terça-feira, 27 de novembro de 2018

DESIGUALDADE AUMENTA, MAS PODE SER VENCIDA

A SEGUNDA APARTE DO DO TÍTULO É FUNDAMENTAL NOS DIAS ATUAIS, EM GERAL GERADORES DE DESESPERANÇA: A DESIGUALDADE PODE SER VENCIDA. 

DE TODA FORMA, A DESIGUALDADE AUMENTA DE FORMA CRIMINOSA. E AS ELITES QUE CONCENTRAM A RIQUEZA TÊM RAZÃO DE PROMOVER O FASCISMO, PORQUE ELE É A FORMA ADEQUADA DE VIOLÊNCIA PARA MANTER EM PÉ O INSUSTENTÁVEL CRIME CONTRA A VIDA DE BILHÕES DE PESSOAS E DA TERRA.

VEJAM COM ATENÇÃO OS DADOS ORGANIZADOS PELA OXFAM.

A Oxfam avisa: a desigualdade pode ser vencida

Mídia não enxerga a principal novidade do mais novo relatório sobre injustiça social. Há inúmeros caminhos para superar o problema – basta vontade e força política para adotá-los
Por Inês Castilho
“Nossa economia é construída nas costas
de trabalhadores mal remunerados, frequentemente mulheres,
que recebem baixos salários e são privados de direitos básicos.
É construída à custa de trabalhadoras como Dolores,
que trabalha em frigoríficos de frangos nos Estados Unidos
e desenvolveu uma deficiência permanente
que não lhe permite segurar seus filhos pela mão”
Do relatório da Oxfam
O trabalho perigoso e mal remunerado de muitos garante a riqueza extrema de poucos. As mulheres estão nos piores postos de trabalho e quase todos os bilionários do planeta são homens. Aumenta o abismo da desigualdade. Para reduzi-lo, empresas devem valorizar o trabalho e os sindicatos, eliminar as diferenças salariais por gênero, repartir lucros e não pagar dividendos milionários a executivos e acionistas. Já governos devem priorizar trabalhadores e pequenos produtores de alimentos, e não os super-ricos – que precisam pagar uma “cota justa” de impostos para que se aumentem os gastos públicos com saúde e educação.
Esse é o recado da Oxfam Internacional à elite empresarial e política planetária reunida a partir de hoje na cidade gelada de Davos, na Suíça, no 48º Fórum Econômico Mundial. Entre os 3 mil hipers da plateia encontram-se Trump e Temer, este tentando vender o país ao lado de Doria, Meirelles e a maior comitiva dos últimos tempos. O programa prevê a palestra “Moldando a nova narrativa do Brasil” justo pra amanhã, 24 de janeiro, quando Porto Alegre estará fervendo com o julgamento do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Capital versus Trabalho
estudo “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, da Oxfam, revela uma concentração de riquezas sem limites. O ano de 2017 registrou o maior aumento de super-ricos da história – um a cada dois dias, somando 2043 pessoas pelo mundo, 90% deles homens, com riqueza superior ao PIB de 159 dos 193 países que habitamos. Só as riquezas criadas em 2017 seriam suficientes para acabar sete vezes com a pobreza extrema no globo, mas 82% delas foram para as mãos do 1% mais rico. Já a metade mais pobre da população mundial, 3,7 bilhões de pessoas, está de mãos vazias.
Toda essa riqueza não vem do trabalho, diz a Oxfam. Dois terços dessas fortunas resultam de heranças, monopólios (que “alimentam retornos excessivos para proprietários e acionistas à custa do restante da economia”) e clientelismo, ou seja, “a capacidade de interesses privados poderosos manipular políticas públicas para consolidar monopólios existentes e criar outros”.
Tudo isso compõe “uma ‘tempestade perfeita’” em que sindicatos perdem poder de negociação e “empresas usam a mobilidade dos seus investimentos para promover uma ‘corrida para trás’ entre países em termos de tributação e direitos trabalhistas”, afirma o relatório, que mostra o movimento regressivo dos direitos trabalhistas em vários países do mundo. Os dados são de instituições como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), Banco Mundial, o banco Credit Suisse e a revista “Forbes”.
Mulheres, jovens, negros
Por aqui, onde é nossa a taça de campeões da desigualdade e o fantasma da fome volta a nos assombrar, cinco bilionários acumulam o mesmo valor que a metade mais pobre da população. O Brasil tem 12 bilionários a mais: eram 31 e agora são 43, no segundo maior aumento de sua história. E o patrimônio deles cresceu 13%: já alcança R$ 549 bilhões, mais de meio trilhão de reais. Já os 50% mais pobres tiveram sua fatia reduzida de 2,7% para 2% do bolo. A brasileira ou brasileiro que ganha um salário mínimo precisaria trabalhar 19 anos para conseguir o que ganha num mês alguém do 0,1% mais rico. Já os dividendos pagos em 2016 ao quarto homem mais rico do mundo, Amancio Ortega, pela matriz da rede de moda Zara, que distraidamente podemos frequentar, somaram aproximadamente 1,3 bilhão de euros [5,16 bilhões de reais].
Mulheres, jovens e negros são os mais impactados pelo desemprego, baixos salários e precarização do trabalho, afirma Kátia Maia, diretora da Oxfam Brasil. “As mulheres fazem jornada dupla, tripla de trabalho, um trabalho que não é remunerado. E esse trabalho não remunerado, quando contabilizado, chega a somar 10 trilhões de dólares anuais – se fosse computado teríamos outro desenho econômico. Vale ressaltar que o trabalho do cuidado é fundamental para a reprodução da própria sociedade”, diz ela. “Pensar soluções é pensar a liderança das mulheres.”
Além do que as mulheres sofrem assédio. “Em países da América Latina e do Caribe 94% das mulheres do setor hoteleiro são assediadas por hóspedes. Na Ásia mulheres não conseguem ver os filhos porque trabalham 12 horas por dia, 6 dias por semana, e o salário é tão baixo que não dá para pagar o transporte. Mulheres negras sofrem a desigualdade da desigualdade.” Mulheres estão em luta permanente, pela conquista da educação, por participação política. Assistimos a suas demonstrações no mundo todo, e no Brasil o movimento feminista tem sido um dos mais resistentes contra a volta do conservadorismo – diz ela.
Também os jovens estão entre os que recebem os salários mais baixos e recebem os maiores impactos do desemprego, mostra o estudo. Mas estão entre os que oferecem maior resistência, com mobilizações no mundo todo, lembra Kátia.  “No Brasil há muitos movimentos de jovens, o terreno é fértil para mudanças a partir da juventude.”
A desigualdade se reflete mais nos subalternizados, novamente, quando se pensa nas mudanças climáticas e desastres ambientais, pelo impacto na capacidade de recuperação e nas condições de vida e moradia nas áreas atingidas, lembra a diretora da Oxfam Brasil. “A questão ambiental é fundamental para a busca de soluções para a desigualdade. Ela nos ajuda a trazer para o debate outros elementos, o desafio e a responsabilidade de olhar para o futuro. Venho do movimento ambientalista, em 83 a gente ainda imaginava um futuro comum – o relatório ‘Nosso Futuro Comum’, de Gro Harlem Brundtland, mestre em saúde pública e ex-primeira ministra da Noruega – lembra?  E agora essa intensificação dos lucros nos distancia cada vez mais desse futuro.”
Se pretendemos incluir o conjunto dos 7 bilhões de habitantes do planeta, o padrão não pode ser o das elites, ressalta Kátia Maia. “Essa pressão sobre o clima, os rios, a terra, a água, os diversos elementos que formam o ambiente, é insustentável. Enfrentar as desigualdades passa necessariamente por rever o padrão de vida, que é altamente consumista.” E rever o padrão de vida passa necessariamente pela consideração do bem comum diante do bem individual. “Temos ainda uma grande reserva de práticas voltadas para a coletividade”, diz Kátia.
Depende de nós
Sustentar o otimismo, apesar de tudo. Kátia ressalta a importância da mobilização da sociedade “num mundo volátil, em que é um grande desafio enfrentar questões estruturais, que não acontecem num estalar de dedos, mas mais no longo prazo. A desigualdade foi construída por nossa sociedade, e pode ser modificada por nós. Se como sociedade a gente quiser, tem poder pra mudar.”
Mesmo porque a maioria quer igualdade. Ano passado a Oxfam fez uma pesquisa com 120 mil pessoas, de 10 países, que representam um quarto da população mundial, e o estudo mostrou que mais de três quartos dos entrevistados concordam em que o fosso entre ricos e pobres, em seu país, é muito grande. Os percentuais variam de 58% na Holanda a 89% na Nigéria; 60% concordam que é responsabilidade dos governos reduzir a lacuna. É urgente eliminar essa diferença, opinam quase dois terços dos entrevistados.
“No Brasil, a pesquisa de opinião ‘Nós e as Desigualdades’, feita pela Oxfam e o Datafolha em dezembro passado, mostrou que a população é contra essa desigualdade extrema, esse buraco que separa pessoas com e sem direito, de primeira e segunda categoria. Os brasileiros consideram que emprego é problema, falta de educação é problema, saúde é problema. As pessoas concordam quanto às soluções, mas não têm noção do tamanho da desigualdade. Estão preocupadas, e quanto mais a gente mostrar o tamanho da desigualdade, mais vão se preocupar.”
Daí os relatórios que a Oxfam, insistentemente, apresenta ano após ano em Davos. “Eles aumentam o debate, para que esse poder sinta a pressão, porque quando a gente pressiona tem passo atrás”. Ela dá exemplos recentes do poder que a gente tem.
“A Islândia acaba de aprovar lei afirmando que até 2022 não poderá mais existir diferença salarial entre homens e mulheres. Nós mesmas aqui no Brasil tivemos num certo período políticas públicas que davam aumento real no salário mínimo, que é muito importante no combate à desigualdade, além de outras políticas sociais inclusivas. Políticas que privilegiaram setores sociais que são maioria, mas são tratados como minoria, no quadro da desigualdade de gênero e raça.”
Katia aponta também as boas práticas de algumas empresas. “Há empresas que fazem maior repartição de lucros para seus trabalhadores, incentivam a organização sindical, empresas criadas por cooperativas de trabalhadores e que estão bem economicamente.” Lembra, contudo, que a grande maioria das corporações está operando com o máximo lucro, precarizando ainda mais o trabalho, empurrando as organizações sindicais para fora, pagando salários menores. “É uma corrida para aumentar os lucros, uma visão de curto prazo, um saque dos recursos naturais.”
No Brasil acontece um movimento contrário ao que a Oxfam indica como melhores práticas para a redução da desigualdade, reconhece a representante da organização no Brasil. “Nos últimos 15 anos houve ganhos, mas estes ganhos, apesar de positivos, não eram estruturais e estão sendo desmontados.”
Fórum de Davos
Este ano a elite mundial, ou operadores do Capital, brinca de democracia representativa e igualdade de gênero deixando a presidência do Fórum nas mãos unicamente de mulheres (que são 21% dos participantes).
De olhos bem abertos para a pollítica na América Latina. “O Brasil é um dos seis países latino-americanos que realizam eleições presidenciais em 2018”, lembra o programa do Fórum, ao indicar o debate “Quais são os principais conquistas atuais e qual visão têm líderes regionais e globais para o Brasil no futuro?”. O evento regional do Fórum, “A América Latina em um momento de virada”, será em São Paulo, em março.
O espaço aéreo de Davos é fechado durante a cúpula e cerca de 5 mil soldados e chefes do exército e da polícia farão a segurança local. Lá estarão “70 chefes de Estado e governo, 1.900 executivos de empresas, 900 representantes de ONGs, 80 jovens destacados, 40 líderes culturais, 35 empreendedores, 32 pioneiros tecnológicos, 70 responsáveis de sindicatos, organizações religiosas e da sociedade civil.”
Na pauta, aspas, “a discussão de formas de crescimento mais igualitário, questões climáticas, o impacto de novas tecnologias no mercado de trabalho, o combate às ameaças cibernéticas e assédio sexual”.
https://outraspalavras.net/posts/a-oxfam-avisa-a-desigualdade-pode-ser-vencida/ 

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

JUSTIÇA NOS TRILHOS RECEBE PRÊMIO DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS

PARABÉNS PELO MUITO JUSTO PRÊMIO, AMIGAS E AMIGOS DO JUSTIÇA NOS TRILHOS. 

Comunicado à imprensa:
Pela primeira vez, foi concedido o PRÊMIO DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS

A Fundação para o Prêmio Direitos Humanos e Empresas 

26 de novembro de 2018, Genebra

Hoje foi anunciado que a Justiça nos Trilhos receberá o recém-criado PRÊMIO DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS, acompanhado de um subsídio no valor de US$ 50.000.

A Justiça nos Trilhos é uma organização que trabalha de perto com as comunidades locais, em áreas remotas do Brasil — incluindo povos indígenas, camponeses e afrodescendentes — para examinar os abusos de direitos humanos e ambientais cometidos por empresas mineradoras e siderúrgicas, especialmente a multinacional Vale.
As empresas mineradoras e siderúrgicas poluem os rios, que são fonte de obtenção de água potável e sustento para aquelas comunidades; poluem o ar, causando problemas respiratórios e de visão; contaminam o solo com descartes industriais; desalojam comunidades e exterminam a cultura e as vidas indígenas.

Os membros do conselho administrativo da Fundação para o Prêmio Direitos Humanos e Empresas — Christopher Avery, Regan Ralph e Valeria Scorza — relataram, hoje, em um comunicado conjunto: “Lançamos este prêmio anual para reconhecer ‘o trabalho de maior destaque realizado pelos defensores de direitos humanos, ao tratar dos impactos causados pelas empresas.’ A Justiça nos Trilhos simboliza este grupo, que há anos trabalha de maneira rigorosa e consciente em circunstâncias desafiadoras — sempre em estreita colaboração com as comunidades locais, cujos direitos fundamentais buscam proteger”.
Os defensores de direitos humanos da Justiça nos Trilhos e as comunidades locais com as quais trabalham têm sido alvo de vigilância e processos retaliatórios pela Vale.

O prêmio será entregue à Justiça nos Trilhos no dia 27 de novembro de 2018, em Genebra, no Fórum das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Danilo Chammas, advogado da Justiça nos Trilhos, aceitará o prêmio em nome da organização. Chammas comentou: “Nós trabalhamos para fortalecer os princípios de direitos humanos, que são a base da democracia. Penso, no entanto, que nos falta um longo caminho a percorrer. Ainda há muito a se fazer para proporcionarmos oportunidades reais de acesso à justiça àqueles cujos direitos foram violados por estas empresas”.

Alexandra Montgomery, membro do Conselho Consultivo da fundação que indicou a Justiça nos Trilhos para o prêmio, observou: “As operações diárias dos projetos da Vale em Carajás têm prejudicado mais de 100 comunidades. O trabalho da Justiça nos Trilhos é feito de modo bastante sólido e organizado, acessando os mecanismos legais, pesquisando, elaborando estratégias e avaliando as suas ações atentamente. Trabalham com centros universitários e profissionais que pesquisam e analisam os dados. Assuas reivindicações não são espontâneas, são baseadas nas experiências das comunidades”.

Sobre a fundação

A Fundação para o Prêmio Direitos Humanos e Empresas é uma fundação independente e sem fins lucrativos. Hoje seu site será lançado em sete idiomas. Para assegurar sua independência, a fundação não aceita doações provenientes de quaisquer governos ou empresas. Os membros dos conselhos administrativo e consultivo estão listados aqui.
Contato: contact@humanrightsandbusinessaward.org

Mais sobre Justiça nos Trilhos

Estes relatórios fornecem mais informações sobre a Justiça nos Trilhos — o segundo e o terceiro incluem links para as respostas da empresa mineradora Vale às questões levantadas:
Site da Justiça nos Trilhos aqui.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

ENERGIA PARA A VIDA: FRENTE SE POSICIONA SOBRE CENÁRIO ATUAL



FRENTE POR UMA NOVA POLÍTICA ENERGÉTICA PARA O BRASIL
SGAN 905, Conjunto B, Sala 03 - CEP 70790-050 - Brasília (DF)
Tel.: (98) 98125-0045 / (61) 3447-8722 / (61) 98202-2564.
E-mail: c.energiaparavida@gmail.com
Site: www.energiaparavida.org - Facebook: www.facebook.com/energiaparavida

  • A irresponsável flexibilização do processo de licenciamento ambiental, conforme proposta da bancada ruralista e sem amplo debate com a sociedade, com o mero intuito de acelerar e aprofundar a exploração de recursos naturais, desconsiderando graves consequências não apenas no campo ambiental, mas também social e econômico.

  • A retomada da construção da usina nuclear de Angra 3, sob o pretexto de segurança energética, mas que contém em si um viés militar. Acreditamos que a baixa participação da fonte nuclear na matriz elétrica nacional (hoje cerca de 1,2% da capacidade instalada) pode ser facilmente substituída por outras fontes. Portanto, não vale a pena corrermos o risco que tal fonte representa para a sociedade, em especial da região onde as usinas existentes estão instaladas ou onde é feita a exploração do urânio.

  • A retomada de construção de grandes hidrelétricas e outros grandes empreendimentos, especialmente na Amazônia, desconsiderando lições de casos como Belo Monte, em termos de impactos sociais e ambientais, desperdício de dinheiro público e esquemas de corrupção, assim como a existência de caminhos alternativos para o desenvolvimento sustentável.

  • A privatização da Petrobras e da Eletrobras, empresas estatais de excelência e de importância estratégica. A falácia da ineficiência ou o necessário combate à corrupção não devem ser utilizados para que se entregue o setor de energia brasileiro para a iniciativa privada ou, o que seria pior, para outro estado nacional. Isso seria abrir mão de nossa soberania energética, além de penalizar a população mais pobre e a classe média com mais aumentos de tarifas, como se verifica em outros processos de privatização indiscriminada no Brasil e em outros países.

  • Qualquer retrocesso na Resolução Normativa nº 482 da ANEEL, que é a regulamentação que hoje permite aos cidadãos gerarem a sua própria energia elétrica, em especial através da fonte solar fotovoltaica, que além de ter o menor impacto ambiental gera vários empregos e movimenta a economia local. É fundamental que se mantenha e se amplie a democratização da geração de energia no país. Por isso, condenamos o ataque que o Sistema de Compensação de Energia Elétrica vem sofrendo por parte das concessionárias de distribuição de energia do país.

Por fim, reafirmamos que a política energética a ser adotada pelo novo governo federal deve ensejar princípios de participação popular; de justiça socioambiental com respeito aos direitos humanos, da natureza e à diversidade cultural; de eficiência energética; de diversificação da matriz energética, priorizando a geração descentralizada com fontes renováveis de menor impacto, como a solar fotovoltaica; e de autonomia energética das pessoas e comunidades. É por tais princípios que continuaremos a lutar por uma nova política energética no Brasil!

Brasília (DF), novembro de 2018.

SISTEMA DA DÍVIDA PÚBLICA: MÁSCARAS ESCONDEM A REALIDADE DE ABUNDÂNCIA

É UM ARTIGO LOGO, MAS NECESSÁRIO PARA QUEM DESEJA COMPREENDER CRITICAMENTE A REALIDADE MOLDADA PELA POLÍTICA ECONÔMICA, ESPECIALMENTE PELO SISTEMA DA DÍVIDA.


Máscaras escondem a realidade de abundância

Por Maria Lucia Fattorelli*

 A realidade brasileira é de extrema abundância em todos os sentidos. Paradoxalmente, vivemos em inaceitável cenário de escassez. Faltam re- cursos para investimentos estratégicos e para o atendimento aos direitos sociais básicos. Enfrentamos crises econômica, financeira, social, ambiental, política e ética; contínuas privatizações de patrimônio público e brutal retrocesso decorrente de contrarreformas que retiram as poucas conquistas alcançadas pela classe trabalhadora. A situação atual é de verdadeira calamidade social.
Precisamos desmascarar o que separa a realidade de abundância do cenário de escassez, a fim de adotar as medidas necessárias para redirecionar os rumos e garantir o desenvolvimento socioeconômico.

Paradoxo: realidade de abundância e cenário de escassez

O Brasil é a nona maior economia mundial e possui a maior reserva de nióbio do mundo; dezenas de minerais estratégicos; terras raras; terceira maior reserva de petróleo; maior reserva de água potável; maior área agricultável e recordes de safra; maior diversidade biológica; extensão territorial continental; riqueza humana e cultural; clima favorável; imenso potencial energético, industrial e comercial.
Possuímos também riquezas financeiras: reservas internacionais de 375 bilhões de dólares, além de fortunas esterilizadas no Banco Central (superior a R$ 1,1 trilhão) e no caixa do Tesouro Nacional (R$ 480 bilhões em 2015 e R$ 268 bilhões em 2016), para formar “colchão de liquidez” e garantir o pagamento de juros.
Adicionalmente, temos enorme potencial de arrecadação tributária por cobrar e créditos de Dívida Ecológica histórica que ainda não foram devidamente mensurados.
Com essa riqueza toda, era para estarmos em patamar de desenvolvi- mento socioeconômico invejável há muito tempo. No entanto, o cenário é de crise geral, com desindustrialização, queda da atividade comercial, desemprego recorde, perdas salariais e perdas de direitos devido às diversas contrarreformas, entrega de patrimônio por meio de privatizações obscuras e até sucessivos encolhimentos do PIB. Só os bancos seguem batendo recordes de lucros.
Somos o país mais injusto do mundo onde a distância entre ricos e pobres é a mais cruel e a concentração de renda é vergonhosa: apenas 0,5% da população ativa concentra 43% de toda a riqueza declarada em bens e ativos financeiros à Receita Federal.2 Esse dado será ainda mais indecente depois de computados os efeitos da recente benesse que possibilita declarar recursos sonegados no exterior.
Ocupamos a vergonhosa 79. posição no ranking dos Direitos Huma- nos conforme o IDH medido pela ONU e o penúltimo lugar no ranking da Educação entre quarenta países analisados.4
Este cenário é construído e sustentado pelo modelo econômico aplicado no país, voltado para a concentração de renda e riqueza em seus principais pilares:
  • modelo tributário injusto e regressivo;
  • política monetária suicida e
  • privilégio do Sistema da Dívida.
A fim de desmontar esse cenário, precisaremos modificar o modelo tributário para que se transforme em mecanismo de justiça fiscal e distribuição de renda; alterar a política monetária para que atue em favor dos interesses do país e do povo, e não apenas do setor financeiro; e enfrentar o Sistema da Dívida por meio de completa auditoria, interrompendo esse processo de sangria de recursos e submissão aos interesses do mercado financeiro.
Adicionalmente, teremos que revogar a EC 95 e retirar algumas más- caras mestras, como a falácia do déficit da Previdência e do setor público.6

Modelo econômico distorcido sustenta o cenário de escassez

O modelo econômico distorcido é um dos principais sustentáculos do cenário de escassez no Brasil, cabendo ressaltar sua histórica submissão a medidas impostas por organismos internacionais – Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional – que interferem em todas as áreas (financeira, tributária, agrícola, mineral, ambiental, investimentos sociais).
No caso do Banco Mundial, essa interferência se dá desde os anos 1970, por meio de projetos que alcançam, em âmbito federal, estadual e até municipal, as áreas de educação, saúde, previdência, modelo tributário, moradia, saneamento, água, meio ambiente, agricultura, modernização de entidades públicas, ministérios, secretarias de governo, mineração, flores- tas e demais recursos naturais. Contraímos dívidas externas em todas as esferas em troca de projetos que permitem que o Banco Mundial tenha acesso a informações estratégicas.
O FMI influencia as decisões econômicas adotadas no Brasil desde o início dos anos 1980, quando foi assinada a primeira Carta de Intenções. Desde então, o impedimento para a realização de investimentos em empresas estatais estratégicas e lucrativas, seguido de pressão para que fossem privatizadas, adoção de juros elevados e uma série de nefastas medidas em todas as áreas da economia, além da exigência de negociações absurdas da dívida pública têm sido constantes por parte deste fundo. Desde 2005, quitamos o que devíamos e até lhe emprestamos US$ 10 bilhões, mas seguimos, de forma contraditória e ilógica, curvados aos seus ditames.
Documentos comprovam a interferência do FMI por meio de recomendações, com monitoramento, até sua implantação. Elas estão relacionadas a uma série de políticas que invariavelmente servem a interesses do setor financeiro nacional e internacional. Exemplos:
  • implantação de contrarreformas que retiram direitos sociais e aumentam privilégios financeiros, como a da Previdência;
  • aumento dos tributos sobre o consumo; isenções para distribuição de lucros, exportações e remessas para o exterior; ausência de controle de capitais;
  • redução salarial e políticas de cortes de investimentos sociais para que sobrem cada vez mais recursos para o pagamento de juros;
  • aprovação de lei assegurando a independência do Banco Central, o que significa a sua privatização;7
  • adoção de regime de metas de inflação baseado em juros elevados e restrição da base monetária, o que não serve para controlar a inflação, mas para amarrar os investimentos produtivos e transferir grande volume de recursos ao setor financeiro;8
  • redução da presença de bancos públicos e aumento da participação da banca
Sob a interferência desses organismos internacionais, o modelo econômico se volta aos interesses financeiros. Certas políticas aparentemente ilógicas são adotadas e permanecem por distintos governos, especialmente no que se refere aos principais pilares do distorcido modelo econômico.
Esconder a realidade de extrema abundância que existe no Brasil só tem alcançado sucesso devido à combinação perversa de política monetária suicida que alimenta ainda mais o privilégio do Sistema da Dívida, alia- do ao modelo tributário completamente regressivo e diversas máscaras de déficit que “justificam” medidas para rechear cada vez mais esse teatro de terror, que amarra e ajoelha o Brasil perante o fraudulento sistema financeiro mundial.

Política Monetária transfere recursos financeiros para bancos

A política monetária implementada pelo Banco Central prega uma coisa, mas faz outra, especialmente no que diz respeito à meta de inflação.
Sob o argumento de “controlar a inflação”, o Banco Central aplica uma política monetária fundada em dois pilares: 1) adoção de juros eleva- dos; e 2) redução da base monetária, que corresponde ao volume de moeda em circulação. Na prática, tais instrumentos se mostram um completo fracasso para a economia brasileira, ao mesmo tempo que transferem grandes volumes de recursos para o setor financeiro, o maior beneficiário dessa política monetária suicida.
Além de não controlar a inflação, os escandalosos juros afetam negativamente as finanças nacionais, pois provocam o crescimento exponencial da própria dívida pública, bem como acarretam enorme dano à economia nacional, prejudicando a indústria, o comércio e impedindo a geração de empregos.
Por sua vez, a redução da base monetária utiliza mecanismos que enxugam a sobra de caixa dos bancos nas chamadas “Operações Compromissadas”, trocando essa sobra por títulos da dívida pública, a fim de justificar a sua vultosa remuneração diária.
Esse tipo de operação já supera R$ 1,1 trilhão – cerca de 17% do PIB –, acirra a elevação das taxas de juros de mercado e empurra o país para essa profunda crise socioeconômica.
Não satisfeitos com tamanha insensatez, recentemente o Banco Central convidou o BNDES para participar dessas “Operações Compromissadas”. Com isso, recursos do BNDES passarão a ficar esterilizados no Banco Central, aumentando a escassez de recursos e aprofundando a crise atual.
A política cambial do Banco Central também tem sido danosa, pois alimenta o mercado com sigilosas e ilegais operações de swap cambial que têm gerado bilhões de reais de prejuízos, pagos à custa da emissão de mais títulos da dívida pública.
A inflação brasileira decorre principalmente da elevação desordenada dos preços administrados (energia, telefonia, combustível, transporte, tarifas bancárias etc.) e dos preços de alimentos devido a uma política agrícola totalmente equivocada. Tais fatores não são afetados pelos mecanismos empregados pelo Banco Central, que na realidade funcionam como uma máscara para transferir volumes brutais de recursos ao setor financeiro.
A crise atual é fabricada principalmente por essa política monetária suicida que, além de criar cenário de escassez de recursos na economia, impede a realização de investimentos geradores de emprego e renda, gera despesa elevadíssima que sobrecarrega o orçamento público e cria mais dívida pública ainda.
Sistema da Dívida: maior responsável pelo cenário de escassez
Além de absorver, anualmente, cerca de metade do orçamento federal e boa parte dos orçamentos estaduais e municipais, a chamada dívida pública tem sido a justificativa para contínuas contrarreformas, como a da Previdência; contínuas privatizações, além de outras medidas de ajuste fis- cal, como o aumento da desvinculação das receitas da União (DRU) e dos entes federados (Drem) para 30% por meio da EC-93, e a aberração da EC 95, que submeteu o conjunto das despesas primárias a um teto rebaixado por 20 anos (!), para que sobrem mais recursos ainda para as despesas não primárias, que são justamente as despesas financeiras com a dívida.
Além dessa exagerada abrangência, novos mecanismos financeiros sofisticados estão sendo criados para gerar dívida pública para todas as esferas
  • federal, estadual e municipal – ao mesmo tempo que parte dos recursos da arrecadação tributária é sequestrada e transferida diretamente para o setor financeiro, antes de chegar aos cofres públicos. Trata-se de esquema fraudulento, operado por meio de empresas “estatais” que estão sendo criadas em diversos estados e municípios, a exemplo da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte e a CPSEC S/A em São Paulo,13. privilégio é tão abusado que a EC-95 já deixou fora do teto os recursos necessários ao aumento de capital dessas “estatais”.14
Não foi à toa que o sistema financeiro escolheu a chamada “dívida pú- blica” para ser o veículo do roubo de recursos. O discurso de prioridade para pagar a dívida é de fácil convencimento, pois em geral as pessoas estabelecem um paralelo com seus empréstimos pessoais tomados para adquirir moradia, veículo, entre outros bens importantes.
No entanto, quando analisamos o histórico de formação da chamada “dívida pública”, constatamos que ela é gerada por mecanismos ilegais e ilegítimos, portanto, não pode ser comparada com as dívidas pessoais.
O ciclo atual do endividamento brasileiro teve início na década de 1970, na modalidade de dívida externa, e, a partir do Plano Real, ocorreu a explosão da dívida interna.
O forte crescimento da dívida externa brasileira, a partir de 1971, de- correu do fim da paridade dólar-ouro nos Estados Unidos, por iniciativa do Banco Central norte-americano (FED), que é privado e controlado por grandes bancos privados. Esse fato possibilitou a impressão de grandes volumes de dólares que passaram a ser ofertados pelos bancos privados internacionais a diversos países, inclusive o Brasil a taxas de juros aparentemente baixas, porém variáveis. Os bancos privados que controlavam o FED eram em grande parte os mesmos credores da dívida externa brasileira e de outros países que caíram na sedução da oferta de créditos baratos vinculados a taxas flutuantes.
No final da década de 1970, o FED passou a elevar as taxas de juros, que alcançaram 20,5% ao ano no início da década de 1980, provocando a chama- da “crise da dívida” de 1982, utilizada como justificativa para a interferência do FMI em assuntos internos do país. Assim, desde 1983, quando o Brasil as- sinou a primeira Carta de Intenções com o FMI, este organismo tem sido um dos grandes responsáveis pelo crescimento da dívida pública brasileira e pela submissão ao modelo econômico que emperra o nosso país e impede o nosso desenvolvimento socioeconômico.
Vários fatos graves marcaram as sucessivas negociações da dívida externa. Cabe ressaltar os seguintes aspectos, documentados durante a CPI da Dívida Pública, concluída em 2010, na Câmara dos Deputados:
  • os contratos disponibilizados à CPI comprovaram apenas uma parte que não chega a 20% do estoque da dívida externa com bancos privados inter- nacionais na década de 1970;
  • a partir de 1983, as dívidas do setor privado (nacional e internacional instalado no país) foram transferidas ao Banco Central do Brasil, mediante contratos firmados e regidos pelas leis de Nova York, em completa afronta à soberania;
  • em 1992, há forte suspeita de prescrição da dívida externa com bancos privados internacionais, que correspondia a quase 90% de toda a dívida externa brasileira;
  • em 1994, essa dívida suspeita de prescrição foi trocada por títulos, no chamado Plano Brady, em Luxemburgo, conhecido paraíso fiscal;
  • a partir daí, esses títulos passaram a ser trocados por dívida interna, com juros que chegavam a 49% ao ano ou utilizados como moeda para comprar empresas privatizadas a partir de
A explosão da dívida interna se deu a partir do Plano Real e vem crescendo exponencialmente devido às elevadíssimas taxas de juros; ao ilegal anato- cismo; à megapedalada da contabilização de juros como se fosse amortização ou rolagem,15 além de diversos mecanismos financeiros que geram centenas de bilhões de reais de “dívida pública” sem contrapartida alguma, como os citados exemplos das “Operações Compromissadas” e os vultosos prejuízos com as ilegais operações de swap cambial.
Fica claro, portanto, que a dívida pública, historicamente, tem funcionado como um esquema que promove contínua transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado nacional e internacional. É por isso que nunca foi realizada a auditoria integral da chamada “dívida pública”.
Essa é a razão do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, que insiste na reivindicação de uma completa auditoria dessa dívida, com participação social, pois sequer sabemos para quem devemos, já que o nome dos detentores dos títulos da dívida pública brasileira é informação sigilosa.

O cenário de escassez não vale para todos

Atores privilegiados do setor financeiro e grandes corporações usufruem excessivamente desse cenário, enquanto pessoas morrem por falta de serviços de saúde; jovens não têm acesso à educação de qualidade; pais e mães de família estão sem emprego; idosos têm sua aposentadoria adiada e reduzida, mesmo depois de contribuírem uma vida inteira, entre várias outras mazelas sociais inaceitáveis.
Pesado sacrifício tem sido imposto sobre os ombros da sociedade, enquanto o rombo das contas públicas no Brasil decorre dos abusivos gastos financeiros com a chamada dívida e respectivos mecanismos de política monetária que favorecem os bancos.
O privilegiado setor financeiro tem comandado o sistema político no Brasil por meio do financiamento de campanhas eleitorais – diretamente ou por meio de suas empresas ligadas – assumindo assim o comando tanto do poder Executivo quanto do Legislativo para votar os projetos de seu interesse. Também financiam grande parte da mídia, com o intuito de convencer a opinião pública acerca da necessidade de contrarreformas, privatizações, cortes orçamentários, arrocho salarial, fim de concursos públicos e tudo o mais que evidentemente está definhando o Estado e provocando essa desnecessária crise financeira e econômica.
Com essa classe política comprometida e financiada pelo capital financeiro em esquemas comprovadamente corruptos, não adiantou argumentar acerca dos absurdos contidos na reforma trabalhista ou na EC-95. Aprovaram. A falácia do déficit da Previdência já foi demonstrada, mas diariamente se prega a necessidade de aprovar a PEC 287/2016, pois ela garantirá aumento brutal do volume de negócios dos bancos com seus planos de previdência privada. Adicionalmente, à medida que essa PEC aniquila direitos previdenciários e assistenciais, haverá redução do montante de re- cursos destinados a essas rubricas orçamentarias, que engordarão a fatia destinada aos juros.
É urgente desmascarar toda essa farsa montada para alimentar a insaciável ganância do setor financeiro.

Brasil, o país da abundância

Mas, para que os recursos existentes sirvam aos interesses do país e de toda a sociedade, é urgente aplicar outro modelo econômico, sem os distorcidos pilares e máscaras que sustentam o atual cenário de escassez.
Essa mudança só será possível se for construída a partir da base da sociedade, com ampla participação e envolvimento popular, de forma consciente e cidadã.
É hora de arregaçar as mangas e mobilizar a sociedade para construir o novo modelo de desenvolvimento socioeconômico; rasgar o cenário de escassez e passar a viver a realidade de abundância, garantindo vida digna para todas as pessoas.
*Maria Lucia Fatorelli é Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
Este artigo compõe o Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos de 2017

http://www.jubileusul.org.br/nota/6337 

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

BRASIL PERDEU UM REINO UNIDO DE FLORESTAS PARA AS LINHAS DE TRANSMISSÃO DA AMAZÔNIA

É UM ABSURDO, AINDA MAIS QUANDO SE TEM PRESENTE QUE HÁ SOL, VENTOS E BIOMASSA EM TODAS AS REGIÕES DO PAÍS, DE MODO ESPECIAL NO NORDESTE, CENTRO OESTE E AMAZÔNIA. O TEXTO QUE SEGUE DÁ CONTA DO QUE PERDEMOS DE FLORESTA - UM REINO UNIDO! - E PODIA INFORMAR TAMBÉM QUANTO REAIS/DÓLARES FORAM REPASSADOS ÀS GRANDES EMPRESAS, EM LUGAR DE APLICÁ-LOS EM MELHOR ALIMENTAÇÃO E ÁGUA, MELHORES SALÁRIOS, MELHOR SAÚDE, EDUCAÇÃO, SANEAMENTO, ESPAÇOS DE LAZER...

ClimaInfo, 21 de novembro de 2018

BRASIL PERDEU UM REINO UNIDO DE FLORESTAS PARA AS LINHAS DE TRANSMISSÃO DA AMAZÔNIA

Uma conta quase nunca feita, e muito menos divulgada, mostra que a área ocupada pelas linhas de transmissão que cortam a Amazônia é simplesmente o dobro da área inundada por todas as hidrelétricas da região. 

Nos últimos tempos, as hidrelétricas construídas são do tipo fio d’água, sem grandes reservatórios, para reduzir o tamanho do impacto ambiental. 

Já as linhas de transmissão só dependem da capacidade máxima de geração das usinas e não de quanta energia é efetivamente transmitida. 

Belo Monte gera menos da metade do que suas turbinas poderiam gerar porque não tem água suficiente durante todo o ano. Mas a linha de transmissão de Belo Monte é dimensionada para o pico de geração da usina. 

O desmatamento para construir as linhas acaba sendo grande, bem grande. São quase 40 mil km de linhas de transmissão cruzando a Amazônia.

O trabalho publicado na Nature mostra as linhas existentes para as quais estima uma área de impacto direto (corte da floresta para a instalação das torres e a passagem dos cabos), e uma de impacto indireto, (área relativa às rodovias na região). Enquanto os reservatórios de todas as hidrelétricas da região inundam mais de 12.000 km2, a área direta das linhas de transmissão chega a quase 24.000 km2, a qual, somada à área impactada indiretamente, chega ao valor astronômico de quase 250.000 km2

O país perdeu um Reino Unido de florestas para passar os fios elétricos.
 
https://doi.org/10.1016/j.biocon.2018.10.027

MAIS QUE MÉDICOS, HERÓIS DA MAIS ALTRUISTA DAS MISSÕES: SALVAR VIDAS HUMANAS

VALE PERCEBER O ÓBVIO: A DISTÂNCIA QUASE INFINITA ENTRE AS MENTIRAS E ÓDIO IDEOLÓGICO DE BOLSONARO E A HUMANIDADE DO PRESIDENTE DE CUBA.

QUE VIVAM OS QUE LUTAM PELA VIDA! E QUE O ÓDIO SEJA DERROTADO.
 


47 - O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, exaltou os médicos cubanos na noite desta terça-feira 20, e destacou que os profissionais serão muito bem recebidos na ilha, após retornarem de sua missão no Brasil, pelo programa Mais Médicos.
Cerca de 8.500 médicos deixarão o território brasileiro até 25 de dezembro depois de o presidente eleito, Jair Bolsonaro, questionar a formação dos profissionais e a forma de contratação da equipe ao programa criado em 2013 pelo governo Dilma Rousseff e ainda disseminar mentiras sobre o caso.

"Mais que médicos, heróis da mais altruísta das missões: salvar vidas humanas. Cuba os receberá orgulhosa de sua dignidade e de sua obra", postou o presidente da ilha em sua conta oficial no Twitter. Ele escreveu ainda que o "Mais Médicos mudou a história do Brasil e mostrou ao mundo, outra vez, o valor da medicina cubana. #SomosCuba #MasQueMedicos".

Bolsonaro continuou a disseminar mentiras ou distorções sobre a contratação dos cubanos no Mais Médicos mesmo depois das eleições. Ainda antes de tomar posse, anunciou exigências ao governo cubano, que deixou o programa.

Díaz-Canel foi eleito presidente de Cuba em abril deste ano, em substituição a Raúl Castro, que deixou o cargo depois de cumprir dois mandatos.

https://www.brasil247.com/pt/247/mundo/375609/Presidente-de-Cuba-exalta-seus-m%C3%A9dicos-her%C3%B3is.htm?utm_source=Brasil+247&utm_campaign=71b30bc3cb-EMAIL_CAMPAIGN_2018_11_21_08_44_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_d138bc98c5-71b30bc3cb-26734333 

NOVO MAPA MOSTRA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL DA TERRA DE 1992 A 2015

OLHEM O MAPA DA AMÉRICA DO SUL, NO FINAL DO ARTIGO, E VEJAM COMO ESTÁ CONFIRMADO O QUE SE TEM DITO DO DESMATAMENTO RADICAL DO CERRADO E DO "ARCO DO DESMATAMENTO" DA AMAZÔNIA. O BRASIL CONTRIBUI COM A TRAGÉDIA AMBIENTAL E HUMANA, SIM!

QUANDO A HUMANIDADE - E DE MODO ESPECIAL AS ELITES - ACORDARÃO? OU PREFERIRÃO, DE FATO, CRIAR UM "MUNDO NÃO HUMANO" - UM MUNDO SÓ PARA POUCOS?

IHU, 21 de novembro de 2018

Degradação Ambiental – Ao comparar 24 anos de imagens de satélite, o mapa ajuda a iluminar desastres como o encolhimento do Mar de Aral e o que motiva os “refugiados do clima” a fugir.
Monitorar as mudanças globais na cobertura da terra é importante devido às preocupações sobre seu impacto no meio ambiente e no clima.

A informação é de Michael Miller, publicada por University of Cincinnati, e reproduzida por EcoDebate, 20-11-2018. A tradução e edição são de Henrique Cortez.

Um novo mapa da Universidade de Cincinnati ilustra uma força motivadora por trás das caravanas de migrantes que deixam a Guatemala e Honduras para chegar aos Estados Unidos.

O professor de geografia da UC Tomasz Stepinski criou o novo mapa mundial mostrando mudanças dramáticas no uso da terra ao longo do último quarto de século.

Stepinski, professor da Faculdade McMicken de Artes e Ciências da Universidade da Califórnia, transformou imagens de satélite de alta resolução da Agência Espacial Européia em um dos aspectos mais detalhados até agora sobre como as pessoas estão reformulando o planeta.

“Neste exato momento, há caravanas de pessoas caminhando para os Estados Unidos. Muitas delas vêm da Guatemala”, disse Stepinski.

Agências de notícias como o The Guardian chamaram alguns dos migrantes da América Central de “refugiados da mudança climática”, já que muitos estão fugindo de anos sucessivos de quebra de safra. Mas Stepinski disse que a mudança climática conta apenas parte da história. Seu mapa mostra como a Guatemala tem sofrido um desmatamento generalizado.

“E eles perderam a floresta porque as pessoas usam madeira como combustível”, disse Stepinski. “É uma parte da crise dos refugiados”.

O projeto foi publicado no International Journal of Applied Earth Observation e Geoinformation.

O mapa digital ilustra como 22 por cento da superfície habitável da Terra foi alterada de forma mensurável, principalmente da floresta para a agricultura, entre 1992 e 2015.

“É muito informativo. Não há nada como isso”, disse Stepinski. “Há mapas de perda de floresta, mas nenhum mapa mostra tudo.”

O mapa conta uma nova história onde quer que você olhe, desde as perdas de terras úmidas no sudeste dos Estados Unidos até a devastação do Mar de Aral até o desmatamento nos trópicos e florestas tropicais temperadas.

“Claro, isso aumenta os alarmes. Mas eles não são novos”, disse Stepinski. “Nós já sabíamos sobre o desmatamento ou a perda de terras úmidas ou o aumento da urbanização. Mas agora podemos ver exatamente onde tudo isso está acontecendo”, disse ele.

A Agência Espacial Européia, em 1992, começou a capturar imagens de satélite da Terra para estudar as mudanças climáticas, disse Stepinski. A cobertura da superfície pode influenciar drasticamente a temperatura, dependendo de absorver ou refletir a luz do sol. Da mesma forma, a cobertura florestal absorve mais dióxido de carbono do que os centros comerciais.

“A grande conquista da Agência Espacial Européia era garantir que as imagens de satélite fossem compatíveis de ano para ano, para que você pudesse compará-las”, disse Stepinski.
Stepinski disse que o mapa mostra como recursos naturais finitos estão sendo explorados em escala global.

“O que torna isso tão deprimente é que ele está examinando uma escala de tempo mais curta do que a nossa vida”, disse Stepinski.

Um dos exemplos mais óbvios de mudança no uso da terra é encontrado em torno das cidades, disse o principal autor do estudo e ex-colega de pós-doutorado em UC, Jakub Nowosad.

“O impacto direto das ações humanas é refletido nos padrões de urbanização. Por exemplo, você pode ver a suburbanização e a densificação de cidades na América do Norte e na Europa”, disse Nowosad, agora professor assistente na Universidade Adam Mickiewicz na Polônia.

O pesquisador de geografia da UC, Pawel Netzel, também contribuiu para o projeto.
Nowosad disse que o oeste da China tem visto uma vasta urbanização, enquanto o desenvolvimento mais óbvio da Índia foi em suas cidades menores.

“Espero que este mapa torne as pessoas mais conscientes do impacto humano em nosso planeta”, disse Nowosad. “Como sociedade, precisamos estar mais bem informados sobre a escala das mudanças que fazemos na Terra e, em minha opinião, essa consciência pode influenciar futuras mudanças nas políticas ambientais.”

Nowosad disse que seu mapa não faz inferências sobre o que os próximos 24 anos podem trazer. Mas os dados demográficos sugerem que a nossa pegada só ficará maior.

“A população humana ainda está aumentando, criando mais demanda por terra e recursos naturais”, disse Nowosad. “Além disso, sabemos que as sociedades nos países desenvolvidos usam mais recursos; portanto, com o crescente desenvolvimento nos países mais pobres, podemos esperar que a pressão sobre a terra seja ainda maior do que o previsto apenas como efeito do crescimento populacional”.

As imagens de satélite são tão detalhadas que os geógrafos da UC podem organizá-las em redes de 300 metros quadrados chamadas de pixels. Cada pixel identificou mudanças entre 22 categorias de uso da terra, descrevendo vários tipos de terras agrícolas, florestas, zonas úmidas, pastagens ou desenvolvimento urbano. Mas os pequenos tamanhos de pixel e um grande número de variáveis tornaram a análise global praticamente impossível. Nesta encarnação, o mapa parecia uma tigela de seixos frutados.

Assim, Stepinski organizou os pixels em quadrados maiores de 9 quilômetros e reduziu o número de usos da terra para nove tipos, refletindo descrições mais amplas, como agricultura, floresta ou desenvolvimento. Ao comparar as diferenças entre os mapas de 1992 e 2015, ele usou três tons de cor para identificar a extensão da mudança de um uso da terra para outro.

Logo a história dos últimos 25 anos começou a tomar forma. O mapa mostra que o deserto do Saara no norte da África está crescendo.

“Esta é a área de transição chamada Sahel. E, se você notar, verá as perdas das pastagens por causa das mudanças climáticas – mais desertificação”, disse Stepinski.

O mapa dos Estados Unidos mostra enormes perdas de terras úmidas no sudeste, junto com a crescente urbanização fora das cidades.

O mapa ilustra o dramático desaparecimento do Mar de Aral, que secou na década de 1990, depois que agricultores do Cazaquistão e do Uzbequistão desviaram seus afluentes para campos de algodão.

“Foi um desastre total. Este foi um grande lago de água salgada alimentado por dois rios. Eles desviaram água para o algodão e o mar secou em pastagens”, disse Stepinski. “Hoje, você vê enormes barcos sentados no meio dos campos.”

Stepinski já usou mapas antes para contar histórias fascinantes semelhantes. O site de notícias Quartz em 2017 chamou seu mapa de diversidade racial nos Estados Unidos de “insanamente detalhado”. No início deste ano, ele usou dados do WorldClim para comparar climas em qualquer lugar da Terra e projetar como o clima deve mudar nos próximos 50 anos.

Seu último projeto apresentou desafios únicos.

Como muitos mapas mundiais tendem a exagerar o tamanho dos países mais distantes do equador, Stepinski traçou seus resultados usando um mapa de projeção desenvolvido em 1943 por Buckminster Fuller, que mostra o tamanho comparativo dos continentes. Mas isso exigia que a UC desenvolvesse um software especial que manteria a integridade dos dados para a tradução.

Enquanto o mapa conta a história do desenvolvimento em traços largos, os pesquisadores podem examinar qualquer parte dele detalhadamente. O mapa apresenta dados de cada pixel de 300 metros quadrados.

Uma parte do novo mapa mundial do professor de geografia UC Tomasz Stepinski mostra a mudança de paisagens na América do Norte e do Sul. Branco indica pouca ou nenhuma mudança. Tons mais escuros indicam a maior taxa de mudança em cada categoria. (Graphic / Tomasz Stepinski / UC) 

Referência:

Nowosad, J., Stepinski, T. F., Netzel, P. (2018). Global assessment and mapping of changes in mesoscale landscapes: 1992–2015. International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation, DOI: 10.1016/j.jag.2018.09.013

http://www.ihu.unisinos.br/584787-novo-mapa-descreve-a-degradacao-ambiental-em-toda-a-terra-entre-1992-e-2015 

terça-feira, 20 de novembro de 2018

CUIDADO COM O ""NEGACIONAISMO ARROGANTE" E UMA PARTE DA ESQUERDA

MAIS UM FUNDAMENTADO CONVITE À AUTOCRÍTICA DA ESQUERDA. TRATA-SE DE UMA OPÇÃO: OU A ENFRENTA, MUDA E CONSTRÓI UMA NARRATIVA QUE MOBILIZA AS BASES POPULARES, OU SE AFUNDARÁ EM HISTÓRIAS QUE CRIA PARA DIGNIFICAR A SI MESMA.

IHU, 20 de novembro de 2018


“A autocrítica cobrada da esquerda não é apenas sobre a corrupção sob governos do PT ou suas decisões econômicas equivocadas, mas – principalmente – a respeito de uma arrogância que impede que enxergue com clareza a conjuntura, que trate os resultados negativos como um erro seu, não como mérito do adversário, e que acredite na infalibilidade de suas crenças”, escreve Leonardo Sakamoto, jornalista e cientista político, no seu blog e reproduzido por Alai, 19-11-2018.

“Há um longo deserto diante da esquerda – conclui o jornalista. Cabe a ela decidir se vai enxergar isso e dedicar-se ao trabalho de reconstruir, junto às bases populares, uma narrativa que empolgue, mobilize e dê sentido. Ou se vai continuar acreditando nas histórias que parte dela cria para dignificar a si mesma”.

Eis o artigo.

Parte da esquerda brasileira alimenta-se de um negacionismo preocupante e arrogante. No início de 2016, quando escrevemos sobre a possibilidade real de Jair Bolsonaro se tornar presidente dada a conjuntura, muitos disseram que ele não sairia nem candidato e que, portanto, analisar como ele construía uma base social era desnecessário.

Em 2017, quando pesquisadores alertavam sobre o poder de fogo do exército digital que ele havia conseguido criar nas redes, a resposta dos progressistas era de que isso não faria diferença diante de tempo de TV dos partidos nanicos que lhe dariam guarida. Aliás, o aviso sobre o impacto de empresas comprarem impulsionamentos em redes sociais e disparos em WhatsApp, em um novo tipo de caixa 2, já havia sido dado nas eleições municipais e a resposta era de que isso era bobagem.
No início do primeiro semestre de 2018, diante do avanço do capitão nas pesquisas e a perspectiva concreta de prisão de Lula, a resposta era sempre que o ex-presidente ganharia dele no primeiro turno ou elegeria qualquer um que o representasse. No segundo semestre, mesmo com o impacto da fatídica facada, havia dente graúda no PT torcendo para ter Bolsonaro no segundo turno, afirmando que haveria uma onda na sociedade contra ele.

Agora, com o deputado federal eleito presidente, não são poucos os analistas e militantes à esquerda que cravam que seu governo não dura um ano, implodindo por seus próprios erros ou sua incompetência e sendo, posteriormente, fagocitado pelos militares.

Não há variáveis explicativas decentes, por enquanto, para sustentar essa hipótese, mas ela segue existindo mesmo assim. A ideia de pós-verdade, quando a emoção ao transmitir um fato é mais importante para gerar credibilidade em torno dele do que provas de sua veracidade em si, nunca pareceu tão pertinente.

Quem vai acabar implodindo com seus próprios erros é parte de uma esquerda que nega qualquer prognóstico que não se encaixe em uma perspectiva em que ela mesma saia vencedora.

A autocrítica cobrada dela não é apenas sobre a corrupção sob governos do PT ou suas decisões econômicas equivocadas, mas – principalmente – a respeito de uma arrogância que impede que enxergue com clareza a conjuntura, que trate os resultados negativos como um erro seu, não como mérito do adversário, e que acredite na infalibilidade de suas crenças.

Parte da esquerda desejava retomar o poder cavalgando o discurso do retorno à bonança da década passada mesmo que o cenário econômico não conte com a abundância do ciclo das commodities e não permite mais a conciliação lulista entre capital e trabalho.

O mesmo grupo tem integrantes que não abandonam o discurso do desenvolvimento a qualquer preço – que levou a aberrações como Belo Monte, obra envolvida em desmatamento ilegal, violência contra populações indígenas e ribeirinhas, trabalho escravo e tráfico de pessoas e, claro, corrupção.

Não entende muito bem quem é o novo eleitor de classe média baixa que quer representar, que toma Lula como exemplo não pela política, mas por ter vencido na vida.

Segue prepotente, acreditando que entende como funciona a dinâmica de manifestações sociais, culpando a mídia por todos os seus problemas, mesmo quando eles próprios contribuíram por colocar mais combustível onde já pegava fogo.

E em nome da governabilidade, palavra pichada com sangue e fezes no muro do inferno, manteve alianças com semoventes impronunciáveis.

O autoengano, tal qual o ódio e a ignorância, é um lugar quentinho. Um refúgio diante da realidade fria e desoladora. Através do autoengano, deixamos de assumir muitas de nossas ignorâncias e responsabilidades e jogamos a culpa no desconhecido, no oculto, no sobrenatural, no estrangeiro, na orquestração que nos transforma em vítimas do mundo.

Há um longo deserto diante da esquerda. Cabe a ela decidir se vai enxergar isso e dedicar-se ao trabalho de reconstruir, junto às bases populares, uma narrativa que empolgue, mobilize e dê sentido. Ou se vai continuar acreditando nas histórias que parte dela cria para dignificar a si mesma.

http://www.ihu.unisinos.br/584775-parte-da-esquerda-brasileira-alimenta-se-de-negacionismo-arrogante 

POR QUE "A CLASSE MÉDIA FOI INCAPAZ E BURRA NESSAS ELEIÇÕES?"

ESTÁ AQUI UM BOM DEBATE, UM CONVITE À AUTOCRÍTICA DA "MASSA DA CLASSE MÉDIA". PARA ISSO, A UTILIDADE DE COLOCAR-SE CONSCIENTEMENTE FRENTE AO ESPELHO: PARA VER O PENSAMOS SER, PARA TER CHANCE DE DESCOBRIR O QUE REALMENTE SOMOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA, DESCOBRIR O QUE TEMOS A VER COM A MANUTENÇÃO OU NÃO DA INJUSTIÇA, DESIGUALDADE, EXPLORAÇÃO, PRODUZIDAS PELA ELITE...

IHU, 20 de novembro de 2018

"Duas coisas salvariam o Brasil: interpretação de texto e consciência de classe". A frase é de um meme das eleições, mas funciona para resumir o pensamento do sociólogo Jessé Souza, professor titular da Universidade Federal do ABC, em seu novo livro, A Classe Média no Espelho (Estação Brasil, 2018), que chega às livrarias na próxima semana.

Na obra, Souza analisa os movimentos da classe média brasileira nos últimos anos – especialmente aquela que, segundo sua expressão, se mostrou “dócil e manipulável” ao ir às ruas contra a corrupção política e, mais tarde, engrossou as fileiras de apoio a Jair Bolsonaro. “Um tiro no pé”, descreve.

Para o sociólogo, faltou à classe média entender as causas reais da crise econômica. Por não compreender a lógica do capitalismo financeiro e erroneamente se imaginar como parte integrante da elite, a classe média abriu mão do pacto democrático para abraçar a ideia de que a corrupção do estado é a fonte de todos os males no Brasil – e não o assalto “legalizado” promovido por bancos e grandes corporações. “O vínculo orgânico entre empobrecimento e corrupção política é uma mentira. É óbvio que a corrupção política é recriminável, mas não foi ela que deixou a população mais pobre. Esta é a grande questão que ficou fora do quadro. E era o que importava nas eleições”, afirma.

Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, entre 2015 e 2016, e autor de títulos como A Ralé Brasileira (2009), A Tolice da Inteligência Brasileira (2015), A Radiografia do Golpe (2016) e A Elite do Atraso (2017), Souza vem criticando duramente a imprensa e os intelectuais alinhados à elite econômica que, a seu ver, “imbecilizaram” a sociedade. “O país inteiro foi feito de imbecil. Não há melhor palavra”, diz ele.

A entrevista é de Juliana Sayuri, publicada por The Intercept Brasil, 19-11-2018.

Eis a entrevista.

Você inicia 'A Classe Média no Espelho' com uma parábola sobre verdade e mentira. Em tempos de discussões sobre pós-verdade, fake news e agora “disputa de narrativas”, qual foi o peso da confusão entre verdade e mentira na ascensão de Bolsonaro?

A elite econômica expropria a maior parte da população em seu benefício, e isso só acontece a partir de uma mentira socialmente aceita, isto é, uma visão distorcida sobre o funcionamento da sociedade. É como dizer: o mundo é assim, ponto. A mentira legitima os interesses da opressão econômica e da dominação moral. E uma das mentiras é “querer é poder”: se você fracassa, a culpa é só sua – e não de um sistema injusto e explorador. Se você não compreende as causas de sua miséria econômica no capitalismo, você está condenado a atribuir seu fracasso pessoal a você mesmo ou, como foi feito, a políticos corruptos. Assim, uma dominação econômica de uma classe só se sustenta ao longo do tempo se é moralizada.

Obviamente, a única forma de combater a mentira social é com a prática da verdade, a arma dos frágeis. É disso que trata a parábola, e que vale para o atual contexto: as pessoas são historicamente acostumadas a ouvir a mentira, pois a verdade muitas vezes pode ser bastante incômoda.

Apesar de esforços (de parte da imprensa, intelectuais e movimentos sociais) para esclarecer fatos nas eleições, como a ideia de que o presidente eleito é antissistema e anticorrupção acabou vingando?

Desde que o Brasil é Brasil, e principalmente a partir de 2013 de modo mais insidioso e perverso, a elite econômica conseguiu consolidar, junto a seus intelectuais e sua imprensa, a ideia de que o empobrecimento da população teria sido causado apenas pela corrupção política, o que é uma mentira.

A imprensa e a Lava Jato criminalizaram a Petrobras, deixando-a pronta para vendê-la a preço de banana. O estado deixou de ganhar royalties, o pessoal perdeu emprego. A Lava Jato prendeu meia dúzia e deixou invisível o saque real trilionário de uma elite proprietária e uma alta classe média, que inclusive empobrece a massa da classe média. O foco na corrupção política invisibilizou a continuidade dos juros extorsivos embutidos nos preços, da estarrecedora exploração do rentismo e da corrupção legalizada dos donos do mercado. A boca de fumo da corrupção está no Banco Central, que assalta legalizadamente a população. Mas as classes exploradas economicamente acreditaram na balela: ficamos mais pobres por conta do roubo de políticos. É óbvio que a corrupção política é recriminável, mas não foi ela que deixou a população mais pobre. Esta é a grande questão que ficou fora do quadro. E era o que importava nas eleições.

A esquerda foi singularmente incapaz e burra nessas eleições. Tanto Haddad quanto Ciro Gomes elogiaram a Lava Jato, o bode expiatório da corrupção política. Na minha visão, o país inteiro foi feito de imbecil, não há melhor palavra. Poderia dizer “falsa consciência” e agir contra os próprios interesses, mas, na linguagem do senso comum, isso é simplesmente ser “imbecil”. Dentro da própria esquerda, ninguém problematizou o rentismo, ninguém questionou: nós todos pagamos juros que vão para o bolso de quem? Esse assalto econômico não é visto como corrupção, como o engano de meia dúzia sobre 200 milhões de brasileiros. O principal dispositivo do poder é se tornar invisível. E o poder econômico é ainda mais invisível.

Qual é a sua definição de classe média?

Classe social não é definida pela renda. Renda é um resultado, considerando a vida adulta. Mas é preciso pensar que diabo acontece na infância e na adolescência de alguém, que faz com que um ganhe mil vezes mais do que o outro? Esta é a questão, que implica a reprodução de privilégios, positivos e negativos. O privilégio da elite econômica é econômico, a propriedade.

O privilégio da classe média, que corresponde a 20% da população brasileira, é principalmente o acesso a capital cultural, isto é, conhecimento, cursos de línguas, universidades etc. Isso explica, por exemplo, a raiva de parte da classe média ao ver pobre entrando na universidade, que era seu “bunker” que garantiria salários melhores, mas também reconhecimento e prestígio.

Você diferencia “alta” (equivalente aos segmentos superiores da classe A) e “massa” da classe média (as chamadas classes A e B). Seguindo esse paralelo, onde estaria a dita classe C?

[A classe C] foi uma bobagem da propaganda do PT. No Brasil, temos quatro grandes classes: uma ínfima elite econômica proprietária, uma classe média de 20%, uma classe trabalhadora majoritariamente precária e uma classe marginalizada que está fora do mercado competitivo. O PT ajudou os marginalizados subirem à classe dos trabalhadores, o que é histórico e extremamente importante. Por miopia política, isso foi interpretado por marketing malfeito como “chegar à classe média”, o que também é uma mentira. E é preciso saber a verdade: seria preciso montar um projeto político de longo prazo e dizer “um dia” vamos chegar a uma sociedade de classe média real. Dizer que renda média é classe média é uma idiotice. Renda média de um país pobre equivale à renda da classe trabalhadora, que é precária.

Se há uma vocação vira-lata da alta classe média, “que considera melhor tudo o que vem de fora”, segundo sua expressão no livro, os alertas de diversos veículos da imprensa internacional, como The Economist, The New York Times e Le Monde, não deveriam ter pesado nas eleições?

Classe não é definida por critérios econômicos. As pessoas procuram se distinguir umas das outras – e se sentir melhores do que as outras. A classe média é moderna, nasce com o capitalismo e começa a ficar realmente importante com o capitalismo industrial. E se cria uma alta classe média, que representa interesses da elite: o CEO de um banco, por exemplo, não é um banqueiro. O primeiro é alta classe média, o segundo é elite.

Mas o CEO tem a ilusão de se considerar parte da elite e, portanto, defende interesses de seus patrões. E assim molda uma distinção diante das outras classes, a partir do alto consumo de bens importados, por exemplo. Ele quer se sentir um pouco europeu, um pouco americano, dentro de seu próprio país. Só que a alta classe média é muito conservadora e faz qualquer negócio para manter seus privilégios. Ela não tem sensibilidade em relação ao restante da sociedade, portando-se como uma elite estranha ao próprio país.

Há ainda divisões dentro da alta classe média: uma fração da indústria mais “democrática”, digamos, que depende e se importa com um mercado interno pujante; e uma fração predominante do agronegócio e mercado financeiro, voltada para o mercado externo, que fica rica independentemente se o país vai bem ou vai mal. Temos, afinal, uma elite de herança escravocrata que pensa a curto prazo: quero o meu agora, não me importa projeto de futuro. Isso amesquinha o país como um todo.
Se antes o escravo era submetido a trabalho desqualificado, agora a maior parte da população brasileira faz trabalho semiqualificado ou desqualificado. E é excluída das benesses do mundo moderno. O que antes era ódio ao escravo, agora é ódio ao pobre. E parte da classe média tem muito medo de descer à condição de pobre. Afinal, classe não é só um cálculo econômico, mas um cálculo moral de distinção social.

No livro, você projetou que muitos se voltariam “ao voto de protesto desesperado e irracional” de apoio a Bolsonaro. Passadas as eleições, pensa a vitória como “voto de protesto”? Ou de uma busca genuína por mudança?

O que está acontecendo hoje faz parte de um processo de luta de classes. Um processo que se estende desde 1930. O que foi que a elite fez? A elite montou, a partir da imprensa e das universidades, o domínio simbólico, moldando a visão de mundo da classe média. Agora, para a alta classe média, esse discurso é racional e pautado pelo interesse econômico: estou ganhando mais. Mas, para a massa da classe média, é irracional: para pensar que está ganhando algo, uma recompensa moral, a massa da classe média protestou e se portou como “ah, sou moralmente superior do que as classes populares, estou escandalizada porque me incomoda e combato a corrupção política”. Foi explorada.

Mas a ideia de que o empobrecimento ou o risco de empobrecimento estaria ligado organicamente à corrupção…

Corrupção política. Desculpe interromper, mas veja que, sem querer, você equalizou corrupção e corrupção política.

Sim, corrupção política. Você diria que a construção desse discurso escapou ao controle de quem o construiu – parte da imprensa, como indica no livro? Se a população brasileira fosse tão “manipulável” por uma imprensa a favor de interesses da elite econômica, como compreender críticas tresloucadas que atribuem à Folha de S.Paulo a alcunha Foice, de referência comunista, e o bordão “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” capturado por militantes de direita a partir de 2013?

Quando se começa uma coisa, só se sabe como ela começa, mas não sabe como termina. Nossa imprensa é venal, desde o início comprada pelo mercado. Nunca tivemos uma rede pública [de comunicação] como existe na Europa – e às vezes alguns até confundem TV pública com TV estatal. Nunca tivemos uma imprensa confrontando o poder de forma plural.

A imprensa atacou o governo, pois a presidenta, um pouco estabanadamente, atacou o juro, o lucro dessa elite, a partir de 2012. Isso foi usado contra o governo eleito e que era tudo menos corrupto – a presidenta não roubou um lápis que seja. Mas o ataque midiático se voltou a todos os consensos morais de uma democracia. Não é a letra legal de uma Constituição que dá sangue à democracia, mas os consensos morais: não se pode expurgar a presunção de inocência, banalizar vazamentos ilegais, banalizar desrespeito de direitos fundamentais. Isso é a base de uma democracia.

A imprensa ajudou a fazer terra arrasada disso e, depois, veio a eleição de Bolsonaro como uma espécie de vingança das classes médias e parte das classes populares contra esse estado retratado como corrupto. Se você ataca a democracia como um todo, obviamente você ataca a liberdade de expressão. Tecnicamente, a imprensa toda foi muito burra. Entenda-se: burrice é pensar a curto prazo, seja para o bem seja para o mal; inteligência é pensar a longo prazo, seja para o bem seja para o mal. Ela pisoteou a democracia, e agora vai ter uma vida muito difícil. Parte da imprensa e setores da alta classe média deram um tiro no pé. Se isso terminará num banho de sangue, numa tribalização da sociedade ou numa tomada de consciência, ninguém sabe dizer. Mas que será problemático, será.

Nos últimos tempos, o caráter fascista ou não das ideias representadas por Bolsonaro foi muito discutido. Você teme que a expressão “fascismo” se desgaste tal qual “populismo”, que a palavra se torne um coringa para desqualificar adversários?

Não. O principal mecanismo do fascismo é a desumanização, o não reconhecimento do outro. Na minha opinião, obviamente há elementos fascistas nas ideias do presidente eleito: apologia da tortura, assassinato de adversário político etc. Historicamente foi assim que o fascismo se expandiu no entre-guerras: pega a raiva e o ressentimento da classe média e do povo e joga num bode expiatório socialmente aceitável. Logo, estamos num contexto de neofascismo, junto a uma dominação do capitalismo financeiro: na economia, invisibiliza, deixa opacos elementos econômicos; na política, provoca desmobilização popular.

Nos Estados Unidos de Donald Trump e no Brasil de Bolsonaro, o capitalismo financeiro quebra e destrói relações sociais e vida associativa, provocando desorientação e isolamento do indivíduo. E, novamente, é dito a ele que o fracasso é culpa dele – e não de um sistema injusto. É uma estrutura fascista, sim, de novo tipo. Que está se internacionalizando e que vive do mesmo tipo de desrespeito e desumanização que fazia o fascismo anterior. Que quer dizer que o outro, por pensar diferente, merece morrer. E a classe média, que sempre odiou o pobre, agora está se sentindo mais à vontade para expressar, explicitar esse ódio. No fim, o ódio é exatamente o que o fascismo produz.
Você usou muito a palavra “golpe” para tratar do impeachment de Dilma Rousseff. Pensa que a palavra foi desgastada?

Não. Foi um golpe de novo tipo, articulado por uma situação econômica. O dado econômico é incrível, porque é sempre o mais invisível. A causa de tudo foi a tentativa de se apropriar do orçamento público e do mercado interno via juros. Foi um golpe parlamentar, mas qual é a independência que esse parlamento tem? Um parlamento de baixíssimo nível, eleito com dinheiro de bancos e grandes corporações. No ano anterior [ao impeachment], a presidenta tinha feito um enorme esforço para diminuir os juros e usado os bancos públicos para isso. De uma hora para outra, empresas deixaram de investir, e a imprensa inteira passou a atacá-la.

Mas, veja, a elite se apropria do que é público mediante parcerias público-privadas – um exemplo, como as estradas. Entretanto, foi ensinada a imbecilidade de que o Brasil é corrupto por causa da herança de Portugal, uma mentira legitimada com prestígio científico nas universidades. Um povo ladrão por conta da herança portuguesa e, agora, ladrão dentro do estado. Sendo que o estado é a esfera que se pode contrapor a um mercado desregulado.

Dias antes do segundo turno, universidades se tornaram alvo de diversas ações de fiscalização – e justamente faixas contra o fascismo foram censuradas. Dias depois do segundo turno, investidas do Escola Sem Partido avançaram com a convocatória de denúncias contra docentes “doutrinadores”. Ainda há pensamento crítico e resistência nesses espaços?

Como você mantém uma população inteira precarizada? Você pega a escola, um elemento de classificação e acesso a conhecimento que está relegado à classe média. O privilégio positivo específico da classe média é este: estímulo para estudo, domínio de línguas, capacidade de concentração. Você chega aos cinco anos na escola particular como um vencedor, pois é aparelhado psicológica e moralmente: espera bons salários e prestígio. O pobre já é tratado como um perdedor, num abandono secular e cumulativo. Depois, você vê a classe média culpando a classe pobre, dizendo que ela é preguiçosa e indolente – e que o mérito do seu sucesso é só seu. Assim, a sociedade brasileira sacramentou dois caminhos: um, da felicidade; outro, do fracasso.

Agora, quais são os dois pilares do desenvolvimento de um país? Indústria e educação. Só que a educação está toda montada dentro de um contexto elitista. É Paulo Freire, pensamento crítico e educação libertadora para a classe média; e trevas para a classe trabalhadora. É loucura dizer que essa estrutura de educação classista é de esquerda. E apenas tende a transformar e sacralizar esse caminho perverso que monta a opressão de classes entre nós: duas educações, duas classes, dois tipos de indivíduo.

Você declarou, certa vez, que o “que provoca efetiva dor de cotovelo nos meus detratores é o fato de ter conseguido, com muito esforço, expor questões complexas de modo simples e compreensível para a maioria das pessoas”. No seu novo livro, a atenção à acessibilidade da linguagem também está presente. Para quem você escreve?

Não quero falar para seis pessoas. Nisso está embutida uma crítica ao próprio saber acadêmico. Passei minha vida juntando capital acadêmico, acumulando trabalho. Penso que estou usando um capital acadêmico de vanguarda com uma linguagem acessível. Nenhum povo pode ser senhor do seu próprio destino sem conhecimento. E conhecimento deve ser compreensível.
Tenho tentado fazer um esforço enorme de dizer coisas complexas que, com boa vontade e interesse, qualquer pessoa possa compreender. Não é por falta de conhecimento prévio e formação acadêmica que a pessoa não vai entender o livro. É por falta de coragem. A gente não nasce sabendo, é preciso aprender: aprender é um ato de coragem. A ciência pode ser libertadora; o conhecimento, empoderador. Imagina se o povo brasileiro compreende que está sendo enganado? No campo da linguagem, destacaram-se autores de direita como Olavo de Carvalho, tido inclusive como intelectual vencedor dessa eleição. Como ele conseguiu arregimentar tantos adeptos?

A sociedade brasileira está em uma esquina em que uma série de aprendizados são necessários. Algumas pessoas estão começando a compreender o tamanho da fera que está a um metro de nós. Algumas pessoas que estavam muito acomodadas no seu mundinho. E, agora, ou a gente reformula esse comportamento, ou nós todos, como país, vamos perder. Esta questão está muito presente agora. Principalmente entre a esquerda colonizada por uma linguagem que só beneficiou a direita.

Você chegou a ser chamado de ‘Olavo de Carvalho da esquerda’. O que pensa da comparação?

A Elite do atraso teve muita repercussão, muito além do que eu imaginava. Retornos de pessoas simples, o público que eu gostaria de atingir, me comoveram muito. A escola de samba Paraíso do Tuituti usou elementos; o presidente Lula leu o livro na prisão. Efetivamente, penso que pude fazer, pela primeira vez, uma interpretação crítica da sociedade brasileira de fio a pavio. Sei que é ambicioso dizer isso, e fico à disposição para quem queira contrapor meus argumentos. [O que propus no livro] compromete toda uma tradição de pensamento, de direita e de esquerda. O núcleo dessa tradição, esse liberalismo chique, aceita a ideia de corrupção política. O que fiz foi articular uma visão crítica, com encadeamento explícito dessas ideias. O novo livro A classe média no espelho é uma continuidade. Trago uma visão mais sofisticada e crítica do que a tradição intelectual brasileira. Estudei todas as classes anos a fio, dediquei uma vida inteira a isso. Logo, interpreto esse tipo de interpelação como inveja.

Por fim, professor, o livro propõe posicionar a classe média brasileira diante do espelho e revelar suas concepções do mundo. Enquanto integrante da classe média, como você afirma no livro, como você se vê diante do espelho?

No fundo, minha atividade é intelectual. E o intelectual, para criticar e inclusive para se autocriticar, precisa conhecer. Eu também tinha esse academicismo antes. Achava que meu público se limitava a uma dezena de pessoas que poderia compreender o que eu estava dizendo, como se “só eu e mais alguns aqui eleitos entendemos como o mundo funciona”. É isso, afinal, que as classes procuram: se distinguir uns dos outros. Isso move o ser humano tanto quanto dinheiro.

Embora eu tenha vindo de estratos mais baixos da classe média, como professor universitário pertenço à massa da classe média. E me questionei: numa sociedade perversa como a nossa, que peso a massa da classe média tem sobre a pobreza dos pobres?

Foi uma epifania quando compreendi que alguns, pensando que estavam à esquerda, estavam montando de uma forma ideológica o poder de meia dúzia de proprietários. Você cria uma distância em relação a você mesmo, uma autocompreensão. A partir da crítica da minha própria posição e dos pressupostos que ela envolve legitimando uma lógica, tentei a começar uma autocrítica e uma crítica da própria sociedade que tinha me marcado essa visão de mundo.

http://www.ihu.unisinos.br/584753-a-esquerda-foi-singularmente-incapaz-e-burra-nessas-eleicoes-entrevista-com-jesse-souza