SERIAM DADOS PUBLICADOS PARA ASSUSTAR? OU SERVEM PARA DEFINIR A TERRÍVEL RESPONSABILIDADE HUMANA, DE MODO ESPECIAL DOS SETORES QUE INSISTEM EM DEFENDER QUE SEM O CRESCIMENTO CONTÍNUO DA PRODUÇÃO, CONSUMO E DESCARTE BAIXARIA O NÍVEL DE VIDA EM RELAÇÃO AO AUMENTO CONSTANTE DO AQUECIMENTO GLOBAL?
O FATO É QUE ESTAMOS CAMINHANDO NA DIREÇÃO DA AMEAÇA DE MORRERMOS NO FOGO... É BOM E ABSOLUTAMENTE NECESSÁRIO LEVAR A SÉRIO OS SINAIS E AVISOS!
"Caso este cenário se torne realidade, seria algo parecido com o
apocalipse para a vida humana e não humana no Planeta", escreve
José Eustáquio Diniz Alves,
doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em
População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de
Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por
EcoDebate, 20-08-2018.
Eis o artigo.
A máquina de
fake news divulgou no início do ano que o
Brasil teria o inverno mais rigoroso da história. Mas os dados de julho de 2018 mostram que a temperatura foi alta em todo o país. Em
São Paulo,
o tempo quente foi o maior em décadas. Além de quente, o tempo ficou
mais seco do que o normal, causando reflexos como reservatórios de água
mais baixos e aumento do número de queimadas. Qualidade do ar também
piorou nas cidades do interior paulista. No resto do mundo os problemas
se multiplicaram.
O fato é que o mês de julho foi o 3º mais quente da série histórica e
o ano de 2018 está a caminho de ser o quarto mais quente já registrado,
vencido apenas por 2017, 2016 e 2015. Julho de 2018 foi o 403º mês
consecutivo com temperaturas acima da média do século XX, segundo dados
da
Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos
EUA (
NOAA). De acordo com o
Comitê de Auditoria Ambiental do Reino Unido,
haveria a chance das temperaturas no verão chegarem a 38°C no país,
levando a um potencial de 7.000 mortes relacionadas ao calor por ano,
até a década de 2040. Mas tudo isto está ocorrendo este ano, com muita
antecedência.
Como mostrou o cientista
Michael Mann – com o seu
gráfico do “taco de hóquei”, de 1998 – , o mundo está ficando mais
quente e continuará a esquentar. A única dúvida agora é quanto e qual a
rapidez do
aquecimento global. Isto acontece porque as
emissões de gases de efeito estufa (
GEE) estão aumentando. Desta forma, os
eventos climáticos extremos do verão no
hemisfério Norte, de 2018, não são apenas sintomas do desarranjo climático, mas alertas da possibilidade de um
colapso ambiental que pode se tornar um
colapso civilizacional.
Houve secas que ameaçam o abastecimento de alimentos, inundações no
Japão, chuvas extremas no leste dos
EUA, incêndios na
Califórnia,
Suécia e
Grécia. No
Reino Unido, turistas que tentam atravessar o túnel do
Canal da Mancha para a
França
enfrentaram enormes filas quando instalações de ar-condicionado em
trens falharam devido à onda de calor. Milhares de pessoas ficaram
presas durante cinco horas no calor dos 30°C, sem água. No sul do
Laos,
as fortes chuvas levaram a um colapso da represa, deixando milhares de
pessoas desabrigadas e inundando várias aldeias. O recorde europeu de
calor era de 48°C, registrado em julho de 1977 em
Atenas, mas esta marca pode ser quebrada no verão de 2018 (mesmo sendo “apenas” o quarto ano mais quente da série).
O incêndio denominado
Mendocino Complex, que atingiu a
Califórnia,
em agosto, tornou-se o maior da história moderna do estado após queimar
mais de 283 mil hectares em 11 dias, de acordo com o jornal
Los Angeles Times.
Sete pessoas morreram e milhares tiveram que deixar suas casas. Os
prejuízos financeiros são enormes, mostrando que o crescimento econômico
do Estado mais rico dos
EUA está se tornando deseconômico.
A
onda de calor que atingiu a
Europa neste verão chegou também a áreas próximas do
Círculo Polar Ártico
— linha imaginária no extremo norte do planeta. As temperaturas
ultrapassaram os 30°C em regiões onde costuma fazer frio o ano inteiro.
Na
Lapônia, região no extremo-norte da
Finlândia, os termômetros registraram 33,4°C, uma das temperaturas mais altas da história.
O que é preciso reconhecer é que esses
eventos climáticos extremos
estão relacionados ao fato de que, desde 2015, o Planeta já está em
torno de 1°C acima da média pré-industrial. A terra está se tornando um
local perigoso. Portanto, a recente onda de eventos catastróficos não é
mera anomalia. O sistema climático está cada vez mais desequilibrado, em
função do modelo “Extrai-Produz-Descarta”.
Estudo publicado na revista
Nature Communications
indica que é provável que o mundo assista temperaturas mais extremas nos
próximos quatro anos, à medida que o aquecimento natural reforça a
mudança climática provocada pelo ser humano. O aumento das emissões de
gases do efeito estufa
está aumentando a pressão sobre as temperaturas, mas os seres humanos
não sentem a mudança como uma linha reta porque os efeitos são
diminuídos ou amplificados por fases de variação natural. De 1998 a
2010, as temperaturas globais estavam em “hiato”, já que o resfriamento
natural (da circulação oceânica e dos sistemas climáticos) compensou o
aquecimento global antropogênico.
Mas o planeta entrou agora quase na fase oposta, quando as tendências
naturais estão impulsionando os efeitos produzidos pelas atividades
antrópicas.
Infelizmente, em vez de confrontar essa ameaça à espécie humana e às demais espécies vivas da
Terra,
o mito do crescimento econômico permanente e indefinido repete sempre o
mantra que a qualidade de vida depende do aumento das atividades
antrópicas. Contudo, a economia não pode ser maior do que a ecologia e
nem a humanidade pode superar a
capacidade de carga da Terra. Ou a civilização muda o rumo que leva ao
colapso ambiental ou haverá de lidar com um colapso civilizacional.
Esta possibilidade foi aventada em novo estudo (Steffen, 2018) que indicou que a
Terra pode entrar em uma situação com
clima tão quente que pode elevar as
temperaturas médias globais
a até cinco graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais. Isto
teria várias implicações, como acidificação dos solos e das águas e
aumentos no nível dos oceanos entre 10 e 60 metros. O estudo mostra que o
aquecimento global causado pelas atividades antrópicas
de 2° Celsius pode desencadear outros processos de retroalimentação,
podendo desencadear a liberação incontrolável na atmosfera do carbono
armazenado no
permafrost, nas calotas polares, etc.
Em função do efeito dominó, as “esponjas” que absorviam carbono podem
se tornar fontes de emissão de CO2 e piorar significativamente os
problemas do
aquecimento global. Isto provocaria o fenômeno “
Terra Estufa”,
o que levaria à temperatura ao recorde dos últimos 1,2 milhão de anos.
Os seja, caso este cenário se torne realidade, seria algo parecido com o
apocalipse para a vida humana e não humana no Planeta.
Referências:
Angela Dewan. Our climate plans are in pieces as killer summer shreds records, CNN, August 5, 2018
Matt McGrath. O que é o fenômeno ‘Terra estufa’ e por que estamos caminhando para ele, segundo novo estudo, BBC News, 07/08/2018
Steffen et. al. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, PNAS August 6, 2018. 06/08/2018
WATTS, Jonathan. Extreme temperatures ‘especially likely for next four years’, The Guardian, Tue 14 Aug 2018
http://www.ihu.unisinos.br/582034-a-onda-global-de-calor-pode-ser-indicio-de-um-colapso-ambiental-e-civilizacional