Carta de padres em apoio e adesão aos bispos signatários da Carta ao Povo de Deus
“Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Às vezes, sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros” (EG 56 e 270).
Nós, “Padres da Caminhada”, “Padres contra o Fascismo”, diáconos permanentes e tantos outros padres irmãos, empenhados em diversas partes do Brasil a serviço do Evangelho e do Reino de Deus, manifestamos nosso agradecimento e apoio aos bispos pela Carta ao Povo de Deus. Afirmamos que ela representa nossos pensamentos e sentimentos. Consideramos um documento profético de uma parcela significativa dos Bispos da Igreja Católica no Brasil, “em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil”, oferecendo ao Povo de Deus luzes para o discernimento dos sinais nestes tempos tão difíceis da história do nosso País.
O documento é uma leitura lúcida e corajosa da realidade atual à luz da fé. É a confirmação da missão e do desafio permanente para a Igreja: tornar o Reino de Deus presente no mundo, anunciando esperança e denunciando tudo o que está destruindo a esperança de uma vida melhor para o povo. É como uma grande tempestade que se abate sobre o nosso País. Os bispos alertam para o perigo de que “a causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República”, principalmente impulsionado pelo Presidente.
Sentimo-nos também interpelados por essa realidade a darmos nossa palavra de presbíteros comprometidos no seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Evangelho ilumina nossa caminhada e vamos aprofundando nosso compromisso na Igreja, sinal e instrumento do Reino, a serviço da vida e da esperança. Cada vez mais vemos a vida do povo sendo ameaçada e seus sofrimentos, principalmente dos pobres, vulneráveis e minorias. Tal realidade faz com que nossos corações ardam, nossos braços lutem e nossa voz grite pelas mudanças necessárias. Como recordam os Bispos, nós não somos motivados por “interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus”.
Os bispos muito bem expressaram em sua carta, recordando o Santo Padre, o Papa Francisco, que “a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus […] (Lc 4,43 e Mt 6,33) (EG. 180)”.
Sabemos que os que nos governam têm o dever de agir em favor de toda a população, de maneira especial, os mais pobres. Não tem sido esse o projeto do atual Governo, que “não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço”. Por isso, também estamos profundamente indignados com ações do Presidente da República em desfavor e com desdém para com a vida de seres humanos e também com a da “nossa irmã, a Mãe Terra”, e tantas ações que vão contra a vida do povo e a soberania do Brasil.
É urgente a reconstrução das relações sociais, pois “este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. […] Essa realidade não comporta indiferença.”. A CNBB tem se pronunciado de forma contundente em momentos recentes; em posicionamento do dia 30 de abril, manifestou perplexidade e indignação com descaso no combate ao novo coronavírus e por eventos atentatórios à ordem constitucional. Em outro momento, os 67 bispos da Amazônia publicaram outro documento, expressando imensa preocupação e exigindo maior atenção e cuidado do poder público em relação à Amazônia e aos povos originários. Na carta aberta ao Congresso Nacional do dia 13 de julho de 2020 a CNBB denunciou os 16 vetos do Presidente da República ao Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais (PL nº PL 1142/2020, agora Lei nº 14.021) dizendo: “Esses vetos são eticamente injustificáveis e desumanos pois negam direitos e garantias fundamentais à vida dos povos tradicionais”. Outras Comissões da CNBB assumiram decididamente o lado dos povos tradicionais do Brasil “duplamente vulneráveis: ao contágio do coronavírus e à constante ameaça de expulsão de seus territórios”.
Nesse tempo de “tempestade perfeita”, a voz do Espírito ressoa em posicionamentos corajosos da Igreja, que renova a cada dia seu compromisso “na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária”, como indicam os bispos em sua carta.
Reafirmamos nosso compromisso na defesa e no cuidado com a vida. Ao convite dos bispos queremos dar nosso sim! “Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta.” Queremos nos empenhar para cuidar deste País enfermo!
Nós nos solidarizamos com todas as famílias que perderam alguém por essa doença que ceifa vidas e aterroriza a todos. Próximos de atingir 100 mil mortos nesta pandemia, é inadmissível que não haja neste governo um Ministro da Saúde, que possa conduzir as políticas de combate ao novo coronavírus.
Conclamamos todos os cristãos e cristãs, as igrejas e comunidades, e todas as pessoas de boa vontade para que renovem, junto com os bispos, a opção pelo Evangelho e pela promoção da vida, espalhando as sementes do Reino de Deus.
Nós, “Padres da Caminhada”, “Padres contra o Fascismo”, diáconos permanentes e tantos outros padres irmãos, reafirmamos com alegria, ânimo e esperança a fidelidade à missão a nós confiada e apoiamos os bispos signatários da Carta ao Povo de Deus e em sintonia com a CNBB em sua missão de testemunhar e fortalecer a colegialidade.
29 de julho de 2020