sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

CAMINHAMOS COMO SONÂMBULOS EM DIREÇÃO À CATÁSTROFE


VALE A PENA DEDICAR ALGUNS MINUTOS PARA ESCUTAR ESTE SENHOR CHEIO DE SABEDORIA...

Edgar Morin: “Estamos caminhando como sonâmbulos em direção à catástrofe”



Traduzido do site TerraEco

O que fazer neste período de crise aguda? Indignar-se, certamente. Mas, acimade tudo, aja. Aos 98 anos, o filósofo e sociólogo nos convida a resistir ao ditame da urgência. Para ele, a esperança está próxima. 

Por que a velocidade está tão arraigada no funcionamento de nossa sociedade?
A velocidade faz parte do grande mito do progresso que anima a civilização
ocidental desde os séculos 18 e 19. A idéia subjacente é que agradecemos a
ela por um futuro cada vez melhor. Quanto mais rápido formos em direção a
esse futuro, melhor, é claro.
É neste contexto que as comunicações, econômicas e sociais, e todos os tipos
de técnicas que possibilitaram a criação de transporte rápido se multiplicaram.
Penso em particular no motor a vapor, que não foi inventado por razões de
velocidade, mas em servir a indústria ferroviária, que se tornou cada vez mais
rápida.
Tudo isso é correlativo por causa da multiplicação de atividades e torna as
pessoas cada vez mais com pressa. Estamos numa época em que a
cronologia se impõe.
Então isso é novo?
Antigamente, você consultava o sol para para se orientar no tempo. No Brasil,
em cidades como Belém, ainda hoje nos encontramos “depois da chuva”.
Nesses padrões, seus relacionamentos são estabelecidos de acordo com um
ritmo temporal pontuado pelo sol. Mas o relógio de pulso, por exemplo, fez com
que o tempo abstrato substituísse o tempo natural. E o sistema de competição
e concorrência – que é o de nossa economia de mercado capitalista – significa
que, para a competição, o melhor desempenho é aquele que permite a maior
velocidade. A competição, portanto, se transformou em competitividade, o que
é uma perversão da concorrência.
Essa busca por velocidade não é uma ilusão?
De alguma forma. Não percebemos – embora pensemos que estamos fazendo
as coisas rapidamente – que estamos intoxicados pelo meio de transporte que
afirma ser rápido. O uso de meios de transporte cada vez mais eficientes, em
vez de acelerar o tempo de viagem, acaba – principalmente por causa de
engarrafamentos – desperdiçando tempo! Como já disse Ivan Illich (filósofo
austríaco nascido em 1926 e morto em 2002, ed): “O carro nos atrasa muito.
Até as pessoas, imobilizadas em seus carros, ouvem o rádio e sentem que
ainda estão usando o tempo de uma maneira útil. O mesmo vale para o
concurso de informações. Agora recorremos ao rádio ou a TV para não
esperar a publicação dos jornais. Todas essas múltiplas velocidades fazem
parte de uma grande aceleração do tempo, a da globalização. E tudo isso nos
leva ao desastre.
O progresso e o ritmo em que o construímos necessariamente nos destroem?
O desenvolvimento tecnoeconômico acelera todos os processos de produção
de bens e riquezas, os quais aceleram a degradação da biosfera e a poluição
generalizada. As armas nucleares estão se multiplicando e os técnicos estão
sendo solicitados a fazer as coisas mais rapidamente. Tudo isso, de fato, não
vai na direção de um desenvolvimento individual e coletivo!
Por que buscamos sistematicamente utilidade no decorrer do tempo?
Veja o exemplo do almoço. Tempo significa convívio e qualidade. Hoje, a idéia
de velocidade faz com que, assim que terminemos o prato, chamemos um
garçom que corre para recolher os pratos. Se você ficar entediado com seu
vizinho, tende a querer diminuir esse tempo.
Esse é o significado do movimento slow-food que deu origem à idéia de “vida
lenta”, “tempo lento” e até “ciência lenta”. Uma palavra sobre isso. Vejo que a
tendência dos jovens pesquisadores, assim que eles têm um campo de
trabalho, mesmo muito especializado, é que eles se apressem para obter
resultados e publiquem um “grande” artigo em uma “grande” revista científica
internacional, para que ninguém mais publique antes deles.
Esse espírito se desenvolve em detrimento da reflexão e do pensamento.
Nosso tempo rápido é, portanto, um tempo anti-reflexo. E não é por acaso que
existem várias instituições especializadas em nosso país que promovem o
tempo de meditação. O yoguismo, por exemplo, é uma maneira de interromper
o tempo rápido e obter um tempo silencioso de meditação. Dessa maneira,
evita-se a cronometria. As férias também permitem que você recupere seu
tempo natural e esse tempo de preguiça. O trabalho de Paul Lafargue O direito
à preguiça (que data de 1880, ed) permanece mais atual do que nunca, porque
não fazer nada significa tempo limite, perda de tempo, tempo sem fins
lucrativos.
Por quê?
Somos prisioneiros da ideia de rentabilidade, produtividade e competitividade.
Essas idéias foram exasperadas com a concorrência globalizada, nas
empresas, e depois se espalharam para outros lugares. O mesmo vale para o
mundo da escola e da universidade! O relacionamento entre o professor e o
aluno exige um relacionamento muito mais pessoal do que apenas as noções
de desempenho e resultados. Além disso, o cálculo acelera tudo isso. Vivemos
um tempo em que ele é privilegiado por tudo. Bem como saber tudo e dominar
tudo. Pesquisas que antecipam um ano de eleições fazem parte do mesmo
fenômeno. Chegamos a confundi-los com o anúncio do resultado. Tentamos
eliminar o efeito de surpresa sempre possível.
De quem é a culpa? Capitalismo? a ciência?
Estamos presos em um processo espantoso em que o capitalismo, as trocas e
a ciência são levados a esse ritmo. Não se pode ser culpa de um homem.
Devemos acusar Newton por ter inventado o motor a vapor? Não. O
capitalismo é essencialmente responsável, de fato. Por sua fundação, que é
buscar lucro. Pelo seu motor, que é tentar, pela competição, avançar seu
oponente.
Pela incessante sede de “novo” que promove através da publicidade … O que
é essa sociedade que produz objetos cada vez mais obsoletos? Essa
sociedade de consumo que organiza a fabricação de geladeiras ou máquinas
de lavar não para a vida útil infinita, mas para se decompor após oito anos? O
mito do novo, como você pode ver – mesmo para detergentes – visa sempre
incentivar o consumo. O capitalismo, por sua lei natural – a concorrência –
empurra, assim, para uma aceleração permanente e por sua pressão
consumista, sempre para obter novos produtos que também contribuem para
esse processo.
Vemos isso através de múltiplos movimentos no mundo, esse capitalismo é
questionado. Em particular na sua dimensão financeira …
Entramos em uma crise profunda sem saber o que sairá dela. As forças de
resistência realmente se manifestam. A economia social e solidária é uma
delas. Ela representa uma maneira de lutar contra essa pressão. Se
observarmos um impulso para a agricultura orgânica com pequenas e médias
fazendas e um retorno à agricultura, é porque grande parte do público começa
a entender que galinhas e porcos industrializados são adulterados e
desnaturalizam solos e águas subterrâneas.
Uma busca por produtos artesanais indica que desejamos fugir dos
supermercados que, eles próprios, exercem pressão do preço mínimo sobre o
produtor e tentam repassar um preço máximo para o consumidor. O Comércio
Justo também está tentando ignorar os intermediários predatórios. O
capitalismo triunfa em certas partes do mundo, mas outra margem vê reações
que surgem não apenas de novas formas de produção (cooperativas, fazendas
orgânicas), mas também da união consciente dos consumidores.
É aos meus olhos uma força não utilizada e fraca porque ainda dispersa. Se
essa força tomar conhecimento de produtos de qualidade e de produtos
nocivos, superficiais, uma força de pressão incrível será aplicada e influenciará
a produção.
Os políticos e seus partidos parecem não estar cientes dessas forças
emergentes. Eles não carecem de análise de inteligência …
Mas você parte do pressuposto de que esses homens e mulheres políticos já
fizeram essa análise. Mas você tem mentes limitadas por certas obsessões,
certas estruturas.
Por obsessão, você quer dizer crescimento?
Sim Eles nem sabem que o crescimento – supondo que volte aos chamados
países desenvolvidos – não excederá 2%! Não é esse crescimento que
conseguirá resolver a questão do emprego! O crescimento que queremos
rápido e forte é um crescimento na competição. Isso leva as empresas a
colocar as máquinas no lugar dos homens e, assim, liquidar as pessoas e
aliená-las ainda mais. Parece-me assustador que os socialistas possam
defender e prometer mais crescimento. Eles ainda não fizeram um esforço
para pensar e buscar novos pensamentos.
Desaceleração significaria decadência?
O importante é saber o que deve crescer e o que deve diminuir. É claro que
cidades não poluentes, energias renováveis e obras públicas saudáveis devem
crescer. O pensamento binário é um erro. É a mesma coisa para globalizar e
desglobalizar: é necessário continuar a globalização no que cria solidariedades
entre as pessoas e com o planeta, mas deve ser condenada quando cria ou
não traz zonas de prosperidade, mas de corrupção ou desigualdade. Eu
defendo uma visão complexa das coisas.
A velocidade em si não tem culpa?
Não. Se eu pegar minha bicicleta para ir à farmácia e tentar fazer isso antes
dela fechar, vou pedalar o mais rápido possível. Velocidade é algo que
precisamos e podemos usar quando necessário. O verdadeiro problema é
diminuir com êxito nossas atividades. Retomar o tempo, natural, biológico,
artificial, cronológico e conseguir resistir.
Você está certo ao dizer que o que é velocidade e aceleração é um processo
extremamente complexo da civilização, no qual técnicas, capitalismo, ciência e
economia têm sua parte. Todas essas forças combinadas nos levam a acelerar
sem que tenhamos controle sobre elas. Porque a nossa grande tragédia é que
a humanidade é arrastada em uma corrida acelerada, sem nenhum piloto a
bordo. Não há controle ou regulamentação. A própria economia não é regulada.
O Fundo Monetário Internacional não é, nesse sentido, um sistema real de
regulamentação.
A política ainda não deveria “levar tempo para reflexão”?
Muitas vezes, temos a sensação de que, por sua pressa de agir, de se
expressar, ele vem trabalhar sem nossos filhos, mesmo contra eles … Você
sabe, os políticos estão embarcando nessa corrida para acelerar. Li
recentemente uma tese sobre gabinetes ministeriais. Às vezes, nos escritórios
dos conselheiros, havia anotações e registros rotulados como “U” para
“urgentes”. Depois veio o “MU” para “muito urgente” e depois o “MMU”. Os
gabinetes ministeriais agora estão invadidos, desatualizados.
A tragédia dessa velocidade é que ela cancela e mata o pensamento político
pela raiz. A classe política não fez nenhum investimento intelectual para
antecipar, enfrentar o futuro. Foi o que tentei fazer em meus livros como
Introdução a uma política do homem, Caminho, Terre-patrie … O futuro é incerto,
é preciso tentar navegar, encontrar um caminho, uma perspectiva. Sempre
houve ambições pessoais na história. Mas eles estavam relacionados a idéias.
De Gaulle sem dúvida teve uma ambição, mas teve uma ótima ideia. Churchill
tinha ambição a serviço de uma grande idéia, que era salvar a Inglaterra do
desastre. Agora, não há mais grandes idéias, mas grandes ambições com
homenzinhos ou mulheres.
Michel Rocard recentemente lamentou sobre “Terra eco” o desaparecimento da
visão de longo prazo…
Ele tinha razão e não tinha. Uma política real não está posicionada no imediato,
mas no essencial. Por esquecer o essencial da urgência, acabamos
esquecendo a urgência do essencial. O que Michel Rocard chama de “longo
prazo”, eu chamo de “problema de substância”, “questão vital”. Pensar que
precisamos de uma política global para a salvaguarda da biosfera – com um
poder de decisão que distribua responsabilidades porque não podemos
atribuir as mesmas responsabilidades aos países ricos e aos países pobres – é
uma política essencial para longo prazo. Mas esse longo prazo deve ser rápido
o suficiente, porque a ameaça está se aproximando.
Edgar Morin, o estado de urgência perpétua de nossas sociedades o torna
pessimista?
Essa falta de visão me força a ficar na brecha. Há uma continuidade na
descontinuidade. Eu fui da época da Resistência quando jovem, onde havia um
inimigo, um ocupante e um perigo mortal, para outras formas de resistência
que não carregavam o perigo da morte, mas o de permanecer
incompreendido, caluniado ou desprezado.
Depois de ser comunista de guerra e depois de ter lutado com a Alemanha
nazista com grandes esperanças, vi que essas esperanças eram enganosas e
rompi com esse totalitarismo, que se tornou o inimigo da humanidade. Eu lutei
contra isso e resisti. Eu, naturalmente – defendi a independência do Vietnã ou
da Argélia, quando se tratava de liquidar um passado colonial. Pareceu-me
muito lógico depois de ter lutado pela independência da França, ameaçada
pelo nazismo. No final do dia, estamos sempre envolvidos na necessidade de
resistir.
E hoje?
Hoje, percebo que estamos sob a ameaça de duas barbáries associadas.
Antes de tudo, humano, que vem do fundo da história e que nunca foi liquidado:
o campo americano de Guantánamo ou a expulsão de crianças e pais que
estão separados, acontece hoje ! Essa barbárie é baseada no desprezo
humano. E então o segundo, frio e gelado, com base em cálculo e lucro. Essas
duas barbáries são aliadas e somos forçados a resistir em ambas as frentes.
Por isso, continuo com as mesmas aspirações e revoltas que as da minha
adolescência, com a consciência de ter perdido ilusões que poderiam me
animar quando, em 1931, eu tinha dez anos.
A combinação dessas duas barbáries nos colocaria em perigo mortal …
Sim, porque essas guerras podem a qualquer momento se desenvolver no
fanatismo. O poder destrutivo das armas nucleares é imenso e o da
degradação da biosfera para toda a humanidade é vertiginoso. Estamos indo,
por essa combinação, em direção a cataclismos. No entanto, o provável, o pior,
nunca está certo aos meus olhos, porque às vezes apenas alguns eventos são
suficientes para que as evidências se revertam.
Mulheres e homens também podem ter esse poder?
Infelizmente, em nosso tempo, o sistema impede que espíritos se rompam.
Quando a Inglaterra foi ameaçada de morte, um homem marginal foi levado ao
poder, seu nome era Churchill. Quando a França foi ameaçada, foi De Gaulle.
Durante a Revolução, muitas pessoas, sem treinamento militar, conseguiram se
tornar generais formidáveis, como Hoche ou Bonaparte; avocaillons como
Robespierre, grandes tribunos. Grandes momentos de crise terrível despertam
homens capazes de resistir. Ainda não estamos suficientemente cientes do
perigo. Ainda não entendemos que estamos caminhando para um desastre e
estamos nos movendo a toda velocidade como sonâmbulos.
O filósofo Jean-Pierre Dupuy acredita que da catástrofe nasce a solução. Você
compartilha a análise dele?
Não é dialético o suficiente. Ele nos diz que o desastre é inevitável, mas que é
a única maneira de saber que pode ser evitado. Eu digo: é provável que haja
um desastre, mas é improvável. Quero dizer com “provável” que, para nós,
observadores, no tempo em que estamos e nos lugares em que estamos, com
as melhores informações disponíveis, vemos que o curso das coisas está nos
levando a desastres. No entanto, sabemos que é sempre o improvável que
surgiu e que “fez” a transformação. Buda era improvável, Jesus era improvável,
Muhammad, a ciência moderna com Descartes, Pierre Gassendi, Francis
Bacon ou Galileu era improvável, o socialismo com Marx ou Proudhon era
improvável, o capitalismo era improvável na Idade Média … Veja Atenas. Cinco
séculos antes de nossa era, você tem uma pequena cidade grega diante de um
império gigantesco, a Pérsia. E duas vezes – embora destruída pela segunda
vez – Atenas consegue expulsar esses persas graças ao golpe de gênio do
estrategista Temístocles, em Salamina. Graças a essa incrível improbabilidade,
nasceu a democracia, que poderia fertilizar toda a história futura e depois a
filosofia. Então, se você quiser, posso chegar às mesmas conclusões que
Jean-Pierre Dupuy, mas meu caminho é bem diferente. Hoje, existem forças de
resistência dispersas, aninhadas na sociedade civil e que não se conhecem.
Mas acredito no dia em que essas forças se reunirão, em feixes. Tudo começa
com um desvio, que se transforma em uma tendência, que se torna uma força
histórica.
Portanto, é possível reunir essas forças, engajar a grande metamorfose, do
indivíduo e depois da sociedade?
O que chamo de metamorfose é o termo de um processo no qual várias
reformas, em todas as áreas, começam ao mesmo tempo.
Já estamos em processo de reformas …
Não, não. Não são essas pseudo-reformas. Estou falando de reformas
profundas da vida, civilização, sociedade, economia. Essas reformas terão que
começar simultaneamente e ser inter-solidárias.
Você chama essa abordagem de “viver bem”. A expressão parece fraca, tendo
em vista a ambição que você lhe dá.
O ideal da sociedade ocidental – “bem-estar” – deteriorou-se em coisas
puramente materiais, conforto e propriedade de objetos. E embora essa
palavra “bem-estar” seja muito bonita, outra coisa teve que ser encontrada. E
quando o presidente do Equador, Rafael Correa, encontrou essa fórmula de
“boa vida”, retomada por Evo Morales (presidente boliviano, ed)significava
florescimento humano, não apenas na sociedade, mas também na natureza.
A expressão “viver bem” é sem dúvida mais forte em espanhol do que em
francês. O termo é “ativo” na língua de Cervantes e passivo na de Molière. Mas
essa idéia é a que melhor se relaciona com a qualidade de vida, com o que
chamo de poesia da vida, amor, carinho, comunhão e alegria e, portanto, com a
qualitativa, que a devemos nos opor à primazia do quantitativo e da
acumulação. O bem-estar, a qualidade e a poesia da vida, inclusive em seu
ritmo, são coisas que devem – juntas – nos guiar. É para a humanidade uma
finalidade tão bonita. Implica também controlar simultaneamente coisas como
especulação internacional … Se não conseguirmos nos salvar desses polvos
que nos ameaçam e cuja força é acentuada, acelera, não haverá nada de bom.
-Sala. –

 https://www.pensarcontemporaneo.com/edgar-morin-estamos-caminhando-como-sonambulos/

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

FESTA: MST SERÁ MAIOR PRODUTOR DE ARROZ ORGÂNICO DA AMÉRICA LATINA

ESTA NOTÍCIA DA BOA PRÁTICA DO MST PRECISA SER ESPALHADAPRA TODAS AS PESSOAS POR QUE ELA REVELA MUITAS COISAS, DAS QUAIS DESTACO DUAS:
  • É POSSÍVEL PRODUZIR ARROZ SEM OS VENENOS QUÍMICOS E IDEOLÓGICOS DOS SENHORES DO AGRONEGÓCIO.
  • QUEM FAZ ISSO SÃO TRABALHADORES SEM-TERRA QUE CONQUISTARAM O DIREITO DE TER TERRA PARA REALIZAR O QUE AINDA SE COSTUMA REPETIR QUE SERIA IMPOSSÍVEL.
AGROECOLOGIA

Com plantio recorde, MST será maior produtor de arroz orgânico da América Latina

Festa da Colheita, no Rio Grande do Sul, terá presença do ex-presidente Lula em março

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300 mil sacas: produção abrange 14 assentamentos da Reforma Agrária em 11 municípios gaúchos - Alex Garcia
A colheita do arroz orgânico da safra 2019/2020 já começou no Rio Grande do Sul. Os trabalhos ocorrem desde sábado (22) no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, na região Metropolitana de Porto Alegre.

Informações do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mostram que a produção abrange 14 assentamentos da Reforma Agrária situados em 11 municípios gaúchos.

A estimativa é colher mais de 300 mil sacas do alimento, numa área total de 3.215 hectares. O cultivo, que ocorre em sistema pré-germinado, é de 364 famílias. Esses dados colocam o MST na posição de maior produtor de arroz orgânico da América Latina, conforme o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).

A colheita iniciou em Viamão no lote de André Oliveira da Luz e Neusa Amador da Luz, onde há 12 hectares de lavoura destinados ao plantio de arroz orgânico. A estimativa do casal é colher mil sacas no local.
Convite oficial da Festa da Colheita do Arroz Agroecológico
De acordo com o Grupo Gestor, a região Metropolitana produz a maior parte do arroz livre de agrotóxico do MST. O Assentamento Filhos de Sepé tem a maior área plantada – 1.150 hectares – e 124 famílias envolvidas. Segundo o assentado Osmar Moura, que acompanha a colheita no município, lá a estimativa é colher 100 mil sacas.

Festa da Colheita será em março

O MST já tem data para a 17ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico. Será no dia 20 de março, numa sexta-feira, no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita, também na região Metropolitana de Porto Alegre.

Este ano o evento, que já tem a presença confirmada do ex-presidente Lula, reforçará a necessidade de preservar a natureza. Durante todo o dia terá atividades, entre elas estudos, colheita simbólica de arroz na lavoura, ato político e feira de produtos da Reforma Agrária.

https://www.brasildefato.com.br/2020/02/25/com-plantio-recorde-mst-sera-maior-produtor-de-arroz-organico-da-america-latina

MIL CIENTISTAS CONVOCAM CIDADÃOS PARA UMA REBELIÃO PELO CLIMA

PASSOU DA HORA. NA VERDADE, TODOS E TODAS DEVERÍAMOS CONVOCAR E AJUDAR A REALIZAR A REBELIÃO PELO CLIMA. SE NÃO DESPERTARMOS E SE NÃO FIZERMOS AS MUDANÇAS QUE SÃO ABSOLUTAMENTE NECESSÁRIAS E URGENTES, QUEM TERÁ DIREITO AO FUTURO?


Mil cientistas franceses assinam manifesto contra o governo e convocam cidadãos para uma rebelião pelo clima



Em 20 de fevereiro, mil cientistas franceses de áreas diversas publicaram manifesto no jornal Le Monde, no qual tratam das mudanças climáticas e de suas consequências – que já estão sendo sentidas em todos os continentes – e da incapacidade de governos sucessivos para lidar com a crise climática e ambiental, ao ignorar o que a Ciência disse e não adotar as medidas necessárias para impedir seu avanço.

“Agora, a urgência aumenta a cada dia e tal inércia não pode ser mais tolerada”. E reproduzem o “mantra” de movimentos como o Extinction Rebellion (XR) e o Fridays for Future, de Greta Thunberg: “a rebelião é necessária!”, com os quais simpatizam.

E continuaram: “As observações científicas são indiscutíveis e desastres estão acontecendo diante de nossos olhos. Estamos no meio da sexta extinção em massa, dezenas de espécies estão desaparecendo todos os dias e os níveis de poluição são alarmantes de todos os pontos de vista: plásticos, pesticidas, nitratos, metais pesados ​​etc”.

Consumismo desenfreado e ‘coletes amarelos’

Os acadêmicos não se conformam que a sociedade ainda coontinua ignorando o impacto de suas atividades no planeta, “como muitos estudos mostraram claramente todos os dias, refletindo o consenso científico. Se continuarmos nesse caminho, o futuro de nossa espécie é sombrio”.

Atacaram o governo de Emmanuel Macron e o chamaram de cúmplice “por negligenciar o princípio da precaução e por não reconhecer que o crescimento infinito em um planeta com recursos finitos é simplesmente um beco sem saída”.

Também destacaram que as atuais políticas francesas de proteção ao clima e à biodiversidade estão muito aquém dos desafios e da urgência que enfrentamos. E destacaram o movimento radical dos coletes amarelos que chamou políticos de hipócritas e inconsistentes: “Longe de confirmar uma suposta oposição entre ecologia e justiça social, o movimento de coletes amarelos denunciou, com razão, a inconsistência e a hipocrisia dos políticos que, por um lado, queriam impor sobriedade aos cidadãos enquanto promoviam outro consumismo desenfreado e um liberalismo econômico desigual e predatório“.

Também citaram tecnologias que consideram irresponsáveis num momento como este em que deveríamos reduzir o consumo: “Continuar promovendo tecnologias supérfluas e que consomem energia, como 5G ou o carro autônomo, é irresponsável no momento em que nosso estilo de vida deve evoluir para mais frugalidade e quando nossos esforços coletivos devem se concentrar na transição ecológica e social“.

Ainda lembraram que o Conselho Superior do Clima alertou que o orçamento para emissões de gases de efeito estufa estabelecido pela Estratégia Nacional Francesa de Baixo Carbono não foi respeitado entre 2015 e 2018. E a pegada de carbono per capita da França (incluindo emissões importadas) permanece acima do nível de 1995, com 11 toneladas de CO2 equivalente per capita e por ano”. E avisou: “consideremos que essa pegada precisa cair para 2 toneladas até 2050”.

O manifesto indica que a próxima década será decisiva “para limitar a extensão da desregulamentação futura” e que os signatários não querem que os jovens de hoje e das gerações futuras sofram as “conseqüências da catástrofe sem precedentes que estamos preparando e cujos efeitos já estão sendo sentidos. Quando um governo renuncia conscientemente a sua responsabilidade de proteger seus cidadãos, falha em seu papel essencial”.

E, assim, os cientistas convocam os cidadãos franceses para que participem das “ações de desobediência civil” realizadas por movimentos ambientais, ecológicos e pelo clima, principalmente os dois citados no inicio deste testo: XR e Fridays for Future, este último iniciado por Greta.

Os primeiros mil signatários do manifesto publicaram a lista completa com seus nomes num link que chamam de Rebeliões Científicas. Ela será atualizada à medida que outros cientistas aderirem.

Foto: Valadim Balakin, que participou de concurso da revista National Geographic sobre os impactos das mudanças climáticas no planeta. Ele foi um dos vencedores com esta foto chocante da carcaça de um urso polar na Noruega

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.
http://conexaoplaneta.com.br/blog/mil-cientistas-franceses-assinam-manifesto-contra-o-governo-e-convocam-cidadaos-para-uma-rebeliao-pelo-clima/ 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A VIDA EM CIDADES VULNERÁVEIS


CHUVAS E ESTIAGENS DEMONSTRAM VULNERABILIDADE DAS CIDADES BRASILEIRAS AOS EFEITOS DO AQUECIMENTO GLOBAL

IHU – 21 de fevereiro de 2020
Mudança climática nas cidades: “Precisamos ficar preparados para o pior”.

A reportagem é de Herton Escobar, publicada por Jornal da USP e reproduzida por EcoDebate, 17-02-2020.

Era início de janeiro quando o professor Pedro Leite da Silva Dias viu as primeiras notícias sobre uma grande “explosão” de chuvas na ilha de Java, na Indonésia. Para a maioria dos brasileiros, era uma notícia sem importância, sobre um lugar distante, desconectado da nossa realidade. Mas Dias enxergou ali o prenúncio de mais uma possível tragédia nacional. “Macaco velho” das ciências atmosféricas, com quase 50 anos de experiência na área, ele logo pensou: “Essa bomba vai chegar aqui”.

E chegou mesmo. Três semanas mais tarde, uma “explosão” semelhante de chuvas torrenciais começou a desabar sobre Belo Horizonte e outros municípios da Zona da Mata Mineira, sul do Espírito Santo e norte do Rio de Janeiro. As cenas de calamidade do réveillon na Indonésia logo se repetiram aqui: alagamentos, desabamentos, destruição, sofrimento, mortes. Só no Estado de Minas Gerais, mais de 50 pessoas perderam a vida em janeiro por causa da chuva, e mais de 50 mil ficaram desabrigadas.

“A experiência me diz que quando acontece uma explosão assim na Indonésia é bom ficar de olho, porque vai dar algum problema por aqui também”, observa Dias, professor titular e atual diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

Não se trata de profecia nem premonição, mas de uma previsão científica, lastreada por décadas de pesquisa acadêmica e trabalho no campo. Além de cientista, Dias é fazendeiro, produtor de café no sul de Minas Gerais — onde depende, também, de uma boa meteorologia para garantir o sucesso de sua lavoura.

A tal “explosão”, no caso, é como os meteorologistas se referem a eventos de chuva intensa que persistem por vários dias, sobre grandes áreas, normalmente detonados por um aquecimento anômalo da água do mar ou pela intrusão de frentes frias na região dos trópicos. Essas “explosões” liberam uma quantidade imensa de energia (gerada pela mudança de fase da água, do estado gasoso para o líquido), que se propaga pela atmosfera na forma de ondas.

“É como quando você joga uma pedra num lago e forma aqueles anéis concêntricos, que espalham a energia na água a partir do ponto onde a pedra caiu”, explica Dias. “No caso da atmosfera, o papel da pedra é feito pela chuva.”

À medida que essas ondas se propagam, elas movimentam massas de ar que vão interferir com fenômenos atmosféricos locais, produzindo anomalias meteorológicas ao redor do globo. Dez dias após a “explosão” na Indonésia, por exemplo, a costa leste dos Estados Unidos foi tomada por uma onda de calor recorde, com temperaturas que passaram dos 20 graus Celsius em Boston e Nova York, em pleno inverno — quando o normal seria estar nevando. Europa, Ásia e Austrália também registraram anomalias no período.

É um exemplo do que os meteorologistas chamam de “teleconexões atmosféricas”; fenômeno pelo qual perturbações do sistema em um ponto do planeta podem surtir efeitos em regiões distantes — numa versão climática (e real) do chamado “efeito borboleta”.

No Brasil, o evento mais marcante desse cenário teleconectado foram as chuvas de janeiro em Minas Gerais. Resumindo: a onda de choque da “explosão” na Indonésia atravessou o Pacífico, passou por cima dos Andes e despejou uma massa de ar seco sobre a Amazônia, que inibiu a formação de chuvas sobre a floresta e “abriu a porta” para um maior fluxo de umidade do Oceano Atlântico para a região Sudeste. Quando essa umidade vinda do Atlântico sul eventualmente se encontrou com a umidade vinda da Amazônia (que deveria ter caído sobre a floresta, mas não caiu, por causa do ar seco), fez-se o dilúvio.

Imprevisibilidade previsível

As previsões meteorológicas do início de janeiro chegaram a prever a ocorrência de chuvas mais fortes em Minas Gerais para o fim do mês, mas não na magnitude observada. “Belo Horizonte estava na área de risco, mas as previsões subestimaram a intensidade do evento”, avalia Dias. O mesmo aconteceu com o temporal de 10 de fevereiro que paralisou São Paulo: os meteorologistas acertaram na previsão de chuva forte, mas o volume de água que desabou sobre a metrópole (114 mm) acabou sendo o dobro do previsto.

Essa é uma das grandes dificuldades (científicas, políticas e econômicas) de se lidar, na prática, com as mudanças climáticas: a imprevisibilidade do clima. As previsões meteorológicas hoje são bastante confiáveis para um período de três a cinco dias, mas o grau de incerteza aumenta a partir daí. E por mais que a ciência avance nesse sentido, a incerteza nunca chegará a zero, porque o sistema climático é complexo e caótico demais para se prever “com certeza” o que vai acontecer num determinado dia.

“A gente precisa aprender a conviver com a incerteza da previsão; ou seja, trabalhar com previsões probabilísticas e tomar ações com base na probabilidade de ocorrência de um determinado evento”, afirma Dias.

Ao ver a “explosão” na Indonésia, ele previu que algum efeito colateral chegaria ao Brasil, mas não sabia como, onde ou quando exatamente esse efeito iria se manifestar por aqui. Poderia ser chuva — como acabou sendo —, mas também poderia ser seca, dependendo das condições atmosféricas do momento. A grande estiagem do verão de 2013-2014 em São Paulo, segundo ele, também foi um evento extremo desencadeado, inicialmente, por uma “explosão” de chuva no sudeste asiático.

Diante das previsões, Dias tomou as precauções que podia em sua fazenda: contratou um equipe para cavar canais adicionais de drenagem em uma área onde ele acabara de plantar café, antes do Natal. Foi a salvação da lavoura. Em um dia, no fim de janeiro, chegou a chover 126 milímetros em 24 horas — uma verdadeira enxurrada, que teria levado grande parte do café novo embora, não fosse pelos canais de escoamento que ele havia feito. “A lição disso é prevenção”, resume Dias.
Dito isso, fica a dúvida: será que os prefeitos de Belo Horizonte, de São Paulo e das outras várias cidades afetadas pelas chuvas das últimas semanas (e dos últimos anos) poderiam ter tomado medidas preventivas para evitar, ou ao menos reduzir, os estragos causados pelos temporais?

Há algumas medidas que podem ser tomadas de forma emergencial — por exemplo, a evacuação de pessoas de áreas de risco, sujeitas a alagamentos e deslizamentos. Mas a adaptação das cidades à mudança do clima exige mudanças muito mais sistêmicas e estruturais do que isso, segundo os especialistas.

“Roleta russa” climática

Ainda que não seja possível prever exatamente onde e quando cada evento climático extremo vai acontecer, é possível dizer com certeza que a frequência desses eventos está aumentando, e que a tendência — segundo os melhores e mais confiáveis modelos de previsão climática disponíveis — é que eles continuem se tornando cada vez mais frequentes e intensos à medida que a temperatura do planeta aumenta. Ou seja, a probabilidade de uma cidade qualquer sofrer com extremos de temperatura, chuvas e estiagens nos próximos anos é imensa. Mais cedo ou mais tarde, todos serão atingidos pela mudança do clima. Portanto, todos precisam se precaver.

“É uma roleta russa”, diz o diretor do Instituto de Biociências (IB) e coordenador do programa USP Cidades Globais, Marcos Buckeridge. “Precisamos ficar preparados para o pior.”

“Era óbvio que uma tempestade dessa dimensão chegaria a São Paulo, após os desastres em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os eventos extremos gerados pelas mudanças climáticas vieram para ficar e serão cada vez mais contundentes. O governo não pode mais continuar negligenciando essa questão”, escreveu o urbanista Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, em artigo publicado no site da Folha de S. Paulo, no fim da tarde de 10 de fevereiro, com a cidade ainda debaixo d’água.

Chuvas fortes, estiagens e ondas de calor (ou frio) sempre existiram e continuarão a existir — isso não é novidade; faz parte da variabilidade natural do clima. A mudança trazida pelo aquecimento global está na frequência e na intensidade com que esses fenômenos ocorrem, elevando drasticamente o risco que eles oferecem para os grandes centros urbanos. As tragédias não decorrem do clima propriamente dito, mas da interação desses extremos climáticos com uma série de problemas urbanísticos e sociais das cidades brasileiras — que também não são novidade, mas se tornam mais agudos, dolorosos e difíceis de remediar à medida que o clima fica mais extremo, com mais frequência.

“Não é correto achar que as mudanças climáticas globais não tenham a ver com o que está ocorrendo agora. Elas não são o único motivo, mas contribuem, junto aos nossos erros de urbanização, para esta situação terrível em que nos encontramos”, afirma Buckeridge. “Os governos não erram apenas agora. Erraram ao ignorar, durante décadas, as advertências dos cientistas. A pergunta agora é: continuaremos a ignorar os avisos?”

A canalização de rios e a impermeabilização do solo são problemas graves, que impedem o escoamento natural da água da chuva. As margens dos rios Tietê e Pinheiros alagam porque foram feitas para isso — são as chamadas várzeas, ou planícies de inundação, que inundam naturalmente em períodos de cheia. O problema é que agora, em vez de florestas e campos, elas são cobertas de asfalto; além do fato de o curso desses rios ter sido completamente alterado e suas bordas, cobertas de concreto. A falta de cobertura verde, por sua vez, aumenta o calor e dificulta o escoamento da água nas partes mais internas da cidade.


 
Vulnerabilidade das cidades brasileiras aos efeitos do aquecimento global. (Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas)

“Os eventos extremos não criam, mas potencializam desigualdades e deficiências que nossas cidades já têm”, diz Gabriela Di Giulio, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública e membro do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP, que estuda comunicação de risco, governança e impacto humano das mudanças climáticas (assista abaixo a apresentação dela sobre o tema no USP Talks).

Os vários eventos extremos registrados no Sudeste nos últimos anos, segundo Gabriela, deixam claro que a necessidade de adaptação das cidades às mudanças climáticas não é um desafio para o futuro, mas uma demanda “para ontem”.

“Os dados estão aí; o aumento dos extremos é uma realidade”, diz o meteorologista José Marengo, coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). “Não é uma projeção para o futuro, é algo que estamos vivendo agora.”

Dados da estação meteorológica do IAG-USP mostram que o número de temporais com mais de 80 milímetros de chuva em São Paulo foi quase seis vezes maior no período de 2000 a 2018 (com 23 eventos) do que nas décadas de 1940 e 1950 (com 4 eventos), por exemplo, segundo um estudo coordenado pelo Cemaden que deverá ser publicado em breve. No caso de chuvas extremas, acima de 100 mm, o aumento foi de quatro vezes no mesmo período (8 contra 2). E só neste ano já tivemos duas tempestades acima desse volume — incluindo a tempestade do último dia 10.

O problema não se restringe às grandes metrópoles. Uma das maiores tragédias associadas a extremos climáticos ocorreu na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, em 2011, quando deslizamentos e enchentes mataram mais de 900 pessoas em municípios como Teresópolis e Nova Friburgo.

Outra vulnerabilidade urbana que é exacerbada pelas mudanças climáticas, segundo os pesquisadores, é a desigualdade social. Tipicamente, as populações mais afetadas pelos extremos climáticos são as mais pobres, forçadas a viver em áreas de risco, como encostas de morros e margens de rios ou córregos.

“Nós vamos ter que pensar nisso: para fazer as medidas de adaptação no futuro, alguns vão pagar com a vida — e aí não tem preço, não dá para a gente precificar. Do ponto de vista da infraestrutura nós vamos gastar muito mais (…) do que se nos precavêssemos de trabalhar agora”, reforça Buckeridge.

“A tragédia deve servir de alerta para que a sociedade se conscientize de que a mudança climática é uma questão que afeta de forma dramática a vida dos cidadãos, que o planejamento urbano é indispensável para enfrentar o problema das enchentes e que apenas medidas estruturais, proporcionais a esse desafio, podem garantir resultados sustentáveis para aliviar os graves efeitos dos eventos climáticos extremos”, resumiu Bonduki.