sexta-feira, 30 de junho de 2017

É POSSÍVEL O PÓS-CAPITALISMO LOCAL

TODO BOM PROCESSO DE MUDANÇAS PROFUNDAS COMEÇA COM INCIATIVAS LOCAIS, COM NOVAS RELAÇÕES COM O TERRITÓRIO, COM O TRABALHO, COM A PRODUÇÃO, COM O CONSUMO, COM O USO DA MOEDA. É ISSO QUE ESTE ARTIGO MOSTRA SER POSSÍVEL. VALE A PENA REFLETIR SERIAMENTE SOBRE ISSO, EVITANDO DEIXAR-SE LEVAR QUASE AO DESESPERO PELA CRISE DAS SOCIEDADES CAPITALISTAS, QUE SÓ SE APROFUNDA - GRAÇAS A DEUS!

HÁ MUITO DISSO NO BRASIL. VALE CONHECER, APOIAR, MULTIPLICAR. 

Contra a crise, o possível pós-capitalismo local

 
 
 
170628-Chicago2
Maio de 2014: mais de mil voluntários plantam mudas de carvalho, numa área antes degradada do leste da cidade
Moedas alternativas. Feiras de trocas. Bancos de horas. Economia da doação. Detroit, que revive depois de falir como “capital do automóvel”, mostra a enorme potência das redes de trabalho e consumo solidário
Por Valerie Vande Panne, no In These Times | Tradução: Inês Castilho
Você deve ter ouvido falar da volta por cima de Detroit, [antiga capital da indústria automobilística dos EUA]. É hoje uma narrativa popular nos centros da mídia, uma lenda de investimento e revitalização. Jovens olham romanticamente para a cidade como uma “tela em branco” – os imóveis são baratos, eles abundam, e a cidade está de volta.
O problema é que essa narrativa é um mito. A taxa de pobreza é próxima de 40%, e a despeito da chegada de jovens brancos seduzidos pelas promessas de um renascimento de Detroit, a população continua a declinar, de um pico de 1,8 milhão em 1950 para 670 mil hoje. Aproximadamente 70 mil residências tiveram a água cortada por falta de pagamento desde 2014, e cerca de 17 mil casas ocupadas correm o risco de sofrer despejo este ano.
O chamado renascimento da cidade atingiu apenas pequeno nichos de seus 360 quilômetros quadrados, deixando a maioria da população – composta por mais de 80% de afro-americanos – para trás.
Mas depois de décadas de pobreza, os habitantes de Detroit aprenderam a viver sem acesso ao dinheiro ou crédito tradicionais. Há uma resiliente economia informal enraizada nos bairros e comunidades: escambo, presentes, troca de tempo e empresas informais estão em toda parte.
Veja, por exemplo, a vibrante rede de empresas informais tais como salões de beleza em porões, oficinas mecânicas em fundos de quintal ou garagens, e, como no caso de Luis Bustos, restaurantes na casa das pessoas.
Bustos, 21 anos, caiu de uma escada em 2016, ficando em cadeira de rodas por três meses. Com o pagamento das prestações da casa mais um seguro de carro de 270 dólares por mês, ele precisava ganhar dinheiro. Mas depois do acidente não quis voltar aos empregos de cobrir telhados, que tinha antes. Começou a vender tortillas(sanduíches mexicanos) como as que sua mãe costumava fazer, com pão fresco, molho, milanesa, salsicha e frango.
Hoje, dirige um restaurante em sua própria cozinha, entregando comida pela vizinhança ou servindo-a em sua sala. Embora queira conseguir um alvará, quando tiver dinheiro para isso, ele é franco. “Não tinha dinheiro para tirar uma licença, nem tempo para esperar meses pela liberação”, diz. Ninguém ia me dar um emprego, tive que me empregar eu mesmo. Do contrário, teria perdido a casa.”
Embora faça publicidade nas mídias sociais, ele também tornou-se famoso no boca-a-boca por sua comida, o que é importante numa área onde smartphones e acesso à internet podem ser relativamente esparsos. Com isso, é capaz de ganhar algum dinheiro, mas também tem consciência da importância de ajudar os outros. “Como algumas pessoas às vezes não têm nada para comer, digo a elas que venham. Tem comida aqui.”
Em grande parte da cidade, há um entendimento de que, sem empregos, os vizinhos também estão lutando. É uma necessidade, então, participar de uma rede de moeda local.
Tradicionalmente, os economistas viam o escambo (troca direta de mercadorias) como um precursor primitivo dos modernos sistemas monetários. Mas o antropólogo David Graeber argumenta, em seu livro Dívida: Os primeiros 5.000 anos, (2011), que é justamente o oposto: o escambo pode surgir quando o dinheiro e a economia fracassam.
E a economia de Detroit fracassou espetacularmente. Não é surpresa, então, que escambo, doação, troca e empresas informais tenham se tornado tão essenciais quanto são, em outros lugares, o dinheiro vivo e o crédito tradicional. Como não há registro formal ou maneiras de rastrear trocas privadas, é difícil medir quanto avançou essa economia de sobrevivência. Mas, por tudo o que se vê, é generalizada.
O estilo de troca difere conforme o relacionamento. O escambo, disse Graeber numa entrevista, é geralmente usado quando as pessoas não se conhecem bem. “Mas pessoas que têm relacionamento há bastante tempo compartilham bens e serviços de acordo com sua capacidade e necessidade”. Ao contrário do escambo, as doações não são feitas à base do um-por-um. “São muito próximas do comunismo”, diz Graeber. “Você sabe que, no final, será bom para todos. É possível manter esta relação com pessoas que permanecerão próximas por muito tempo.”
Até certo ponto, as economias de doação existem dentro de todo grupo fechado. “É como os pequenos círculos comunitários são reconhecidos – pelo que compartilham”, diz Graeber. Mas “nas situações em que falta dinheiro, isso se expande e torna-se muito mais importante”.
Talvez a incorporação física da ideia seja um pequeno espaço, chamado Detroiters Helping Heach Other  (Moradores de Detroit ajudando-se uns aos outros), no sudoeste da cidade. O espaço lembra uma loja , com exceção de que – por causa de falta de dinheiro para eletricidade – a única luz entra pela porta aberta da frente.
Eletrodomésticos, móveis, utilidades de cozinha, roupas – há um pouco de tudo, disponível gratuitamente para quem necessita. As pessoas dão o que podem, quando podem (e muitos doadores também pegam da loja, quando necessitam). Alguns itens são gente de cidades vizinhas, que deseja ajudar diretamente a população de Detroit. As pessoas sabem não pegar o que não precisam, e dar tudo e sempre que podem. É uma rede de apoio comunitário crucial para quem está em crise – e nos últimos quatro anos tornou-se profundamente integrada à vida de muitos moradores de Detroit.
Os residentes na cidade não apenas dão ou permutam bens e serviços. Como muitas comunidades em todo o mundo, eles também trocam tempo. O banco de horas do sudoeste de Detroit é particularmente ativo, e inclui tanto indivíduos como empresas locais, tais como uma unidade de atendimento a idosos e uma loja de material de jardinagem. Para cada hora gasta fazendo um serviço, os participantes ganham uma hora recebendo outro serviço. Por exemplo, Mary Clare Duran, 65 anos, oferece frequentemente costura e reforma de roupa por meio do banco de horas do sudoeste de Detroit. Em contrapartida, ela solicita jardinagem dos outros membros. A pessoa que faz o trabalho no jardim pode gastar suas horas em, por exemplo, serviço de mecânica ou de cuidado com crianças. É um modo, diz Duran, de superar o dinheiro.
Um dos maiores desafios de banco de horas – que funciona principalmente online – é a desigualdade digital. Mas os moradores de Detroit encontraram soluções criativas em outros setores da economia informal. Descobriram, por exemplo, modos de articular caronas sem usar aplicativos. Nyasia Valdez, 22, recebeu sua carta de motorista em 2015, e começou a compartilhar seu carro com vizinhos e colegas de trabalho. Juntos, formaram sua própria rede de caronas, falando uns com os outros, compartilhando carros e chaves. Valdez diz que as circunstâncias estimulam a confiança. Há um entendimento, diz ela, de que “quando também estou na luta, a gente pode ajudar uns aos outros”.
Essas economias baseadas em relacionamentos, não-monetárias são fáceis de fetichizar. Mas em Detroit, esse método de viver nasceu do instinto humano em tempo de necessidade. “Venderam-nos a ideia de que o dinheiro é a chave para a felicidade e o sucesso, mas as pessoas não estão felizes”, diz Halima Cassells, fundadora do Mercado Livre de Detroit, um espaço de trocas onde todo mundo traz ao menos um item para dar e todos podem pegar tudo. “As pessoas gostam de que confiem nelas, de estar em ambientes onde são dignas de confiança. É algo que não se compra.
http://outraspalavras.net/capa/contra-a-crise-o-possivel-pos-capitalismo-local/ 

quinta-feira, 29 de junho de 2017

PAPA FRANCISCO: SINDICATOS DEVEM DEDICAR-SE À PROFECIA E À INOVAÇÃO SOCIAL

ESTA MENSAGEM VALE PARA A ITÁLIA, E VALE MAIS AINDA PARA O BRASIL. ELE NOS AJUDA E DESEJAR QUE A GREVE DO DIA 30 REFORCE A UNIÃO DOS TRABALHADORES E RENOVE AS ESTRUTURAS E LIDERANÇAS DOS NOSSOS SINDICATOS.

O ENCONTRO DO PAPA FRANCISCO COM OS SINDICALISTAS DA CISL- ITALIANA
por Salvatore Cernuizio, da la stampa, 28 jun 17
Na audiência à CISL, a Confederação Italiana dos Sindicatos dos Trabalhadores, o papa critica as “aposentadorias de ouro, uma ofensa não menos grave do que aquelas pobres demais”. E depois denuncia: “Às vezes, a corrupção entrou no coração dos sindicalistas”.

A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada no jornal La Stampa, 28-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

É “um novo pacto social pelo trabalho” invocado pelo Papa Bergoglio durante a audiência dessa quarta-feira, 28, na Sala Paulo VI, aos membros da CISL, para que se reduzam “as horas de trabalho de quem está na última temporada de trabalho, para criar trabalho para os jovens que têm o direito-dever de trabalhar”.
O sindicato como sentinela que olha e protege aqueles que estão dentro da cidade do trabalho, deve olhar e proteger também aqueles que estão fora dos muros
“É uma sociedade tola e míope aquela que obriga os idosos a trabalhar por muito tempo e obriga uma geração inteira de jovens a não trabalhar quando deveriam fazê-lo por eles e por todos”, exclamou o papa no seu discurso aos delegados que, nessa quarta-feira, iniciam os trabalhos do XVIII Congresso Nacional sobre o tema “Pela pessoa, pelo trabalho”, liderados pela secretária-geral,Annamaria Furlan.

Francisco não poupou também uma crítica contra as “aposentadorias de ouro”, que – diz – “ são uma ofensa ao trabalho não menos grave do que as aposentadorias pobres demais, porque fazem com que as desigualdades do tempo de trabalho se tornem perenes”. Esse é um risco como os muitos que, nos nossos dias, minam o laço entre pessoa e trabalho, “duas palavras que podem e devem estar juntas”.

“Se pensamos e dizemos o trabalho sem a pessoa, o trabalho acaba se tornando algo desumano, que, esquecendo as pessoas, esquece e perde a si mesmo. Mas, se pensamos a pessoa sem trabalho, dizemos algo parcial, incompleto, porque a pessoa se realiza em plenitude quando se torna trabalhador, trabalhadora; porque o indivíduo se faz pessoa quando se abre aos outros, à vida social, quando floresce no trabalho”, afirma o Papa Bergoglio.

É claro, salienta, “a pessoa não é só trabalho... Devemos pensar também na saudável cultura do ócio, de saber repousar. Isso não é preguiça, é uma necessidade humana. Quando eu pergunto a um homem, a uma mulher que tem dois, três filhos: ‘Mas, diga-me, você brinca com os seus filhos? Você tem esse ‘ócio’?’ – ‘É, você sabe, quando eu vou para o trabalho, eles ainda estão dormindo e, quando eu volto, já estão na cama.’ Isso é desumano”.

Por isso, “junto com o trabalho, também deve ir a outra cultura”. A pessoa “não é só trabalho”, insiste o papa, até porque “nem sempre trabalhamos e nem sempre devemos trabalhar. Quando crianças, não se trabalha e não se deve trabalhar. Não trabalhamos quando estamos doentes, não trabalhamos quando somos velhos. Há muitas pessoas que ainda não trabalham, ou que não trabalham mais”.

Tudo isso é bem sabido, mas é bom lembrar, especialmente em um mundo como o atual em que ainda há “demasiadas crianças e jovens que trabalham e não estudam, enquanto o estudo é o único ‘trabalho’ bom das crianças e dos jovens”. O mesmo mundo em que “nem sempre e nem a todos é reconhecido o direito a uma justa aposentadoria – justa porque não é nem pobre demais, nem rica demais”. Sem esquecer que, “quando um trabalhador adoece e é descartado também pelo mundo do trabalho em nome da eficiência”. Por outro lado, “se uma pessoa doente consegue, dentro dos seus limites, ainda trabalhar”, o trabalho desempenharia também “uma função terapêutica: às vezes, cura-se trabalhando com outros, junto com outros, para os outros”.

Neste emaranhado de limites e problemáticas, o drama mais sério, porém, é o dodesemprego juvenil. Drama porque, para os jovens, o trabalho é um “dom”, o “primeiro dom dos pais e das mães aos filhos e às filhas, é o primeiro patrimônio de uma sociedade. É o primeiro dote com que os ajudamos a alçar o seu voo livre da vida adulta”.

Não só, “quando os jovens estão fora do mundo do trabalho, faltam às empresas energia, entusiasmo, inovação, alegria de viver, que são preciosos bens comuns que tornam melhor a vida econômica e a felicidade pública”, assegura Francisco. Então, é “urgente” – reitera – um “novo pacto social pelo trabalho”, que “reduza as horas de trabalho de quem está na última temporada de trabalho, para criar trabalho para os jovens que têm o direito-dever de trabalhar”.
O sindicato é a expressão do perfil profético da sociedade
Diante dessa tarefa, a CISL, como todo movimento sindical, tem dois “desafios epocais” a serem enfrentados e vencidos. O primeiro é o da “profecia”, que diz respeito à própria natureza do sindicato, que é “expressão do perfil profético da sociedade”. O sindicato, enfatiza Francisco, “nasce e renasce todas as vezes que, como os profetas bíblicos, dá voz a quem não a tem”, todas as vezes que “denuncia o pobre ‘vendido por um par de sandálias’”, que “desmascara os poderosos que pisoteiam os direitos dos trabalhadores mais frágeis”, que “defende a causa do estrangeiro, dos últimos, dos ‘descartados’”.

Infelizmente, porém, nas atuais sociedades capitalistas avançadas, “o sindicato corre o risco de perder essa sua natureza profética e de se tornar semelhante demais às instituições e aos poderes que, em vez disso, deveria criticar. O sindicato, com o passar do tempo, acabou se assemelhando demais à política ou, melhor, aos partidos políticos, à sua linguagem, ao seu estilo”, observa o pontífice. “Se falta essa típica e diferente dimensão, a ação dentro das empresas também perde força e eficácia.”

O segundo desafio é o da “inovação”. Como os profetas que “são sentinelas, que vigiam no seu posto de observação”, o sindicato também “deve vigiar sobre os muros da cidade do trabalho, como sentinela que olha e protege aqueles que estão dentro da cidade do trabalho, mas que olha e protege também aqueles que estão fora dos muros”.

De fato, o sindicato “não desempenha a sua função essencial de inovação social se vigia apenas aqueles que estão dentro, se protege somente os direitos de quem já trabalha ou está aposentado. Isso deve ser feito, mas é metade do trabalho de vocês”, explicaBergoglio. “A vocação de vocês também é proteger quem ainda não tem os direitos, os excluídos do trabalho que são excluídos também dos direitos e da democracia.”
Não há uma boa sociedade sem um bom sindicato, e não há um sindicato bom que não renasça todos os dias nas periferias, que não transforme as pedras descartadas da economia em pedras angulares

Talvez, sugere o pontífice, se a nossa sociedade ainda não entende o sindicato é “porque não o vê lutando o suficiente nos lugares dos ‘direitos do ainda não’: nas periferias existenciais, entre os descartados do trabalho, entre os imigrantes, os pobres, que estão sob os muros da cidade”. Ou “não o entende simplesmente porque, às vezes a corrupção entrou no coração de alguns sindicalistas”.

“Não se deixem bloquear por isso”, é a advertência do bispo de Roma. É correto o fato de que “vocês estão se esforçando há muito tempo nas direções certas, especialmente com os migrantes, com os jovens e com as mulheres”. No entanto, é preciso fazer mais. Especialmente com as mulheres que – diz o papa, embora “poderia parecer superado” – “no mundo do trabalho, ainda são de segunda classe. Vocês poderiam dizer: ‘Não, existe aquela empresária, aquela outra...’. Sim, mas a mulher ganha menos, é mais facilmente explorada... Façam alguma coisa”.

“Habitar as periferias pode se tornar uma estratégia de ação, uma prioridade do sindicato de hoje e de amanhã”, conclui Francisco. “Não há uma boa sociedade sem um bom sindicato, e não há um sindicato bom que não renasça todos os dias nas periferias, que não transforme as pedras descartadas da economia em pedras angulares.”

quarta-feira, 28 de junho de 2017

O BRASIL TRANCADO PELO CONGELAMENTO DE GASTOS

NÃO FOI POR FALTA DE AVISO. PELO CONTRÁRIO, AVISADO DAS CONSEQUÊNCIAS, DEPUTADOS E SENADORES APROVARAM ESSE ARROCHO CRIMINOSO. E MANTIVERAM OS PRIVILÉGIOS DOS QUE VIVEM E DOMINAM COM ESPECULAÇÃO... 

PARA ONDE IREMOS?

O Brasil trancado pelo congelamento de gastos

Novo exame da PEC 241-55 revela: em casos como o da Previdência, pagamentos podem entrar em colapso já em 2018. Revelação demonstra: herança maldita de Temer precisa ser submetida a referendo revogatório
Por Helena Borges, no The Intercept
Um dos efeitos colaterais mais danosos da PEC do Teto [PEC 55/2016, convertida em Emenda Constitucional 94], aprovada no ano passado, tem passado despercebido nos últimos meses: ela tornou a Reforma da Previdência obrigatória. Por ordem da emenda constitucional aprovada, o orçamento da Previdência (assim como de demais áreas) deverá ser “congelado” por vinte anos nos níveis de 2016, sendo corrigido apenas pela inflação. O problema é que a quantidade de idosos no país vai aumentar neste período, de acordo com dados do IBGE. Ou seja, para que orçamento da Previdência se encaixe no teto, será obrigatoriamente necessário limitar o valor investido em aposentadorias.
08/02/2017- São Bernardo do Campo- SP, Brasil- Manifestação/passeata contra a reforma da previdência do sindicato dos metalúrgicos do abc até a igreja matriz, São Bernardo do Campo.Foto: Roberto Parizotti / CUT
Manifestação em São Bernardo do Campo (SP) contra a Reforma da Previdência. Foto: Roberto Parizotti
Segundo dados do IBGE, entre 2017 e 2037 a população com 60 anos ou mais vai praticamente dobrar, passando de estimados 25,9 milhões de pessoas para a ordem de 50 milhões de pessoas. Para manter o orçamento dentro do limite aprovado — ou seja, ajustado nos níveis de 2016 apenas pela inflação — ou o valor da aposentadoria terá de cair, ou o número de beneficiários precisará ser duramente controlado, levando a parte mais rica da população a recorrer à previdência privada. Mais uma vez, os mais afetados serão os mais pobres, que dependem mais dos valores pagos pela Previdência Social.
Uma vez aprovado o teto, agora a conta tem que fechar, obrigatoriamente. Não é à toa que o governo cogitou tomar medidas drásticas, como forçar a reforma por meio de Medidas Provisórias caso ela não seja aprovada em votação.

O que acontece se o teto não for respeitado

A emenda constitucional prevê sanções para as esferas de poder que ultrapassarem os limites de gastos. O órgão que desrespeitar seu teto (nesse caso, a Secretaria de Previdência) ficará impedido no ano seguinte de, por exemplo, contratar pessoal ou dar aumento aos seus funcionários, criar novas despesas ou, no caso do Executivo — do qual a Previdência faz parte — conceder incentivos fiscais. Em outras palavras, ou a pasta respeita o teto, ou entra em colapso. Acontece que o limite imposto é tão conservador que, no caso da Previdência, o colapso é inevitável em ambos os caminhos.
Aproveitando a mesma metáfora utilizada pelo ministro Henrique Meirelles e pelo presidente Michel Temer, segundo os quais a economia de um país pode ser vista como a de uma família — ignoremos momentaneamente o fato de que a comparação é falaciosa e errada, mas consideremos apenas pela licença poética —, é como se uma família se comprometesse a cortar os gastos pela metade, mas depois percebesse que assim vai faltar dinheiro até para o arroz com feijão. Só que, no caso da PEC, se a “família” não respeitar o limite, todos perdem seus empregos e os já parcos salários.

Não foi por falta de aviso

Tudo isso foi explicado para os parlamentares em diversas reuniões realizadas no próprio Congresso antes de as duas casas aprovarem a PEC, sempre com a presença de economistas e especialistas que registraram suas críticas ao novo regime fiscal.
Durante uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos, por exemplo, realizada em Brasília em novembro, a professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Esther Dweck explicou aos parlamentares que, uma vez aprovada, a PEC do Teto exigiria “diversas outras reformas, das quais a revisão dos mínimos constitucionais de saúde e educação e a Reforma da Previdência são só o começo”. A economista foi direta e franca:
“Os únicos alvos da PEC são as despesas primárias, que, no Brasil, são justamente o principal elemento de distribuição de renda que a gente teve nos últimos tempos”.

“O senhor sabe o que é despesa primária?”

Entre os outros especialistas que passaram pelo Congresso para explicar os efeitos danosos da PEC, a auditora fundadora do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida” Maria Lúcia Fattorelli foi ao Senado para falar especificamente sobre como a PEC 241 impactaria na Previdência Social. Ela explicou que o limite conservador, contrastado com o crescimento previsto da população idosa, exigiria elevados cortes nos benefícios previdenciários.
Fatorelli conta que foi com sua equipe para a porta do plenário antes da votação da PEC para fazer uma simples pergunta a cada parlamentar que entrava: “O senhor sabe o que é despesa primária?”. A auditora ri amargamente do resultado: “Eles diziam que não sabiam! Eu sinto apenas não ter uma câmera na hora”.
31/03/2017- São Paulo- SP, Brasil- Ato contra a reforma da previdência na avenida Paulista.Foto: Roberto Parizotti / CUT
Ato contra a Reforma da Previdência em São Paulo. Foto: Roberto Parizotti / CUT
O principal problema de os parlamentares afirmarem não saber o que são despesas primárias é que a PEC do Teto trata especificamente delas.
Despesa primária é como se chama a parte do orçamento público que trata da manutenção do Estado. É quanto dinheiro se gasta em serviços básicos prestados à população, como saúde, educação e, claro, aposentadoria. Sem entender o que são despesas primárias, os parlamentares não conseguiriam ler sequer a exposição de motivos da PEC do Teto, que as cita como foco principal da emenda constitucional:
“A raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária. No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%. Torna-se, portanto, necessário estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a expansão da dívida pública. Esse é o objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição”.
Dentro das despesas primárias, a Previdência toma o maior percentual: 46%. A Emenda Constitucional do Teto manda “congelar” por 20 anos todas as despesas primárias, entre elas os gastos com Seguridade Social, que, segundo o Artigo 194 da Constituição, são relativos “à saúde, à previdência e à assistência social”.
Trecho da Emenda Constitucional 95, que determina o congelamento do orçamento da Seguridade Social por 20 anos.

Despesas primárias são pouco mais da metade do orçamento

O que a exposição de motivos da emenda não mencionou é que as despesas primárias são apenas parte do orçamento. Segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal do Senado, publicado em fevereiro, os gastos da União de 2016 totalizaram R$ 2,67 trilhões. Desses, R$1,32 trilhão foram utilizados com despesas primárias. Já os gastos com pagamento de juros e amortização da dívida pública foram de R$1,13 trilhão, o equivalente a 42% do Orçamento Geral da União. Esses gastos ficarão de fora do “congelamento” feito pela emenda constitucional. O mesmo relatório do Senado afirma que “a cada ponto percentual reduzido na Selic [a taxa de juros], a economia estimada para o Erário é de R$ 28 bilhões”.
Ou seja:
1_ O gasto com pagamento de juros e amortização é da mesma ordem de grandeza que a soma de todas as despesas feitas para manter os serviços prestados pelo Estado a seus cidadãos (saúde, educação, segurança, Previdência…);
2_ O gasto com juros poderia ser reduzido caso o Banco Central diminuísse a taxa Selic;
3_ O governo, no entanto, tem preferido cortar gastos primários (via Previdência) do que diminuir os juros que paga aos seus credores.
Por último, porém não menos importante: de fato, o governo vem diminuindo os juros a passos de formiga, baixando 3 pontos percentuais nos últimos 9 meses. Assim o Brasil deixou o posto de maior pagador de juros do mundo. Agora, tem uma taxa real de 4,30% ao ano e perde apenas para a Rússia, com 4,57%. No entanto, não por coincidência, após as delações da JBS o Banco Central avisou que o ritmo de redução será ainda menor daqui em diante.
http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=478328 

ÁGUA: O MUNDO TODO ESTÁ DESPRIVATIZANDO

MENOS O BRASIL... ETA ELITE COLONIZADA TEIMOSA! SÓ A MOBILIZAÇÃO DÁ CONTA DA MUDANÇA NECESSÁRIA.

Água: o mundo todo está desprivatizando

Cochabamba (Bolívia), 2000: Em ação pioneira, “Guerra da Água” expulsa transnacional Bechtel, que havia elevado tarifas e cortado abastecimento aos mais pobres
De La Paz a Paris e Berlim, centenas de cidades retomam o controle público sobre o abastecimento. Motivo: busca do lucro máximo impede serviços de qualidade para todos. Brasil sob Temer é exceção gritante
Por Júlia Dias Carneiro, na BBC
Enquanto iniciativas para privatizar sistemas de saneamento avançam no Brasil, um estudo indica que esforços para fazer exatamente o inverso – devolver a gestão do tratamento e fornecimento de água às mãos públicas – continua a ser uma tendência global crescente.
De acordo com um mapeamento feito por onze organizações majoritariamente europeias, da virada do milênio para cá foram registrados 267 casos de “remunicipalização”, ou reestatização, de sistemas de água e esgoto. No ano 2000, de acordo com o estudo, só se conheciam três casos.
Satoko Kishimoto, uma das autoras da pesquisa publicada nesta sexta-feira, afirma que a reversão vem sendo impulsionada por um leque de problemas reincidentes, entre eles serviços inflacionados, ineficientes e com investimentos insuficientes. Ela é coordenadora para políticas públicas alternativas no Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda.
“Em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás porque constatam que as privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs) acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso”, explica Satoko à BBC Brasil.
O estudo detalha experiências de cidades que recorreram a privatizações de seus sistemas de água e saneamento nas últimas décadas, mas decidiram voltar atrás – uma longa lista que inclui lugares como Berlim, Paris, Budapeste, Bamako (Mali), Buenos Aires, Maputo (Moçambique) e La Paz.
Sakoto Kishimoto
Sakoto Kishimoto, coordenadora para políticas públicas alternativas no Instituto Transnacional (TNI)
Privatizações a caminho
A tendência, vista com força sobretudo na Europa, vai no caminho contrário ao movimento que vem sendo feito no Brasil para promover a concessão de sistemas de esgoto para a iniciativa privada.
O BNDES vem incentivando a atuação do setor privado na área de saneamento, e, no fim do ano passado, lançou um edital visando a privatização de empresas estatais, a concessão de serviços ou a criação de parcerias público-privadas.
À época, o banco anunciou que 18 Estados haviam decidido aderir ao programa de concessão de companhias de água e esgoto – do Acre a Santa Catarina.
O Rio de Janeiro foi o primeiro se posicionar pela privatização. A venda da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae) é uma das condições impostas pelo governo federal para o pacote de socorro à crise financeira do Estado.
A privatização da Cedae foi aprovada em fevereiro deste ano pela Alerj, gerando polêmica e protestos no Estado. De acordo com a lei aprovada, o Rio tem um ano para definir como será feita a privatização. Semana passada, o governador Luiz Fernando Pezão assinou um acordo com o BNDES para realizar estudos de modelagem.
Da água à coleta de lixo, 835 casos de reestatização
Satoko e sua equipe começaram a mapear as ocorrências em 2007, o que levou à criação de um “mapa das remunicipalizações” em parceria com o Observatório Corporativo Europeu.
site monitora casos de remunicipalização – que podem ocorrer de maneiras variadas, desde privatizações desfeitas com o poder público comprando o controle que detinha “de volta”, a interrupção do contrato de concessão ou o resgate da gestão pública após o fim de um período de concessão.
A análise das informações coletadas ao longo dos anos deu margem ao estudo. De acordo com a primeira edição, entre 2000 e 2015 foram identificados 235 casos de remunicipalização de sistemas de água, abrangendo 37 países e afetando mais de 100 milhões de pessoas.
Nos últimos dois anos, foram listados 32 casos a mais na área hídrica, mas o estudo foi expandido para observar a tendência de reestatização em outras áreas – fornecimento de energia elétrica, coleta de lixo, transporte, educação, saúde e serviços sociais, somando um total de sete áreas diferentes.
Em todas esses setores, foram identificados 835 casos de remunicipalização entre o ano de 2000 e janeiro de 2017 – em cidades grandes e capitais, em áreas rurais ou grandes centros urbanos. A grande maioria dos casos ocorreu de 2009 para cá, 693 ao todo – indicando um incremento na tendência.
O resgate ou a criação de novos sistemas geridos por municípios na área de energia liderou a lista, com 311 casos – 90% deles na Alemanha.
A retomada da gestão pública da água ficou em segundo lugar. Dos 267 casos, 106 – a grande maioria – foram observados na França, país que foi pioneiro nas privatizações no setor e é sede das multinacionais Suez e Veolia, líderes globais na área.
ETA Guandu
Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu, em Nova Iguaçu (RJ)
Fácil fazer, difícil voltar atrás
De acordo com o estudo, cerca de 90% dos sistemas de água mundiais ainda são de gestão pública. As privatizações no setor começaram a ser realizadas nos anos 1990 e seguem como uma forte tendência, em muitos casos impulsionadas por cenários de austeridade e crises fiscais.
Satoko diz ser uma “missão impossível” chegar a números absolutos para comparar as remunicipalizações, de um lado, e as privatizações, de outro. Estas podem ocorrer em moldes muito diferentes, seja por meio de concessões de serviços públicos por determinados períodos, privatizações parciais ou venda definitiva dos ativos do Estado.
Entretanto, ela frisa a importância de se conhecer os riscos que uma privatização do fornecimento de água pode trazer e as dificuldades de se reverter o processo.
“Autoridades que tomam essa decisão precisam saber que um número significativo de cidades e estados tiveram razões fortes para retornar ao sistema público”, aponta Satoko.
“Se você for por esse caminho, precisa de uma análise técnica e financeira muito cuidadosa e de um debate profundo antes de tomar a decisão. Porque o caminho de volta é muito mais difícil e oneroso”, alerta, ressaltando que, nos muitos casos que o modelo fracassou, é a população que paga o preço.
Como exemplo ela cita Apple Valley, cidade de 70 mil habitantes na Califórnia. Desde 2014, a prefeitura vem tentando se reapropriar do sistema de fornecimento e tratamento de água por causa do aumento de preços praticado pela concessionária (Apple Valley Ranchos, a AVR), que aumentou as tarifas em 65% entre 2002 e 2015.
Litígios dispendiosos
A maioria da população declarou apoio à remunicipalização, mas a companhia de água rejeitou a oferta de compra pela prefeitura. Em 2015, a cidade de Apple Valley entrou com uma ação de desapropriação, e o processo agora levar alguns anos para ser concluído.
Satoko afirma que há inúmeros casos de litígios similares, extremamente dispendiosos aos cofres públicos e que geralmente refletem um desequilíbrio de recursos entre as esferas públicas e privadas.
“Quando as autoridades locais entram em conflito com uma companhia, vemos batalhas judiciais sem fim. Em geral, as empresas podem mobilizar muito mais recursos, enquanto o poder público tem recursos limitados, e muitas vezes depende de dinheiro proveniente de impostos para enfrentar o processo.”
Outro exemplo que destaca é o de Berlim, onde o governo privatizou 49,99% do sistema hídrico em 1999. A medida foi extremamente impopular e, após anos de mobilização de moradores – e um referendo em 2011 -, ela foi revertida por completo em 2013. Foi uma vitória popular, diz Satoko, mas por outro lado o Estado precisou pagar 1,3 bilhão de euros para reaver o que antes já lhe pertencia.
“É um caso muito interessante, porque a iniciativa popular conseguiu motivar a desprivatização”, diz Satoko. “Mas isso gerou uma grande dívida para o Estado, que vai ser paga pela população ao longo de 30 anos.”
Realidade brasileira
Já tem uma década que a Lei do Saneamento Básico entrou em vigor no Brasil, mas metade do país continua sem acesso a sistemas de esgoto.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 50,3% dos brasileiros têm acesso a coleta de esgoto. Para a outra metade do país – 100 milhões de pessoas – o jeito de lidar com dejetos é recorrer a fossas sanitárias ou jogar o esgoto diretamente em rios. Já o abastecimento de água alcança hoje 83% dos brasileiros.
O economista Vitor Wilher afirma que não se pode ignorar esse cenário. Especialista do Instituto Millenium, ele considera que, no Brasil, a privatização seria uma solução do ponto de vista técnico e pragmático.
Ao deter controle de outras áreas que poderiam ser geridas pela iniciativa privada – como saneamento básico, correios, indústria de petróleo – o Estado brasileiro não consegue oferecer serviços básicos de qualidade, como segurança, educação e saúde, afirma.
“Na situação a que chegamos, porém, é meio irrelevante discutir se o Estado brasileiro deveria ou não cuidar dessas áreas. Porque o fato é que o Estado não tem mais recursos para isso”, diz o economista.
Luiz Fernando Pezão e Paulo Rabello de Castro
Governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (direita), assina acordo de cooperação técnica com presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, para que o banco faça a modelagem da concessão da Cedae.
“Os recursos estão de tal sorte escassos que ou o Estado privatiza, ou essas áreas ficam sem investimento. Hoje mais de metade da população não tem saneamento básico. Um Estado que gera um deficit primário da ordem de quase R$ 200 bilhões ao ano não tem qualquer condição de fazer os investimentos públicos necessários no setor.”
Moeda de troca para austeridade
O caso do Rio, e da Cedae, é semelhante ao de outros países em que a privatização de serviços públicos é exigido por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial como contrapartida para socorro financeiro.
Satoko lembra o caso da Grécia, onde a privatização das companhias de água que abastecem as duas maiores cidades do país, Atenas e Thessaloniki, era uma das exigências do programa de resgate ao país.
“É um approach absolutamente injusto, porque a companhia de águas é vendida meramente para pagar uma dívida. Mas, com isso, o dinheiro entra no orçamento público e imediatamente desaparece. Depois disso, a empresa já saiu das mãos públicas – ou indefinidamente, ou por períodos de concessão muito longos, que costumam ser de entre 20 a 30 anos”, pondera.
No papel, a Cedae é uma empresa de economia mista, mas o governo estadual do Rio detém 99,9% das ações. A companhia atende cerca de 12 milhões de pessoas em 64 municípios.
“No caso específico da Cedae, a entrega da gestão a iniciativa privada é ainda mais justificada”, considera Wilher, do Instituto Millenium.
“Além de a situação fiscal do Rio ser crítica, a Cedae não tem serviços de tratamento de água e esgoto satisfatórios há décadas”, diz ele, citando como contraponto o caso de Niterói, cidade vizinha ao Rio, em que a desvinculação da companhia pública e a privatização da rede de água levou a bons resultados. “É um dos cases de sucesso nos últimos anos no Brasil.”
Apesar das muitas deficiências que costumam ser apontados na qualidade e na abrangência do serviço prestado, a Cedae tem ganhos expressivos: só em 2016 o lucro foi de R$ 379 milhões, contra R$ 249 milhões em 2015 – um incremento de 52%.
Satoko afirma que o argumento da ineficiência de sistemas públicos de esgoto não podem ser uma justificativa para a privatização.
“Seus defensores apresentam a privatização como a única solução, mas há muitos bons exemplos no mundo de uma gestão pública eficiente. Afinal, 90% do fornecimento de água no mundo é público”, lembra. “A solução não é privatizar, e sim democratizar os serviços públicos.”
O economista Vitor Wilher ressalta, entretanto, que privatizar não significa uma saída de cena do estado. Uma parte fundamental do processo é uma estrutura de regulação sólida, estabelecendo obrigações, compromissos, prazos, políticas tarifária.
“Não se trata de entregar para a iniciativa privada. Os contratos têm que estar muito bem amarrados, senão a empresa poderia praticar os preços que quisesse e descumprir os serviços que lhe foram designados. Isso é um ponto importantíssimo. Não basta só privatizar, é preciso regular.”
Bandeira da Grécia em Atenas
Na Grécia, privatização de algumas companhias de água era uma das exigências do programa de resgate ao país.
Lógica do lucro ‘incompatível’ com serviços?
O estudo da remunicipalização de serviços aponta para incompatibilidades entre o papel social de uma companhia de água e saneamento com as necessidades de um grupo privado. Os serviços providos são direitos humanos fundamentais, atrelados à saúde pública e que, pelas especificidades do setor, precisam operar como monopólio.
Satoko considera que grupos privados não têm incentivo para fazer investimentos básicos que não teriam uma contrapartida do ponto de vista empresarial. No caso do Rio, por exemplo, investimentos necessários para aumentar o saneamento em áreas carentes não dariam retorno, considera.
“Com a concessão para grupos privados, a lógica de operação da companhia muda completamente. Os ativos não pertencem mais ao público. Ela passa a ter que gerar lucros e dividendos que sejam distribuídos para acionistas”, diz Satoko.
“O risco é enorme. Sistemas de água não pertencem ao governo, e sim ao povo. Se esse direito se perde, torna-se mais difícil implementar políticas públicas.”
A discussão necessária, considera Satoko, é como tornar uma companhia de saneamento mais eficiente e lucrativa para a sociedade. Quando a dívida pública se estabelece como prioridade, não há mais espaço para esse debate.
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