apoio e oportunidades adequadas.
O magistério na Finlândia tornou-se uma carreira de prestígio.
A cada primavera, milhares de jovens se candidatam a uma vaga para estudar nos departamentos de formação de professores das universidades da Finlândia.
Mas apenas os melhores e mais preparados estudantes podem se tornar professores: no exigente sistema finlandês, apenas cerca de 10% dos candidatos são em geral aprovados para cursar o obrigatório mestrado na universidade.
Obter um mestrado tornou-se a qualificação básica e obrigatória de um professor para poder ensinar nas escolas finlandesas - mesmo na educação pré-escolar.
As inovações continuam: o currículo escolar adotado em 2016 criou, por exemplo, o ensino baseado em fenômenos ou projetos, que atualiza a tradicional divisão por matérias e dá mais espaço para que determinados temas - como, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial - sejam trabalhados conjuntamente por professores de diferentes disciplinas.
Todos os aspectos por trás do sucesso finlandês parecem ser, assim, o oposto do que se faz na maior parte do mundo, onde a competição, a alta carga de provas e aulas, a uniformização do ensino e a privatização são via de regra os princípios dominantes.
"Exercer controles rígidos sobre as escolas e os alunos, pagar os professores com base no desempenho dos estudantes, entregar a liderança das escolas a especialistas em gerenciamento ou converter escolas públicas em privadas são ideias que não têm lugar no repertório finlandês de desenvolvimento da educação", diz o educador Pasi Sahlberg.
Sahlberg resume assim o pensamento finlandês sobre a educação pública de qualidade:
"É uma obrigação moral, pois o bem-estar e em última análise a felicidade de um indivíduo depende do conhecimento, das aptidões e das visões de mundo que são proporcionadas por uma educação de qualidade. É também um imperativo econômico, uma vez que a riqueza das nações depende cada vez mais de know-how e conhecimento".
http://www.ihu.unisinos.br/582880-como-oportunidades-iguais-a-ricos-e-pobres-ajudou-finlandia-a-virar-referencia-em-educacao