quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

MUDANÇAS CLIMÁTICAS: "ESTAMOSEM NUMA SITAÇÃO DE EMERGÊNCIA PLANETÁRIA"

IHU - 28 de fevereiro de 2019

Mudanças Climáticas – Pesquisadores refletem sobre dez anos de pesquisa e discutem estratégias para avançar no conhecimento e no convencimento da sociedade sobre as ameaças do aquecimento global

A reportagem é de Herton Escobar, publicada por Jornal da USP, e reproduzida por EcoDebate, 27-02-2019.

O recado da ciência é claro e já vem sendo dado há algum tempo: o aquecimento global é um problema real, causado pelo homem, com consequências climáticas gravíssimas, e que precisa ser atacado com urgência por todos os países, pelo bem da humanidade.

Mas nunca é demais repetir, o que muitos parecem não querer ouvir: “Estamos numa situação de emergência planetária, ponto”, diz o especialista Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e co-coordenador do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, que recentemente completou dez anos e agora busca renovar sua agenda de pesquisa para a próxima década.

Criado em agosto de 2008, o programa multiplicou por cinco os investimentos da Fapesp em pesquisas sobre mudanças climáticas, de uma média de aproximadamente R$ 4 milhões por ano até 2007, para mais de R$ 20 milhões anuais, desde 2008. O resultado foi um aumento igualmente expressivo da produção científica paulista sobre o tema, de aproximadamente 15 artigos publicados por ano em 2007 para 280 artigos, em 2018 (Figuras 1 e 2); grande parte deles feita em parceria com pesquisadores de outros Estados e países.

“Uma característica dessa área é que ela envolve muita colaboração”, destacou o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, em entrevista ao Jornal da USP. Entre os resultados científicos de maior destaque do programa, segundo ele, estão as previsões de aumento do nível do mar no litoral paulista e a caracterização dos chamados “rios voadores” da Amazônia, que levam umidade da floresta para outras regiões do Brasil.

Figura 1: Valores contratados pela Fapesp para pesquisas sobre mudanças climáticas globais. (Gráfico: Diretoria Científica, Fapesp)colocar aqui a legenda (Foto: nome do fotógrafo)

Figura 2: Evolução da produção científica de autores baseados em São Paulo sobre o tema das mudanças climáticas globais. Em ambos os gráficos é possível notar o aumento a partir de 2008. (Gráfico: Diretoria Científica, Fapesp)

Ainda assim, mesmo após uma década de pesquisa, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas. Razão pela qual centenas de pesquisadores se reuniram na semana passada (dias 20 e 21), na sede da Fapesp, para fazer uma reflexão sobre a primeira década do programa e, em cima disso, iniciar um processo de revisão e planejamento de prioridades para os próximos dez anos.

Além da necessidade de aprofundar o conhecimento científico sobre diversos fenômenos naturais ligados às mudanças climáticas, um dos principais desafios identificados pelos pesquisadores na reunião foi a necessidade de uma melhor comunicação com a sociedade (e com seus atores econômicos e políticos) sobre os riscos e os impactos associados a essas mudanças — principalmente no que diz respeito aos impactos locais e sociais, que afetam diretamente a vida das pessoas.
“Vocês acham que alguém vai mudar seu estilo de vida por causa de urso polar?”, desafiou o médico Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e professor da Faculdade de Medicina da USP. Segundo ele, a ciência precisa inovar na forma de se comunicar com a sociedade sobre o tema das mudanças climáticas, apostando em narrativas que combinem desafios globais com benefícios locais e individuais. Por exemplo, destacando os efeitos da poluição urbana sobre a saúde pública. “As pessoas mudam de comportamento mais quando vão para a UTI do que para a igreja”, disse. “Temos que fazer a mensagem chegar no cidadão, se não vamos continuar sempre pregando para convertidos.”


Acima, as zonas noroeste (em verde) e sudeste (azul) de Santos serão as mais afetadas pela elevação do nível do mar, segundo pesquisa publicada em 2018. (Fotos: Reprodução Google Earth / Projeto Metrópole via revista Pesquisa Fapesp)

Simulações de inundação por elevação do nível do mar em Santos (Fotos: Reprodução Google Earth / Projeto Metrópole via revista Pesquisa Fapesp)

“Precisamos de excelência na ciência e também na comunicação com a sociedade, que sofre os impactos desse fenômeno”, disse Brito Cruz, segundo a Agência Fapesp. “Não é questão de opinião, é uma questão comprovada por pesquisa, medição, teste e verificação há muitos anos por cientistas em todo o mundo. O que eu percebo é que nós, brasileiros, mas também cientistas americanos, franceses e ingleses, não estamos conquistando os corações e mentes.”

Fator humano

Pesquisadores de diversas áreas, da biologia marinha à agricultura, exaltaram a necessidade de uma maior interação com as ciências sociais, no sentido de olhar não somente para a atmosfera, para os oceanos e as florestas, mas também para os seres humanos, e para a maneira como eles interagem com esses sistemas naturais — uma interação que muitas vezes passa despercebida, pelo fato da maior parte das pessoas viver hoje nas cidades.

José Antonio Puppim de Oliveira, professor da Fundação Getúlio Vargas, especialista em economia política do desenvolvimento sustentável, destacou que mais de 70% das emissões de carbono no mundo estão ligadas a atividades de produção e consumo nas cidades. O Estado de São Paulo, por exemplo, é o maior consumidor de madeira tropical do mundo, o que acaba contribuindo para o desmatamento da Amazônia e para as emissões de carbono resultantes desse desmatamento.

O enfrentamento do aquecimento global, portanto, passa obrigatoriamente por uma série de mudanças nos padrões de comportamento social, econômico e político, que equivalem a uma “revolução copernicana no funcionamento do mundo”, disse a pesquisadora Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política e diretora do Centro de Estudos da Metrópole da USP. Mudanças estas que, segundo ela, costumam ocorrer num ritmo muito mais lento do que o necessário para responder ao desafio imediato das mudanças climáticas. “A literatura mostra que apenas em situações de guerra há mudanças estruturais de comportamento capazes de gerar respostas rápidas”, disse. A situação é agravada aqui pelo fato de que “a maior parte das cidades brasileiras ainda está no século 19”, destacou Marta, mostrando mapas do atraso nacional na universalização de serviços básicos, como coleta de esgoto e tratamento de água.


Torre Atto ajuda nos estudos sobre mudanças climáticas na Amazônia. Vários estudos feitos na torre são financiados pela Fapesp. (Foto: Divulgação / Ascom Inpa)

No ambiente rural também é preciso trabalhar com novas narrativas e novas abordagens de pesquisa, disse o pesquisador Giampaolo Pellegrino, coordenador do Portfólio de Pesquisa em Mudanças Climáticas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Segundo ele, é importante que as pesquisas busquem não apenas identificar novos problemas, mas também apresentar soluções para os problemas que já são conhecidos e que impactam diretamente a vida do produtor rural.

“O que comove o agricultor não é baixar emissões de carbono, é se manter na atividade; é produzir”, disse Pellegrino, criticando o uso de narrativas que simplesmente jogam a culpa pelo aquecimento global na agricultura. Do ponto de vista técnico, ele cobrou o desenvolvimento de modelos climáticos mais customizados ao cenário brasileiro. “Somos muito prejudicados pelos modelos globais do IPCC que não refletem a realidade nacional”, disse, referindo-se ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas — colegiado internacional de cientistas que estuda o tema, vinculado às Nações Unidas.

Modelagem

A necessidade de melhorar a capacidade de modelagem nacional foi um dos tópicos prementes da reunião, que certamente aparecerá na lista de prioridades do programa para os próximos anos. “A ciência das mudanças climáticas está cada vez mais baseada em modelos”, disse o pesquisador Marcos Heil Costa, coordenador do Grupo de Pesquisa em Interação Atmosfera-Biosfera da Universidade Federal de Viçosa (UFV). “Hoje em dia tudo é modelagem”, afirmou. O termo refere-se ao uso de computadores para simular sistemas complexos e, dessa forma, fazer diagnósticos e previsões sobre o comportamento do clima e outras variáveis.

Costa também enfatizou a necessidade da busca de soluções. “A gente já sabe que o cenário é catastrófico”, disse. O desafio maior agora, segundo ele, é encontrar maneiras de evitar que essas mudanças catastróficas aconteçam, ou pelo menos se adaptar a elas. “Como desviar dessa bala? A gente ainda não tem essa resposta.”


Gases de combustão lançados por chaminés (Foto: Pixabay)

O físico José Goldemberg destacou a necessidade de zelar pela sustentabilidade da matriz energética brasileira, que teve sua reputação parcialmente manchada nos últimos anos pela “má gestão dos reservatórios” das hidrelétricas — forçando, por consequência, o acionamento de usinas termelétricas, movidas a combustíveis fósseis, com alta emissão de carbono. Algumas hidrelétricas recentes foram feitas de forma “desastrosa”, segundo ele, incluindo a de Belo Monte, na Amazônia. Para Goldemberg, o aumento da população e da demanda por energia elétrica representa uma encruzilhada para o País: ou melhora-se o planejamento e o gerenciamento das hidrelétricas (energia limpa), ou aumenta-se o uso de termelétricas (energia suja). “É um problema científico”, disse.

Os biocombustíveis também não poderiam ficar fora do cardápio. Um estudo publicado no ano passado estimou que o etanol de cana-de-açúcar brasileiro tem potencial para substituir cerca de 14% do petróleo consumido no mundo atualmente, sem competir por terras com a produção de alimentos ou a conservação ambiental. “Os biocombustíveis têm de ser considerados seriamente para uma transição rápida (da matriz energética)”, disse a pesquisadora Glaucia Souza, professora do Instituto de Química da USP e coordenadora do Programa Fapesp de Bioenergia (Bioen).

Planejamento

Ao final das apresentações, os cientistas se reuniram em cinco grandes grupos temáticos para a produção de relatórios, com recomendações, que serão discutidas numa série de workshops ao longo dos próximos dois meses, para a concepção do novo “plano científico” do programa.

Gases de combustão lançados por Usina termoelétrica em Camaçari, Bahia.  (Foto: Gov/Ba via Wikimedia Commons)

A revisão ocorre num momento de mudanças significativas no posicionamento político do Brasil sobre o tema das mudanças climáticas, no sentido de minimizar ou até mesmo negar a gravidade do problema. Seguindo o exemplo de Donald Trump nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro criticou diversas vezes o Acordo de Paris (acordo internacional de combate ao aquecimento global) e, antes mesmo de tomar posse, retirou a oferta do Brasil de sediar a reunião deste ano da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 25). Uma atitude que repercutiu muito mal no cenário internacional, segundo Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vice-presidente do IPCC. “Foi uma sinalização muito negativa”, disse. “Agora temos que tentar melhorar nossa imagem lá fora. Não está fácil.”

Em contraponto a alguns de seus colegas de Esplanada, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, disse em entrevista ao Jornal da USP que as mudanças climáticas representam “um dos maiores desafios da humanidade” e que o Brasil não pode se dar ao luxo de ignorá-las. “Está claro para nós que esse problema vai muito além da questão ambiental”, disse o coordenador geral de Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Márcio Rojas da Cruz, que acompanhou a reunião da Fapesp. O papel da ciência nesse processo, segundo ele, “é capital”.

http://www.ihu.unisinos.br/587063-mudancas-climaticas-estamos-em-uma-situacao-de-emergencia-planetaria 

UM MÊS APÓS BRUMADINHO, ALTAMIRA PROTESTA CONTRA BELO SUN

IHU - 28 de fevereiro de 2019

É ISSO AÍ: AS MINERADORAS SÃO AMEAÇAS E MAIS AMEAÇAS À VIDA DA PESSOAS E DE TODOS OS SERES VIVOS DA MÃE TERRA. NA VERDADE, TODAS AS BARRAGENS O SÃO, SIRVAM PARA PRODUZIR ENERGIA OU PARA ARMAZENAR REJEITOS DE MINERAÇÃO. E TAMBÉM A IRRESPONSABILIDADE OPERACIONAL DAS MINERADORAS, MOVIDAS APENAS PELO DESEJO DE MAIS LUCROS ATRAVÉS DA EXTRAÇÃO DE QUANTIDADES CADA DIA MAIORES DE MINÉRIOS.

O QUE É REALMENTE NECESSÁRIO PARA A VIDA HUMANA - DEVERIA SER O CRITÉRIO CUIDADOSO E EXIGENTE PARA TODA A RELAÇÃO COM A MÃE TERRA. 

Movimentos sociais prestam solidariedade às vitimas da Vale em MG e exigem cancelamento do projeto de mineração de ouro da empresa canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu. Autoridades vistoriam região em megamissão inédita.
A reportagem é publicada por Movimento Xingu Vivo Para Sempre, 26-02-2019.


(Foto: divulgação Xingu Vivo)
No dia em que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, MG, completou um mês, centenas de manifestantes tomaram as ruas de Altamira, no Pará, para prestar solidariedade às vítimas da maior empresa de mineração do país. Atingidos pela hidrelétrica de Belo Monte, os paraenses também exigiram que outro projeto de proporções catastróficas, Belo Sun, que pretende ser a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, seja definitivamente enterrado.
A marcha saiu do mercado de Altamira às 16 h e percorreu as ruas centrais da cidade, finalizando com um ato ecumênico celebrado pelo bispo emérito da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler. Comparando os projetos de Brumadinho e Belo Sun, o bispo ressaltou as características extraordinárias da Volta Grande do Xingu, uma das regiões mais megadiversas do país. Depois dos impactos de Belo Monte sobre a população local, enfatizou, um novo megaprojeto, cuja barragem de rejeitos seria quase três vezes maior do que a de Brumadinho, serial letal.
De acordo com a coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antonia Melo, o ato foi convocado pelo Fórum em Defesa de Altamira, e contou com a participação de militantes sociais, religiosos, estudantes, ribeirinhos, sindicalistas, comunidades, pescadores, assentados e outros setores atingidos pela hidrelétrica. “Sinto que a população está se mobilizando de novo. Faz tempo que não fomos tão bem recebidos pelos moradores de Altamira quando saímos às ruas na semana passada para convocar a manifestação. Está todo mundo muito machucado por Belo Monte e com medo de Belo Sun”.
Ainda segundo Antonia Melo, em uma reunião do Ministério Público com comerciantes na última semana, um empresário do Clube de Lojistas de Altamira teria se colocado claramente contra o projeto de mineração de Belo Sun. “Os empresários apoiaram Belo Monte e o comercio sofreu muito. Esta todo mundo quebrado, sem perspectiva, endividado. Belos Sun é visto como uma repetição e está sendo rejeitada por todos os setores”.

Na Justiça

O projeto da mina de ouro Belo Sun que, a poucos quilômetros do paredão de Belo Monte, quer instalar na Volta Grande a maior mina de ouro a céu aberto do país, teve seu licenciamento paralisado pela Justiça Federal no final de 2017. De acordo com decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, antes de qualquer coisa as populações indígenas que deverão ser impactadas terão que ser consultadas de acordo com a Convenção 169 da OIT. Neste sentido, os Juruna da Terra Indígena Paquiçamba já elaboraram um protocolo de consulta que, segundo decisão do desembargador Jirair Aram Meguerian, deve nortear o processo. O Ministério Publico Federal também exige que o licenciamento ambiental da mina seja feito pelo Ibama e não pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (SEMAS). Inicialmente, a Justiça deferiu o pedido, mas posterior decisão de um juiz local retornou a pertinência à Semas. O MPF está recorrendo.

Vistoria da Volta Grande

Enquanto em Altamira a população se manifestava contra Belo Sun, os Ministérios Públicos Federal e do estado e as Defensorias Públicas da União e do Pará deram início a uma megamissão na região da Volta Grande do Xingu para verificar o estagio do cumprimento de condicionantes de Belo Monte e os impactos da hidrelétrica sobre as populações locais. Além dos quatro órgãos, participam representantes do Incra, do Ibama, da Funai, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, das Universidades Federais do Pará e de São Carlos (SP), das Nações Unidas e da União Europeia, além do Movimento Xingu Vivo para Sempre.

O objetivo é verificar se estão sendo cumpridas as obrigações estatais e as ações previstas no plano básico ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte para garantia da vida no trecho de vazão reduzida, o trecho do rio Xingu que deve ficar sob monitoramento por seis anos enquanto fornece 80% de sua água para as turbinas da usina.

De acordo com Ana Barbosa e Luiz Teixeira, integrantes do Xingu Vivo, a missão se dividiu em vários grupos que estão visitando comunidades e municípios entre os dias 25 e 26 de fevereiro. “Nós estivemos com a Defensora Agrária Pública do Estado, Andreia Barreto, no Travessão do Pirarara, em uma reunião que juntou comunidades de quatro travessões. O que vimos e ouvimos foi desolador. Não há políticas públicas, não há um projeto de vida para a população impactada por Belo Monte. Duas das escolas nas comunidades estão fechadas, não há merenda nem transporte adequado para as crianças, não há nem material de limpeza. As estradas estão em péssimo estado e as pontes todas comprometidas”, relata Ana Barbosa.

Segundo Ana Barbosa, está claro que Belo Monte tem impactos muito profundos e ainda desconhecidos na região, o que torna impossível que um projeto do porte de Belo Sun se instale e adicione novos problemas à Volta Grande. “Já foi estabelecido pelo Ibama que por pelo menos seis anos, enquanto perdurar a avaliação do que a diminuição do curso do Xingu na Volta Grande – o chamado Hidrograma de Consenso – por causa de Belo Monte causará às comunidades, é impossível se pensar em novo empreendimento na região. Esperamos que esta missão leve as autoridades a enterrar de vez o projeto de Belo Sun”.

 http://www.ihu.unisinos.br/587069-um-mes-apos-brumadinho-altamira-protesta-contra-belo-sun

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

HOJE A VENEZUELA, AMANHÃ TODA A AMAZÔNIA

Roberto Malvezzi (Gogó)
           Algumas pessoas próximas me pediram uma síntese da situação da Venezuela. Com o jogo midiático pesado em cena, ficou difícil compreender os meandros do que realmente se passa.
           Primeiro, a realpolitik. Temos que lidar com a política como ela é na realidade. Então, o fato determinante da crise venezuelana é a disposição guerreira dos Estados Unidos de se apossar da maior reserva de petróleo da Terra com cerca de 300 bilhões de barris, que está exatamente na Venezuela. Essa intenção foi dita claramente pelo próprio Trump e está no livro do ex-diretor do FBI Andrew McCabe, lançado recentemente. Quem abordar a questão da Venezuela e se recusar a olhar esse fato fundante, ou é politicamente ingênuo, ou age de má fé.
           Segundo, a crise humanitária. Sim, há crise humanitária causada pelo desabastecimento de produtos básicos da população como remédios e comida. Porém, o desabastecimento não é só culpa do Maduro, ou ditador Maduro, como dizem seus adversários. É fruto particularmente do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos ao país. A questão é que a Venezuela tem uma indústria limitada e praticamente não tem agricultura familiar, aquela que produz alimentos. Então, importa até ovos e papel higiênico, tudo comprado pelo dinheiro do petróleo. Como os Estados Unidos prenderam 30 bilhões de dólares da Venezuela, o país está desabastecido. Cerca de 30% da população venezuelana está passando algum tipo de necessidade.
           Terceiro, o ditador Maduro. Esse é pretexto para invadir a Venezuela. Mas, Maduro foi eleito e reeleito várias vezes pela vontade popular, ainda tem apoio de grande parte do povo e dos militares. Então, não será fácil removê-lo do poder.
           Quarto, um grupo invisível dentro da Venezuela. Há um grupo de humanistas, democratas, religiosos, etc., que discordam de Maduro, mas também não aceitam a ingerência estrangeira para se apossar da Venezuela e suas riquezas. Entretanto, esse grupo representa mais uma postura ética que uma força política. Não tem grande interferência no processo em andamento, embora discorde de ambos os lados.
           Quinto, o Brasil no caso. Sim, o atual presidente brasileiro apoia a política dos Estados Unidos. Porém, generais brasileiros, um pouco mais expertos, sabem que o Brasil não tem condições militares para invadir a Venezuela. Além do mais, os governos passam, uma invasão deixa cicatrizes para o resto da história. A última guerra que o Brasil fez contra um país vizinho foi em 1864 contra o Paraguai. Nesse momento a União Europeia não apoia uma intervenção militar na Venezuela, mas o vice dos Estados Unidos ameaça os militares venezuelanos para abandonarem Maduro e apoiarem Guaidó. A irritação do Vice dos Estados Unidos só prova que a situação não está conforme eles esperavam. Nem o tal grupo de Lima referendou a intenção dos Estados Unidos.
           Sexto, há esse jovem deputado, formado pelas forças políticas dos Estados Unidos, chamado Juan Guaidó, que se intitulou presidente da Venezuela. Tem apoio dos Estados Unidos e outros países. Porém, quando pensou que iria entrar triunfalmente na Venezuela a pretexto de uma ajuda humanitária, não conseguiu sequer atravessar a fronteira. Não houve respaldo popular para esse golpe. Afinal, ele é apenas um deputado que os Estados Unidos nomearam presidente da Venezuela.
           Particularmente, penso como Boaventura Souza Santos, isto é, só há saída dessa crise de forma democrática e com a mediação dos organismos internacionais. A via militar e da guerra só trará para a região o conflito que já se deu na Síria, isto é, Estados Unidos e União Europeia de um lado, China e Rússia do outro. Porém, os Estados Unidos perderam a guerra na Síria e agora deixaram os europeus falando sozinhos naquele país.
           Finalmente, há interesses internacionais sobre toda a Amazônia. A reação ao Sínodo Pan-Amazônico mostra claramente que há ali outro projeto, do grande capital internacional, que além do petróleo venezuelano, quer também a biodiversidade, a água e todos os bens minerais que estão naquele imenso território.
           Portanto, hoje a Venezuela, amanhã toda a Amazônia. 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

AMAZÔNIA: É POSSÍVEL CONVIVER COM ESTE BIOMA

A comunidade ribeirinha da Ilha das Cinzas criou seu próprio paraíso, mantendo a floresta intacta, vivendo em cabanas de madeira sobre palafitas, tendo água filtrada e reciclada e operando agricultura e pesca planejadas e controladas.

O Globo Rural e o site Amazônia contam como as famílias da comunidade da foz do Amazonas implantaram um sistema de tratamento de água e esgoto que vem ganhando prêmios, incluindo um de R$ 1 milhão. 

A Associação local, com o apoio da Embrapa-Amapá, instalou 2 sistemas nas casas. O primeiro, capta água do rio, que tem alto teor de sedimentos e uma carga orgânica também elevada. A água passa por uma sequência de filtros e recebe a adição de cloro antes de ir para as torneiras das casas. 

Na outra ponta, todo o esgoto passa por outra sequência de filtros até chegar em um biodigestor. A água tratada volta para o rio. 

A Embrapa também instalou painéis fotovoltaicos, como está fazendo em outras comunidades amazônicas. A matéria do Globo Rural é bem interessante. 

ClimaInfo, 25 de fevereiro de 2019

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

MUDANÇA CLIMÁTICA: ADOLESCENTE SUECA DESAFIO POLÍTICOS DA UNIÃO EUROPEIA


IHU - 22 de fevereiro de 2019

Convidar Greta Thunberg é um ato de alto risco. A adolescente sueca de 16 anos
entrou como um tornado desse ente abstrato chamado sociedade civil para devolver ao primeiro plano a luta contra a mudança climática. Sua retórica afiada tem cativado centenas de milhares de estudantes e ela se converteu em uma espécie de estrela pop. Seu rastro deixa altas doses de críticas a elites habituadas à complacência e acostumadas a utilizar com os jovens um discurso carregado de boas intenções, mas muitas vezes vazio e paternalista. 
A reportagem é de Álvaro Sánchez, publicado em El País, 21-02-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Greta chamou de imaturos os líderes políticos reunidos na decepcionante cúpula climática de Katowice, por não assumirem a realidade da deterioração do planeta. Ao poder econômico quis pôr medo no Fórum de Davos. "Não quero que tenham medo, quero que tenham pânico".
Nesta quinta-feira, em Bruxelas, chamou do púlpito onde estavam as líderes que comandaram a revolta estudantil na Bélgica e na Alemanha para que a cercassem. "Me chamo Greta Thunberg e sou militante climática", começou sua intervenção com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, escutando atrás dela. E disse assim: "A maioria dos políticos não quer falar conosco. Está bem, nós também não queremos falar com eles. Queremos que falem com os cientistas, que os escutem, porque nós repetimos o que eles vêm dizendo há décadas".
A estudante está há 26 sextas-feiras consecutivas sem pisar nas aulas para se concentrar em frente ao Parlamento sueco. Pede mais contundência contra o aquecimento global. "Fazemos greve escolar porque fizemos nossos deveres. Há quem diga que somos a esperança. Que vamos salvar o mundo. Mas não é verdade, não o faremos. Não há tempo para esperar que cresçamos. Precisamos agir já diante da crise climática".
Thunberg reconheceu que a União Europeia tomou medidas para conter as emissões, mas crê que não são suficientes para evitar que a temperatura do planeta supere em 1,5 graus os níveis pré-industriais, um limite que o IPCC (Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre as Mudanças Climáticas, na sigla em inglês), considera perigoso.
Na terça-feira, Thunberg compartilhou na rede social Twitter, onde conta com quase 200.000 seguidores, uma foto em uma estação de trem. Ela se nega a subir em aviões por suas altas emissões contaminantes, fato pelo qual iniciava a longa viagem de trem de Estocolmo a Bruxelas com seu eterno cartaz nas mãos, convocando para a greve estudantil.

Vídeo incorporado
A jovem sueca flerta com a impertinência com comodidade, e tratou de rebater as acusações que apresentam os adolescentes como manipulados e ingênuos. "Quando muitos políticos falam da greve escolar, se referem a qualquer coisa, exceto ao clima. Muitos dizem que somos preguiçosos e temos que voltar às escolas, inventam conspirações e afirmam que somos fantoches, que não pensamos por nós mesmos. Só estão tratando de mudar de assunto, não querem falar do clima".
Juncker interveio logo depois. Pelos precedentes, já estava avisado de que o discurso de Thunberg não seria a homilia branda de outras visitas. "Começamos a limpar o desastre que vocês provocaram, e não pararemos até terminarmos", disparou a adolescente à classe política. Inclusive a advertência pode valer a pena por figurar junto à imagem fresca e rejuvenescedora do ícone que quer mudar o planeta. "Este movimento está muito bem. E me reconheço em muitas das mensagens que lançam pelas ruas. Nos últimos anos me queixei muito de que os jovens não participam ativamente na política como eu fiz no passado", comentou. O chefe do Executivo europeu criticou os que duvidam da mera existência do aquecimento global. "Trump pensa que a mudança climática é uma invenção ideológica, e eu lhe respondo que basta observar a natureza, os insetos, para saber que algo está ocorrendo", concluiu.
A resposta nostálgica e breve de Juncker foi conhecida há pouco por Thunberg. "Creio que mudou de assunto muito rápido. É triste", lamentou.
Convertida em atração, com a sala da Comissão Europeia onde falou lotada, sua passagem por Bruxelas não arrancou nenhuma nova proposta concreta, como ela mesma admitiu. Sua agenda continuou a partir da uma da tarde nas ruas de Bruxelas, onde liderou a caminhada semanal pelo clima. Perguntada sobre quando vão parar as greves estudantis, a líder do movimento belga, Anuna De Wever, foi clara: "A pergunta não é quando nós pararemos, mas quando os políticos começarão".

http://www.ihu.unisinos.br/586897-adolescente-greta-thunberg-leva-a-bruxelas-sua-queixa-as-elites-sobre-o-clima 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

CUIDADO COM AS FÁBRICAS DO ÓDIO, DO MEDO E DA MENTIRA

MESMO EM ESPANHOL, É MUITO IMPORTANTE A LEITURA DESTE ARTIGO QUE SEGUE.

Las incesantes fábricas del odio, del miedo y la mentira

Boaventura de Sousa Santos 

20/02/2019

Cuando el respetado Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, renunció al cargo en 2018, la opinión pública mundial fue manipulada para no prestar atención al hecho y mucho menos evaluar su verdadero significado. Su nombramiento para el cargo en 2014 fue un hito en las relaciones internacionales. Era el primer asiático, árabe y musulmán que ocupaba el cargo y lo desempeñó de manera brillante hasta el momento en que decidió dar un portazo por no querer ceder a las presiones que desfiguraban su cargo, desviándolo de su misión de defender a las víctimas de violaciones de derechos humanos para volverlo cómplice de tales violaciones perpetradas por Estados con peso en el sistema mundial.

En su discurso y entrevistas de despedida se mostraba indignado con el modo en que los derechos humanos se venían transformando en parias de las relaciones internacionales, obstaculizados por las estrategias autoritarias y unilaterales de dominio geoestratégico. Reconocía que el ejercicio de su cargo le obligaba a oponerse a la mayoría de los países que habían aprobado su nombramiento bajo pena de traicionar su misión. También llamaba la atención sobre el hecho de que el perfil de la ONU reflejaba fielmente el tipo dominante de relaciones internacionales y que, por ello, tanto podía ser una organización brillante como una organización patética, dando a entender que este último perfil era el que empezaba a regir. Era un grito de alerta sobre los peligros que el mundo corría con el avance de populismos nacionalistas de derecha y de extrema derecha que hace mucho venía señalando. Al denunciar la creciente vulnerabilidad de una buena parte de la población mundial sujeta a graves violaciones de derechos humanos, él mismo se volvió vulnerable y tuvo que abandonar el cargo. El grito de alerta cayó en el silencio de la diplomacia, de los alineamientos y de las conveniencias típicas del internacionalismo patético que había denunciado.

Todo esto ocurrió en el año en que se celebraban los setenta años de la Declaración Universal de los Derechos Humanos y en el que muchos, incluido yo mismo, defendían la necesidad de una nueva declaración, más sólida y más verdaderamente universal. Esta necesidad se mantiene, pero en este momento lo más importante es identificar las fuerzas y los procesos que están bloqueando la declaración actual y la convierten en un documento tan desechable como las poblaciones vulnerables sometidas a las violaciones de los derechos humanos que la declaración pretendía defender. Cabe recordar que esta declaración pretendía mostrar la superioridad moral del capitalismo frente al comunismo. El capitalismo prometía, al igual que el comunismo, el creciente bienestar de poblaciones cada vez mayores, pero lo hacía con respeto a los principios de la Revolución francesa: igualdad, libertad y fraternidad. Era el único sistema compatible con la democracia y los derechos humanos.

Sin embargo, la ola conservadora y reaccionaria que asola al mundo es totalmente opuesta a la filosofía que presidió la elaboración de la Declaración Universal y constituye una seria amenaza para la democracia. Se basa en la exigencia de una doble disciplina autoritaria y radical que no se puede imponer por procesos democráticos dignos del nombre. Se trata de la disciplina económica y de la disciplina ideológica. La disciplina económica consiste en la imposición de un capitalismo autorregulado, movido exclusivamente por su lógica de incesante acumulación y concentración de la riqueza, libre de restricciones políticas o éticas; en síntesis, el capitalismo que suele designarse como capitalismo salvaje. La disciplina ideológica consiste en la inculcación de una percepción o mentalidad colectiva dominada por la existencia de peligros inminentes e imprevisibles que alcanzan a todos por igual y particularmente a los colectivos más cercanos, ya sean la familia, la comunidad o la nación. Tales peligros crean un miedo inquebrantable del extraño y del futuro, una inseguridad total ante un desconocido avasallador. En tales condiciones, no resta más seguridad que la de regresar al pasado glorioso, el refugio en la abundancia de lo que supuestamente fuimos y tuvimos.

Ambas disciplinas son tan autoritarias que configuran dos guerras no declaradas contra la gran mayoría de la población mundial, las clases populares miserabilizadas y las clases medias empobrecidas. Esta doble guerra exige un vastísimo complejo ideológico-mental propagado por todo el mundo, incluyendo nuestros barrios, nuestras casas y nuestra intimidad. Son tres las fábricas principales de este complejo: la fábrica del odio, la fábrica del miedo y la fábrica de la mentira.

En la fábrica del odio se produce la necesidad de crear enemigos y de producir las armas que los eliminen eficazmente. Los enemigos no son aquellos poderes que el pensamiento crítico izquierdista satanizó: el capitalismo, el colonialismo y el heteropatriarcado. Los verdaderos enemigos son aquellos que hasta ahora se disfrazaron de amigos, todos aquellos que inventaron la idea de opresión y movilizaron a los ingenuos (por desgracia, una buena parte de la población mundial) para la lucha contra esa opresión. Se disfrazaron de demócratas, de defensores de los derechos humanos, del Estado de derecho, de acceso al derecho, de diversidad cultural, de igualdad racial y sexual. Por eso son tan peligrosos. El odio implica el rechazo a discutir con los enemigos. A los enemigos se los elimina.

En la fábrica del miedo se produce la inseguridad y los artefactos ideológico-mentales que producen seguridad, la cual, para ser infalible, necesita de vigilancia permanente y de constante renovación de las tecnologías de la seguridad. El objetivo de la fábrica del miedo es erradicar la esperanza. Busca convertir el actual estado de cosas en el único posible y legítimo, contra el cual solo por locura o utopía disparatada se puede luchar. No se trata de validar todo lo que existe. Se trata de limpiar, de lo que existe, todo lo que impidió la perpetuación del pasado glorioso.

Por su parte, en la fábrica de la mentira se producen los hechos y las ideas alternativas a todo lo que pasó por verdad o búsqueda de verdad, como las ideas de igualdad, de libertad negativa (libertad de coerciones) y positiva (libertad para realizar objetivos propios, no impuestos ni teledirigidos), de Estado social de derecho, de violencia como negación de la democracia, de diálogo y reconocimiento del otro como alternativa a la guerra, de los bienes comunes como el agua, la educación, la salud, el medio ambiente saludable. Esta fábrica es la más estratégica de todas, porque es aquella en la cual los artefactos ideológico-mentales tienen que empaquetarse y disfrazarse de no ideológicos. Su mayor eficacia reside en no decir la verdad respecto a sí misma.

La proliferación de estas tres fábricas es el motor de la ola reaccionaria que vivimos. La proliferación tiene que ser la mayor posible para que nosotros mismos nos volvamos emprendedores del odio, del miedo y de la mentira; para que deje de haber diferencia entre producción, distribución y consumo en la propagación de esta vasta disciplina ideológica. Los medios de comunicación hegemónicos, la “comentariología”, las redes sociales y sus algoritmos, y las iglesias seguidoras de la teología de la prosperidad, son poderosas líneas de montaje. Pero esto no significa que las piezas que circulan en las líneas de montaje se produzcan de manera anárquica en todo el mundo. Hay centros de innovación y renovación tecnológica para la producción masiva de artefactos ideológico-mentales cada vez más sofisticados. Esos centros son los silicon valleys del odio, del miedo y la mentira. Las tecnologías se desarrollaron originalmente para servir a dos grandes clientes: los militares y sus guerras, y el consumo de masas; pero hoy los clientes son mucho más diversificados e incluyen la manipulación sicológica, la opinión pública, el marketing político, el disciplinamiento moral y religioso. La sofisticación tecnológica está orientada a colapsar la distancia con la proximidad (tuits y soundbites), la institucionalidad con lo subliminal (mediante la producción en masa de máxima personalización), la verdad con la mentira o la media verdad (hipersimplificaciones, banalización del horror, transmisión selectiva de conflictos sociales).

En un momento en que se dice que estamos en vísperas de una nueva revolución tecnológica dominada por la inteligencia artificial, la automatización y la robótica, queda la idea de que las incesantes fábricas del odio, del miedo y la mentira están queriendo orientar la revolución tecnológica en el sentido de la mayor concentración posible del poder económico, social, político y cultural y, por tanto, en el sentido de crear una sociedad de tal manera injusta que la justicia se transforme en una monstruosidad repugnante. Es como si antes de la llegada masiva de la inteligencia artificial, la inteligencia natural se fuese artificializando y automatizando para coincidir y confundirse con ella.

Boaventura de Sousa Santos
Académico portugués. Doctor en sociología, catedrático de la Facultad de Economía y Director del Centro de Estudios Sociales de la Universidad de Coímbra (Portugal). Profesor distinguido de la Universidad de Wisconsin-Madison (EE.UU) y de diversos establecimientos académicos del mundo. Es uno de los científicos sociales e investigadores más importantes del mundo en el área de la sociología jurídica y es uno de los principales dinamizadores del Foro Social Mundial. Artículo enviado a Other News por el autor. Traducción de Antoni Aguiló y José Luis Exeni Rodríguez

http://www.other-news.info/noticias/2019/02/las-incesantes-fabricas-del-odio-del-miedo-y-la-mentira/

RISCO DESNECESSÁRIO: USINAS NUCLEARES

E se houvesse um acidente nuclear em uma usina instalada no Rio São Francisco?

Heitor Scalambrini Costa
Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
Graduado em Física-Unicamp, mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear-UFPE,
doutorado em Energética-CEA/Université de Marseilhe-França


O acidente mais grave que pode ocorrer em uma usina nuclear é a liberação de material radioativo para o ar-terra-água. Nunca uma usina poderá explodir tal qual uma bomba atômica. Por uma razão simples. O combustível usado na usina tem uma concentração do material físsil bem inferior do que a usada em uma bomba nuclear. Ou seja, o urânio que se presta a fissão nuclear (reação química com quebra do núcleo de um átomo com a liberação de grande quantidade de energia) no reator  de uma usina, o urânio 235, tem uma concentração em torno de 3 a 5%. Enquanto para aplicações militares ultrapassa 85%.

Assim é errôneo pensar, e comparar uma usina para produzir energia elétrica como uma bomba nuclear. Portanto uma bomba nuclear e um reator nuclear são coisas diferentes. Todavia acidentes existem nas usinas, e são classificados em uma escala introduzida pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) no ano de 1990. A Escala Internacional de Acidentes Nucleares e Radiológicos (INES – International Nuclear Event Scale) estabelece uma escala de gravidade de incidentes e acidentes nucleares, facilitando assim a compreensão e as medidas para enfrentar o evento. Ao todo são 7 níveis, sendo os 3 primeiros de incidentes e os 4 subsequentes acidentes. O acidente mais grave ou superior (nível 7) consiste no vazamento em larga escala, para fora da  usina, de material radioativo, com efeitos amplos sobre a saúde da população e do meio ambiente. Sendo reconhecido nos níveis 6 e 7 os acidentes de Chernobyl, na Ucrânia (1976), o de Three Mile Island na Pensilvânia-USA (1979), e o de Fukushima no Japão (2011).

As  normas e procedimentos internacionais impostas para garantir as condições de segurança de uma usina núcleo-elétrica são muito rígidas. E a probabilidade de um acidente de grandes proporções acontecer é pequena, mas mesmo assim sempre existe. Por muito tempo, e ainda hoje,  os defensores da energia nuclear  vendem a imagem de que as usinas estão imunes a acidentes, o que não é verdade. Não existe risco zero de acontecer um acidente, mesmo o de nível 7.

E ai que está toda a questão, e a pergunta que não quer calar. Vale o risco de instalar uma usina, sabendo que um acidente pode provocar uma tragédia  sócio-econômica-ambiental de grandes proporções, local, regional e mesmo planetária?  Sem dúvida, não existe nada de tão assustador do que um acidente com radiação liberada para o meio ambiente, atingindo toda forma de vida.

No planejamento governamental, declarado prioritário pelo atual governo, está o desenvolvimento do programa nuclear, que prevê a conclusão de Angra III, projeto elaborado na década de 1970, cuja construção foi iniciada na década de 80. Sua construção sofreu interrupção, sendo reiniciada em 2009, e suspensa novamente em 2015, após revelações de denúncias de corrupção. Estima-se que serão necessários mais 17 bilhões de reais para a conclusão desta obra.
A construção de novas usinas nucleares no Brasil, também estaria nas prioridades governamentais, com a construção de mais 8 usinas nas regiões Nordeste e Sudeste. No caso da região Nordeste, este empreendimento estaria localizada ao longo do rio São Francisco em locais já estudados pela Eletronuclear (Atlas Nuclear de Localização de Centrais Nucleares no Brasil). Um  desses locais anunciados foi o município de Itacuruba no sertão pernambucano. 

A denúncia dos grupos contrários as usinas nucleares em nosso país, no caso do Nordeste particularmente,  alerta para uma situação gravíssima. A contaminação radioativa, caso haja vazamento, de um rio que percorre 5 estados nordestinos, e atende a mais de 500 municípios ao longo de sua bacia. Estamos falando de algo em torno a 20 milhões de pessoas impactadas. Sendo que  esta região concentra 28% da população brasileira, e 15% do PIB (Produto Interno Bruto). 

Então, o que seria do Rio da Unidade Nacional, com relação a vida existente ao longo de seu percurso e de seus afluentes que dependem da água do rio, no caso de vazamento radioativo, e de sua contaminação?  Por mais que setores interessados defendam a construção de usinas, minimizando,  e mesmo desdenhando a possibilidade de um acidente nuclear, ele existe, pode acontecer, e já aconteceu em outros países.

No caso de um acidente, os principais gases que poderiam vazar para a atmosfera seriam o césio 137, aquele do acidente de Goiânia em 1987 (considerado ­­­­­maior acidente radiológico do mundo) , e o iodo 131. O césio provoca náusea, vômito e diarreia; ingerido em grandes proporções, mata em poucas horas. O iodo 131 em grandes quantidades, provoca tumores malignos em órgãos internos do corpo humano. Também ocorre escape de isótopos de nitrogênio e argônio radioativo.

Os reflexos de um acidente de tal natureza afetaria o turismo na região, provocando uma debandada geral. Pois quem visitaria um lugar que sofreu um acidente radioativo, mesmo que as autoridades digam que está tudo sob controle?  Não haveria visitação, é o que deve pensar a esmagadora maioria dos turistas que visitam todos os anos, e aportam à região bilhões de reais. Esse dinheiro desapareceria.

A liberação de radiação atingiria a água do rio. O gás em função das condições atmosféricas poderiam ser espalhados a várias centenas e mesmo milhares de quilômetros, atingindo as aves e animais e populações ribeirinhas. Além de se infiltrar no solo, inviabilizando a agricultura e criação de animais, podendo atingir e contaminar o lençol freático. Desequilibraria todo o ecossistema local. A pesca seria afetada, e toda renda proveniente desta atividade desapareceria da noite para o dia.

Para uma simples análise sobre o significado financeiro de uma tragédia nuclear, levemos em conta o custo total do acidente de Fukushima. Incluindo a descontaminação e as indenizações às vítimas, o custo pode chegar a 125 bilhões de dólares - 100 bilhões de euros), segundo a empresa Tepco, que administra a central nuclear destruída pelo tsunami em 11 de março de 2011. A catástrofe de Fukushima, a mais grave do setor desde Chernobyl (Ucrânia) em 1986, provocou grandes emissões radioativas no ar, no solo e nas águas da região, e forçou cerca de 100.000 pessoas a abandonarem suas casas. Imagine agora o significado desta  catástrofe para um pais como o Brasil, que tem a economia capenga, e com tantas demandas, ainda teria condições de suportar tal dispêndio?.

Sejamos claros: trata-se da possibilidade de uma catástrofe que afetará muitas gerações, tornando inabitável esta parte do Brasil. Pode ser evitada, caso decidamos não construir usinas nucleares, e apoiarmos outras opções disponíveis, como as fontes renováveis  de energia abundantes em todo país.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

OBSERVATÓRIO DA POLÍTICA, CBJP, DEFENDE VERDADEIRA SOBERANIA DA AMAZÔNIA


IHU - 19 de fevereiro de 2019

O observatório da política da CBJP (Comissão Brasileira de Justiça e Paz), órgão autônomo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), publicou nesta terça-feira (18) uma nota de repúdio a declarações do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, em relação ao Sínodo da Amazônia, reunião de bispos marcada para outubro deste ano, no Vaticano.

A reportagem é de Rafael Neves, publicada por Congresso em Foco, 18-02-2019.
No comunicado, a CBJP pede uma mobilização de cidadãos e autoridades "para que assumam uma firme e corajosa atitude em defesa da soberania brasileira sobre a Amazônia", que o órgão julga ameaçada por informações como uma suposta pretensão estrangeira de instalar bases militares na região.

Em nota, Heleno nega que o GSI, mais especificamente a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), esteja investigando a Igreja Católica, mas admite "preocupação funcional com alguns pontos da pauta" do sínodo, que foi convocado pelo Papa Francisco em 2017 e envolve nove países sul-americanos relacionados à Amazônia. A CBJP afirma que as declarações de Heleno vão no sentido de "interferir nos cultos religiosos e nas igrejas, embaraçando-lhes o funcionamento", e de "fazer acusações inverídicas, imputando vinculações partidárias à Igreja Católica, classificando-a como 'esquerdista' e inimiga do Governo Federal".

As declarações do ministro sobre o evento vieram à tona em uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, no dia 10 de fevereiro. Dois dias depois, Heleno foi questionado por jornalistas e reconheceu que o governo teme que o sínodo "entre em assuntos que são afetos à soberania" brasileira.

"O que eu acho que tem que ser uma preocupação nossa é não deixar que entidades estrangeiras, ONGs estrangeiras, chefes de Estado estrangeiros, às vezes por trás dessas ONGs, queiram dar palpite em como deve ser tratada a Amazônia brasileira”, afirmou o ministro durante o velório do jornalista Ricardo Boechat.

A CNBB se posicionou apenas por meio de um vídeo gravado por Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da Confederação. O dirigente afirma que o objetivo do Sínodo é "encontrar novos caminhos para a evangelização para a Amazônia".

Eis a nota.

Nota do Observatório da Política da CBJP

Art. 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: § 1ºI - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes, relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;  (Constituição Brasileira de 5 de Outubro de 1988)

1. Em conformidade com seus objetivos, este Observatório Político acompanha os fatos políticos que têm importância para o aperfeiçoamento da democracia em nosso país e não se pode omitir sobre a entrevista publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, edição de domingo 10/02/2019, do General Chefe do GSI Gabinete de Segurança Institucional, órgão integrante da Presidência da Republica, criticando a futura realização do Sínodo da Amazônia, promovido pelo Vaticano e fazendo acusações indevidas à Igreja Católica e à CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, além de admitir que a ABIN investiga o evento.

2. Este fato é inadmissível, por constituir grave violação inconstitucional, na medida em que os órgãos da estrutura do Estado, estão impedidos por força dos artigos 5º, VI e 19 da Constituição Federal, de interferir nos cultos religiosos e nas igrejas, embaraçando-lhes o funcionamento. Igual proibição consta do artigo 44, § 1º da Lei nº 10.406/2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro.

3. Além de ser inconstitucional, o pronunciamento do GSI é equivocado por fazer acusações inverídicas, imputando vinculações partidárias à Igreja Católica, classificando-a como “esquerdista” e inimiga do Governo Federal, gerando um desnecessário e inoportuno atrito entre o Estado e a Igreja Católica, como nunca se viu na história do Brasil, ofendendo assim o sentimento religioso dos brasileiros de todas as convicções.

4. Agrava ainda mais a atitude do GSI, o fato de que abertamente se imiscui em evento privado da Igreja Católica, o Sínodo da Amazônia, promovido pelo Vaticano, convocado ainda em 2017, envolvendo nove países sul com a finalidade de estudar os problemas daquela região e apontar possíveis medidas na sua solução.

5. Por quê um evento desta natureza, em vez de apoio, é recebido como incômodo a ponto de produzir tão estereotipada reação? Qual a causa de tanta preocupação da ABIN e do Governo federal, com uma reunião da Igreja Católica, de estudos e reflexões sobre os problemas da região amazônica? O que se passa ali que não possa vir à luz do dia? Por quê não se analisar os legítimos interesses de quem quer que seja sobre as riquezas incomensuráveis que existem lá ? Existirão interesses ilegítimos, inconfessáveis, de que os brasileiros não possam tomar conhecimento? Será este receio que move quem não quer a discussão?

6. Como é dever do Governo Federal cuidar de nossa Amazônia, defendê-la da cobiça que desperta em muita gente, os estudos do Sínodo colaborarão, significativamente nesta tarefa. Só devem temer o Sínodo, pois, aqueles que têm interesses ilegais, escusos, com referência às enormes riquezas existentes naquela região. A soberania da Amazônia evidentemente não será maculada pelos debates e análises que o Sínodo vai realizar, porém pela atuação predatória, aberta ou escondida de agentes públicos e privados, nacionais e estrangeiros que dela sonham em se apropriar, por meios ardilosos e sub-reptícios, aparentemente legais, ou pela força se assim for necessário.

7. Nesta linha de raciocínio, é dever do povo brasileiro, resistir à pretensão estrangeira de instalar bases militares em nosso território amazônico, seja a que pretexto for. Isto sim é jogar no lixo a nossa soberania, isto sim é crime de lesa pátria.

8. Com esta Nota Pública, portanto, se faz uma convocação a todos, cidadãos e cidadãs, parlamentares, magistrados, entidades e especialmente, autoridades, para que assumam uma firme e corajosa atitude em defesa da soberania brasileira sobre a Amazônia, para que sejam identificados e denunciados aqueles que, verdadeiramente, pretendam aniquilá-la.

Brasília, 18 de fevereiro de 2019

Observatório da Política da CBJP

SOBERANIA NACIONAL


Defender o direito originário ao território de cada povo indígena, seria colocar em risco a soberania nacional? Alertar a população sobre como a destruição da Amazônia agrava as mudanças climáticas, seria colocar em risco a segurança nacional? Chamar a atenção e até denunciar os efeitos destrutivos das práticas dos grandes senhores do agronegócio, da mineração e da indústria de energia hidrelétrica na Amazônia seria uma afronta à segurança nacional?

Como a área de inteligência do governo afirmou que falar sobre isso no Sínodo da Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, seria questão de soberania nacional, vale a pena a gente refletir sobre o que é afinal a soberania nacional.

Tudo parte do que se entende por nação. Cada nação é constituída pelo povo que vive e zela por todos os bens naturais existentes no seu território, não permitindo que forças ou interesses estrangeiros se apropriem deles sem que seja respeitada a Constituição Federal, elaborada e aprovada de forma democrática pelos membros adultos da própria nação. Quem tem a obrigação de defender e garantir a soberania nacional é, portanto, o povo que constitui a nação. Tudo o mais, isto é, os poderes do executivo, legislativo e judiciário só podem agir tendo como base a delegação de poder dos membros constitutivos da nação. Também as forças militares são um reforço a essa missão popular, e só podem agir em cumprimento das leis.

Se estamos de acordo que isso é a nação, podemos perguntar-nos: alguém contribuiu mais do que os povos indígenas da Amazônia na defesa do território e dos bens naturais da nação brasileira? Não, com certeza, e quem afirma o contrário ou não conhece a história ou é conscientemente injusto. Existe algum povo indígena que exige o reconhecimento e demarcação de seu território original com o objetivo de separar-se da nação brasileira? Não, com certeza. Por isso, em vez de fazer acusações genéricas, cabe ao serviço de inteligência identificar se há e qual é a igreja ou ONG que está propondo esse tipo de ideia na cabeça de algum povo indígena.

Por outro lado, os senhores do agronegócio, da mineração, da energia, estão defendendo e garantindo a soberania nacional, ou, ao acabar com a floresta, com os rios e com os bens naturais, sejam minérios ou biodiversidade, estão destruindo a vida dos povos da Amazônia e agravando as mudanças climáticas que afetarão todo o país e da América do Sul?

Apoiar os povos da Amazônia é defender a vida de toda a nação.

            Ivo Poletto