segunda-feira, 30 de setembro de 2013

MOBILIZAÇÃO INDÍGENA EM FAVOR DA VIDA DA TERRA E NA TERRA




Os povos indígenas do Brasil estão em mobilização em Brasília e em diversos estados. Estão defendendo a Constituição Federal, porque há deputados e senadores que desejam mudar a Constituição para acabar com os direitos dos povos indígenas. Na verdade, já estão impedindo, e com apoio do governo federal, a demarcação de novos territórios originários indígenas e querem, agora, que as empresas possam entrar livremente nas terras indígenas para extrair minérios, gás, petróleo, e para produzir a energia elétrica que essas atividades extrativas precisam. Querem acabar com o direito de consulta, isto é: o direito de conhecer bem cada projeto e suas consequências para a vida das comunidades e da mãe terra para poderem decidir, com liberdade, se aceitam ou não que sejam implantados em seus territórios.
O Congresso nacional está mudando a Constituição para facilitar o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Está, por isso, a serviço do principal programa do governo federal, mas os dois, o Congresso e o Governo, estão a serviço das grandes empresas que querem enriquecer ainda mais retirando e exportando bens naturais que estão no seio da Terra. Por mais que falem em desenvolvimento sustentável, é ilusão achar que elas mudarão sua marca genética, que é a de aumentar seus lucros a qualquer custo.
Um desses custos tem sido e será, com certeza, a destruição das culturas dos povos indígenas. E o outro, o aumento do desequilíbrio climático, provocado por mais desmatamentos, estradas, abertura de minas, instalações industriais, hidrelétricas, navegação fluvial, vilas e cidades...
Não há dúvida de que as mobilizações indígenas são um grito apoiado pelos novos dados publicados no 5º Relatório do pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU, conhecido como IPCC. O trabalho de milhares de estudiosos confirma: a Terra continua esquentando, e isso se deve ao uso de produtos fósseis – petróleo, carvão, gás – para fazer mineração, agropecuária, indústria, transporte, comércio, especulação financeira – isto é, para manter um crescimento econômico sem fim. Seguir por esse caminho e levar a humanidade e iludir-se de que é o melhor ou o único caminho, é deixar-se guiar por pessoas cegas e adoradoras do ídolo dinheiro, como lembrou o papa Francisco nos últimos dias em Cagliari, Itália.

IPCC: RECOMEÇO DA GUERRA CONTRA AS EVIDÊNCIAS DA CIÊNCIA

POR SABER QUE HÁ GRANDES INTERESSES POR TRÁS DA GUERRA CONSERVADORA CONTRA OS RELATÓRIOS DO IPCC, VALE A PENA SUGERIR A LEITURA DO TEXTO A SEGUIR, QUE FALA COMO ISSO ESTÁ CONTAMINANDO TAMBÉM O PARLAMENTO INGLÊS. 

PREPAREM-SE PARA AS BABOSEIRAS QUE A MÍDIA DAS POUCAS FAMÍLIAS PROPRIETÁRIAS VEICULARÁ NOS PRÓXIMOS DIAS NO BRASIL. SEMPRE HÁ TOLOS QUE POSAM DE CIENTISTAS - E SÃO BEM PAGOS PARA ISSO - PARA REPETIR QUE É MELHOR SEGUIR IMAGINAÇÕES DO QUE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS. CUIDADO: NÃO VALE A PENA CORRER O RISCO DE DEIXAR-SE GUIAR POR CEGOS, PORQUE ISSO PODE LEVAR-NOS A SITUAÇÕES DE CRISE CLIMÁTICA SEM RETORNO.




In Carta Maior - 27/09/2013 | Copyleft http://www.cartamaior.com.br/templates/imagens/interface/icon_mail.gif

Um parlamento de tolos: quando políticos declaram guerra à ciência

A doença estadunidense chegou à Inglaterra: parlamentares declarando guerra total à ciência. Um grupo de parlamentares, alguns deles, como John Redwood, Peter Lilley, Andrew Tyrie e Graham Stringer, veteranos, experientes, se prepararam para deixar de lado todo tipo de precaução e declarar guerra total contra as evidências. Objetivo: atacar o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e bombardear o Ato de Mudanças Climáticas da Inglaterra. Por George Monbiot.

Por George Monbiot, para o Guardian

Londres - Um encontro hippie falando sobre a Terra ser chata. Foi assim que um deputado descreveu o Parlamento semana passada. A política com que cidadãos dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália já estão exaustivamente familiarizados, em que os parlamentares eleitos acusam tanto as evidências científicas quanto os pesquisadores que chegaram a elas, chegou à Inglaterra.

Alguns anos atrás, eu decidi parar de discutir com quem negava as mudanças no clima. Eu perdi tempo demais com pessoas como Lord Lawson, Lord Monckton, David Rose ou Christopher Booker. Parece que o que eles têm fica grudado em você. Eu comecei a me sentir como o homem daquela charge: “Não posso ir para a cama ainda, querida. Ainda tem alguém errado na internet.”

Mas isso, em Westminster, é algo novo: um grupo de parlamentares, alguns deles, como John Redwood, Peter Lilley, Andrew Tyrie e Graham Stringer, veteranos, experientes, se prepararam para deixar de lado todo tipo de precaução e declarar guerra total contra as evidências. Ouvindo ao debate de terça-feira, eu tive a sensação de que eles estavam fazendo um ritual de iniciação, como membros de gangue fazendo uma tatuagem na cara. Para mostrar que você é crente de verdade, você deve mutilar seu histórico político falando um monte de bobagens sem sentido no Parlamento. Então, com o coração pesado, lá vou eu de novo.

Eles pareciam ter dois objetivos: atacar o relatório a ser apresentado na semana seguinte pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e bombardear o Ato de Mudanças Climáticas da Inglaterra. Não fosse pelo fato de que eles hoje representam uma forte corrente de opinião dentro do Parlamento, na qual o secretário de meio ambiente está, eu simplesmente bateria minha cabeça na parede três vezes e iria em frente. Mas o poder e o alcance deles, suas certezas e absurdas deturpações demandavam uma resposta.

O debate foi proposto por um parlamentar conservador chamado David TC Davies, que usa seu discurso para tecer uma longa lista de teorias da conspiração e mitos sobre zumbis; alegações que vêm sendo derrubadas diversas vezes mas continuam reaparecendo. Eis aqui alguns exemplos, para dar para vocês uma noção da distância que os nossos representantes eleitos tomaram das evidências.

“Não está provado”, sustentou Davies, “que o dióxido de carbono que foi para a atmosfera seja o responsável pelo pequeno aquecimento que aconteceu desde o início da industrialização”. Bem, claro que não está provado – nada está. Mas as evidências são impressionantes. Talvez Davies não saiba da montanha de estudos científicos sobre o assunto, investigando as contribuições prováveis de manchas solares, vulcões e outras causas naturais, e a mensuração da radiação refletida de volta para a Terra por causa dos gases do efeito estufa. Esses estudos atribuem a maior parte do aquecimento das últimas décadas a nós.

Davies insiste que “nos anos 1970, todo mundo previa que estávamos chegando a uma nova era do gelo”. Mas um estudo sobre os artigos que tratavam de mudança climática publicados entre 1965 e 1979 encontrou sete textos que sugeriam que o mundo poderia estar esfriando, e 44 propondo a tese de que ele estava esquentando. A “ênfase no aquecimento por causa do efeito estufa”, conclui o estudo, “dominou a literatura científica desde então”. Havia muitas histórias na imprensa popular sugerindo uma iminente era glacial, mas os cientistas não têm culpa disso, assim como eles não têm culpa pela declaração de Davies de que “é com uma era glacial que devemos nos preocupar”.

E assim ele foi, desenrolando fábulas bem conhecidas sobre conspirações selvagens com o departamento de meteorologia (conhecido como Met), “fez tudo que era possível para esconder evidências e cálculos”, postando, ãhn, tudo no seu site. Malditos. Mas uma afirmação se destaca. Davies a sustentou de acordo com uma resposta de um parlamentar que ele recebeu, de que “toda pessoa no país vai pagar entre 4.700 e 5.300 libras esterlinas por ano para manter as políticas de controle do clima do governo”. Eu procurei isso. Não achei nada.

Os números que ele mencionou são uma média de todos os custos por pessoa com energia entre 2010 e 2050: “todo o dinheiro necessário para a operação de todo o sistema energético, incluindo o funcionamento dos carros, trens, aviões, usinas de força de todos os tipos”. Os programas de controle do clima são uma parcela bem pequena disso. A tal resposta foi dada oito dias antes do debate. É difícil imaginar como o sr. Davies conseguiu lembrar tão bem dos números exatos, mas esquecer a que eles se referiam.

Ele não é o único a manipular as evidências assim. O deputado trabalhista Graham Stringer se juntou à caça às bruxas dizendo que o departamento de pesquisa do Met – o Hadley Center, em Exeter – foi desacreditado depois de uma pesquisa feita por Lord Oxburgh. Mas a pesquisa de Lord Oxburgh investigou (e desonerou completamente) um corpo completamente diferente, do outro lado do país: a unidade de pesquisa climática da Universidade de East Anglia. O que faz com que tudo isso seja mais estranho ainda é que Stringer, como membro da comissão de ciência e tecnologia da Câmara dos Comuns, conduziu uma pesquisa paralela sobre a tal unidade, em que foi registrado que seus métodos eram extremamente agressivos. Como ele poderia esquecer qual o órgão que foi submetido às investigações?

Devemos acreditar que esses representantes têm mesmo uma memória tão ruim ou tão pouca capacidade de compreensão que esses foram erros não intencionais? Seja qual for o caso, Davies e Stringer devem se corrigir perante a Casa.

Foi muito bom ver um ministro conservador, Greg Barker, montar uma defesa tão robusta da ciência, especialmente quando um de seus colegas, o secretário de meio ambiente Owen Paterson, publicamente a rejeitou, se aliando aos lobistas dos combustíveis fósseis contra as evidências. Mas por quanto tempo mais o governo vai manter entre os seus os terra-chata? Será que logo vamos estar como a Austrália, onde o primeiro ministro disse que aquecimento global por ação do homem é “uma completa besteira”?

Nunca subestime a capacidade dos poderosos de ignorarem as evidências que eles acharem inconvenientes. Nunca subestime a boa vontade deles em apaziguar os lobistas repetindo as besteiras que eles falam. Nunca subestime a presteza com que eles abandonam os interesses de toda a humanidade em nome de uma crença que eles se recusam a deixar para trás.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

IPCC DESAFIA NOVAMENTE A HUMANIDADE


ESTÁ SENDO PUBLICADO HOJE O 5º RELATÓRIO DO PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS - IPCC. ELE É SEM DÚVIDA O MAIS COMPLETO DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO EM QUE SE ENCONTRA O PLANETA TERRA.

E O DIAGNÓSTICO APONTA COM ALTA SEGURANÇA QUE AS MUDANÇAS NO CLIMA SÃO PROVOCADAS PELO AQUECIMENTO MÉDIO GLOBAL, E QUE ESTE AQUECIMENTO É PROVOCADO POR AÇÕES HUMANAS, ESPECIALMENTE NAS ÚLTIMAS DÉCADAS.

FICAM DOIS DESAFIOS: O QUE PODEMOS FAZER PARA FORÇAR OS ACORDOS POLÍTICOS QUE PROMOVERÃO AS MUDANÇAS QUE É NECESSÁRIO E URGENTE FAZER? ISSO VAI DAS MUDANÇAS QUE CADA PESSOA PODE E DEVE FAZER, INCLUINDO SUA MUDANÇA DE MENTALIDADE, MAS PRECISA CHEGAR AO ABANDONO DOS PRODUTOS FÓSSEIS COMO FONTES DE ENERGIA. POR ISSO O SEGUNDO DESAFIO: O QUE PODEMOS FAZER PARA QUE NOSSO GOVERNO MUDE A MATRIZ ENERGÉTICA, INCORPORANDO E DANDO PRIORIDADE À GERAÇÃO DESCENTRALIZADA E COM PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES DE ENERGIA SOLAR, EÓLICA, COM BIOMASSA E COM O MOVIMENTO NATURAL DAS ÁGUAS?

LEIAM COM ATENÇÃO A ENTREVISTA COM PAULO ARTAXO, UM DOS NOSSOS ESTUDIOSOS DA ATMOSFERA QUE CONTRIBUI NA ELABORAÇÃO DOS RELATÓRIOS DO IPCC. E APOIEM O FÓRUM MUDANÇAS CLIMÁTICAS E JUSTIÇA SOCIAL EM SEU TRABALHO DE INFORMAÇÃO, GERAÇÃO DE CONSCIÊNCIA CRÍTICA E MOBILIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA EM FAVOR DAS MUDANÇAS QUE DEVEMOS FAZER SE QUEREMOS QUE MAIS GERAÇÕES HUMANAS VIVAM NO PLANETA TERRA.

IPCC deixa claro que é preciso cortar emissões, diz Artaxo

O físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e um dos autores do estudo que o IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental para a Mudança Climática) divulga hoje, em Estocolmo, tem uma certeza quanto ao resultado do trabalho de quatro anos de cientistas do mundo todo sobre a ciência do clima: "O homem está aumentando cada vez mais a sua influência negativa no clima do nosso planeta. Estamos em um processo acelerado de aquecimento global".
Artaxo é um dos autores do capítulo de aerossóis e nuvens do novo relatório e é coordenador da divulgação no Brasil do "Sumário para Formuladores de Políticas", que será conhecido mundialmente hoje. Ele adianta aqui alguns pontos que não devem mudar na discussão que representantes de mais de 180 países estão fazendo nesta semana, na Suécia sobre a última versão do documento. O documento reafirma o que se divulgou no estudo anterior - que o nível dos mares vai subir, que os eventos extremos serão cada vez mais frequentes, que o regime de chuvas irá mudar, que o aquecimento está se agravando e que tudo isso é responsabilidade do homem.
"O relatório deixa muito claro que é fundamental reduzirmos as emissões dos gases de efeito estufa o mais cedo possível e com a maior intensidade possível", resumiu Artaxo, em Londres, onde participa da Fapesp Week, evento que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo promove nesta semana para reforçar a pesquisa no Brasil e a colaboração entre cientistas brasileiros e estrangeiros.
A entrevista é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 27-09-2013.
Eis a entrevista.
A ciência do clima foi questionada no outro relatório. O sr. tem comentários sobre isso?
Em ciência é saudável ter vozes dissonantes. É um mecanismo que promove o aprimoramento da ciência. Então, o que oIPCC fez no novo relatório foi analisar cuidadosamente, com dados científicos e trabalhos de observação e de modelagem, os vários aspectos que foram levantados em relação a pontos que poderiam não ter um embasamento forte no relatório anterior, o AR4 [lançado em 2007]. Esses pontos foram cuidadosamente analisados e estão discutidos, em detalhes, no AR5. O que nós observamos é que a base científica é hoje muito robusta. O que nos leva a afirmar que, com mais de 95% de certeza, o homem está, sim, alterando o clima do planeta de uma maneira que pode trazer impactos socioeconômicos muito fortes neste século.
Vem sendo dito na mídia que o aumento de temperatura previsto agora é menor que o sido previsto antes. O que isso significa?
O aumento de temperatura previsto não é menor. É da mesma ordem de grandeza se se levar em conta as incertezas inerentes nesse cálculo.
O sr. está dizendo que está dentro da margem de erro?
Está dentro da margem de incerteza, não de erro porque não existe erro aí. Isso são incertezas estatísticas inerentes ao processo de cálculo, por exemplo, de como será a temperatura no final deste século. Basicamente, a faixa das projeções de temperatura são muito similares ao relatório AR4. Deve-se também levar em conta que não são exatamente os mesmos cenários de emissões que foram utilizados no AR4 que estão sendo utilizados no AR5.
Eles mudaram?
O aprimoramento da ciência levou os cientistas a elaborar um sistema de projeções climáticas que é muito mais sofisticado do que o utilizado no último relatório porque não se baseia apenas nas emissões, por exemplo, de CO2 ou metano de cada setor. Ele se pautou pelas concentrações atmosféricas do conjunto de todos os efeitos que afetam o sistema climático terrestre.
O sr. pode dar um exemplo disso?
É um cálculo muito mais sofisticado. Por exemplo, um cenário mais otimista, chamado RCP 2,5, é um cenário onde, basicamente, estima-se que as concentrações de gases de efeito estufa até o final deste século produzirão um valor máximo de forçante radioativa de 2,5 watts por metro quadrado. Essa medida, essa forçante radioativa, pode ser obtida pela concentração de CO2, pela concentração de metano, pela alteração do uso do solo, por um número muito grande de fatores que não são somente as emissões de gases individuais. É um protocolo de concentrações atmosféricas muito mais sofisticado do que o usado até agora. Antes as simulações climáticas eram baseadas apenas nos cenários de emissões de gases do efeito estufa. Os novos "cenários de emissões" não são propriamente isso. São caminhos de como a forçante radioativa vai ser atingida e qual a forçante radioativa de equilíbrio para cada perfil de emissões de gás de efeito estufa.
O que é essa forçante radioativa?
É a medida do efeito de qualquer alteração que se faça, tanto na atmosfera quanto na superfície do nosso planeta, que mude o balanço de radiação que mantém a temperatura e as condições termodinâmicas da Terra. Por exemplo, o cenário de 8,5 watts por metro quadrado significa que a contribuição de toda a alteração humana no clima seria de 8,5 watts por metro quadrado. Hoje essas alterações são de 2,3 watts por metro quadrado.
O senhor está falando só do impacto do homem nas mudanças climáticas?
Sim, só do impacto do homem, sem as componentes naturais do sistema climático. O IPCC estruturou agora quatro cenários. Em um deles, a forçante radioativa é de 2,6 watts por metro quadrado. No outro, 4 watts por metro quadrado, 6,5 watts por metro quadrado e finalmente 8,5 watts por metro quadrado.
O cenário mais pessimista, por exemplo, significa o quê em termos de impacto no planeta?
O cenário mais pessimista, o chamado RCP 8,5 implica um aumento de temperatura entre 2 a 4,5 graus centígrados ao longo deste século, projetado para os últimos 20 anos deste século como média, levando em conta como base a temperatura em 2010. Levando em conta que o nosso planeta já se aqueceu 1 grau centígrado, isso leva a um aquecimento total da Terra, desde o início da Revolução Industrial ao final deste século, entre 3 a 5 graus, o que é um aumento muito significativo.
Quanto a temperatura pode variar nesses novos cenários?
No cenário mais otimista, o aumento da temperatura seria de 2 graus centígrados e no mais pessimista, de 4,5 graus centígrados ao longo deste século.
A imprensa está falando em um "hiato" no aumento da temperatura. O que é isso?
Na última década, o aumento da temperatura cresceu menos do que cresceu nos anos 80 e 90 do século passado. O aumento anterior, por década, era de 0,12 grau centígrado e, na última década, esse aumento diminuiu para 0,05 grau centígrado por década. Há duas razões que podem esclarecer porque isso acontece. Nessa última década houve uma predominância de fenômenos La Niña versus fenômenos El Niño.
Pode explicar La Niña?
O La Niña aquece as águas do oceano Pacífico e aumenta a transferência de calor da atmosfera para as águas profundas.
E o outro ponto?
Esse calor tem que ter ido para algum lugar. Medidas recentes mostram claramente que nos oceanos, em profundidades abaixo de 700 metros, as águas estão aquecendo a uma razão muito maior do que antigamente. Portanto, esse calor retirado da atmosfera está indo para os oceanos mais profundos. Recentemente foram coletados dados de boias que medem o perfil da temperatura dos oceanos até 700 metros de profundidade e eles indicaram que é para lá que esse calor foi. E isso não quer dizer que o aumento da temperatura não possa voltar aos valores da década anterior.
Então o "hiato" não é um indicativo de que, na verdade, a Terra não está aquecendo.
Não, muito pelo contrário. Não só a Terra está aquecendo, como agora até a água mais profunda dos oceanos, abaixo dos 700 metros, está aquecendo.
O que o novo estudo traz sobre aumento do nível do mar?
Os modelos hoje são muito mais sofisticados em analisar o aumento do nível do mar. Esse aumento foi projetado para os diferentes cenários variando de 20 a até 85 centímetros ao longo deste século. Um aumento médio de 85 centímetros significa que em algumas regiões podemos ter um aumento do nível do mar menor que este, mas em outras regiões pode ser um aumento maior do que um metro. Isso pode trazer problemas sérios de erosão em muitas zonas costeiras do mundo.
Qual o impacto no Brasil?
O Brasil não está imune à mudança climática. Observamos, do ponto de vista da temperatura e do ponto de vista do aumento do nível do mar, valores muito similares aos observados pelo IPPC. Isso foi divulgado recentemente no lançamento do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). O aumento médio da temperatura no país até hoje é da ordem de 1 grau centígrado, mas em algumas regiões reportam aumentos de até 2 graus, o que acarreta alterações importantes no funcionamento dos ecossistemas.
O Nordeste continuará sofrendo mais?
Sem dúvida nenhuma, no caso do aumento da temperatura e redução da precipitação. No caso de aumento de temperatura e precipitação, é a região Sudeste. O Sudeste já observa aumento na taxa de chuvas da ordem de 30% do início do século passado até 2010, de acordo com o relatório do PBMC. Os modelos climáticos preveem alta ainda maior nas taxas de precipitação para a região Sul.
Isso acarreta mudanças na produção agrícola e também no surgimento de doenças?
Isso significa que teremos impactos socioeconômicos. O setor da agricultura, em particular, é extremamente sensível a essas mudanças e também o setor de pesca, que será bastante afetado, com certeza, tendo efeitos socioeconômicos importantes.
O senhor está falando em redução do estoque de peixes?
Redução e alteração de estoque pesqueiro. Cardumes que hoje chegam a determinadas regiões por causa de correntes marítimas, da salinidade e da temperatura, podem ter a incidência alterada. Na agricultura teremos, e já estamos observando, de acordo com a Embrapa, alterações na produtividade em várias culturas incluindo café, cana-de-açúcar, soja.
O que pode mudar, amanhã, na divulgação do relatório final? Haverá surpresas?
A plenária do IPCC, onde há mais de 180 países, não faz qualquer alteração nos cálculos ou nos números constantes do relatório, porque esses números foram resultado de quatro anos de observações realizadas por milhares de cientistas. Isso não é alterado. O que pode mudar, isso dependerá da ação de governos, é por exemplo, retirar a inclusão de itens ou de adjetivos. Se um evento é "provável", "pouco provável" ou "muito provável", por exemplo.
Qual a mensagem mais importante desse relatório?
O que está muito claro no relatório é que é fundamental reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa na maior intensidade possível e no menor tempo possível. É uma tarefa não só dos governos de cada país individualmente. Precisamos ter um sistema de governança global que permita uma política coerente de redução de emissões por todos os países.
O senhor vê avanços para essa governança?
Artaxo: A governança das mudanças climáticas globais é sem dúvida o maior desafio político, social e econômico que o nosso planeta teve em toda a história. Não é muito simples se estruturar políticas que envolvam todos os países sem exceção e que podem alterar a produtividade econômica de muitos países e regiões. Isso não é tarefa fácil. Vai demorar algumas décadas para que a gente possa equacionar uma política coerente de redução de emissões.
E no Brasil, em termos de políticas públicas, há avanços?
O Brasil tem uma política agressiva de redução de emissões, com corte de 80% em 2020, comparado com 1990. O Brasil está atingindo a sua meta, reduziu o desmatamento e tem a vantagem de ter 50% de sua matriz energética em fontes renováveis. O Brasil tem vantagens estratégicas enormes, basta saber usar.
Mas o Brasil está mudando seu perfil de emissões, não?
Sem dúvida nenhuma, o Brasil está alterando o perfil de emissão ao longo dos últimos anos. Com a dificuldade de explorar o potencial hidrelétrico na Amazônia e com o aumento na demanda, o Brasil vai usar cada vez mais combustíveis fósseis na produção de energia. Mas o Brasil tem um potencial de energia eólica muito forte, potencial de energia solar muito forte, e esses potenciais devem ser explorados o mais rápido possível e com a maior intensidade possível.