sexta-feira, 30 de setembro de 2016

TKCSA: MESMO COM CRIMES, SIDERÚRGICA É LIBERADA

É TERRÍVEL CONSTATAR MAIS UMA VEZ COMO AS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS SÃO CONIVENTES COM OS CRIMES AMBIENTAIS. A INFORMAÇÃO QUE SEGUE DEMONSTRA ISSO CLARAMENTE. E NOS CONVIDA A TRABALHARMOS JUNTOS A CONSTRUÇÃO DE UM PODER CIDADÃO QUE SEJA CAPAZ DE CONTROLAR EFETIVAMENTE O PODER CONSTITUÍDO. SEM ISSO, ELE AGE COMO PODER CONSTITUINTE.

Inea ignora violações e concede Licença de Operação à TKCSA


Foi concedida nesta quarta-feira, 28, a Licença de Operação da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA).  A cessão foi feita em reunião deliberativa da Comissão Estadual de Controle Ambiental ligada ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Moradores e pescadores da região de Santa Cruz fizeram ato na porta do órgão e argumentaram junto aos conselheiros contra a licença. O pescador Elias de Deus, 40, relatou na presença do órgão ambiental e do diretor da TKCSA que os problemas de saúde persistem e vêm se agravando. Além disso, denunciou que está sem trabalhar há mais de um ano por conta da construção de uma soleira no Canal do São Francisco, na Baía de Sepetiba. A obra foi capitaneada pela TKCSA, por meio da Aedin (Associação das Empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz e Adjacências)
Assista aos depoimentos de moradores e moradoras de Santa Cruz em:
Apesar do testemunho, os conselheiros aprovaram por unanimidade a concessão de licença de operação por cinco anos ao empreendimento ressaltando que a licença pode ser revogada caso seja comprovada alguma irregularidade.
Segundo Gabriel Strautman, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), que acompanhou a reunião, o órgão ambiental “relativizou” alguns pontos fundamentais no processo de licenciamento. O coordenador de projetos do Instituto Pacs destacou ainda que a Ceca não levou em consideração em sua decisão as violações de direitos cometidas pelo empreendimento e o fato de que medidas firmadas pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que permitia o funcionamento da siderúrgica não tenham sido efetivadas até hoje.
“Não importou à Ceca que a unidade sentinela (ambiental) fundamental para a segurança dos moradores não tenha sido criada. Não importou que um estudo epidemiológico não tenha sido feito. Não importaram as 238 ações de indenização movidas por moradores de Santa Cruz contra a empresa. Finalmente, não importou a Ceca o que disseram os moradores presentes na reunião sobre a persistência dos problemas em Santa Cruz”, relatou.
A TKCSA declarou que repassou o dinheiro de implantação da unidade sentinela ambiental para a prefeitura do Rio de Janeiro e que a competência para a instalação desta é do órgão.
Estiveram presentes na reunião, além dos conselheiros da Ceca, o presidente do Inea, presidente e vice-presidente da TKCSA, rol de advogados da empresa, moradores, moradoras e pescadores da região, representantes do Instituto Pacs, gabinete do Deputado Estadual Flávio Serafini (Psol/RJ), Justiça Global,
Conheça o histórico de violações cometidas pela siderúrgica desde sua instalação em 2007. Acesse: paretkcsa.org

EROSÃO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

ESTA LEITURA SOCIOCRÍTICA DA CONJUNTURA BRASILEIRA, FEITA POR QUEM É MUITO LIGADO, MAS É PORTUGUÊS, PODE AJUDAR-NOS NA DESAFIADORA TAREFA DE PERCEBERMOS O SENTIDO DO QUE ESTÁ ACONTECENDO. E EM ESPECIAL PARA PERCEBER OS DESAFIOS DAS FORÇAS DA ESQUERDA.

Boaventura vê a erosão da democracia brasileira
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Qual a natureza do regime político do Brasil depois do golpe parlamentar-judicial? Qual o significado do ato de rendição judicial? Quais os desafios para as forças democráticas?
Por Boaventura de Sousa Santos, no Sul21
O golpe parlamentar-judicial que ocorreu no Brasil vai ter repercussões na vida social e política do país difíceis de prever, ainda que, na versão oficial e na dos EUA, tudo tenha corrido dentro da normalidade democrática. Mas são também de prever repercussões internacionais, não só porque o Brasil é a sétima economia do mundo e assumiu nos últimos anos uma política internacional relativamente autônoma, tanto no plano regional como no plano mundial, através da participação na construção do bloco dos BRICS, mas também porque o modelo de desenvolvimento que adotou nos últimos treze anos parecia indicar que são possíveis alternativas parciais ao neoliberalismo puro e duro, desde que não se toque na sua guarda avançada, o capital financeiro global (é certo que os BRICS pretendiam a prazo tocar-lhe – banco de desenvolvimento, transações nas moedas próprias – e por isso tornou-se urgente neutralizá-los).
Para especular informadamente sobre possíveis repercussões é preciso determinar a natureza política e constitucional do regime político pós-golpe. Houve golpe porque não foi provado o crime de responsabilidade, o único fato que num regime presidencial podia justificar o impedimento. Assim sendo, é fácil concluir que houve uma interrupção constitucional, mas a sua natureza é difícil de tipificar. Não houve declaração de guerra, não foi declarado o estado de sítio ou o estado de emergência. Foi uma interrupção anômala que resultou do inchamento excessivo de um dos órgãos de soberania, o Poder Legislativo, com o consentimento e até a colaboração ativa do único órgão de soberania que podia travar a interrupção constitucional, o Poder Judiciário. Visto à luz dos influentes debates dos anos 1920, o que se passou no Brasil foi o triunfo de Carl Schmitt (primazia do soberano) sobre Hans Kelsen (controle judicial da Constituição). E o curioso é que essa vitória foi assegurada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao consentir, por ação ou omissão, nas anomalias constitucionais e interpretações bizarras que se foram acumulando ao longo do processo. Houve pois rendição de um dos órgãos de soberania ao poder soberano. Por isso, rigorosamente, o golpe foi parlamentar-judicial e não apenas parlamentar.
Qual foi no caso o poder soberano? Não foi certamente o povo brasileiro que ainda pouco tempo antes tinha elegido a presidente. Foi um soberano de várias cabeças constituído pela maioria parlamentar, os grandes meios de comunicação, o capital financeiro e as elites capitalistas a ele ligadas, e os EUA, cuja intervenção está por enquanto pouco documentada mas que se manifestou por várias formas, as mais evidentes das quais foram, por um lado, a visita de John Kerry ao Brasil e a declaração à imprensa junto com José Serra (que na altura nem sequer era um ministro com plenos poderes por o impeachment estar ainda em curso) para salientar as boas condições que se abriam ao fortalecimento das relações entre os dois países. O seguinte trechodas palavras de John Kerry na reunião de 5 de agosto com José Serra são chocantemente elucidativas: “Penso que é uma afirmação honesta dizer que nos últimos anos as discussões políticas no Brasil não permitiram o pleno florescimento do potencial da nossa relação”. Por outro lado, igualmente esclarecedora é a ida a Washington do senador Aloysio Nunes, no dia seguinte à aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados, para conversações com o número três do Departamento de Estado e antigo embaixador no Brasil, Thomas Shannon, a figura mais influente na definição da política norte-americana para o continente.
Neste contexto é importante responder a três perguntas. Qual a natureza do regime político do Brasil depois do golpe parlamentar-judicial? Qual o significado do ato de rendição judicial? Quais os desafios para as forças democráticas? Neste texto respondo às duas primeiras.
Natureza do regime político: É um regime que se define mais facilmente pela negativa do que pela positiva. Não é uma ditadura como a que existiu até 1985; tampouco é uma democracia como a que existiu até ao golpe; não é uma ditabranda ou democradura, designações em voga para caracterizar os regimes de transição da ditadura para a democracia. Trata-se de um regime nitidamente transicional anômalo sem direção definida para onde irá transitar. Em termos de teoria de sistemas, é um sistema político altamente desequilibrado, numa situação de bifurcação: a mais pequena alteração pode causar grandes mudanças sem que o sentido destas seja previsível. Pode resultar em mais democracia ou em menos democracia mas, em qualquer caso, é de prever que ocorra com alguma turbulência social e política. O desequilíbrio resultou da ruptura institucional forçada pelo sector majoritário das elites econômicas e políticas, que sentiu ameaçado o regime de acumulação capitalista, e a lógica social do senhor/escravo (no Brasil, a lógica da separação entre a casa grande e a senzala), que legitima muitas das hierarquias sociais das sociedades capitalistas com forte componente oligárquica de raiz colonial. Foi uma ruptura que não visou alterar o sistema político (este mostrou-se, aliás, muito funcional), mas apenas alterar um resultado eleitoral e repor o estado de coisas que vigorava antes da intrusão petista.
As elites agora no governo tudo farão para remendar essa ruptura o mais rapidamente possível. Não podem fazê-lo por via do governo e com medidas que agradem às maiorias, uma vez que a restauração capitalista-oligárquica exige medidas antipopulares. Aliás, é de prever que a destruição das políticas sociais e instituições do período anterior seja realizada rapidamente e sem disfarces de reconciliação social. É de prever uma outra versão da doutrina de choque semelhante à da austeridade imposta pelo FMI e UE aos países do Sul da Europa ou à que está a aplicar o presidente Macri na Argentina, com a ressalva de que Macri ganhou as eleições. Remendar a ruptura por via eleitoral também não é viável porque não é certo que ganhem as eleições. Resta-lhes, pois, usar de novo o Judiciário, agora para repor quanto antes a ideia da normalidade institucional. Isso será possível através de algumas decisões judiciais compensatórias que criem a ideia, talvez ilusória mas credível, que as instituições não perderam totalmente a capacidade de limitar a arbitrariedade do poder político e a arrogância do poder social e econômico. A probabilidade de que tal ocorra depende das fraturas que possam surgir no interior do Judiciário, como aconteceu em períodos recentes. E se ocorrer, será isso suficiente para reconstituir a normalidade institucional, sem a qual a governação será muito difícil? Ninguém pode prever. Acresce que o contexto do golpe parlamentar-judicial faz com que este não se tenha podido concluir com o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Tem de continuar até as elites terem a certeza de que a democracia não representa nenhum risco para elas. E para o golpe continuar vai ser necessária ainda muita intervenção do Judiciário.
O sistema judiciário: dois pesos e duas medidas. O papel central do sistema judiciário nos equilíbrios e desequilíbrios do período pós-1985 deve ser analisado com detalhe, pois isso nos pode ajudar a compreender comportamentos futuros. A operação lava-jato apresenta grandes ambivalências. Se, por um lado, fez com que grandes empresários, políticos e empreiteiros fossem processados criminalmente, rompendo, de alguma maneira com o sentimento de impunidade, por outro, a sua grande base de sustentação é o envolvimento de personagens da esquerda brasileira, em especial do PT. Ou seja, o grande apoio social e midiático que a lava-jato possui é por estar perseguindo a esquerda. Isso fica evidente quando comparamos a operação lava-jato com a operação Satiagraha, que investigava a corrupção e a lavagem de dinheir, envolvendo, principalmente, o banqueiro Daniel Dantas com as privatizações do Governo Fernando Henrique Cardoso. Foi comandada pelo Juiz Federal Fausto de Sanctis e pelo Delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz.
Foi grande a reação do STF a essa operação e bem diferente da atual: o delegado Protógenes Queiroz foi condenado criminalmente, e expulso da Polícia Federal; o Juiz Federal Fausto de Sanctis sofreu perseguição do então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, quem oficiou o Conselho Nacional de Justiça, CNJ (do qual também era Presidente) para apurar a conduta do juiz. Foi um grande embate da Justiça Federal de primeira instância contra o STF. Por seu turno, a prisão do banqueiro Daniel Dantas, que chegou a ser algemado, foi, no fundo, a real origem da Súmula Vinculante 11 do STF, assim ementada: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Talvez isto baste para concluir que no Brasil (e certamente não é caso único) o êxito da justiça criminal contra ricos e poderosos parece estar fortemente relacionado com a orientação político-partidária dos investigados. Mas há mais. A nomeação do ex-presidente Lula como ministro [de Dilma Roussef] levou o Juiz Sérgio Moro a cometer um dos atos mais flagrantemente ilegais da justiça brasileira contemporânea: permitir a divulgação do áudio entre a presidente e o ex-presidente Lula, quando já sabia que ele já não era competente para o processo. O ministro do STF, Teori Zavascki, escreveu no seu despacho: “Foi também precoce e, pelo menos parcialmente equivocada, a decisão que adiantou juízo de validade das interceptações, colhidas, em parte importante, sem abrigo judicial, quando já havia determinação de interrupção das escutas”. Essa divulgação deu um novo impulso ao movimento a favor do impeachment da presidente Dilma. A propósito, o fato de a presidente Dilma ter nomeado Lula da Silva como ministro, ainda que tivesse por motivação exclusiva a alteração de foro competente para julgamento, não constitui por si só uma obstrução da justiça. Com efeito, na época em que era Presidente, Fernando Henrique Cardoso (FHC) atribuiu o status de Ministro ao então Advogado Geral da União (AGU), Gilmar Mendes, com um objetivo semelhante.
De fato, no final da década de 1990 e início do século XX, por conta das privatizações e elevação da carga tributária, vários juízes federais começaram a proferir decisões liminares (que interrompem ações em curso) e a intervir no programa econômico do governo FHC. O ministro Gilmar Mendes era então Advogado Geral da União e criticava fortemente a postura dos juízes federais. Foram várias ações de improbidade e ações populares contra o governo FHC e o próprio Advogado Geral da União, Gilmar Mendes. Perante o perigo de Gilmar Mendes ter de responder a processos em primeira instância (sobretudo ações de improbidade administrativa), foi editada a Medida Provisória n. 2.049-22, de 28 de agosto de 2000, que lhe garantiu o foro privilegiado e assim o preservou. Em seu artigo 13, parágrafo único, dispôs: “São ministros de Estado os titulares dos ministérios, o chefe da Casa Civil, o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o chefe da Secretaria-Geral e o chefe da secretaria de Comunicação de Governo da Presidência da República e o Advogado-Geral da União”. E na altura não houve nenhum tipo de questionamento, nenhuma alegação de inconstitucionalidade ou “criminalização” do presidente FHC por obstrução da Justiça.
A ideia de que na justiça brasileira há dois pesos e duas medidas parece confirmada e é bem possível que em tempos mais próximos surjam mais provas neste sentido. A titulo de exemplo merecerá a pena observar a discrepância entre o ritmo da operação lava-jato centrada em Curitiba e o ritmo da operação lava-jato centrada no Rio de Janeiro (a que investiga os empresários ligados mais ao PMDB, ao ex-governador Sérgio Cabral e ao PSDB).
Apesar de tudo isto, é preciso não perder de vista dois fatos importantes. Por um lado, o sistema judiciário continua a ter um papel central na institucionalidade democrática brasileira, sobretudo enquanto prevalecer o atual sistema político. Por outro lado, como vimos atrás, têm ocorrido fraturas no interior do sistema judiciário e, dependendo das circunstâncias, elas podem ser um contributo importante para recredibilizar a democracia brasileira. No momento em que o sistema judiciário parece apostado em criminalizar a todo custo uma personalidade com a estatura nacional e internacional do ex-presidente Lula, talvez seja bom lembrar os juízes que na época do governo FHC foram objeto de patrulhamento e perseguição quando intervinham com liminares contra a política econômica neoliberal adotada pelo governo. A política econômica que vem aí não será menos dura e vem possuída de um forte impulso revanchista. Também a direita tem o seu Nunca Mais! A maior incógnita é saber se as condições, que no passado construíram a credibilidade do STF e deram alguma verosimilhança à ideia de um sistema judicial relativamente independente do poder político do dia, desapareceram para sempre depois deste lamentável conluio político-judicial. A letargia do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, e do Conselho Nacional do Ministério Público, CNMP, são verdadeiramente preocupantes.
Lutas institucionais e extrainstitucionais. Em face do que fica dito atrás, o mais provável é que o ato de ruptura institucional provocado de cima para baixo (das elites contra as classes populares) se tenha de vir a confrontar no futuro com atos de ruptura institucional de baixo para cima, isto é, das classes populares contra as elites. Nesse caso, o sistema político funcionará durante algum tempo com uma mistura instável de ações políticas institucionais e extra-institucionais, dividido entre lutas partidárias e decisões do Congresso ou dos tribunais, por um lado, e ação política direta, protestos nas ruas ou ações ilegais contra a propriedade privada ou pública, por outro. Estas últimas vão ser combatidas com elevados níveis de repressão e a eficácia destas é uma questão em aberto.
Com o golpe parlamentar-judicial, o regime político brasileiro passou de ser uma democracia de baixa intensidade (eram bem conhecidos os limites do sistema politico e do sistema eleitoral, em particular, para refletir a vontade das maiorias sem manipulação por parte dos média e do financiamento das campanhas eleitorais) para passar a ser uma democracia de baixíssima intensidade (maior distância entre o sistema político e os cidadãos, maior agressividade dos poderes fáticos, menos confiança na intervenção moderadora dos tribunais). Sendo este o regime político, qual será a melhor estratégia por parte das forças democráticas para levar a cabo as lutas políticas que travem a deriva autoritária e reforcem a democracia? Das forças democráticas de direita não é de esperar uma ação vigorosa. As diferentes forças de direita unem-se mais entre si quando estão no governo do que as forças de esquerda. A razão é esta: quando as forças de direita estão no governo, têm o comando do governo e o comando reforçado do poder econômico que sempre têm nas sociedades capitalistas; quando as forças de esquerda estão no governo, têm o comando do governo mas não têm o comando do poder econômico. As forças democráticas de direita serão importantes mas tenderão a ser relativamente passivas na defesa da democracia ainda existente. Por esta razão, quer se goste quer não, é nas forças democráticas de esquerda que reside a defesa ativa da democracia e a luta pelo seu reforço.
As forças de esquerda na encruzilhada. As forças de esquerda do Brasil estão num dilema que se pode definir assim: tudo o que têm de fazer a médio e longo prazo para fortalecer a democracia está em contradição com o que têm de fazer a curto prazo para disputar o poder. Como sabemos, este não é um dilema específico da esquerda brasileira mas assume aqui e agora uma acuidade muito especial. Se a política fosse um ramo da lógica, este dilema não teria solução, mas como não é, tudo é possível. Analisarei as possibilidades em próximo artigo.

CONFIRMADA A SUSPENSÃO DA USINA DE SÃO LUIZ DO TAPAJÓS

PODE AINDA NÃO SER O PASSO DEFINITIVO, MAS O IBAMA NEGOU O RECURSO DA ELETROBRAS, E COM ISSO O PROJETO NÃO PODE IR ADIANTE.

É UMA VITÓRIA IMPORTANTE, MAS HÁ O DESAFIO DE CONSEGUIR DESMONTAR A PRETENSÃO DAS EMPRESAS DE CONSTRUÍREM AS MAIS DE 40 HIDRELÉTRICAS PLANEJADAS PARA O VALE DO TAPAJÓS. POR ISSO, A LUTA CONTINUA.

Ibama nega recurso da Eletrobras para retomar licenciamento da usina no Tapajós

28/09/2016 19h22 Brasília
Sabrina Craide - Repórter da Agência Brasil
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou hoje (28) o recurso apresentado pela Eletrobras para que fosse retomado o processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, no Pará, que havia sido arquivado pelo Ibama no mês passado. Depois do arquivamento, a Eletrobras apresentou um último recurso ao órgão ambiental tentando retomar a análise ambiental do empreendimento.

Em ofício ao presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, a presidente do Ibama, Suely Araújo, diz que há impedimentos legais e constitucionais ao licenciamento ambiental do empreendimento por causa da necessidade de remoção das aldeias indígenas na região. “Entendo que, enquanto não solucionada pelas autoridades legalmente competentes a controvérsia acerca de demarcação e do respectivo perímetro da terra indígena em questão, não há como dar seguimento ao processo de licenciamento do empreendimento”, diz a presidente do Ibama.

O processo de licenciamento de Tapajós foi arquivado pelo Ibama no início de agosto por falta de informações nos estudos de impacto ambiental sobre os ecossistemas da região e os impactos socioeconômicos do empreendimento. A decisão do Ibama também considerou ofício da Fundação Nacional do Índio (Funai), indicando impedimentos legais e constitucionais ao licenciamento ambiental do empreendimento em razão do componente indígena.

“Nesse contexto, considerando a insuficiência dos estudos ambientais apresentados no âmbito do processo de licenciamento, a extrapolação do prazo para as complementações, bem como as pendências relacionadas ao componente indígena, indefiro o pedido de reconsideração/recurso administrativo interposto pelas Centrais Elétricas Brasileiras – Eletrobras”, diz o ofício do Ibama.

Depois do arquivamento do processo de licenciamento ambiental pelo Ibama, o governo decidiu que não vai levar adiante o projeto, pelo menos por enquanto. O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse que a ideia da construção da usina vai ficar suspensa e os estudos ambientais já feitos ficarão à disposição do país para outro momento.

ENERGIA SOLAR: 5.400 CONEXÕES

É EVIDENTEMENTE MUITO POUCO, SE TEMOS PRESENTE A MARAVILHOSA INSOLAÇÃO EXISTENTE EM NOSSO PAÍS. MAS INDICA O CAMINHO A SER SEGUIDO. AFINAL, SE COM QUASE TUDO AINDA CONTINUANDO DESESTÍMULO - FALTA DE VONTADE POLÍTICA, FALTA DE UM FUNDO PÚBLICO, FALTA DE POLÍTICA DE INDUSTRIALIZAÇÃO COM TECNOLOGIA BRASILEIRA, PREÇOS DE IMPORTAÇÃO... - JÁ CHEGAMOS A MAIS DE 5 MIL MICROGERADORES, É POSSÍVEL QUE MAIS ALGUNS EMPURRÕES CONSIGAM  QUE ENTREMOS NO USO DO BOM SENSO EM TERMOS DE MATRIZ ENERGÉTICA. 

E ISSO TEM TUDO A VER COM NOSSA CONTRIBUIÇÃO PARA ENFRENTAR O AGRAVAMENTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, PROVOCADA PELO AQUECIMENTO DA TEMPERATURA ESPECIALMENTE PELO AUMENTO DA EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA. AMOR À TERRA, MÃE DA VIDA, E AMOR AOS POBRES, COMO INSISTE O PAPA FRANCISCO.


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Distrito Federal - Em um ano, o número de conexões de micro e minigeração de energia teve um rápido crescimento. São 5.040 conexões em agosto, contra as 1.148 ligações registradas na Aneel em setembro de 2015, o que representa uma potência instalada de 47.934 kW.

A fonte mais utilizada pelos consumidores-geradores é a solar com 4955 adesões, seguida da eólica com 39 instalações. Acompanhe gráfico com o número de conexões por fonte e tabela que apresenta a potência instalada desses geradores em quilowatts (kW). O estado com o maior número de micro e minigeradores é Minas Gerais (1.226 conexões), seguido de São Paulo (711) e Rio Grande do Sul (564): veja aqui.

A geração de energia pelos próprios consumidores tornou-se possível a partir da Resolução Normativa Aneel nº 482/2012. A norma estabelece as condições gerais para o acesso de micro e minigeração aos sistemas de distribuição de energia elétrica e cria o sistema de compensação de energia elétrica, que permite ao consumidor instalar pequenos geradores em sua unidade consumidora e trocar energia com a distribuidora local. A resolução 482 foi revista em novembro de 2015 e, na época, estimou-se que em 2024 mais de 1,2 milhão de consumidores passem a produzir sua própria energia, o equivalente a 4,5 gigawatts (GW) de potência instalada.

De acordo com o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, “além das vantagens para o consumidor, também são relevantes os benefícios que a Geração Distribuída traz ao sistema elétrico: redução de perdas e o custo evitado de ampliação do sistema, pois você gera junto à unidade de consumo; o aumento na segurança do abastecimento; e o ganho sob o aspecto ambiental, pois são projetos totalmente sustentáveis”, afirmou.

Como funciona?

A resolução autoriza o uso de qualquer fonte renovável, além da cogeração qualificada, denominando-se microgeração distribuída a central geradora com potência instalada de até 75 quilowatts (kW) e minigeração distribuída - aquela com potência acima de 75 kW e menor ou igual a 5 MW (sendo 3 MW para a fonte hídrica), conectadas à rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras.

Quando a quantidade de energia gerada em determinado mês for superior à energia consumida naquele período, o consumidor fica com créditos que podem ser utilizados para diminuir a fatura dos meses seguintes. O prazo de validade dos créditos é de 60 meses e eles podem ser usados também para abater o consumo de unidades consumidoras do mesmo titular situadas em outro local, desde que na área de atendimento de uma mesma distribuidora. Esse tipo de utilização dos créditos é chamado de “autoconsumo remoto”.

No caso de condomínios (empreendimentos de múltiplas unidades consumidoras), a energia gerada pode ser repartida entre os condôminos em porcentagens definidas pelos próprios consumidores. Existe ainda a figura da “geração compartilhada”, que possibilita diversos interessados se unirem em um consórcio ou em uma cooperativa, instalarem uma micro ou minigeração distribuída e utilizarem a energia gerada para redução das faturas dos consorciados ou cooperados.

Com relação aos procedimentos necessários para conectar a micro ou minigeração distribuída à rede da distribuidora, foram instituídos formulários padrão para realização da solicitação de acesso pelo consumidor. O prazo total para a distribuidora conectar usinas de até 75 kW, que antes era de 82 dias, foi reduzido para 34 dias. A partir de janeiro de 2017, os consumidores poderão fazer a solicitação e acompanhar o andamento de seu pedido junto à distribuidora pela internet.

A geração de energia perto do local de consumo traz uma série de vantagens, tais como redução dos gastos dos consumidores, economia dos investimentos em transmissão, redução das perdas nas redes e melhoria da qualidade do serviço de energia elétrica. A expansão da geração distribuída beneficia o consumidor-gerador, a economia do país e os demais consumidores, pois os benefícios se estendem a todo o sistema elétrico.


Fonte: Aneel - 26.09.2016

terça-feira, 27 de setembro de 2016

REFORMA DA PREVIDÊNCIA E UMA LEGIÃO DE WALKING DEAD

Roberto Malvezzi (Gogó)
A reforma da Previdência propõe nada mais que uma contribuição de 50 anos para que a pessoa possa se aposentar. Então, quem começar a pagar com 20 anos, poderá se aposentar aos 70. Um pouco mais de atraso e passa para 75 ou 80 anos. Claro, as pessoas vão pagar para morrer. A aposentadoria será a do túmulo.

A população mais pobre poderá contar ainda com uma jornada de trabalho de 12 horas, conforme também a proposta da reforma trabalhista do governo de plantão, vergonhosamente recuada pelo espanto social que causou.

O sistema previdenciário brasileiro é a única solidariedade social organizada que temos. Dele dependem dezenas de milhões de brasileiros diretamente. Portanto, seu desmonte é tornar o país um lugar quase de caos social.

Então, daqui alguns anos, uma legião de Walking Dead estará na Avenida Paulista, em frente ao prédio da FIESP, pedindo emprego ao Paulo Skaf. Lá estará o pessoal com Alzheimer, outros com Parkinson, outros com câncer de próstata, outras com câncer de útero ou de mama, escorados em bengalas, em cadeira de rodas, esmolando a caridade da classe média e dos capitalistas.

Enfim, triunfarão os ideais do golpe de 2016. Nossa mão de obra que já foi de escravos indígenas, depois de escravos negros, depois de assalariados da miséria, será um exército de desvalidos.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

PECUARISTAS E MADEIREIROS SÃO CANDIDATOS NO ARCO DO DESMATAMENTO

POR DIFICULDADE DE PUBLICAR DADOS ESSENCIAIS PARA ENTENDER O ARTIGO, QUEM DESEJAR CONHECER OS NOMES, OS TAMANHOS DE SUAS PROPRIEDADES, SUA DECLARAÇÃO DE RENDA ETC. CLIQUE  NESTE LINK:

http://outraspalavras.net/deolhonosruralistas/2016/09/13/pecuaristas-e-madeireiros-protagonizam-eleicoes-no-arco-do-desmatamento/


CIMI: VIOLÊNCIA CONTRA POVOS INDÍGENAS CONTINUA ACENTUADA

E ESSA VIOLÊNCIA REVELA QUE SE ESTÁ BUSCANDO TOMAR O RESTO DOS TERRITÓRIOS DOS POVOS ORIGINÁRIOS, PRESENTES NESTE CONTINENTE HÁ MILÊNIOS. QUANDO AS ELITES ECONÔMICAS DEIXARÃO DE SER COLONIZADORAS VIOLENTAS, SEDENTAS DE TERRA E DE PODER PARA COMPLETAR SEU PROGRESSO DESTRUIDOR DAS CONDIÇÕES DE VIDA NO PLANETA TERRA? 

Violência contra povos indígenas no Brasil permanece acentuada: Cimi lança relatório com 'Dados 2015'
18.09.2016

Violência contra povos indígenas no Brasil permanece acentuada: Cimi lança relatório com 'Dados 2015'. 25116.jpeg
Brasília, 15 de setembro de 2016 - O relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados de 2015, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), evidencia a permanência do quadro de omissão dos poderes públicos em relação aos direitos dos povos indígenas, especialmente em relação ao direito à terra, o que impacta drasticamente no direito deles viverem de acordo com o seu modo tradicional, ambos reconhecidos e garantidos pela Constituição Federal.
Os dados evidenciam que, em 2015, também permaneceu a situação de constante invasão e devastação das terras demarcadas; assim como se manteve a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos direitos, com casos de assassinatos, espancamentos e ameaças de morte, dentre outros; e permaneceu ainda um assustador número de morte de crianças até 5 anos, em muitos casos por doenças facilmente tratáveis.

Chama atenção o agravamento do número de perversos ataques milicianos contra os frágeis acampamentos das comunidades Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Até mesmo inaceitáveis práticas de tortura com requintes de crueldade, como a quebra de tornozelos de anciãos, foram realizadas. Neste caso específico, em outubro, no tekoha Mbaracay, município de Amambai, após um desproporcional ataque com armas de fogo. 

Nesse sentido, o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, na apresentação do relatório, indigna-se "porque se repetem e se aprofundam as mesmas práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas", e questiona: " Até quando teremos que apresentar esses relatórios?". 

Dados de 2015

Como em anos anteriores, em 2015 pouco se avançou nos processos de regularização das terras indígenas. Sete homologações foram assinadas pela presidenta Dilma Rousseff, enquanto o Ministério da Justiça publicou apenas três Portarias Declaratórias e a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou somente quatro terras indígenas, além de ter publicado duas Portarias de Restrição. Na foto, lançamento do relatório na sede da CNBB, em Brasília (DF).

De acordo com a Constituição Federal, todas as terras tradicionais indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição. No entanto, de acordo com o levantamento do Cimi, de 31 de agosto de 2016, 654 terras indígenas no Brasil aguardam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Esse número corresponde a 58,7% do total das 1.113 terras indígenas do país.

Observa-se que, do total dessas 654 terras indígenas com pendências administrativas para terem finalizados os seus procedimentos demarcatórios, 348 terras - ou seja, pouco mais da metade (53%) - não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado até hoje. O maior número de terras nessa etapa Sem Providências concentra-se no Amazonas (130), seguido pelo Mato Grosso do Sul (68) e pelos estados de Rio Grande do Sul (24) e Rondônia (22).

Outras 175 terras, ou 26%, encontravam-se na fase A Identificar. Em muitos casos, verifica-se intensa morosidade nesta etapa. Podemos citar o caso da Terra Indígena (TI) São Gabriel/São Salvador, do povo Kokama, localizada no município de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, que teve seu Grupo Técnico criado em 25 de abril de 2003 mas, doze anos depois, seus trabalhos ainda não foram concluídos.

 Cimi registrou 18 conflitos relativos a direitos territoriais e 53 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos, sendo que o Maranhão é o estado com o maior número de registros, com 18 casos.

Em 2015, segundo os dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (Dsei-MS), houve 137 assassinatos de indígenas em todo o país, sendo que 36 deles foram registrados pelo Dsei-MS. Os dados da Sesai, no entanto, não permitem uma análise mais aprofundada, visto que não apresentam informações detalhadas das ocorrências, tais como faixa etária das vítimas, localidade e povo. Os dados sistematizados pelo Cimi registraram um total de 54 vítimas, sendo que 20 das ocorrências aconteceram no Mato Grosso do Sul, que novamente é o estado com o maior número de casos.

Dentre os casos envolvendo conflitos fundiários, destacamos o macabro assassinato de Vítor Kaingang, uma criança de apenas 2 anos, em Santa Catarina, em dezembro de 2015. Na TI Tupinambá de Olivença, Adenilson da Silva Nascimento, conhecido como Pinduca, importante liderança de seu povo que lutava pela regularização fundiária da terra tradicional, foi assassinado numa emboscada por disparos de arma de fogo.

No estado do Maranhão, na TI Alto Turiaçu, a liderança Euzébio Ka'apor, que também liderava seu povo na luta pela defesa de seu território e, especialmente contra a exploração madeireira, foi assassinado a tiros quando estava no município de Centro do Guilherme.

Outro caso preocupante ocorreu no Mato Grosso do Sul, o Guarani e Kaiowá Simeão Vilhalva foi assassinado depois que os fazendeiros e políticos da região do município de Antônio João promoveram um ato público convocando a população a se rebelar contra a comunidade indígena de Ñhanderu Marangatu. Os indígenas haviam realizado algumas ações de recuperação de parcelas de seu território, que havia sido homologado em 2005 mas, no entanto, permanece sob a posse de não índios.

Ainda em relação à violência contra a pessoa, houve o registro de 31 tentativas de assassinato; 18 casos de homicídio culposo; 12 registros de ameaça de morte; 25 casos de ameaças várias; 12 casos de lesões corporais dolosas; 8 de abuso de poder; 13 casos de racismo; e 9 de violência sexual.

Dos 87 casos de suicídio em todo o país registrados pela Sesai e pelo Dsei-MS, 45 ocorreram no Mato Grosso do Sul, especialmente entre os Guarani e Kaiowá. Entre 2000 e 2015 foram registrados 752 casos de suicídio apenas neste estado. Um recente estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas (IWGIA) sobre os Guarani e Kaiowá afirma: "...esses jovens indígenas carregam um trauma humanitário cheio de histórias contadas por seus parentes, histórias de exploração, violências, mortes, perda da dignidade, enfim, a história recente de muitos povos indígenas. Histórias carregadas de traumas, presas a um presente de frustrações e impotência. Nessas circunstâncias, estes jovens são o produto do que se costuma chamar uma geração que sofre do que se chama Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)".

Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi obteve, da Sesai e do Dsei-MS, dados parciais da mortalidade indígena na infância. Somando as duas bases de dados, chega-se a um total de 599 óbitos de crianças menores de 5 anos em todo o país. Trata-se de números parciais, visto que pelo menos três Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei) deixaram de informar se houve mortes na área de sua abrangência (Alto Rio Juruá, Bahia e Parintins).

As três principais causas das mortes foram: pneumonia não especificada, com 48 mortes (8,2%); diarreia e gastroenterite de origem infecciosa resumível, com 41 mortes (7%). Pneumonia, diarreia e gastroenterite são doenças perfeitamente tratáveis, mas causaram a morte de pelo menos 99 crianças menores de 5 anos. A região Norte do país concentra o maior número de óbitos, com 349 mortes de crianças menores de 5 cinco anos, ou 58% do total dos dados parciais. Os povos indígenas mais afetados são das áreas de abrangência dos Dsei Xavante, com 79 óbitos, Alto Rio Solimões, com 77 óbitos, e Yanomami, com 72 óbitos.

Os dados do Dsei Mato Grosso do Sul revelam um coeficiente de mortalidade infantil duas vezes maior que o da média nacional, com 26,35 por mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade infantil no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 13,82 por mil nascidos vivos (dados de 2013). Os dados mostram ainda que o maior número de óbitos ocorreu no polo base de Dourados, com 11 mortes.

Ainda em relação à violência por omissão do poder público, foram registrados 52 casos de desassistência na área de saúde; 3 mortes por desassistência à saúde; 5 casos de disseminação de bebida alcoólica e outras drogas; 41 registros de desassistência na área de educação escolar indígena; e 36 casos de desassistência geral.

Retrocesso e criminalização

Nas análises publicadas no relatório, o Cimi avalia que a ofensiva sobre os direitos indígenas realizada pelos Três Poderes, e protagonizada especialmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional, assim como pelo Executivo em relação à omissão nas demarcações de terras, é diretamente responsável pela permanência do quadro de severa violência e violações aos povos indígenas no Brasil, assim como pelo agravamento dos cruéis ataques no Mato Grosso do Sul.

Nesse contexto, em um dos textos da apresentação, o secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, ressalta a agudez da criminalização em 2015. "A tentativa de criminalizar lideranças indígenas, profissionais de antropologia, organizações e pessoas da sociedade civil que atuam em defesa dos projetos de vida dos povos indígenas no Brasil também foi intensificada pelos ruralistas em 2015", avalia Buzatto, referindo-se, por exemplo, às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) contra o Cimi, instalada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, e a da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), instalada na Câmara dos Deputados.

Fonte: CIMI

MUDANÇAS CLIMÁTICAS: DOENÇAS DO CALOR

MAIS DO QUE ASSUSTAR, AS INFORMAÇÕES QUE SEGUEM DEVEM SERVIR PARA QUE NOS DEMOS CONTA QUE AS DECISÕES EM RELAÇÃO AO FUTURO DEVEM SER TOMADAS AGORA, COM URGÊNCIA. SEM ISSO, O PIOR PODE TORNAR-SE REALIDADE. E É PRECISO TER PRESENTE QUE 2100 É DEPOIS DE AMANHÃ, ESTÁ LOGO AÍ NA ESQUINA...

O aumento da temperatura global está associado a mais casos de doenças infecciosas, pulmonares, cardiovasculares e a óbitos provocados por ondas de calor, inclusive no Brasil. Se a emissão de poluentes não for freada, a Terra se tornará um local inóspito ao homem

» Paloma Oliveto
Publicação: 18/09/2016 04:00



Os sintomas estão cada vez mais sérios. Aumento da temperatura, acidificação dos oceanos, exacerbação de desastres naturais, perda de biodiversidade, embranquecimento de corais, elevação do nível do mar, derretimento de geleiras... O diagnóstico é bem conhecido: o paciente sofre com a liberação de dióxido de carbono e outras substâncias poluentes há mais de um século e meio, desde a Revolução Industrial. O planeta, contudo, não adoece sozinho.

As evidências científicas indicam que o homem já está sofrendo, na pele, as consequências das mudanças climáticas. Para o futuro, caso a tendência de emissões de gases do efeito estufa se mantenha, a Terra será um desafio para a saúde humana. Projeções baseadas nos cenários divulgados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas mostram que o aumento de temperatura — que tem atingido níveis recordes mês a mês neste ano — está associado a doenças infecciosas, pulmonares, cardiovasculares e a óbitos por ondas de calor.

De acordo com o IPCC, caso não seja feito nada para deter o avanço das emissões, no próximo século, a temperatura pode ficar 4ºC acima dos níveis pré-industriais, um quadro considerado extremo, mas não impossível. “É como a queda de um avião. É algo muito raro de acontecer. Mas, pode acontecer. E, se o avião cai, todo mundo morre”, compara a enfermeira especialista em saúde pública Beatriz Oliveira, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Nessa semana, ela apresentou, no seminário Mudanças Climáticas e Biodiversidade, do Instituto Chico Mendes (ICMBio), um relatório que mostra as consequências desse cenário extremo para a saúde dos brasileiros.

O trabalho, produzido com a também investigadora da Fiocruz Sandra Hacon, faz parte do relatório Riscos de mudanças climáticas no Brasil e limites à adaptação, realizado com apoio da embaixada britânica no primeiro semestre. Com base em publicações do IPCC, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), do Banco Mundial e da Organização Mundial da Saúde, além de artigos científicos, as pesquisadoras investigaram os impactos diretos (estresse por calor, morte por eventos extremos), os indiretos (mortalidade e morbidade por todas as causas e causas específicas), a distribuição de enfermidades vetoriais e a vulnerabilidade sociodemográfica e econômica, tendo como modelo um país 4ºC mais quente que no fim do século 19.

As projeções para esse cenário são dramáticas. Entre 1999 e 2000 — período usado para a comparação no trabalho — a sensação térmica no país já não era das melhores: enquanto no Sul, no Sudeste, em partes da Bahia e no Distrito Federal o estresse térmico era moderado, o restante do Brasil sofria com estresse por calor forte. Em 2090, todas as regiões estarão sob estresse muito forte ou extremo. Nessa última condição, da qual apenas o litoral escapará, a sobrevivência humana é praticamente impossível. “Algumas vacas conseguem viver no estresse extremo. Vacas”, ressalta Beatriz Oliveira.

A enfermeira explica que estresse por calor é uma condição fisiológica que ocorre quando o organismo não consegue mais manter a temperatura corporal. “Quando você está em um ambiente muito quente, o seu corpo vai suar para tentar dissipar o calor e manter sua temperatura entre 36,5ºC a 37ºC. Quando você está em um ambiente muito quente e muito úmido, o corpo começa a ter dificuldade de dissipar esse calor. Então, vai chegar um momento em que o organismo não consegue mais se adaptar àquela condição climática. O corpo entra em colapso e pode acontecer morte.”

Palavra de especialista
Idosos e pobres sofrerão mais

“À medida que a temperatura sobre, as ondas de calor se tornarão mais frequentes e também poderão ser mais duradouras e severas. Essas ondas provocarão um aumento nas mortes, e os mais afetados serão os idosos, os que já têm a saúde fragilizada e as pessoas em situação de pobreza, sem acesso a ar-condicionado. Também haverá um aumento na frequência de eventos cardiovasculares devido às altas concentrações de ozônio na superfície — e esse é um poluente-chave no ar, conhecido por causar irritações nos pulmões. A distribuição de alérgenos também deve se expandir. E há a preocupação de que certas doenças infecciosas se espalhem devido ao clima mais quente. No passado, invernos frios ajudaram a mitigar a disseminação de algumas doenças. Finalmente, as mudanças climáticas vão trazer enchentes e chuvas excessivas, que podem aumentar o risco de enfermidades infecciosas e alérgicas.”

Mark R. Windt, imunologista do Centro de Asma, Alergia e Doenças
Respiratórias de North Hampton.
Ele é coautor de um estudo publicado neste mês no Jornal Respiratório
 Europeu sobre os danos das mudanças climáticas à saúde
http://imgsapp.impresso.correioweb.com.br/app/infografico_127989354581/2016/09/18/13332/w-pri-1809-aquecimento.jpg

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terça-feira, 20 de setembro de 2016

ARGENTINA, O BRASIL DE AMANHÃ?

POR 
HUGO ALBUQUERQUE

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Contra-reformas neoliberais de Maurício Macri já provocam recessão, desemprego e disparada de preços. Popularidade declina e apenas grandes corporações comemoram. Será o futuro de Temer?
Por Cauê Ameni e Hugo Albuquerque
Era para ter sido só mais uma sexta-feira de inverno em Mar del Plata. Tudo se resolveria com um discurso simples, recheado de lugares comuns e uma partida tranquila. Contudo, Maurício Macri, presidente da Argentina, não conseguiu discursar mais do que dez minutos. Ele não resistiu às – nada metafóricas – pedradas desferidas pela multidão aos gritos de “Macri, basura [lixo], vos sos la ditadura”. O líder argentino encerrou seu breve discurso e entrou rapidamente no carro oficial, cercado pelos manifestantes.
Qualquer semelhança com o sumiço do então “presidente” Michel Temer, que quebrou o protocolo ao pedir que seu nome não fosse anunciado na abertura das Olimpíadas e seu desaparecimento no encerramento, além das vaias ensurdecedoras na abertura das Paraolimpíadas, não são meras coincidências. Macri chegou ao poder prometendo reduzir a inflação, a pobreza e o desemprego, além de tentar acalmar os ânimos na polarização política. Entretanto, os primeiros efeitos são exatamente o contrário. Embora esteja no poder em virtude do voto, representa setores com agendas políticas parecidasàs que aqui sustentam Temer. Como chegou ao poder um pouco antes, a Argentina já sente o peso, das medidas de austeridade mais claramente.
Enquanto os manifestantes brasileiros tiveram seus cartazes de protesto caçados dentro dos estádios e são recebidos com cassetetes nas ruas por se oporem ao processo de impeachment, os manifestantes argentinos reagem a repressão. Organizações em defesa de perseguidos e desaparecidos políticos na ditadura, conduzem atos enormes de resistência na esteira do rumoroso caso da tentativa de prisão de Hebe de Bonafini, líder das mães da praça de maio – em 4 de agosto último, resultando em um rotundo fracasso e consequente desmoralização das forças da repressão locais. Além disso, para colocar mais gasolina na fogueira, aliados de Macri estão relativizando a cifra de mortos da última ditadura e tribunais agora começam a liberar repressores da ditadura.
Várias perguntas se insurgem sobre a atual conjuntura: o que significa a presença de Macri no poder para a Argentina e para a América Latina? O que explicaria tamanha fúria contra um jovem presidente, eleito como novidade, com apenas nove meses de mandato? As suas políticas econômicas estão sendo mal compreendidas? Qual a real situação argentina? Seria a Argentina a imagem do Brasil e da América Latina de amanhã?
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Argentinos protestam contra
Argentinos protestam contra
Macri: a “novidade” contra atípica estabilidade da Era Kirchner
Eleito em 2015, Macri conseguiu a “proeza” de se tornar o primeiro candidato neoliberal a presidir a Argentina depois da catástrofe social, econômica e política que explodiu naquele país em 2001, quando cinco presidentes passaram pela Casa Rosada, sede do poder argentino, em poucas semanas – consequência deflagrada diretamente pelas políticas neoliberais que afundaram o país naquela ocasião.
Dali em diante, e com a prosperidade socioeconômica iniciada nos doze anos de governos do casal Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015), parecia ser muito difícil que a direita neoliberal voltasse ao poder. Sobretudo por não ter havido nenhuma crise relevante, mesmo nos maus momentos do Kirchnerismo – levando em consideração que a grande crise argentina de 2001 contudo, não foi nem a única, nem a mais trágica dos últimos cem anos naquele país.
A era kirchnerista (2003-2015) foi um dos períodos de maior estabilidade – política, mas também econômica – da história argentina. Quase uma ilha pacifica em meio a um mar turbulento. Desde que o sufrágio universal foi instituído naquele país, pela Lei Sáenz Peña,em 1912, não demorou muito para que os problemas aparecessem: já em 1930 os argentinos se viram diante do primeiro dos cinco golpes militares – totalizando vinte e cinco anos de regimes militares de corte fascista.
Filho da elite argentina, ex-presidente do Boca Juniors, ex-prefeito de Buenos Aires, Macri pode ser tudo, menos um elemento novo na política de seu país ou da América Latina. Contudo ele conseguiu ser vendido com ares de novo, eleitoralmente, por uma razão episódica: sem nunca ter sido militar e não vir de nenhum dos dois principais partidos da Argentina moderna, seus marqueteiros conseguiram maquiar sua biografia.
Vitorioso em segundo turno contra o moderado Daniel Scioli – candidato peronista apoiado, de maneira não muito animada, por Cristina Kirchner – Macri teve um êxito eleitoral apertadíssimo (51,34% contra 48,66% do rival) o exato mesmo placar com o qual Dilma Rousseff bateu seu rival Aécio Neves em 2014 – e um pouco mais do que Maduro bateu Henrique Capriles em 2013 na Venezuela (na ocasião, 50,61% a 49,12%). Nos casos brasileiro e venezuelano, o ponteiro das urnas continuo inclinado para o campo popular, mas no caso argentino ele pendulou a favor das elites.
Depois de anos de constituição de direitos, como a legalização do casamento homoafetivo, o enfrentamento do legado militar, uma lei que *regulamentou* o setor midiático e a realização de eleições regulares, o discurso de Macri explorou o esgotamento do ciclo progressista e um suposto mau momento econômico.
Sem registrar a ocorrência de nenhum desastre político à moda Argentina, a tese do desgaste de Cristina em virtude da situação econômica poderia ser uma explicação plausível. Mas a pergunta defacto é: até que ponto Macri teria razão nisso, qual a real gravidade da situação econômica argentina em 2015?
A economia argentina sob kircherinismo desestabilizou o país? Plano Macri seria a solução?
tabelaargentina
O gráfico acima é um resumo do crescimento do PIB argentino desde 1961. Os altos e os baixos lembram a melancolia de um tango: da ribalta à sarjeta em uma mesma vida. Não foram poucas as vezes que a economia argentina foi do céu ao inferno em um curtíssimo espaço de tempo. Na era kirchnerista, contudo, o PIB jamais caiu, em que pesem os últimos anos de Cristina serem marcados por uma desaceleração do crescimento – movido, sobretudo, pela queda nos preços internacionais das commodities.
A mídia, que viu seu monopólio ameaçado com a Ley de Medios, e Macri, contudo, conseguiram convencer os argentinos da suposta gravidade da situação econômica do país e, não só, sutilmente deixar no ar que seriam necessários ajustes. Scioli, o candidato peronista, tampouco parecia ter desenvoltura para explicar a queda do ritmo de crescimento ou, quem sabe, defender o modelo socioeconômico que, por sinal, não era exatamente o seu – Scioli é uma cria do menemismo, vertente neoliberal do peronismo, referente ao ex-presidente Carlos Menem (1989-1999).
Visto em conjunto o período kirchnerista sob a ótica econômica, registrou-se uma média de crescimento anual de 5,2% – tendo uma sequência em torno de 9% nos mandatos de Néstor; a taxa de desemprego despencou de 20% no fim de 2002 para 6% no final de 2015 – com queda de 87% na desigualdade salarial e uma valorização salarial, em termos reais, de mais de 70%.
A balança comercial se manteve superavitária, a exportação chegou a quadruplicar em 2011 – indo de 25 bilhões de dólares em 2002 para 84 bilhões dólares. Ano em que o PIB per capita atingiu 17.376 dólares, o maior na América Latina. Em 2015, o país teve seu primeiro défict na balança comercial depois de 15 anos, mas, mesmo assim, manteve o crescimento do PIB em 2,4%.
Do ponto de vista social, a pobreza recuou severamente: de 57,8% nos anos da crise para apenas 29% no último ano de Cristina Kirchner no poderA desigualdade social seguiu um rumo de queda muito acentuado depois de ter atingido seu auge, não por caso, em virtude da crise de 2001 – na qual os mais pobres, evidentemente, sofreram mais do que os mais ricos.
Ponto polêmico, a inflação foi controlada, despencou de 40% em 2002 para metade, chegando a 8% no último ano do mandato de Nestor. Embora tenha se elevado posteriormente, tendo uma média de 13,3% nos governos da Cristina, criou-se uma celeuma entre o governo Kirchner e a oposição, que acusava o governo de maquiar dados – muito embora a legislação e a atuação governamental, inclusive nas articulações junto aos sindicatos, sempre garantissem reposições salariais.
Concretamente, a economia argentina passou a crescer menos nos últimos anos de Cristina. Macri tinha esse flanco e a inflação, ainda que com seus efeitos contidos pelas políticas de Cristina. A crise foi desenhada, vendida e, ao final do processo eleitoral, comprado pelo eleitorado argentino, ainda que por uma pequena vantagem. Agora, era hora da nova etapa, quando o discurso de Macri iria encontrar a realidade prática.
A “solução” macriana
As primeiras atitudes de Macri no governo foram surpreendentes para muitos argentinos: ao contrário de resolver pragmática e gradualmente os problemas, da “grande crise” que ele e seus marqueteiros criaram, ele construiu um cavalo de troia para mudar o modelo econômico; apostou todas as fichas em uma mudança completa do modelo econômico do país, dando um enorme cavalo de pau, independentemente do custo que isso tivesse.
Noves meses depois das promessas, Macri, que propagandeava a retomada da economia e o crescimento de 1% em 2016, vai ter de se contentar com a queda de 1%. Basicamente, algumas das mudanças radicais que ele promoveu foram a violenta e abrupta desvalorização do peso argentino (30% já em dezembro) e os cortes nos subsídios implantados durante o kircherismo. Em outras palavras, promoveu um verdadeiro tarifaço400% nas contas do gás; na tarifas de energia houve um aumento de 300%, chegando em alguns casos a 700%; o aumento na água oscilou de 216% e 375%; o combustível aumentou 35% acumulados desde dezembro; e o preço do transporte público teve um aumento de 100%. A sanha de cortar sem anestesia para “reduzir o estado” foi tanta, que o governo chegou ao ponto de cortar 160 remédios distribuídos para aposentados e pensionistas.
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Manifestação contra o tarifaço
Ambas as medidas, com fulcro em aumentar os ganhos de concessionários e grandes detentores de dólares, fizeram, irônica e justamenteinflação disparar, alcançando a casa de 46%, a mais altadesde 1991 – ao fim do governo Cristina, a mesma taxa estava em 25% há oito meses. Ironicamente, o governo Macri insiste em dizer que a inflação é menor do que a acusada pelos órgãos independentes, a mesma prática que ele condenava na antecessora. Por outro lado, o governo tem sido duro nas negociações salariais, não repondo as perdas com a inflação – o que torna o problema inflacionário muitíssimo maior.
Ainda, com a retração do consumo interno (o gasto médio de compra caiu 26,5%) e o baixo preço das commodities – sejam os derivados de gás e petróleo ou mesmo os produtos agrícolas –, além da incerteza sobre qual será o novo desenho da economia argentina, que está bem no meio de um cavalo de pau, fez com que o crescimento desacelerasse: nos três primeiros trimestres de 2016 a economia caiu em um ritmo cada vez mais acelerado,sugerindo um desempenho negativo no final do ano, o primeiro desde 2001. Segundo a consultora Scentia, alguns setores da economia foram fortemente golpeados pelo aprofundamento da recessão: a atividade na construção civil caiu 19,6% e a indústria recuou 6,5%. Segundo os sindicatos, até junho foram demitidos 200 mil assalariados. E para piorar, Macri vetou uma lei antidemissões.
Como consequência, com o avanço da inflação afetando os trabalhadores – duplamente, pelo avanço objetivo das tarifas de serviços públicos e como isso aumenta o preço de outras mercadorias por irradiação – e a desvalorização do peso favorecendo os mais ricos – que detinham reservas em dólares – verifica-se um desaquecimento geral que fez o desemprego saltar de 5,9% para 9,3% sob Macri!Ademais, estudos comprovam que neste curto período mais de um milhão de argentinos entraram na linha de pobreza – que agora chega a 34,5% da população.
A popularidade do novo governo também despencou. Ao tomar posse, em 10 de dezembro, Macri contava com 63%. Hoje, segundo a pesquisa da M&F de agosto, apenas 43,1% dos argentinos o aprovam, contra 42,6% que desaprovam e 43% que esperam uma situação econômica pior nos próximos meses.
A política neoliberal ortodoxa de Macri conseguiu destruir até hábitos arraigados entre os argentinos: os churrascos se tornaram vaga lembrança quando preço da carne dobrou. A combinação dos efeitos cruzados da restauração da economia neoliberal e a repressão – necessária para garantir a implementação dessa Doutrina de Choque, mas também dissuasória – não estão isoladas de um contexto internacional turbulento, o qual também está conectado com fenômenos paralelos na América Latina – mas o que representaria, do ponto de vista institucional, a volta da arte de governo neoliberal no cenário pós-inclusão social dos últimos anos?
Até lá, a economia deixa o governo sob pressão e com popularidade em queda. Pesquisa da M&F de agosto indica que 42,6% dos argentinos desaprovam a forma como Macri conduz o governo, contra 43,1% que aprovam. E 43% esperam uma situação econômica pior nos próximos meses, contra 34,7% que esperam melhora e 18,2% que não veem mudanças.
Restauração neoliberal na América Latina, com as bençãos de Washington
Macri, é verdade, veio num momento no qual as experiências de esquerda popular da América Latina estavam em fase de declínio – do radical Chavismo ao brando Lulismo, as quais nasceram da resposta ao neoliberalismo dos anos 1990. Nesse sentido, Macri é o marco de uma indisfarçável restauração construída sob um véu clean e moderado de mudança.
Não que os governos populares, em que pesem suas inúmeras e relevantes conquistas, não tenham igualmente falhado: fiaram seus planos e projetos nos altos preços das commodities – sobretudo, do petróleo – enquanto supuseram que grandes economias “nacionais” poderiam dar conta de superar ou mesmo enterrar definitivamente o neoliberalismo ou, de maneira ambiciosa, as contradições entre as classes.
A economia extrativista, pouco preocupada com a natureza e pouco centrada na criação e inovação, indispôs os governos populares com suas bases, mas também encontrou seu limiar econômico com a queda do preço do petróleo, em grande medida pela política americana no Oriente Médio: daí, surgiu um verdadeiro efeito dominó que, a priori, pôs as elites em desespero pela perspectiva de arcarem com algum custo dessa crise.
Como se sabe, a oportunidade é a mãe da invenção. As oligarquias tradicionais sul-americanas, nesse contexto, fabricaram e implementaram um plano arriscado: remover a todo custo os governos populares para, assim, empossar governos dispostos a implementar políticas de “ajuste” que se apliquem apenas sobre os trabalhadores e os mais pobres.
De maneira coordenada, se viu na Venezuela, no Brasil e na Argentina o surgimento de candidaturas dessa nova direita quase idênticas: Capriles, Aécio e Macri – embora só o último tenha vencido uma eleição para dar mostras do que poderiam ser os dois outros.
A novíssima direita sul-americana apresenta líderes que contrastam sua estética moderada com, ironicamente, um marxismo às avessas na prática: a defesa de políticas radicais assentadas em um sujeito político classista – não os trabalhadores, mas a oligarquia –, a ação antagônica e nenhuma disposição à conciliação.
Na Venezuela e no Brasil, o jogo eleitoral agressivo foi continuado, após a derrota da direita, com uma pressão para deslegitimar a qualquer custo os líderes democraticamente eleitos. No Brasil, esse movimento chegou ao golpe branco implementado contra Dilma Rousseff. Na Venezuela, a polarização nas ruas e a busca pela revogação do mandato de Maduro não difere em nada.
A aparente normalidade institucional da chegada ao poder de Macri é, portanto, episódica e não uma questão de princípio. Materialmente, a política de Macri é a de Capriles e a de Aécio – e agora a de Temer, vice de Dilma que chega ao poder após uma manobra parlamentar para aplicar, tragicamente, o programa chumbado nas urnas pelos eleitores brasileiros em 2014.
Ainda, o arranjo de direita na América do Sul marca a volta da velha aliança à geopolítica dos Estados Unidos – como sugere a nada inocente visita de Obama à Argentina, durante o processo deimpeachment de Dilma, para acordar a abertura de duas bases norte-americanas com Macri. Essa recentíssima investida neoliberal, por sinal, reforça a histórica aliança entre as oligarquias latino-americanas e a ação militar burocrática dos Estados Unidos.
Os discursos assentados na correção técnica dos erros dos governos populares, desse modo, logo se desmontam ao se defrontarem com os dados, assim que os neoliberais voltam ao poder: no caso argentino, os indicadores pioraram com Macri, mas isso pouca importa, visto que o objetivo desde o começo sempre foi uma mudança do modelo socioeconômico.
Nesse sentido, uma escalada repressiva passa a fazer todo sentido – como no caso de Hebe de Bonafini, mas também na ameaça inquisitória contra Cristina Kirchner –, pois isso não é apenas uma forma de conter a contestação social, mas também de literalmente desviar o foco da opinião pública sobre os efeitos desastrosos dessarestauração.
Por ora, Macri passa a usar uma blindagem também nos seus carros oficiais – em virtude da celeuma de Mar del Plata, que deu início a este ensaio – a qual se somar a todas as demais blindagens simbólicas e midiáticas que lhe protegem – mesmo assim, sua popularidade chegou em agosto ao mais baixo ponto de sua breve presidência, lançando dúvidas até onde ele poderá e terá coragem de ir. A única certeza, além do derretimento dos indicadores sociais e econômicos argentinos, é que aquele país é a imagem do futuro próximo que assombra a América do Sul – o Brasil de Temer sobretudo.
Cauê Seignemartin Ameni é sociólogo formado pela PUC-SP. Editor de Outras Palavras, subeditor no De Olho Nos Ruralistas e editor da editora Autonomia Literária.
Hugo Albuquerque é jurista, mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, sócio da Saccomani, Albuquerque & Biral Sociedade de Advogados e editor da editora Autonomia Literária.