quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

"AJUSTE FISCAL": SEREMOS MELHORES QUE A EUROPA?

CONCORDO COM A ANÁLISE DE LUIZ GONZAGA BELLUZZO, EM ENTREVISTA REFERIDA PELO AUTOR, E TAMBÉM VEJO QUE AS PRIMEIRAS MEDIDAS DE "AJUSTE FISCAL", JUNTO COM O COQUETEL DE MINISTROS CONVIDADOS POR DILMA PARA SEU SEGUNDO MANDATO, DEIXAM CLARO QUE ELA ENTREGOU AS DECISÕES ESTRATÉGICAS AOS REPRESENTANTES DIRETOS DA OLIGARQUIA FINANCEIRA. E COMO ESSA OLIGARQUIA SÓ FALA CONSIGO MESMA, E IMPÕE SUAS MEDIDAS COMO AS ÚNICAS, AS NECESSÁRIAS, AS NATURAIS, ENGANAM-SE OS QUE IMAGINAM QUE DILMA ESTARIA FAZENDO UMA CONCESSÃO TEMPORÁRIA, TÁTICA. MANTIDOS NO COMANDO, NEM MESMO A COMBINAÇÃO DE LUCROS E JUROS AOS RICOS E AJUDAS SOCIAIS AOS POBRES, INICIADA PELO LULISMO, TERÁ CONTINUIDADE.

QUERO DEIXAR CLARO CONTUDO, QUE NÃO CONCORDO COM BELLUZZO EM RELAÇÃO ÀS PISTAS DE SAÍDA, TODAS DENTRO DO MESMO SISTEMA MUNDIAL DO CAPITAL FINANCEIRO, APENAS COM MUDANÇA DE PARCEIROS. ACORDOS COM A CHINA PODEM SERVIR PARA RETOMAR O CRESCIMENTO ECONÔMICO, ASSENTADOS SOBRE EXPORTAÇÃO DE PETRÓLEO EM TROCA DA REVITALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA. MAS E O PLANETA TERRA, BELLUZZO, POR QUANTO TEMPO AGUENTARÁ COM CRESCIMENTOS ECONÔMICOS ASSENTADOS SOBRE PROCESSOS QUE AGRAVAM A EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA?

EM OUTRAS PALAVRAS, OU BUSCAMOS OUTROS CAMINHOS, OU CAMINHAMOS NA DIREÇÃO DO AGRAVAMENTO DA CRISE CLIMÁTICA. E OS OUTROS CAMINHOS EXIGEM MUDANÇAS PROFUNDAS NO MODO DE PRODUZIR, DE DISTRIBUIR E DE CONSUMIR, VOLTANDO A COLOCAR A VIDA NO CENTRO DAS DECISÕES.

“Ajuste fiscal”, vitória da oligarquia financeira


Belluzzo polemiza: principal decisão de Dilma-II não foi técnica; se mantida, pode arruinar governo e futuro do lulismo

Por Antonio Martins

Em 31 de dezembro, a Rede Brasil Atual publicou excelente entrevista em que o repórter Eduardo Maretti dialoga com o economista Luiz Gozaga Belluzzo, sobre o “ajuste fiscal” iniciado pelo governo Dilma. O texto repercutiu muito menos que merecia, por motivos previsíveis. A mídia conservadora procura apresentar o “ajuste fiscal” como uma necessidade técnica – portanto, um tema que não pode ser submetido ao debate político. Parte dos defensores de Dilma torce para o mesmo. Assusta-se com as medidas já anunciadas ou em estudos – mas prefere vê-las como um recuo temporário, uma pausa incômoda e inesperada, porém necessária para cumprir, mais adiante, o governo de “Mais Mudanças” prometido pela presidente na campanha à reeleição. Belluzzo desmonta ambas hipóteses: por isso, vale examinar seus argumentos com atenção.

O “ajuste fiscal” não pode ser visto como “medida técnica” em especial porque… não funciona! — dispara o economista. Servindo-se de um exemplo de enorme atualidade, ele questiona: “Acham que devemos adotar as políticas que foram executadas na Europa e não deram certo – mas que aqui, vão funcionar. Estamos em Marte?”. Belluzzo refere-se aos programas que os europeus conhecem como de “austeridade”.

Adotados a partir de 2009, também foram apresentados como “sacrifícios necessários” para restabelecer o que os mercados financeiros chamam de “fundamentos” da economia. O Velho Continente viu morrerem inúmeros direitos sociais. Em muitos países, as aposentadorias regrediram; o desemprego disparou e os salários reais foram achatados; serviços públicos como Educação e Saúde deterioraram-se ou se tornaram mais restritos; diversas modalidades de renda básica e seguro-desemprego foram eliminadas. Passados cinco anos, contudo, não há nenhum sinal de recuperação. Ao final de 2014, a própria revista Economistconservadora porém sofisticada, via na Europa “o maior problema econômico do mundo”. Advertia: está à vista uma terceira onda recessiva, que agora pode engolfar até a poderosa Alemanha.

Por que políticas fracassadas são vistas como tecnicamente indispensáveis? O próprio Belluzzo prossegue: o objetivo delas não é sanar problemas econômicos, mas atender “os interesses do mercado financeiro”. Base do “ajuste”, o chamado “tripé macroeconômico” (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit fiscal) “diz respeito à globalização financeira, à integração dos mercados, ao movimento de capitais, sobretudo”. O economista reconhece: “É muito difícil afrontar isso. E geral, os países tendem a enfiar a viola no saco, atropelados pelo mercado financeiro. Os europeus não tiveram coragem de fazer o que deviam – que era colocar um controle público sobre os bancos, (…) mudar a estrutura do sistema financeiro”.

Rigoroso, Belluzzo também admite que a complacência com os interesses da oligarquia financeira vem muito antes de Dilma. Ocorre que, durante os doze primeiros anos de governos da esquerda, foi possível mantê-la num ambiente internacional que favorecia o Brasil. Eram tempos de grande disponibilidade de capitais em todo o mundo e, em especial, de alta excepcional dos preços das matérias-primas agrícolas e minerais (commodities) – que o pais produz fartamente. Embora não confrontasse o capital financeiro, Lula teve a ousadia de lançar políticas que direcionaram parte desta riqueza para a redução da miséria e das desigualdades.

Esta tendência ficou para trás. A economia chinesa, que foi seu principal motor, crescerá menos, até o final da década. Mais importante: para depender menos de um mundo em crise prolongada, os chineses irão se voltar para dentro, estimulando os investimentos em infra-estrutura e o aumento do consumo interno. As commodities já perderam 1/3 de seu valor máximo, que alcançaram em 2011. Deverãocontinuar em queda nos próximos anos, preveem quase todas as análises.

Este novo cenário internacional explica, em parte, o impasse do lulismo. Tornou-se impossível contentar simultaneamente ricos e pobres. Mas, diante de tempo nebuloso,  Dilma não teria optado por um recuo temporário? Se saciar agora as exigências do mercado financeiro para reconstituir consensos e reduzir as pressões sobre seu governo, não poderá, em seguida, retomar as políticas distributivistas?
Belluzzo está convencido de que esta estratégia é uma ilusão. “O mercado não quer conversar com você. O diálogo de que falam é um monologo (…) De quem estamos falando? Dessa gente que, na verdade, é um bando de autistas, que falam com eles mesmos”.

Além disso, adverte ele, “é um engano pensar que 2015 é como 2003 ou 2004”. A indústria já está em recessão: a produção nos três primeiros trimestres de 2014 caiu 2,9%, em relação ao ano anterior. O suposto “ajuste” desencadeado pelo governo tende a projetar o país “num túnel, do qual será difícil sair”. Mais grave: é provável que sejam atingidas duas conquistas que compõem a base para a sustentação política do governo: “emprego e renda”. Nesta hipótese, um governo de esquerda executa o programa da direita e assume, junto à sociedade, todo o desgaste decorrente. É neste aspecto que, por não ousar, Dilma põe em risco não apenas sua popularidade, mas o futuro do lulismo.

Quais seriam as alternativas? Belluzzo crê que o objetivo das políticas econômicas precisa ser recuperar a capacidade produtiva do país – erodida em décadas de hegemonia do setor financeiro e privilégios aos exportadores de matérias-primas. Para isso (e não para exportar minério de ferro), ele vê como positiva uma integração mais intensa com o BRICS e, em especial, a China. Lembra que é algo já praticado por Rússia e Índia. Moscou fechou com Pequim fornecimento de 400 bilhões de dólares em petróleo, nos próximos dez anos. Mas, como contrapartida, a China investirá na recuperação do parque industrial russo. O mesmo não poderia ser articulado a partir do pré-sal?

Examinar criticamente o “ajuste fiscal” é indispensável, num momento em que, ao unir governo e direita, ele converte-se em “pensamento único”. Isso não significa, contudo, fechar os olhos a dois grandes gargalos, econômico-políticos, que o Brasil passou a enfrentar, há dois anos: uma deterioração do saldo das trocas com o exterior (a chamada “balança comercial”) e do desempenho das finanças públicas. São problemas reais, em torno dos quais construiu-se intensa desinformação – para que não fique claro que há sempre mais de uma saída possível. É o que veremos, nos próximos textos desta série.

Nenhum comentário:

Postar um comentário