Na mesma semana em que os deputados federais aprovaram criminosas mudanças no Código Florestal, aconteceram quatro assassinatos na Amazônia brasileira. Seria mera coincidência? Ou existem relações entre esses acontecimentos, aparentemente diferentes?
São tão interligados que muito provavelmente os maiores interessados no avanço sobre a floresta amazônica presentes na Câmara Federal podem ter tido um momento de raiva contra os executores dos assassinatos; afinal, isso poderia colocar em risco a vitória dos que desejavam mudar o Código Florestal. Em outras palavras, lideranças podem continuar sendo executadas, mas não convinha que isso coincidisse com a votação do tema no parlamento.
Na verdade, tudo que aconteceu em Brasília no dia 24 de maio foi marcado pelo cinismo característico das elites que se sabem acima do bem e do mal, seguras de contar com total impunidade. Algumas figuras mais afoitas revelaram que esta característica continua atual ao vaiarem o anúncio do assassinato do casal Maria do Espírito Santo da Silva e José Claudio Ribeiro da Silva, líderes do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, no sudeste do Pará. Afinal, agroextrativistas teriam o direito de ter sua morte violenta anunciada na Câmara Federal? Teriam, na verdade, alguma utilidade e mesmo o direito de existir?
A vaia revelou toda a relação entre a mudança do Código Florestal e o “direito” das elites latifundiárias, precedidas ou não por grileiros profissionais, que agem com assassinos profissionais, de eliminar as pessoas que se colocam em seu caminho de apropriação de cada vez maior quantidade de terra. E revela a certeza de que nada acontecerá com eles, visto contarem com um judiciário e com serviços advocatícios que sabem trabalhar com as leis para legitimar o ilegítimo, legalizar o ilegal, inocentar o criminoso; e que sabem jogar sobre os assassinados a culpa por sua própria morte, porque, ao fim e a cabo, teriam agido de forma criminosa ao afrontar os que têm sempre o direito de avançar sobre novas terras! Não adianta apresentarem direitos evidentemente constitucionais, pois nada detém a única real cláusula pétrea da Constituição, segundo os grandes proprietários e seus representantes no Congresso: a intocabilidade da propriedade privada e de seu crescimento através da livre iniciativa dos que têm poder econômico. Este é, na prática, o único direito, e tem fundamento sagrado; a vida, os direitos sociais e outras afirmações constitucionais não passam, para estes senhores do Brasil, de concessões que não podem vingar, a não ser quando servem aos interesses das elites proprietárias.
Para concluir, se com o atual Código Florestal as elites agiram com violência contra todas as formas de vida, imaginemos, se for possível, o que farão com o seu “novo” código florestas. Na mesma semana, e no mesmo dia, elas próprias legislaram em causa própria ao aprovarem mudanças no atual Código Florestal: descriminalizaram suas ações ilegais; liberaram-se do pagamento das multas e dívidas; proibiram os rios de serem rios e as nascentes de jorrarem água; justificaram e liberaram as erosões e deslizamentos de encostas; deram-se o luxo de compensar muito longe e onde custar menos suas agressões ao ambiente vital... Finalmente, sacrificaram o que resta de possibilidade de equilíbrio natural ao seu deus: a propriedade e a riqueza sem fim.
Presto homenagem aos quatro assassinados - Maria do Espírito Santo da Silva e José Claudio Ribeiro da Silva, Erenilton Pereira dos Santos e Adelino Ramos - e ofereço sua vida como prece ao Deus dos oprimidos e a Pachamama, na esperança de que, com sua proteção sobre o povo e sua ação direta, as elites tenham o que merecem como prêmio por sua violência, ganância, prepotência, usurpação de direitos sociais e ambientais, negação da democracia.