SEMINÁRIO NACIONAL E INTERLOCUÇÃO SOBRE ENERGIA ALTERNATIVA
Promovido pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, foi realizado em Brasília, nos dias 21 e 22 de março, o Seminário sobre Fontes Genuinamente Limpas de Energia. Com presença de pesquisadores de universidades e institutos que trabalham a temática da energia elétrica no Brasil e de membros das entidades do Fórum, os trabalhos foram realizados em três períodos: um primeiro, aprofundando a análise crítica da política energética brasileira e o potencial das fontes alternativas, elaborando o documento que seria apresentado aos membros do governo participantes da interlocução; o segundo período foi destinado à interlocução com membros do governo; a parte final foi destinada a elaborar propostas de ação para o Fórum.
Constatou-se, mais uma vez, que existe uma cultura que leva ao desperdício da água. A idéia dominante é a de que o Brasil tem água abundante e que, por isso, pode-se construir um número imenso de hidrelétricas sem problema algum. Diz-se que esse é um país abençoado. Difícil é dar-se conta que a bênção não se dá só pela água. O Brasil dispõe de insolação em quase todo o território nacional em grande parte do ano. Dispõe de mais de sete mil quilômetros de costa marítima. Em seu imenso território, há ventos em todas as regiões. Cada uma dessas fontes de energia tem um potencial imenso, que ultrapassa muitas vezes o que o país tem de energia elétrica disponível.
Por isso, a pergunta inquietante, tanto nas reflexões como na interlocução com o governo, foi essa: por que não se trabalha com essas fontes de energia, mesmo sabendo que são muito mais limpas, isto é, menos agressivas ao meio ambiente? Por que outros países avançam há décadas na busca de tecnologias que permitam aproveitar fontes relativamente escassas em seus territórios?
O debate demonstrou que o Brasil não avançou até agora no uso de fontes ecologicamente mais limpas porque continua, por um lado, um país colonizado, com uma economia que cresce pela exportação de bens naturais e de oportunidades de trabalho e geração de riqueza; por outro, os responsáveis pela política energética repetem há décadas que devemos continuar presos à hidroeletricidade, complementada pela energia gerada com queima de gás, diesel, carvão e urânio, porque temos água abundante e matéria-prima para esse tipo de energia e porque, além disso, a geração de energia solar e eólica seria mais cara. É isso que revelam os planos estratégicos para os próximos trinta anos: pouquíssimos recursos para energia eólica e nada para a solar.
O que se constata, contudo, é que os custos da energia eólica e solar estão baixando em todo o mundo, e isso se deve aos avanços tecnológicos dos países que apostaram nelas. Uma vez mais, se não avançarmos em tecnologias e produção de componentes brasileiros, ao incorporar as novas fontes será preciso pagar licenças de uso das tecnologias estrangeiras, para alegria dos novos tipos de colonizadores.
Por isso tudo, na interlocução com membros do governo federal, o Fórum, reforçado pelos pesquisadores presentes, insistiu na urgência de que a política energética migre da prioridade dada à hidroeletricidade para a energia solar, eólica, maremotriz, de biomassa. Isso tornará desnecessário continuar teimando na construção de trinta grandes hidrelétricas na Amazônia e muitas outras em todo o país, com todas as consequências socioambientais, bem como a multiplicação de usinas térmicas e nucleares. O potencial é imenso, os custos vão caindo, e cairão cada dia mais, se houver investimentos nessa direção. O que está faltando é opção e vontade política para mudar a política energética, até hoje subordinada aos interesses dos grupos construtores de grandes obras e exportadores de bens naturais.
É preciso lembrar que, em cada tempo, as decisões devem ser tomadas levando em conta as informações que se tem sobre as condições em que se encontram a vida das pessoas e o meio ambiente em que se reproduz a vida. O tempo atual exige políticas que ajudem a Terra a recuperar o equilíbrio climático, gravemente agredido pelas atividades de produção que emitem gases de efeito estufa. Mesmo se ainda se tem águas e rios que permitem barragens para produzir energia, se existem outras fontes disponíveis, e se elas são menos poluentes – já que os lagos das barragens são fonte constante de emissão de metano, gás que provoca efeito estufa maior do que o dióxido de carbono -, só é aceitável que sejam adotadas as novas fontes. Só assim se estará planejando com os olhos no futuro, nos direitos das novas gerações, e não no passado, na repetição de erros cometidos.
Por fim, um dos pontos fortes do debate do seminário foi sobre a necessidade de mudar o modelo de produção, distribuição e consumo de energia, para ser uma das frentes de transformação do próprio sistema econômico dominante, que está colocando em risco as condições de vida na Terra. Em vez de continuar centralizado, em grandes unidades de produção, reduzindo a energia a uma mercadoria como as demais, é fundamental migrar para a descentralização na produção e consumo de energia. Em cada localidade, devem ser assumidas as fontes ecologicamente limpas que existirem em maior quantidade, a produção deve apostar na complementaridade entre as fontes e, por fim, a energia deve estar a serviço da vida existente no território, jogando na rede pública o que sobrar. Esta sobra pode ter sentido social, tornando-se fonte complementar de renda para as famílias. Para que isso aconteça é fundamental a participação das comunidades em todas as etapas de introdução das novas fontes de energia. Com sua participação serão evitados os erros que continuam sendo cometidos pelas empresas eólicas, por exemplo, que usam a implantação das “fazendas” para ameaçar a vida e até para forçar as comunidades a entregarem seus territórios aos novos investidores. A participação das comunidades deve dar-se no planejamento, na execução e na democratização do acesso à energia e à rende gerada por ela.