segunda-feira, 24 de outubro de 2011

QUANTO MAIS POBRE, MAIS IMPOSTO PAGA. POR QUÊ?

Vejam o antigo que segue, com dados que ajudam a buscar resposta à pergunta do título: por que os pobres brasileiros pagam mais impostos? Os dados comparativos com outros países ajudam a derrubar as campanhas dos empresários por diminuição dos impostos. Falta perguntar: quais os impostos que devem diminuir? E, por outro lado, quais os impostos que devem aumentar?

Vale prestar atenção à pergunta final: por que os nossos muito ricos não propõem, como já o fizeram seus colegas estadunidenses e europeus, que sejam aumentados os impostos sobre as altas rendas? Talvez isso seja, uma vez mais, indicação de que os ricos brasileiros não têm nenhuma sensibilidade em relação à injusta distribuição da riqueza e da renda no país, e combatem, com unhas e dentes, qualquer proposta de justiça tributária, através de uma política tributária progressiva.






IHU - 21/10/2011



Quanto mais pobre o cidadão, mais impostos



"Winston Churchil dizia que imposto sobre a herança era infalível para evitar proliferação de "ricos indolentes", lembra Odilon Guedes, mestre em economia pela PUC/SP, professor universitário e membro do Conselho Regional de Economia-SP, ex-presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo, vereador e subprefeito de São Paulo, em artigo publicado no jornal Valor, 21-10-2011.

Ele também informa que "Quando da morte da princesa Diana, em 1997, os jornais noticiaram que o fisco inglês cobrou de sua herança o imposto de US$ 15 milhões, metade dos US$ 30 milhões deixados para seus filhos. Naquele país, a taxação é apoiada até mesmo pelos conservadores".

Eis o artigo.

A partir da declaração do megainvestidor americano
 Warren Buffett, a terceira maior fortuna do mundo, pedindo aumento dos impostos para os mais ricos nos Estados Unidos, vários milionários europeus também passaram a defender essa medida naquele continente. Nesse contexto, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, encaminhou ao Parlamento proposta para que os ricos que tenham renda anual acima de € 500 mil passem a pagar uma sobretaxa provisória de 3%.

Esse fato é um bom motivo para discutirmos a carga tributária brasileira, já que nosso país é um dos mais injustos do planeta na cobrança da tributação. Os mais pobres são quem paga, proporcionalmente, mais tributos no Brasil, e não os ricos.

Nesse contexto, é importante lembrar que há um projeto de reforma tributária na Câmara dos Deputados que permanece "adormecido", aliás, como ocorreu com todos os outros elaborados nos últimos anos no Brasil. O debate em torno desse assunto no país acaba centrado em grande parte no aspecto da diminuição dos impostos porque a carga tributária é alta em relação aos serviços que o Estado oferece. Os que mais defendem a diminuição dessa carga são os empresários, baseados no argumento de que pagando muitos impostos seus negócios são dificultados. Fica praticamente excluída do debate a maioria da população brasileira e, principalmente, sua camada mais pobre - proporcionalmente a que paga mais impostos -, que não tem a menor ideia de quanto eles pesam no seu bolso.

Estudos desenvolvidos pelo
 Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) comprovam claramente tal situação. Segundo um levantamento de 2008, pessoas cuja renda mensal familiar alcançava até dois salários mínimos comprometiam 53,9% de seus ganhos com o pagamento de tributos, enquanto que outras, com renda superior a 30 salários mínimos, comprometiam apenas 29%.

Outro dado de destaque nesse estudo do Ipea: um trabalhador que recebia até dois salários mínimos precisava trabalhar 197 dias para pagar os tributos, enquanto outro que ganhava mais de 30 precisava de três meses a menos de trabalho, ou exatos 106 dias.

Essa situação ocorre porque cerca de 50% da nossa carga tributária é indireta, isto é, incide sobre o consumo, atingindo indiscriminadamente toda a população, independentemente da renda e da riqueza de cada um. A cobrança da maioria dos tributos vem embutida no preço final das mercadorias. Vejamos um exemplo significativo:

Um cidadão que ganha R$ 1 mil por mês e coloca R$ 100 de gasolina no tanque do seu carro está pagando R$ 53 de impostos. Enquanto outro que ganha R$ 30 mil e abastece o tanque pelo mesmo valor também paga os mesmos R$ 53, levando isso à injustiça apontada.

Nos países capitalistas desenvolvidos, ao contrário daqui, a maior parte da carga tributária é direta e recai sobre a renda, a riqueza, a propriedade e a herança. Esses critérios são mais justos do que os existentes no Brasil porque tributa diretamente quem ganha mais e tem melhores condições de pagamento.

Segundo dados da
 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos Estados Unidos a renda é responsável por 49% da carga tributária. Se comparado com o Brasil, que é de 19%, naquele país é 150% maior que a nossa. A média desse tributo nos países pertencentes à OCDE é de 37%, quase 50% maior que a brasileira.

Sobre a propriedade a carga americana é 10%, cerca de três vezes maior que a brasileira, que é de 3%. Na OCDE a média desse tributo é 6%, o dobro da nossa. Em relação ao consumo, ocorre justamente o inverso. Enquanto na carga tributária brasileira esse tipo de tributos representa em torno de 47%, na americana representam 16% e na OCDE ela representa na média, 37% do total. Esses dados confirmam que nos países desenvolvidos há muito mais justiça tributária que no Brasil.

Dois exemplos ilustram as diferenças entre aqueles países e o Brasil. Na
 Inglaterra, por exemplo, o imposto sobre a herança é cobrado há mais de 300 anos. Quando da morte daprincesa Diana, em 1997, os jornais noticiaram que o fisco inglês cobrou de sua herança o imposto de US$ 15 milhões, metade dos US$ 30 milhões deixados para seus filhos. Naquele país, a taxação é apoiada até mesmo pelos conservadores. Segundo matéria da revista "Veja", publicada em setembro de 2007, o primeiro-ministro inglêsWinston Churchil, que conduziu a Inglaterra na luta contra os nazistas, costumava dizer que o imposto sobre a herança era infalível para evitar a proliferação de "ricos indolentes". Por outro lado, no Brasil, o Imposto Territorial Rural - ITR arrecadado em todo o ano de 2007 e em todo território nacional, foi menor do que dois meses de arrecadação do IPTU da cidade de São Paulo. Esses dados falam por si.

Não há dúvida que esse é um tema delicado e já causou ou foi pretexto para inúmeras revoluções. Dois exemplos são significativos. A data nacional da independência americana, 4 de julho, faz lembrar que uma das razões que foram amadurecendo para o início da guerra de libertação foi a cobrança de impostos como o
 Sugar Act (1764), doStamp Act (1765) e o Tea Act (Lei do Chá, 1773). No Brasil, a Inconfidência Mineira, tentativa de libertar o Brasil de Portugal, que resultou no enforcamento do herói Tiradentes e no desterro das lideranças envolvidas no movimento, teve como motivo principal da revolta a "derrama", isto é, a cobrança de impostos atrasados feita pelos colonizadores portugueses aos moradores de Minas Gerais.

Diante dessa realidade, é necessário e urgente abrir um espaço na mídia e na sociedade brasileira para discutir a enorme injustiça que há entre nós e, consequentemente a necessidade de aprovação de uma reforma em que os tributos diretos pesem mais que os tributos indiretos na composição da carga tributária. Isso significaria uma das formas mais importantes de redistribuir a renda entre nós.

Finalmente cabe uma pergunta: por que no Brasil os banqueiros, grande empresários do agronegócio, das empresas nacionais e multinacionais, não tomam a iniciativa que foi tomada pelos ricos nos EUA e na Europa, isto é, propõem uma sobretaxa sobre seus ganhos?



COPA SIM, DÍVIDA NÃO

Vejam, através do link http://xa.yimg.com/kq/groups/14999919/1100071897/name/folheto_copa%2Epdf uma cartilha com dados e reflexões críticas sobre as obras ligadas à Copa de 2014.

De fato, é difícil entender como há recursos à vontade para tantas obras que terão utilidade discutível, enquanto sempre se diz que faltam recursos para qualquer avanço no reconhecimento dos direitos sociais. Como entender, por exemplo, que a presidente Dilma tenha vetado o aumento acima da inflação para os aposentados que recebem algo mais do que um salário mínimo, com o objetivo de recuperar perdas que se arrastam há anos? Com certeza esses magros recursos iriam desestabilizar as contas públicas!!! Da mesma forma, aumento do salário de professores é algo inaceitável porque não há recursos para isso! Agora, para obras hidrelétricas na Amazônia, mesmo sendo desnecessárias porque se poderia produzir eletricidade a partir dos raios de sol e a partir dos ventos, bem como para a absurda transposição de águas do São Francisco e para obras que ficarão sem uso depois da Copa, aí não há limites!

Está chegando a hora de também nós, brasileiros e brasileiras, indignar-nos, como já estão fazendo tantos e tantas mundo afora.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

"O CAPITALISMO CHEGOU AO FIM DA LINHA"

Considero muito provocativas as reflexões presentes na entrevista que coloco à disposição dos amigos e amigas. Vale a pena refletir sobre o tempo em que vivemos, para ser base para o uso que fazemos de uma de nossa características: a de termos livre-arbítrio.


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A entrevista durou pouco mais de onze minutos, mas alimentará horas de debates em todo o mundo e certamente ajudará a enxergar melhor o período tormentoso que vivemos. Aos 81 anos, o sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein, acredita que o capitalismo chegou ao fim da linha: já não pode mais sobreviver como sistema. Mas – e aqui começam as provocações – o que surgirá em seu lugar pode ser melhor (mais igualitário e democrático) ou pior (mais polarizado e explorador) do que temos hoje em dia.

Estamos, pensa este professor da Universidade de Yale e personagem assíduo dos Fóruns Sociais Mundiais, em meio a uma bifurcação, um momento histórico único nos últimos 500 anos. Ao contrário do que pensava Karl Marx, o sistema não sucumbirá num ato heróico. Desabará sobre suas próprias contradições. Mas atenção: diferente de certos críticos do filósofo alemão,Wallerstein não está sugerindo que as ações humanas são irrelevantes.

Ao contrário: para ele, vivemos o momento preciso em que as ações coletivas, e mesmo individuais, podem causar impactos decisivos sobre o destino comum da humanidade e do planeta. Ou seja, nossas escolhas realmente importam. “Quando o sistema está estável, é relativamente determinista. Mas, quando passa por crise estrutural, o livre-arbítrio torna-se importante.”

É no emblemático 1968, referência e inspiração de tantas iniciativas contemporâneas, que Wallerstein situa o início da bifurcação. Lá teria se quebrado “a ilusão liberal que governava o sistema-mundo”. Abertura de um período em que o sistema hegemônico começa a declinar e o futuro abre-se a rumos muito distintos, as revoltas daquele ano seriam, na opinião do sociólogo, o fato mais potente do século passado – superiores, por exemplo, à revolução soviética de 1917 ou a 1945, quando os EUA emergiram com grande poder mundial.

As declarações foram colhidas no dia 4 de outubro pela jornalista Sophie Shevardnadze, que conduz o programa Interview na emissora de televisão russaRT. A transcrição e a tradução para o português são iniciativas do sítio Outras Palavras, 15-10-2011.

Eis a entrevista.

Há exatamente dois anos, você disse ao RT que o colapso real da economia ainda demoraria alguns anos. Esse colapso está acontecendo agora?

Não, ainda vai demorar um ano ou dois, mas está claro que essa quebra está chegando.
Quem está em maiores apuros: Os Estados Unidos, a União Europeia ou o mundo todo?
Na verdade, o mundo todo vive problemas. Os Estados Unidos e União Europeia, claramente. Mas também acredito que os chamados países emergentes, ou em desenvolvimento – Brasil, Índia, China – também enfrentarão dificuldades. Não vejo ninguém em situação tranquila.

Você está dizendo que o sistema financeiro está claramente quebrado. O que há de errado com o capitalismo contemporâneo?

Essa é uma história muito longa. Na minha visão, o capitalismo chegou ao fim da linha e já não pode sobreviver como sistema. A crise estrutural que atravessamos começou há bastante tempo. Segundo meu ponto de vista, por volta dos anos 1970 – e ainda vai durar mais uns vinte, trinta ou quarenta anos. Não é uma crise de um ano, ou de curta duração: é o grande desabamento de um sistema. Estamos num momento de transição. Na verdade, na luta política que acontece no mundo — que a maioria das pessoas se recusa a reconhecer — não está em questão se o capitalismo sobreviverá ou não, mas o que irá sucedê-lo. E é claro: podem existir duas pontos de vista extremamente diferentes sobre o que deve tomar o lugar do capitalismo.

Qual a sua visão?

Eu gostaria de um sistema relativamente mais democrático, mais relativamente igualitário e moral. Essa é uma visão, nós nunca tivemos isso na história do mundo – mas é possível. A outra visão é de um sistema desigual, polarizado e explorador. O capitalismo já é assim, mas pode advir um sistema muito pior que ele. É como vejo a luta política que vivemos. Tecnicamente, significa é uma bifurcação de um sistema.

Então, a bifurcação do sistema capitalista está diretamente ligada aos caos econômico?

Sim, as raízes da crise são, de muitas maneiras, a incapacidade de reproduzir o princípio básico do capitalismo, que é a acumulação sistemática de capital. Esse é o ponto central do capitalismo como um sistema, e funcionou perfeitamente bem por 500 anos. Foi um sistema muito bem sucedido no que se propõe a fazer. Mas se desfez, como acontece com todos os sistemas.

Esses tremores econômicos, políticos e sociais são perigosos? Quais são os prós e contras?

Se você pergunta se os tremores são perigosos para você e para mim, então a resposta é sim, eles são extremamente perigosos para nós. Na verdade, num dos livros que escrevi, chamei-os de “inferno na terra”. É um período no qual quase tudo é relativamente imprevisível a curto prazo – e as pessoas não podem conviver com o imprevisível a curto prazo. Podemos nos ajustar ao imprevisível no longo prazo, mas não com a incerteza sobre o que vai acontecer no dia seguinte ou no ano seguinte. Você não sabe o que fazer, e é basicamente o que estamos vendo no mundo da economia hoje. É uma paralisia, pois ninguém está investindo, já que ninguém sabe se daqui a um ano ou dois vai ter esse dinheiro de volta. Quem não tem certeza de que em três anos vai receber seu dinheiro, não investe – mas não investir torna a situação ainda pior. As pessoas não sentem que têm muitas opções, e estão certas, as opções são escassas.

Então, estamos nesse processo de abalos, e não existem prós ou contras, não temos opção, a não ser estar nesse processo. Você vê uma saída?

Sim! O que acontece numa bifurcação é que, em algum momento, pendemos para um dos lados, e voltamos a uma situação relativamente estável. Quando a crise acabar, estaremos em um novo sistema, que não sabemos qual será. É uma situação muito otimista no sentido de que, na situação em que nos encontramos, o que eu e você fizermos realmente importa. Isso não acontece quando vivemos num sistema que funciona perfeitamente bem. Nesse caso, investimos uma quantidade imensa de energia e, no fim, tudo volta a ser o que era antes. Um pequeno exemplo. Estamos na Rússia. Aqui aconteceu uma coisa chamada Revolução Russa, em 1917. Foi um enorme esforço social, um número incrível de pessoas colocou muita energia nisso. Fizeram coisas incríveis, mas no final, onde está a Rússia, em relação ao lugar que ocupava em 1917? Em muitos aspectos, está de volta ao mesmo lugar, ou mudou muito pouco. A mesma coisa poderia ser dita sobre a Revolução Francesa.

O que isso diz sobre a importância das escolhas pessoais?

A situação muda quando você está em uma crise estrutural. Se, normalmente, muito esforço se traduz em pouca mudança, nessas situações raras um pequeno esforço traz um conjunto enorme de mudanças – porque o sistema, agora, está muito instável e volátil. Qualquer esforço leva a uma ou outra direção. Às vezes, digo que essa é a “historização” da velha distinção filosófica entre determinismo e livre-arbítrio. Quando o sistema está relativamente estável, é relativamente determinista, com pouco espaço para o livre-arbítrio. Mas, quando está instável, passando por uma crise estrutural, o livre-arbítrio torna-se importante. As ações de cada um realmente importam, de uma maneira que não se viu nos últimos 500 anos. Esse é meu argumento básico.

Você sempre apontou Karl Marx como uma de suas maiores influências. Você acredita que ele ainda seja tão relevante no século 21?

Bem, Karl Marx foi um grande pensador no século 19. Ele teve todas as virtudes, com suas ideias e percepções, e todas as limitações, por ser um homem do século 19. Uma de suas grandes limitações é que ele era um economista clássico demais, e era determinista demais. Ele viu que os sistemas tinham um fim, mas achou que esse fim se dava como resultado de um processo de revolução. Eu estou sugerindo que o fim é reflexo de contradições internas. Todos somos prisioneiros de nosso tempo, disso não há dúvidas. Marx foi um prisioneiro do fato de ter sido um pensador do século 19; eu sou prisioneiro do fato de ser um pensador do século 20.

Do século 21, agora.

É, mas eu nasci em 1930, eu vivi 70 anos no século 20, eu sinto que sou um produto do século 20. Isso provavelmente se revela como limitação no meu próprio pensamento.

Quanto – e de que maneiras – esses dois séculos se diferem? Eles são realmente tão diferentes?

Eu acredito que sim. Acredito que o ponto de virada deu-se por volta de 1970. Primeiro, pela revolução mundial de 1968, que não foi um evento sem importância. Na verdade, eu o considero o evento mais significantes do século 20. Mais importante que a Revolução Russa e mais importante que os Estados Unidos terem se tornado o poder hegemônico, em 1945. Porque 1968 quebrou a ilusão liberal que governava o sistema mundial e anunciou a bifurcação que viria. Vivemos, desde então, na esteira de 1968, em todo o mundo.

Você disse que vivemos a retomada de 68 desde que a revolução aconteceu. As pessoas às vezes dizem que o mundo ficou mais valente nas últimas duas décadas. O mundo ficou mais violento?

Eu acho que as pessoas sentem um desconforto, embora ele talvez não corresponda à realidade. Não há dúvidas de que as pessoas estavam relativamente tranquilas quanto à violência em 1950 ou 1960. Hoje, elas têm medo e, em muitos sentidos, têm o direito de sentir medo.

Você acredita que, com todo o progresso tecnológico, e com o fato de gostarmos de pensar que somos mais civilizados, não haverá mais guerras? O que isso diz sobre a natureza humana?

Significa que as pessoas estão prontas para serem violentas em muitas circunstâncias. Somos mais civilizados? Eu não sei. Esse é um conceito dúbio, primeiro porque o civilizado causa mais problemas que o não civilizado; os civilizados tentam destruir os bárbaros, não são os bárbaros que tentam destruir os civilizados. Os civilizados definem os bárbaros: os outros são bárbaros; nós, os civilizados.

É isso que vemos hoje? O Ocidente tentando ensinar os bárbaros de todo o mundo?

É o que vemos há 500 anos.


(IHU, 17/10/2011)

O LIVRE-ARBÍTRIO E O SISTEMA SACRIFICIAL


O que acontece quando um sistema econômico revela, por suas contradições, pela forma de enfrentar as crises geradas por ele, que só se satisfaz com sangue humano, isto é, que é um sistema estruturalmente sacrificial?

Esse sistema perde legitimidade. Será cada dia mais difícil apresentar-se como exemplo de sucesso, de fonte de desenvolvimento – entendido como crescimento econômico contínuo -, de única forma de civilização. Será cada dia mais difícil manter a seu serviço as instituições e os recursos públicos, especialmente contar com as forças repressivas para manter a ordem que garante seus interesses.

Ao perder legitimidade, cresce a dificuldade de manter a justificativa legal de suas ações. Como pode ser legal, por exemplo, a propriedade privada quando é claro instrumento para sacrificar vidas humanas? Como pode ser defendida a livre iniciativa capitalista quando é instrumento de concentração de riqueza, de controle de preços, de definição de quem pode ou não ter acesso aos bens absolutamente indispensáveis à vida?
Esse caráter sacrificial do sistema capitalista foi percebido já no século IXX por Marx, mas foi preciso que chegasse à fase neoliberal e globalizada, à fase de hegemonia do capital financeiro, para que se tornasse evidente. Essa evidência se revela nas formas de reação e de ação dos que se autodenominam indignados. Já não reclamam por inclusão, porque sabem que não há lugar para eles nesse sistema. Já não pedem atenção das instituições estatais, porque sabem que elas estão comprometidas com o sistema que os exclui. O que vão exigindo é o fim do conjunto do sistema capitalista, para que se passe a viver de outra forma, em outro estágio de liberdade. O que vão exigindo é que todas as decisões que afetam a todos sejam tomadas diretamente por todas as pessoas; portanto, exigem participação democrática direta nas decisões referentes à economia, e isso exige novas constituições, nova legalidade.

O que estamos assistindo nos últimos tempos é a transformação da percepção de que o sistema capitalista é sacrificial em prática política. O acampar em espaços ainda públicos indica claramente que não se pode continuar aceitando viver subjugado por um sistema que decreta quem tem efetivo direito a ter um lar para viver. Um sistema que impõe este decreto por meio do controle seletivo de quem tem direito a receber um pouco de dinheiro em troca de sua dedicação às formas de produção de riqueza cada vez mais concentrada pelo capital financeiro. Um sistema que envolve pessoas com renda absolutamente insegura em financiamentos que servem para manter ganhos especulativos; que se declara ameaçado de falência quando esses financiados não conseguem manter em dia suas prestações; que exige transferência de recursos públicos para evitar a falência provocada por ele próprio, e conta com a subserviência das instituições estatais e dos políticos; que, finalmente, usa as crescentes dívidas dos Estados, geradas e agravadas por eles, para impor maiores taxas de juros como último recurso para concentrar riqueza através da especulação financeira...  

Não há como não referir duas experiências históricas. A primeira é a dos escravos no tempo da escravidão moderna, a serviço do capitalismo, praticada até quase o fim do século IXX. A perda de legitimidade e de legalidade se deu por causa das contradições internas, estruturais desse modo de exploração do trabalho e da vida das pessoas; mas se deu principalmente porque as pessoas submetidas violentamente à escravidão nunca aceitaram passivamente essa prática; pelo contrário, seu fim foi provocado e apressado por meio das fugas e da constituição dos quilombos como espaços autônomos de vida. Em outras palavras, a decisão livre, o uso do livre-arbítrio por parte dos escravos foi a fonte principal da revelação do caráter sacrificial da escravidão moderna e da sua abolição, gerando possibilidades de liberdade.

A outra experiência é a dos argentinos empobrecidos pela adesão carnal do governo Menen às imposições do FMI, isto é, ao processo de globalização do capitalismo neoliberal. Usando seu livre-arbítrio, decidiram comunicar-se com os que estavam na mesma situação de exclusão, autoconvocarem-se para ocupar ruas e praças para exigir mudanças. Sua palavra de ordem foi que se vayan todos – referindo especialmente aos políticos, talvez ainda não percebendo que estavam a serviço dos interesses dos grupos econômicos. Hoje, os indignados repetem que se vayan todos referindo-se a todos que servem e se aproveitam do sistema capitalista.

Como conclusão, o correto não é torcer para que se encontre nova solução da atual crise da dívida dentro do sistema, iludindo-se de que isso geraria a retomada de novo período de crescimento econômico. Pelo contrário, vale a torcida para que o sistema revele cada dia mais claramente seu caráter estrutural sacrificial, pois isso apressa a consciência e o uso do livre-arbítrio para exigir o seu fim. Por ser sacrificial de vidas humanas, e de tantas outras formas de vida e da vida da própria Terra, o sistema capitalista deve ser abolido.

Nessa perspectiva, cresce a importância das propostas alternativas de formas de vida, de produção e de consumo, de cultivo da terra e do uso de energia, de convivência entre as pessoas e povos e de convivência com a Terra. É urgente trabalhar para que formas de vida e propostas como a do Bem Viver dos povos indígenas da América Latina sejam valorizadas como fontes inspiradoras de formas de vida humana pós-capitalistas, já que, como adverte acertadamente Immanuel Wallerstein em sua entrevista ao IHU e publicada neste blog, não há garantias de que a forma pós-capitalista não seja ainda mais violenta e sacrificial. O tempo atual é tempo de dizer não, mas é principalmente tempo para semear o sim: criar e apostar em novas formas construtivas de civilização humana.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O CASAMENTO ENTRE DEMOCRACIA E CAPITALISMO ACABOU

Amigos e Amigas,
achei necessário repartir com vocês a riqueza da fala de Zizek aos Indignados do "Ocupar Wall Street". Creio ser uma reflexão crítica sobre o sentido da crise das sociedades capitalistas e sobre o sentido das mobilizações como a que está sendo realizada nos Estados Unidos e em tantas outras partes do planeta.

Qual será a maneira brasileira, e especialmente dos jovens, de participar destas mobilizações?


Carta Maior - Internacional| 11/10/2011

Zizek: o casamento entre democracia e capitalismo acabou
O filósofo e escritor esloveno Slavoj Zizek visitou a acampamento do movimento Ocupar Wall Street, no parque Zuccotti, em Nova York e falou aos manifestantes. “Estamos testemunhando como o sistema está se autodestruindo. "Quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou". Leia a íntegra do pronunciamento de Zizek.
Slavoj Zizek
Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da mesma forma.

Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.

Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui.

Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para baixo!”

Em abril de 2011, o governo chinês proibiu, na TV, nos filmes e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho. Aqui, não pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa capacidade de sonhar.

Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo. O que estamos, então, a fazer aqui?

Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha.”

É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos, mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a fazer aqui: dando tinta vermelha a todos nós.

Existe um perigo. Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Haverá então novas oportunidades? Não quero que se lembrem destes dias assim: “Meu deus, como éramos jovens e foi lindo”.

Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?

Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema. Tenham cuidado, não só com os inimigos, mas também com os falsos amigos que já estão trabalhando para diluir este processo, do mesmo modo que quando se toma café sem cafeína, cerveja sem álcool, sorvete sem gordura.

Vão tentar transformar isso num protesto moral sem coração, um processo descafeinado. Mas o motivo de estarmos aqui é que já estamos fartos de um mundo onde se reciclam latas de coca-cola ou se toma um cappuccino italiano no Starbucks, para depois dar 1% às crianças que passam fome e fazer-nos sentir bem com isso. Depois de fazer
 outsourcing ao trabalho e à tortura, depois de as agências matrimoniais fazerem outsourcing da nossa vida amorosa, permitimos que até o nosso envolvimento político seja alvo de outsourcing. Queremos ele de volta.

Não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que entrou em colapso em 1990. Lembrem-se que hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.

A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje? Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.

Talvez devêssemos definir as nossas prioridades nesta questão. Não queremos um padrão de vida mais alto – queremos um melhor padrão de vida. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os bens comuns. Os bens comuns da natureza, os bens comuns do que é privatizado pela propriedade intelectual, os bens comuns da biogenética. Por isto e só por isto devemos lutar.

O comunismo falhou totalmente, mas o problema dos bens comuns permanece. Eles dizem-nos que não somos americanos, mas temos de lembrar uma coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos.

Por isso, do que precisamos é de paciência. A única coisa que eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não tenham medo de realmente querer o que desejam. Muito obrigado

PALESTRA NA CASA DE AMÉRICA

Como falei sobre minha participação nos debates promovidos pela Casa de América, em Madri, Espanha, os que desejarem acessar o conteúdo da palestra sobre Migraciones Climáticas y El Otro Mundo Posible podem clicar no seguinte endereço eletrônico: http://www.casamerica.es/temasTV/los-migrantes-climaticos-y-el-otro-mundo-posible

Os que desejarem acompanhar as demais palestras, entrem no Sítio www.casamerica.es

IndigNação contra Wall Street

AMIGAS E AMIGOS,

VALE A PENA ACESSAR O LINK ABAIXO PARA IR COMPREENDENDO O MOVIMENTO OCUPE WALL STREET:

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=48227

domingo, 9 de outubro de 2011

COMO COBRAR RESPONSABILIDADES PELA MISÉRIA E PELO AQUECIMENTO GLOBAL?

É incrível como existem leis e normas para punir as pessoas que agridem a propriedade. Chegam ao absurdo de orientar os responsáveis pela ordem vigente a prender quem é pego pilhando uma rosquinha, independente se está morrendo de fome ou não. E levam a atitudes preconceituosas, imaginando quem teria intensões de apropriar-se do alheio por seu aspecto, suas roupas, sua cor, justificando interrogatórios com o objetivo de forçar estas pessoas a não realizarem o que teriam propensão a fazer.

No outro extremo, como fazem falta leis, normas e procedimentos judiciais para cobrar responsabilidades de quem usa e abusa da propriedade, tornando-a fonte de enriquecimento sem limite através do uso e abuso de outras pessoas, através da corrupção de autoridades, através de juros escorchantes. No limite, como não há leis  que possibilitem cobrar responsabilidades pela miséria de tantas a tantas pessoas, mesmo quando todos sabem ser ela causada pelos que se apropriam do que não necessitam, consomem mais do que seria aceitável, desperdiçam todo tipo de fontes de energia. Como se sabe, quando a riqueza produzida por todos é concentrada por poucos e poderosos agentes da economia capitalista, necessariamente falta para os que estão na situação de não proprietários, restando-lhes a situação de pobreza ou miséria.

Quem reflete sobre a realidade do mundo atual a partir do olhar e do sentimento de humanidade percebe que as constituições, as leis que delas derivam e o funcionamento dos aparelhos judiciais estão a serviço da propriedade privada capitalista. Mesmo quando há nelas declaração de que o direito do todas as pessoas à vida seria a pedra angular, a prática as desmentem. E esta é a razão para que a miséria continue levando muitas pessoas à morte prematura sem que ninguém seja juridicamente responsabilizado por isso.

Diante desse quadro, percebi acolhida positiva do público presente à mesa em que participei na Casa de América, em Madri, à tese da necessidade de que se declare a miséria e o aquecimento global, que provoca eventos climáticos extremos que levam à morte e ao abandono forçado do território em que viviam, como crimes contra os direitos humanos, e que devem, por isso, ser abolidos.

Explico: devem ser abolidos da mesma forma que foi abolida a moderna escravidão. Antes da decisão política de declarar juridicamente a escravidão como um crime contra a liberdade e a dignidade humana, os senhores de escravos se sentiam seguros dessa prática, declaravam seus plantéis de escravos como parte de suas propriedades e de sua riqueza e eram social e politicamente reconhecidos como membros da elite dominante. Uma vez declarada prática criminosa, tornou-se possível a judicialização dela, levando aos tribunais e às penas devidas todos que teimassem continuar submetendo pessoas à escravidão.

Da mesma forma, tanto a pobreza como o aquecimento do planeta só desaparecerão quando as práticas que os provocam forem definidas crimes contra dos direitos humanos. Os senhores de escravos apelaram para todos os pretextos e justificativas, sempre em defesa de seu direito e seus méritos de proprietários, mas foram derrotados pelos novos conhecimentos, pela consciência crítica, pelos valores morais de muitas pessoas. Infelizmente para a história humana, não responderam pelo crime que haviam cometido, não foram obrigados a reconhecer os direitos das pessoas que haviam explorado e dominado como escravos, e tiveram apoios para renovarem seu modo de produção e exploração dos trabalhadores. Mesmo assim, o passo dado foi decisivo para o avanço da consciência dos direitos de todas as pessoas.

No tempo atual, a miséria e o aquecimento global do planeta existem exatamente por causa do tipo de processos de produção dominantes nos últimos séculos. Chegou a hora, e já com algum atraso, de dar um novo passo no reconhecimento das responsabilidades criminais dos grupos econômicos - comandados por pessoas muito bem conhecidas - e dos países que teimam em continuar aumentando sua apropriação da riqueza por meio de práticas econômicas que causam a existência da miséria e do aquecimento global. Os novos senhores tentam de todas as formas negar suas responsabilidades, sempre em nome da necessidade de continuar um tipo de crescimento econômico que enfrentaria, segundo sua ideologia, os problemas existentes na humanidade, quando todos já sabem que só favorecem a concentração cada vez maior da riqueza, levando mais pessoas à miséria e levando a Terra a desequilíbrios climáticos cada vez mais graves, tornando-os fontes de sofrimentos, migrações forçadas e mortes.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E MIGRAÇÕES

Estarei, nos próximos dias, participando de um evento cultural na Espanha, em que participarei de uma mesa de debate sobre Migrações, cabendo-me destacar a relação entre mudanças climáticas e migrações.

Todos sabem que há mais de 80 milhões de pessoas definidas como "migrantes climáticos" em todo o planeta. E que haverá muitos mais, com o agravamento do aquecimento global. O que ninguém sabe, ou prefere não saber, é o que fazer em relação aos direitos humanos de todas estas pessoas.

Por isso, minha participação procurará enfrentar este desafio: quem deve assumir responsabilidades pelas práticas que provocam aquecimento, mudanças climáticas e migrantes climáticos?

Em outro texto, aprofundarei a reflexão, muito desafiadora. Está baseada numa proposta que nasceu dentro da Unesco/Onu em relação à pobreza: a pobreza só desaparecerá quando for definida crime contra os direitos humanos, como aconteceu com a escravidão. A partir desta definição, será possível cobrar responsabilidades jurídicas, criminais. Levantarei o debate: não será necessário dar igual passo em relação aos crimes contra a Terra, que são causa das mudanças climáticas e da existência de migrantes climáticos?

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A AMAZÔNIA EM PERIGO

Por causa da fragilidade de sinal de internet, só agora, já de retorno de Cobija, Bolívia, posso comunicar as primeiras impressões dos dias passados na Amazônia boliviana, peruana e brasileira.

Foram dias tensos, já que partilhamos, no Encontro de Formação Sueños y Realidades del modelo de desarrollo, com alguns dos indígenas participantes da marcha a La Paz que foram duramente reprimidos por policiais. Na verdade, a realidade desta repressão esteve no coração dos debates realizados no Encontro: buscamos compreender criticamente o modelo dominante de desenvolvimento da Amazônia e, ao mesmo tempo, buscamos compreender com maior profundidade em que e como a proposta indígena do Bem Viver vai configurando uma alternativa para os povos da Amazônia e para todos os povos em todos os demais biomas terrestres.

No conflito entre o povo indígena da reserva Tipnis e as forças de repressão estiveram claramente em jogo dois caminhos de presença e de desenvolvimento da Amazônia. Por um lado, grandes proprietários produtores de soja, do Brasil e da Bolívia, colonos pequenos proprietários produtores de coca e outros produtos agrícolas e a empreiteira OAS e o BNDES, ambos brasileiros, pressionavam em favor da repressão à marcha com o objetivo de derrotar a resistência indígena à construção da rodovia que facilitará o acesso das mercadorias à Rodovia Transoceânica, diminuindo os custos da exportação para os países do Pacífico. Some-se a esses grupos as forças políticas dominantes nessa região da Media Luna, absolutamente contrárias aos caminhos de mudança promovidos no Estado boliviano. E some-se, ainda, a presença do ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, com o claro objetivo de pressionar o Presidente Evo Morales em favor da construção da rodovia sem atender aos indígenas, animando a fazer por lá o que ele praticou em seus anos de governo.

No outro lado do conflito está o povo do Tipnis, com apoio dos demais povos indígenas e, a partir da repressão, dos trabalhadores da Central Obrera de Bolivia e muitos outros setores da sociedade boliviana. São forças que não aceitam que se despreze e fira os direitos consagrados na Constituição, de modo especial  o direito inalienável de cada povo ao seu território e, por isso, o direito de Consulta Prévia para qualquer obra que altere as condições de vida em cada território. Na verdade, cada povo tem Autonomia na gestão de seu Território, uma autonomia que se relaciona e soma com os demais na constituição do Estado Plurinacional da Bolívia. Por isso, a marcha, mesmo correndo o risco de ser usada como pretexto por grupos opositores ao governo federal, for realizada, e continua sua caminhada depois da repressão, com um claro objetivo: defender a cultura e o modo de convivência do povo de Tipnis com a Amazônia. Ao contrário do desenvolvimento capitalista, sempre predador e assentado na exploração dos bens naturais, promovido pelos que defendem a construção da rodovia, os povos indígenas exigem que a integridade de seu território seja preservada como condição para o seu Bem Viver. Isto é, para continuarem aprofundando sua convivência harmoniosa com os demais seres humanos e com tudo que compõe o ambiente da vida, isto é, com a Mãe Terra - Pacha Mama, como eles a chamam carinhosa e religiosamente.

Como se percebe, há muitos outros co-responsáveis pelo ocorrido, além do presidente Evo Morales. Aliás, se de Evo se pode cobrar a teimosia de manter a construção da rodovia, ainda não se pode acusá-lo de responsabilidade pela repressão. Ao contrário, ele exige que uma comissão, com presença da ONU, tire a limpo as responsabilidades por esse evento violento. A troca imediata de ministros, em especial o da Segurança, deixa no ar a indicação de onde provavelmente partiu a ordem, apesar da negativa do ex-titular.

Ampliando a reflexão sobre esse conflito, percebi claramente, através dos depoimentos e denúncias dos participantes do Encontro de Cobija, que a Amazônia e seus povos estão cada vez mais ameaçados pela voracidade do capitalismo globalizado, em que o Brasil entra como evidente força sub-imperial. Quase todas as obras viárias e de construção de hidrelétricas, bem como outras atividades ligadas à exploração de gás e mineração, estão sendo implementadas por empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Em nenhuma delas é possível reconhecer cuidados ecológicos, apesar de suas intensas propagandas no sentido de apresentarem-se como verdes. Pelo contrário, a sensação que me afligiu intensamente é a de que, a seguir com essas iniciativas econômicas e essas políticas desenvolvimentistas, a Amazônia está com os dias contados.

A única alternativa consistente, e por isso tão combatida, é a dos povos indígenas e dos camponeses ribeirinhos e extrativistas: a de construir relações econômicas em sinergia com as energias do bioma Amazônia, sem destruí-las, relações que se tornam possíveis quando a base civilizacional é o Bem Viver. Um Bem Viver que se constrói com características diferentes em cada povo, mas que tem em comum o constante aprendizado de conviver harmoniosamente entre os seres humanos e com Pacha Mama.