quarta-feira, 20 de novembro de 2019

CIMI: FUNAI INSTRUMENTALIZADA COMO SUCURSAL DO RURALISMO NO BRASIL

EXISTE ESTADO NO BRASIL? SE EXISTE, QUAL INSTÂNCIA ASSUMIRÁ A RESPONSABILIDADE DE ENQUADRAR O PRESIDENTE DA FUNAI? AFINAL, SE ESTÁ A SERVIÇO DOS SENHORES DO AGRONEGÓCIO, COMO PODE SER RESPONSÁVEL PELA FUNAI? E QUEM SE DECLAROU A SERVIÇO DOS PROPRIETÁRIOS FOI ELE MESMO, COM SUA IDEOLOGIA E SUA AGRESSÃO AOS POVOS INDÍGENAS, A QUEM A FUNAI DEVE DEFENDER E PROMOVER.

QUANDO CONSEGUIREMOS SER UM PAÍS SÉRIO?









CIMI, 20 de novembro do 2019
A Funai instrumentalizada como sucursal do ruralismo no Brasil

Presidente da Funai afirma, durante audiência pública no MS, atender aos ruralistas em sua gestão e orientou fazendeiros

 
“Estou colocando pessoas de minha confiança nas bases agora justamente para atender aos senhores. Então eu quero trazer aqui o recado a todos vocês que confiem no presidente da Funai”. Estas palavras foram ditas pelo atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão indigenista do Estado brasileiro, vinculado ao Ministério da Justiça, o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier.

Vocês podem imaginar que ao proferir estas palavras o presidente da Funai estava reunido com lideranças indígenas na sede do órgão indigenista, em Brasília. Certo? Só que não. A frase foi direcionada a fazendeiros, líderes de sindicatos rurais patronais, parlamentares ruralistas contando com a presença do Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, durante audiência pública sobre questões fundiárias realizada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, no último dia 8 de novembro.

Xavier, aliado da bancada ruralista do Congresso Nacional, não parou por aí. O delegado presidente da Funai tratou de fornecer orientações táticas aos fazendeiros nos seguintes termos: “Casos de invasão serão tratados como invasão. Não tenham receio! Levem ao conhecimento… os senhores, que estão na ponta, sabem o que ocorre. Nós que estamos em Brasília, às vezes não sabemos o que se passa aqui. Materializem, façam filmes, materializem, fotografem, levem ao presidente da Funai o que está acontecendo aqui”.

O Mato Grosso do Sul é o estado onde o ruralismo mais agride, oprime, violenta e assassina lideranças indígenas no Brasil. As denúncias e imagens de ataques contra os povos são recorrentes. Sobre isso, por exemplo, convidamos você a assistir e ajudar no compartilhamento da informação e do vídeo: Guarani e Kaiowá relatam caso de tortura durante ataques a retomadas em Dourados.

Ao mesmo tempo, conforme levantamento feito pelo Cimi, a invasão de terras indígenas, no Brasil, aumentou mais de 100% nos primeiros nove meses de 2019, relativamente a todo o ano de 2018. Pela função que exerce, o presidente do órgão indigenista do Estado brasileiro deveria visitar e dar sequência às denúncias dos Guarani Kaiowá; ou marcando presença e dando apoio aos povos de alguma das 153 terras indígenas invadidas por não índios, entre janeiro e setembro deste ano, a fim de ajudá-los no combate a essas invasões criminosas. No entanto, se colocou junto e orientou os fazendeiros a denunciar os povos indígenas já tão maltratados e desassistidos.

O delegado presidente da Funai parecia ansioso para apresentar aos ruralistas a “nova Funai” representada por ele. “Trago ao anseio dos senhores no sentido de que agora nós temos uma nova Funai”, disse. Em seguida, reclamou das críticas que vem recebendo dos povos e organizações indígenas e de organizações de apoio aos povos e tentou desqualificar as mesmas já que, segundo ele, “não me nomeiam e não individualizam nenhum fato”.

Embora já não faltassem fatos e argumentos para as críticas ao presidente da Funai, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Cimi trataram de apresentar, recentemente, ‘fatos novos’ sobre o tema, inclusive nomeando o mesmo. Em nota e matérias publicadas, demonstraram que: 1) O presidente da Funai nomeou profissionais desqualificados e ex-assessor de deputado ruralista para coordenar demarcações de terras indígenas no estado de Pernambuco e 2) Devido a “desinteresse” da Funai, manifesto pelo seu presidente, Procuradoria Federal Especializada desistiu de processo judicial, no TRF-4, contra reintegração de posse da Terra Indígena Palmas, no Paraná. Convidamos você a acessar, ler e compartilhar estas informações.

O presidente da Funai, na sua estreiteza interpretativa, parece justificar todas as suas ‘preferências’ sob o chavão, muito usado por fundamentalistas religiosos de matriz judaico-cristã, segundo o qual “a divisão de classes, destruição da família, destruição da propriedade isso pode ser interessante em países comunistas. Aqui nós vivemos um mundo capitalista, tá”. A frase de efeito, ainda mais com a ênfase dada pelo ‘tá’, ao final, rendeu uma salva de palmas entusiasmada dos ruralistas ao presidente da Funai, óbvio.

O delegado ruralista esqueceu, no entanto, que no Brasil a Constituição Federal é soberana, que esta Constituição garante aos povos o direito às suas terras originárias (Art 231), que estas terras são bens da União (Art 20) e que ele, como cidadão e gestor público, está submetido a esta Constituição. Parece ter esquecido ainda que, como presidente da Funai, gestor da coisa pública, cujo salário é pago com recursos públicos da União, ele tem o dever de defender os direitos dos povos indígenas e também os interesses da União. Parece ter esquecido também que não é direito seu fazer uso da função pública que exerce para abrir mão de bens da União em favor de interesses privados. Parece ter esquecido, por fim, que esse tipo de atitude pode caracterizar a prática do crime de ‘improbidade administrativa’ ao gestor público.

É de grande importância aos interesses do Estado brasileiro e aos direitos dos povos originários, que o Ministério Público Federal (MPF) e cada um de nós possamos ajudar o presidente da Funai a lembrar de suas responsabilidades institucionais e constitucionais para que o órgão indigenista deixe de ser instrumentalizado como sucursal do ruralismo no Brasil.
 
 Brasília, DF, 20 de novembro de 2019
 
Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira – Secretário Executivo do Cimi
Cleber César Buzatto – Secretário Adjunto do Cimi
Gilberto Vieira dos Santos – Secretário Adjunto do Cimi
 
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CRISE BOLIVIANA EVIDENCIA CONTRADIÇÕES POLÍTICAS DOS ÚLTIMOS ANOS

SEGUE UMA ANÁLISE DIFERENTE DA ANTERIOR, FEITA PELO EX-VICE-PRESIDENTE DA BOLÍVIA. GUDYBAS ASSESSORA HÁ MUITO TEMPO MOVIMENTOS SOCIAIS NA BOLÍVIA E EM OUTROS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA, E POR ISSO LEVANTA OUTRAS PRÁTICAS POLÍTICAS QUE EXIGEM ANÁLISE CRÍTICA.

LEIA OS DOIS TEXTOS E FORME SUA OPINIÃO. ALÉM DISSO, COMPARE SEMPRE, SEM SUPERFICIALIDADES, COM O QUE TEM ACONTECIDO EM NOSSO PAÍS.

Crise boliviana evidencia contradições políticas dos últimos anos. Entrevista especial com Eduardo Gudynas


Por: Patricia Fachin | Tradução: Cepat | 20 Novembro 2019

A atual crise boliviana evidencia “todas as contradições políticas que estão sendo vividas nesses anos” no país, afirma Eduardo Gudynas, ambientalista e pesquisador vinculado ao Centro Latino-Americano de Ecologia Social – CLAES, à IHU On-Line. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele frisa que o “apego impactante ao poder no Estado” explica as “decisões” do ex-presidente Evo Morales, que disputou à última eleição presidencial, mesmo depois de os bolivianos terem rejeitado sua proposta de concorrer ao quarto mandato. “Mas não é apenas um problema da pessoa, nesse caso Evo Morales, mas de todo um grupo de políticos do Movimento ao Socialismo - MAS que apoiou e promoveu a ideia da reeleição perpétua”, pondera.

Há quase trinta anos acompanhando as organizações bolivianas, Gudynas pontua que “os pequenos caudilhos precisavam de Evo para continuar em seus postos dentro do Estado e círculos de poder. Muitos setores empresariais também precisavam dele, já que haviam conseguido acordos que lhes resultavam economicamente vantajosos (como ocorreu com os setores de mineração, petróleo e agrícola). A insistência em manter a mesma pessoa também expressa um esgotamento do MAS como instrumento de mudança política e a incapacidade de fortalecer outras figuras políticas”.

Na avaliação dele, o ponto mais grave da crise boliviana é a situação do Poder Eleitoral, “cuja legitimidade ruiu, permitiu a fraude eleitoral, e conta com vários membros presos”. Nesse cenário, lamenta, “consolidou-se uma direita reacionária, com aspectos violentos e racistas. Isso, com a liderança de Luis Fernando Camacho, que assumiu o protagonismo nos últimos dias, substituindo o candidato de centro-direita Carlos Mesa, que foi o concorrente na eleição presidencial”. Essa direita, adverte, “tornou-se muito poderosa”.

A tradução da entrevista, concedida em espanhol, é do Cepat.
Eduardo Gudynas em conferência no IHU (Foto: Jonathan Camargo | IHU)
Eduardo Gudyinas é graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade da República - UDeLaR, do Uruguai, e já exerceu a função de professor visitante em diversas universidades da América Latina e dos Estados Unidos. É autor de Extractivismos y corrupción. Anatomía de una íntima relación (Ed. Quimantú, Santiago de Chile. 4ta ed., 2018), Naturaleza, extractivismos y corrupción. Anatomía de una íntima relación (La Libre, Cochabamba, Bolivia, 2da ed. 2018), Direitos da natureza: ética biocêntrica e políticas ambientais (São Paulo: Elefante, 2019), entre outros.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor analisa a decisão do ex-presidente Evo Morales se candidatar a mais uma eleição presidencial, mesmo após os bolivianos decidirem, em referendo de 2016, que o presidente não poderia concorrer a um novo mandato? O que explica, na sua interpretação, a iniciativa de Evo Morales querer continuar à frente da presidência?
Eduardo Gudynas - Essa situação mostra todas as contradições políticas que estão sendo vividas nesses anos. Há um apego impactante ao poder no Estado, e isso explica essas decisões de Evo Morales. Mas não é apenas um problema da pessoa, nesse caso Evo Morales, mas de todo um grupo de políticos do Movimento ao Socialismo - MAS que apoiou e promoveu a ideia da reeleição perpétua. O caudilho presidencial só se sustenta nos ombros dos pequenos caudilhos que ocupam ministérios, o senado, agências estatais e inclusive governos locais. E eles, por sua vez, descansam e se nutrem de segmentos muito importantes dos cidadãos que apoiam o caudilho. Dessa maneira, essa lógica e a sensibilidade vertical se reproduzem.
Os pequenos caudilhos precisavam de Evo para continuar em seus postos dentro do Estado e círculos de poder. Muitos setores empresariais também precisavam dele, já que haviam conseguido acordos que lhes resultavam economicamente vantajosos (como ocorreu com os setores de mineração, petróleo e agrícola). A insistência em manter a mesma pessoa também expressa um esgotamento do MAS como instrumento de mudança política e a incapacidade de fortalecer outras figuras políticas.
Com isso, iniciou uma franca e severa deterioração da qualidade democrática. Dentro dessa deterioração, chega-se à situação dos últimos meses, incluindo as atitudes da autoridade eleitoral, as irregularidades na eleição, os protestos contra o governo e a renúncia de Morales. E, assim, nas sucessivas quedas da qualidade democrática, desemboca-se em um governo ultraconservador, acentuando-se ainda mais a violência nas ruas.
IHU On-Line - Em sua opinião, qual será o resultado da crise boliviana?
Eduardo Gudynas - Na Bolívia, tudo é muito dinâmico e muitas coisas podem acontecer. Mas, no momento, não posso esconder meu pessimismo. O esgotamento do MAS tem várias consequências negativas. Por um lado, o fracasso institucional no qual o país caiu. Não apenas pela renúncia do presidente, vice-presidente, ministros e legisladores, mas por outras questões que nem sempre estão sendo advertidas. Ao longo de todo o levante cidadão, ficou claro que o Poder Legislativo não conseguiu ser um espaço capaz de lidar com a crise política.
E mais, alguns parlamentares do MAS parecem querer acentuar essa crise, ao passo que os parlamentares da oposição parecem incapazes de controlar o governo provisório e apoiam medidas como colocar os militares nas ruas. É como se os representantes do povo, daqueles que sofrem com esta situação, não estivessem presentes no legislativo.
Contudo, mais grave é a situação do Poder Eleitoral, cuja legitimidade ruiu, permitiu a fraude eleitoral, e que conta com vários membros presos. É um poder que deverá ser reconstruído quase do zero para poder acontecer uma eleição confiável.
Finalmente, ao amparo da resistência cidadã à fraude eleitoral, consolidou-se uma direita reacionária, com aspectos violentos e racistas. Isso, com a liderança de Luis Fernando Camacho, que assumiu o protagonismo nos últimos dias, substituindo o candidato de centro-direita Carlos Mesa, que foi o concorrente na eleição presidencial. Essa direita, com alguns atributos semelhantes aos do bolsonarismo do Brasil, tornou-se muito poderosa. Nela habita um tipo de racismo e violência.
Sob essas condições, chega-se aos confrontos em Sacaba, com ao menos oito mortes e mais de 100 feridos. É uma situação gravíssima, onde morre o povo, enquanto os políticos de um lado e do outro usam esses fatos para tentar buscar vantagens pessoais.
IHU On-Line - Como o senhor analisa as diferentes crises que estão ocorrendo em vários países da América Latina, como Chile, Equador, Honduras, Haiti, Colômbia, Bolívia e Venezuela? Elas têm algum ponto comum? Qual é a causa de cada uma das crises?
Eduardo Gudynas – As características de meu trabalho fizeram com que, nas últimas semanas, estivesse em muitos dos países que enfrentam crises: Argentina, Brasil, Chile, Equador e Peru, e também acompanho organizações bolivianas há quase trinta anos. Como resultado desse trabalho, entendo que não há causa comum para o que acontece nesses e em outros países. Existem coincidências, como, por exemplo, as respostas repressivas dos governos do Equador e do Chile, mas existem diferenças substanciais nas mobilizações sociais, na maneira como se expressam e em suas causas.
IHU On-Line - No entanto, existem analistas que argumentam que existem causas comuns ou processos semelhantes. Como vê essas análises?
Eduardo Gudynas - Muitas dessas análises me parecem exageradas, em alguns casos, e, em outros, é evidente que pouco conhecem da realidade dentro de cada um dos países. É como se as peculiaridades históricas, culturais e políticas - coloquemos o caso do Equador, Chile e Bolívia - desaparecessem, esvaecessem. Então, avaliam o que acontece em outro lugar a partir da própria história do comentarista e de suas posições preconcebidas. Cai-se em comparações que me surpreendem, tais como os argentinos que entendem que a renúncia e exílio de Evo Morales da Bolívia seria como a derrubada de Juan Domingo Perón. Seria como se os analistas brasileiros comparassem Evo Morales com João Goulart. Mas, é óbvio que Morales, como boliviano, cocaleiro, sindicalista, não tem muito a ver com essas outras figuras. São análises que eu chamo de “telescópicas” porque usam um telescópio para observar de longe o que acontece nessas terras.
IHU On-Line - Alguns especialistas têm afirmado que a elaboração de novas constituições em países como Equador, Bolívia e Venezuela, embora contenham múltiplos direitos, não proporcionaram uma mudança das estruturas do Estado. Concorda com essa visão? O que dificultou as mudanças na estrutura do Estado nesses países?
Eduardo Gudynas - Na realidade, nesses países houve uma mudança nas estruturas e comportamentos estatais, mas em alguns setores e com alguns propósitos. Por exemplo, reforçaram-se atividades extrativistas, como a mineração e o petróleo, e se efetivaram planos assistencialistas orientados aos mais pobres. Mas, ao mesmo tempo, essas mudanças não serviram necessariamente para fortalecer os direitos, incluindo os novos direitos que foram sancionados nessas constituições. E mais, em vários casos, o Estado atuou contra esses direitos. Aconteceu algo semelhante ao que acontecia no Brasil, já que onde havia oposição, por exemplo, entre a salvaguarda aos direitos dos camponeses ou indígenas e, por outro lado, os interesses de empresas do agronegócio ou petroleiras, o Estado sempre tomava partido pelos interesses econômicos.
Lembro-me sempre que, no processo do Equador, o presidente da assembleia constituinte, Alberto Acosta, dizia, de vez em quando, que a Constituição é o que pessoas desejam. Uma Constituição pertence aos cidadãos. Portanto, a Constituição terá todo o vigor que os cidadãos demandem.
São demandas e exigências que, de vez em quando, devem ser repetidas aos políticos, pois uma vez que se sentam em uma cadeira estatal, rapidamente as esquecem.
IHU On-Line - Quais são os vínculos entre as demandas por direitos e as políticas de desenvolvimento nesses países, e suas relações com essas revoltas?
Eduardo Gudynas – Essa é uma questão de enorme importância. Precisamente, acabamos de concluir uma detalhada revisão e análise do caso da Bolívia que demonstra uma repetida violação dos direitos das pessoas e do meio ambiente, frente aos empreendimentos extrativistas da última década. Esta é uma análise que parte da sistematização realizada pelo Centro de Documentação e Informação da Bolívia - CEDIB e meia centena de organizações cidadãs nacionais ou locais que fizeram relatórios sobre a situação dos direitos frente aos empreendimentos como a mineração, petróleo e agronegócio. Os resultados são impactantes: existem violações em todos os tipos de possíveis empreendimentos sobre a natureza. Em todos eles, sem exceção. Além disso, entre os setores mais afetados estão os camponeses e indígenas. Finalmente, tudo isso ocorre em um âmbito de crescente violência.
Portanto, a deflagração da violência na Bolívia, de ambos os lados, na realidade, surpreende apenas aqueles que conheciam pouco sobre o país. É que lá, há mais de uma década, observa-se como os violentos e a violência, pelo Estado ou por outros atores, avançavam, dia a dia, principalmente no campo.
IHU On-Line - Em suas análises sobre a América Latina, sempre há uma crítica às políticas extrativistas. Com a crise na região, abre-se uma oportunidade para superar o extrativismo ou ele tende a se agravar?
Eduardo Gudynas - Não pode passar desapercebido que os três países que chamamos de hiperextrativistas, Venezuela, Bolívia e Equador, estejam imersos em profundas crises. Entre os outros grandes extrativistas, a situação não é melhor, tal como se observa no Chile, ou mesmo no Peru, onde o poder legislativo foi dissolvido.
Diante dessa situação, existem dois caminhos possíveis. Há aqueles que entendem que o debate deve ser entre diferentes tipos de extrativismos, por exemplo, opondo um empresarial e estrangeiro a outro que estivesse nas mãos de empresas estatais nacionais. Há outros que compreendem que os extrativismos sempre têm impactos severos, sejam eles privados ou estatais e, portanto, é urgente poder deixá-los para trás.
IHU On-Line - No Chile, discute-se a possibilidade de uma nova constituinte. O que a nova constituinte precisaria considerar para não cometer os mesmos erros das constituições do Equador, Bolívia e Venezuela?
Eduardo Gudynas - A saída por uma nova Constituição no Chile tem todas as possibilidades de contribuir para pacificar o país e promover um novo acordo social e político. Lá no Chile também se repetiu uma violência permanente, persistente, que poucas vezes se observa, mas que era muito evidente no meio rural. Existe uma herança autoritária que, sem dúvida, habita na ditadura militar do século passado, mas não se pode esconder que esse verticalismo, esse disciplinamento social e cultural, conta com muitos apoios.
Um processo constituinte pode começar a curar o país. Isso pode acontecer pelo próprio processo, se for participativo e plural. Mas, também pode ser possível, caso introduza temas do século XXI, tais como gênero, povos originários e ecologia. Debater uma nova constituição também é um processo de aprendizagem. É uma forma de aprender a escutar, ser tolerantes e tecer os compromissos para o futuro.

http://www.ihu.unisinos.br/594467-crise-boliviana-evidencia-contradicoes-politicas-dos-ultimos-anos-entrevista-especial-com-eduardo-gudynas 

BOLÍVIA: OS INDÍGENAS RESISTEM AO GOLPE...


E NO BRASIL, NÃO FUNCIONARAM ÓDIOS NASCIDOS DE ALGO PARECIDO?

Bolívia: e os indígenas resistem ao golpe…

Dez dias (e 23 mortes) passaram-se, mas ultradireita não foi capaz de silenciá-los. Exilado, o vice-presidente descreve a caça às cholas, a ação das milícias, a traição dos generais. E a covardia da classe média, tropa de choque do racismo colonial

Por Álvaro García Linera | Tradução: Simone Paz

Feito densa neblina noturna, o ódio percorre ferozmente os tradicionais bairros de classe média urbana da Bolívia. Seus olhos transbordam de ira. Não gritam, cospem; não reclamam, impõem. Seus clamores não são pela esperança nem pela irmandade, são de desprezo e de discriminação contra os índios. Montam suas motos, sobem em suas caminhonetes, agrupam-se em suas confrarias e faculdades privadas e saem à caça dos índios atrevidos que tiveram a coragem de arrebatar-lhes o poder.

Na cidade de Santa Cruz, organizam quadrilhas motorizadas em suas 4×4, com porretes nas mãos para surrar índios — os quais eles chamam de collas [pessoa de traços indígenas ou de estrato social desfavorecido] e que vivem nos bairros marginais ou nos mercados. Cantam hinos sobre matar collas e, se no meio do caminho aparecer alguma mulher de pollera [saia rodada que é o traje tradicional das cholas bolivianas], ela é espancada, ameaçada e coagida a abandonar aquele território.

Em Cochabamba organizam comboios para impor sua supremacia racial na zona sul, onde habitam as classes abastadas, e hostilizam — como se fossem um destacamento da cavalaria — milhares de mulheres camponesas indefesas, que marcham pedindo paz. Em mãos, levam tacos de beisebol, correntes, granadas de gás. Alguns até exibem armas de fogo. Mulheres são suas vítimas preferidas, pegam uma prefeita de uma comunidade campesina para humilhá-la e arrastá-la pela rua: batem nela, urinam nela quando cai no chão, cortam-lhe o cabelo, ameaçam linchá-la e, quando percebem que estão sendo filmados, resolvem jogar tinta vermelha nela, simbolizando o que farão com o sangue dela.

Em La Paz, desconfiam de suas empregadas e ficam em silêncios quando elas levam a comida à mesa, no fundo, sentem medo delas, mas também as desprezam. Depois, saem às ruas para gritar, insultando Evo e, com ele, a todos os índios que ousaram construir uma democracia intercultural com igualdade. Quando são muitos, arrastam a bandeira wiphala, cospem e pisam nela, para cortá-la e queimá-la. É uma raiva visceral a que descarregam sobre esse símbolo indígena que gostariam de eliminar da face da terra, junto com todos aqueles que se reconhecem nele.

O ódio racial é a linguagem política dessa classe média tradicional. De nada adiantam seus títulos acadêmicos, viagens e fé, se no fim tudo dilui-se perante sua linhagem. No fundo, a estirpe imaginada prevalece e parece alinhada com a linguagem espontânea da pele que odeia, dos gestos viscerais e de sua moral corrompida.

Tudo eclodiu no domingo, dia 20, quando Evo Morales ganhou as eleições com mais de 10 pontos de diferença sobre o segundo colocado, mas já não mais com a imensa vantagem de antigamente nem com o 51% dos votos. Foi o sinal que as forças regressivas esperavam, tanto o temeroso candidato liberal da oposição quanto as forças políticas ultraconservadoras, a OEA e a nefasta classe média tradicional.

Novamente, Evo tinha ganhado, mas já não contava com o 60% do eleitorado, então, estava enfraquecido e podiam ir para cima dele. O perdedor não reconheceu sua derrota. A OEA falou em eleições limpas, porém, com uma vitória tímida, e pediu segundo turno — sugerindo ir contra a Constituição, que indica que, se um candidato tem mais do que 40% dos votos e mais de dez pontos de diferença sobre o segundo lugar, é o candidato eleito.

Assim, a classe média se jogou na caça aos índios. Na noite de segunda-feira, dia 21, queimaram cinco dos nove órgãos eleitorais, incluindo as cédulas de votação. A cidade de Santa Cruz decretou uma paralisação civil que articulou os habitantes das regiões centrais da cidade, se espalhando para as regiões residenciais de La Paz e Cochabamba. E então, foi desatado o terror.

Grupos paramilitares começaram a atacar instituições, a queimar sedes de sindicatos, a colocar fogo nas casas de candidatos e líderes políticos do partido do governo. No fim, até a residência particular do presidente foi saqueada. Em outros lugares, as famílias (com filhos incluídos) foram sequestradas e ameaçadas de serem torturadas e queimadas se seus cônjuges, mães ou pais — ministros e líderes sindicais — não renunciassem aos seus cargos. Explodia uma noite de facas longas e o fascismo começava a sair da toca.

Quando as forças populares mobilizadas para resistir ao golpe civil começaram a recuperar o controle territorial das cidades com a ajuda de operários, trabalhadores das minas, camponeses, indígenas e moradores de comunidades pobres, e quando o balanço de forças começava a tender para o lado da força popular, veio o motim policial.

A polícia já vinha demonstrando negligência e inabilidade para proteger as pessoas humildes quando elas eram espancadas e perseguidas pelos bandos fascistóides; mas, a partir de sexta-feira, com o desconhecimento do comando civil, muitos deles passaram a mostrar uma capacidade extraordinária para agredir, prender, torturar e matar manifestantes populares.

Antes, quando era preciso conter os filhos da classe média, diziam não ter capacidade para isso. Mas agora, quando se trata de reprimir os índios rebeldes, a performance, a prepotência e a crueldade repressiva são imponente. O mesmo aconteceu com as Forças Armadas: em toda a nossa gestão de governo, nunca autorizamos elas a saírem reprimindo manifestações civis, nem mesmo no primeiro golpe cívico de Estado, em 2008. Agora, em plena convulsão, sem sequer serem questionados, declararam não ter elementos antidistúrbios, que apenas possuíam 8 balas para cada integrante e que, para servirem às ruas para conter os distúrbios seria necessário um decreto presidencial.

No entanto, não tardaram a pedir-impor ao presidente Evo sua renúncia, rompendo com a ordem constitucional. Fizeram de tudo para tentar sequestrá-lo no trajeto e em sua estadia em Chapare; e, quando o golpe foi consumado, saíram às ruas disparando milhares de balas, militarizando cidades e assassinando camponeses. Tudo isso sem decreto presidencial. Evidentemente, para proteger os índios era necessário um decreto. Mas para reprimir e matá-los, só era preciso obedecer ao que o ódio racial e classista ditava. Ao longo de cinco dias temos mais de 18 mortos e 120 feridos por balas — é claro que todos eles são indígenas.

A pergunta que todos deveríamos responder é: como foi possível a classe média tradicional incubar tanto ódio e ressentimento contra o povo, a ponto de abraçarem um fascismo radical, focado no índio como inimigo? Como conseguiu difundir suas frustrações de classe para a polícia e as forças armadas e ser a base social dessa fascistização, desse retrocesso estatal e dessa degeneração moral?

É a rejeição à igualdade. Ou seja, a rejeição aos próprios fundamentos de uma democracia substancial.

Nos 14 anos de governo que se passaram, os movimentos sociais têm mantido como principal característica o processo de equalização social, de redução abrupta da pobreza extrema (de 38% para 15%), de ampliação dos direitos para todos (acesso universal à saúde, à educação e à proteção social), uma indigenização do Estado (mais do que 50% dos funcionários da administração pública possuem identidade indígena), redução das desigualdades econômicas (diminuiu de 130 para 45 vezes a diferença da renda entre mais ricos e mais pobres), ou seja, uma democratização sistemática da riqueza, do acesso aos bens públicos, às oportunidades e ao poder estatal. A economia cresceu de USD $ 9 bilhões para USD $42 bilhões. Cresceram o mercado e a poupança interna — esta, por sua vez, permitiu que muitos tivessem uma casa própria e que melhorassem sua atividade laboral.
Então, tudo isso traz como resultado o fato de que, em uma década, o percentual de pessoas da chamada classe média (medida pela renda) tenha crescido de 35% da população para 60% — cuja maioria provém de setores populares, indígenas. Trata-se de um processo de democratização dos bens sociais por meio da construção de uma igualdade material que, inevitavelmente, trouxe também uma rápida desvalorização do capital econômico, educacional e político em mãos da classe média tradicional.

Enquanto antigamente um sobrenome importante ou o monopólio dos saberes legítimos ou o conjunto de vínculos parentais próprios das classes médias tradicionais permitia-lhes aceder a cargos na administração pública, a obter crédito, licitações em obras ou bolsas, hoje em dia a quantidade de pessoas que disputam o mesmo cargo ou oportunidade não só duplicou — reduzindo pela metade suas chances de aceder a tais bens — mas essa nova classe média de origem popular indígena possui também um conjunto de novos capitais (língua indígena e vínculos sindicais) de valor elevado, além do reconhecimento estatal para disputar os bens públicos disponíveis.

Trata-se, portanto, do declínio daquilo que era característico da sociedade colonial, a etnicidade como capital, ou seja, do fundamento imaginário de uma superioridade histórica da classe média sobre as classes subalternas, porque aqui na Bolívia a classe social é compreendida e visualizada sob a forma de hierarquias raciais. O fato de que os filhos da classe média tenham sido a força de choque da insurgência reacionária é o grito violento de uma nova geração que vê como a herança do sobrenome e a pele se desvanece frente à força da democratização dos bens. Ainda que tremulem bandeiras da democracia entendida como o voto, na verdade eles se sublevaram contra a democracia entendida como igualdade e distribuição de riquezas. Esse é o motivo do ódio transbordar, da violência exacerbada, porque a supremacia racial é algo que não se racionaliza; se vive como impulso primário do corpo, como tatuagem da história colonial na pele. Por isso que o fascismo não é só a expressão de uma revolução falida, mas também, paradoxalmente, em sociedades pós-coloniais, o êxito de uma democratização material alcançada.

É por isso que não surpreende que, enquanto os índios recolhem os corpos de cerca de 20 mortos assassinados a bala, seus algozes materiais e morais digam que o fizeram para salvaguardar a democracia. Mas, na realidade, sabem que o fizeram é para proteger o privilégio de castas e sobrenomes.

Mas o ódio racial só pode destruir; não é um horizonte, não é mais que uma primitiva vingança de uma classe histórica e moralmente decadente que demonstra que por trás de cada liberal medíocre esconde-se um efetivo golpista.

https://outraspalavras.net/estadoemdisputa/bolivia-e-os-indigenas-resistem-ao-golpe/ 

terça-feira, 19 de novembro de 2019

DECLARACÃO DA ARTICULÇÃO INDÍGENA "COICA" SOBRE O SÍNODO DA AMAZÔNIA

PODEMOS E DEVEMOS TRABALHAR PARA QUE ESSA DECISÃO DE ASSUMIR JUNTOS AS PRÁTICAS DO PÓS-SÍNODO DA AMAZÔNIA ACONTAÇA REALMENTE, COM O IMPULSO DO ESPÍRITO DIVINO.

Declaración final de la COICA, sobre el Sínodo Especial para la Región Amazónica. Roma, octubre de 2019.

La COICA, cumpliendo con el mandato de Macapa, aprobado en el X Congreso de junio de 2018, asume la misión de representar y liderar la defensa de los derechos y territorios de 506 pueblos indígenas y más de 66 pueblos en aislamiento voluntario y contacto inicial, en una región única de 7,5 millones de km2.

Como instancia de coordinación internacional de los pueblos, nacionalidades y organizaciones, declaramos:

1.Nuestro profundo y sincero agradecimiento a la Iglesia Católica Universal, representada por su santidad el Papa Francisco, que, motivado por un sentimiento superior, ha hecho posible este encuentro intercultural, al posibilitar nuestra presencia en la casa de San Pedro, en el Sínodo de los Obispos, en un ambiente de respeto y de profunda espiritualidad.

2. Que el contexto en el que se desarrolla este Sínodo Especial para la Región Panamazónica, ha estado marcado por acontecimientos de violencia, persecución, represión y asesinatos de nuestros defensores y defensoras de la amazonia, también de violación a los derechos fundamentales de la naturaleza y de las leyes nacionales e instrumentos jurídicos internacionales que protegen a nuestros pueblos, y a pesar de ello hemos estado presentes ante este llamado que consideramos el más importante de este siglo, ya que coloca a la amazonia, a sus pueblos y a la vida como eje central de este debate. El clamor amazónico exige al mundo, a los gobiernos, a los parlamentos de Europa, Estados Unidos y América latina, que paren la violencia contra la amazonia, que se agilice la titulación de los territorios indígenas, que pare la invasión violenta e inconsulta de grandes proyectos de “desarrollo” que están saqueando nuevamente nuestra casa y nuestra vida.

3. Que ancestralmente son los pueblos y las culturas indígenas –por sus modos de vida,
costumbres y saberes- quienes más y mejor conservan la amazonia, puesto que sus formas de
relación con la naturaleza, están determinadas por una cosmovisión y una espiritualidad
acerca de lo sagrado, que existe en el profundo respeto a la vida en plenitud y se fundamenta
en los principios de reciprocidad y la complementariedad entre todas las formas de vida, en
donde el ser humano no es superior o inferior sino que hace parte esencial de la reproducción
y mantenimiento de la vida. Los pueblos indígenas no hablan sobre la biodiversidad sino
desde la biodiversidad, es decir son una parte y no el todo de los ecosistemas, las especies y
los genes.

Que, sin embargo, por sobre los territorios indígenas se superponen: áreas protegidas, parques
nacionales, reservas de la biosfera, concesiones petroleras, mineras y forestales,
hidroeléctricas. Se intentó fallidamente en nombre del “desarrollo” o el “progreso”
reemplazar, excluir y en algunos casos exterminar a las culturas más próximas a la teoría del
desarrollo sostenible.

4.Que la cultura del capital, la lógica de la propiedad y la codicia, la enfermedad del
consumismo, el excesivo individualismo y la casi total ausencia de espiritualidad, son los
signos terminales de la crisis civilizatoria contemporánea.

5. Hoy, frente a la más reciente crisis de los incendios en la Amazonía, muchos de los
gobiernos, organismos internacionales, organismos de conservación siguen generando
iniciativas sin considerar a los pueblos indígenas ni sus organizaciones representativas, sigue
vigente una lógica neocolonial que vuelve a cometer el viejo error antropocéntrico, arrogante
y preservacionista de pensar que la conservación es posible, sin considerar a las culturas y
los pueblos indígenas.

6. Las consecuencias generadas han sido: la devastación de la selva, el exterminio de pueblos
y comunidades indígenas, la migración, la progresiva pérdida de los conocimientos, saberes
y prácticas y la disputa sobre una identidad que se debate entre lo propio y lo ajeno. La
despiadada y salvaje forma de ocupación y expropiación de la amazonia por parte de las
corporaciones transnacionales, hacen que ellas, ejerciendo el poder y la cultura del capital,
prescindan de los estados, de las culturas y de los pueblos indígenas y los sometan a una
lógica de mercado que ha mercantilizado y comercializado la vida.

Asistimos hoy, a un terrible momento en la historia de la humanidad en que la extinción de
las especies incluye a los seres humanos y a la naturaleza en su totalidad.

7. Que reconocemos y valoramos las orientaciones y visiones del Papa respecto de:
Una ecología integral, fundamento de relación entre la ética y el bien común de toda la
creación, donde el hombre no es amo, sino un administrador y servidor de la creación por
eso con voz profética exhorta a la compasión por el otro.

Nos señala que debemos: “pasar del consumo al sacrificio, de la avidez a la generosidad, del
desperdicio a la capacidad de compartir. pasar poco a poco de lo que yo quiero a lo que
necesita el mundo de Dios”. Tal propuesta es posible, si el ser humano llega a esta convicción:
“lo divino y lo humano se encuentran en el más pequeño detalle contenido en los vestidos
sin costuras de la creación de Dios”

Que: la inequidad no afecta solo a individuos, sino a países enteros, y obliga a pensar en una
ética de las relaciones internacionales. Porque hay una verdadera «deuda ecológica»,
particularmente entre el Norte y el Sur, relacionada con desequilibrios comerciales con
consecuencias en el ámbito ecológico, así como con el uso desproporcionado de los recursos
naturales llevado a cabo históricamente por algunos países. Las exportaciones de algunas
materias primas para satisfacer los mercados en el Norte industrializado han producido daños
locales, como la contaminación con mercurio en la minería del oro o con dióxido de azufre
en la del cobre.

El Papa Francisco, en su visita a Puerto Maldonado (enero 2018), llamó a cambiar el
paradigma histórico en que los Estados ven la Amazonía como despensa de los recursos
naturales, por encima de la vida de los pueblos originarios y sin importar la destrucción de la
naturaleza. La relación armoniosa entre el Dios Creador, los seres humanos y la naturaleza
está quebrada debido a los efectos nocivos del neo-extractivismo y por la presión de los
grandes intereses económicos que explotan el petróleo, el gas, la madera, el oro, y por la
construcción de obras de infraestructura (por ejemplo: megaproyectos hidroeléctricos, ejes
viales, como carreteras interoceánicas) y por los monocultivos industriales.

“La Amazonia se disputa en varios frentes: por un lado, el neo-extractivismo y la fuerte
presión de grandes intereses económicos ávidos de petróleo, gas, madera, oro y monocultivos
industriales. Por el otro, la amenaza procedente de la perversión de ciertas políticas que
promueven la ‘preservación’ de la naturaleza sin tener en cuenta al ser humano.”

Francisco apela por la defensa de las culturas y por la reapropiación de la herencia que viene
con la sabiduría ancestral, la cual propone una manera de relación armoniosa entre la
naturaleza y el Creador, y expresa con claridad que «la defensa de la tierra no tiene otra
finalidad que no sea la defensa de la vida. Esta debe considerarse tierra santa: ¡Esta no es una
tierra huérfana! ¡Tiene Madre!

Por otra parte, la amenaza contra los territorios amazónicos «también viene por la perversión
de ciertas políticas que promueven “la conservación” de la naturaleza sin tener en cuenta al
ser humano y, en concreto [a los] hermanos [y hermanas] amazónicos que habitan en ellas.

La orientación del Papa Francisco es clara: «Creo que el problema principal está en cómo
conciliar el derecho al desarrollo incluyendo también el derecho de tipo social y cultural, con
la protección de las características propias de los indígenas y de sus territorios. [...] En este
sentido, siempre debe prevalecer el derecho al consentimiento previo e informado.

En la memoria histórica de la relación entre la iglesia y los pueblos indígenas, existen
profundas huellas de encuentros y desencuentros, su origen se sitúa en el escenario de la
ocupación colonial, cuando se incorpora el territorio amazónico al dominio colonial que
luego da paso a la expropiación por parte de los estados nacionales de esos territorios, algunos
momentos de cambio en la iglesia sobre esta situación se expresan, entre otros en: El Concilio
Vaticano II; las Conferencia del Episcopado Latinoamericano de Medellín, Puebla y Santo
Domingo.

8.Que apoyamos el documento final aprobado y que confiamos plenamente en el compromiso
del papa Francisco para que cuando le corresponda hacer su exhortación a la humanidad
considere nuestra aspiración colectiva de que inicie el post Sínodo y podamos caminar juntos
con alegría, esperanza y mucha voluntad en los siguientes aspectos:

• Que la ecología integral se haga realidad en la conciencia y en la acción, denunciando
y enfrentando con valor la explotación ilimitada de la casa común y de sus habitantes.

• Que debemos iniciar conjuntamente con la iglesia amazónica y el pueblo amazónico
la discusión y ejercicio de experiencias que permitan hacer realidad en nuestros


pueblos y comunidades la valoración de sus prácticas económicas para que sean
visibilizadas y tomadas en cuenta para cambiar este modelo de desarrollo extractivitas
y podamos vencer el cambio climático y la deforestación de la amazonia.

• Que logremos incidir conjunta sobre los estados, las iglesias y los organismos
internacionales, sobre la importancia de las culturas, los conocimientos y la
espiritualidad indígena para la conservación de la Amazonia.

9-Acompañar a la iglesia en la conversión ecológica, espiritual y económica para que la
iglesia sea la que necesitamos hoy. Queremos estar al lado de los cambios y caminar junta a
ella, cuando toma en cuenta la voz y participación de los diáconos, mujeres y jóvenes que se
necesitan en la amazonia, esa iglesia indígena que ya tiene más de 50 años de vida entre
nosotros. Esperamos que la REPAM siga coordinado los procesos de articulación y
encuentros en estos nuevos caminos necesarios.

La canoa de la COICA regresa a la maloca con la esperanza intacta, en la prevalencia de la
humanidad frente al azote de egoísmo y avaricia que pone en peligro nuestra casa común, y
reitera el llamado a la protección y defensa de nuestra selva por que es nuestra madre acá en
la tierra.

José Gregorio Diaz Mirabal Tuntiak Katan

Coordinador General COICA Vice Coordinador General COICA

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DESMATAMENTO DA AMANAZÔNIA: O DESASTRE AGORA É OFICIAL

QUANDO O BRASIL DO ANDAR DE CIMA - GOVERNO, GRILEIROS, EMPRESAS - SE DARÁ CONTA OU LEVARÁ A SÉRIO QUE ESTE DESMATAMENTO É, NO MÍNIMO, UM TIRO NO PÉ, E NA VERDADE, UM CRIME CONTRA A VIDA DA TERRA E DOS SERES VIVOS, ESPECIALMENTE OS HUMANOS?

CLIMAINFO noticias@climainfo.org.br - 19 de novembro de 2019



Se até ontem o governo Bolsonaro se respaldou argumentando que o sistema DETER não tem precisão adequada para medir o desmatamento, os números oficiais do desmatamento da Amazônia oriundos do sistema PRODES não deixam dúvidas: a destruição da floresta é dramática. Os dados anuais consolidados do desmatamento da Amazônia mostram que, apesar da profunda e duradoura recessão econômica vivida pelo Brasil, a área desmatada alcançou a marca de 9.762 km², a mais alta desde 2008, quando a economia do país ainda crescia a ritmo acelerado. 
O período avaliado pelo PRODES, que vai de 1º de agosto do ano passado a 31 de julho deste ano, corresponde a cinco meses de governo Temer e sete meses da administração Bolsonaro.
O aumento em relação aos 12 meses anteriores, de 29,5%, foi o maior percentual de aumento de um ano para o outro em mais de duas décadas e leva a medalha de bronze na série histórica do PRODES, perdendo apenas para 1995 (crescimento de 95%) e 1998 (31%). 
A taxa oficial ficou pelo menos 1.500 km² acima da tendência de aumento do desmatamento que vinha sendo observada a partir de 2012. Segundo técnicos do INPE, se a taxa seguisse a tendência dos últimos anos, teria ficado em torno de 8.278 km². 
Segundo o Direto da Ciência, com o resultado deste ano do PRODES, o corte raso acumulado na Amazônia até julho deste ano é de 802.570 km², ou 20,1% da área original da parte brasileira da floresta.
Demitido do INPE após a divulgação dos primeiros alertas sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, o físico Ricardo Galvão disse ao Congresso em Foco que o crescimento de 30% da área desmatada comprova os alertas emitidos em agosto e indica que o Brasil não conseguirá cumprir a Política Nacional sobre Mudança do Clima, a qual prevê uma redução no desmatamento da Amazônia para 3.900 km² de agosto de 2019 a julho de 2020. 
A notícia foi repercutida pelos Valor Econômico, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, UOL, G1 e O Eco, além dos internacionais The Guardian, Reuters, AFP, BBC, Al Jazeera e New Scientist, entre outros.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

ELES SABIAM: A VERDADEIRA CONSPIRAÇÃO POR TRÁS DA QUESTÃO CLIMÁTICA

É TÃO IMPORTANTE ESSA INFORMAÇÃO, QUE DECIDI DISPONIBILIZAR PARA AS AMIGAS E AMIGOS. E PEÇO A TODAS E TODOS QUE A ENVIEM AOS SEUS AMIGOS E AMIGAS. É UMA PRÁTICA IMPORTANTE PARA ENFRENTAR AOS FALSAS INFORMAÇÕES DE HOJE E ONTEM. AS QUE ALIMENTARAM A MENTIRA DE QUE A QUEIMA DAS FONTES FÓSSEIS NÃO CAUSARIAM NENHUM PROBLEMA CLIMÁTICO COMEÇARAM NO ANO 1970! É ISSO MESMO, E AINDA HÁ MUITA GENTE QUE SEGUEM OS NEGACIONISTAS DE HOJE, COM CERTEZA PAGOS AINDA PELOS DÓLARES QUE A EXXON E SUAS IRMÃS COLOCAM NO FUNDO DESTINADO A MANTER O CONSUMO DOS FÓSSEIS.

NADA DE INOCÊNCIA, DE FALTA DE INFORMAÇÃO. ELES PRÓPRIOS SABIAM A PARTIR DE SUAS PRÓPRIAS PESQUISAS!

PURA MALDADE, CRIME CONSCIENTE E HEDIONDO. É POR ISSO QUE ESSES CRIMINOSOS CONTRA O DIREITO DA MÃE TERRA E SEUS FILHOS E FILHAS - TODOS OS SERES VIVOS - PAGAM PARA QUE NÃO SEJA RECONHECIDO PELA JUSTIÇA O ECOCÍDIO - AS PRÁTICAS QUE PROVOCAM A MORTE DOS AMBIENTES VITAIS CRIADOS PELA TERRA E DOADOS AO TODOS OS SERES VIVOS, ENTE ELES OS SERES HUMANOS.

ASSUMAM, COM O SÍNODO DA AMAZÔNIA E COM TANTAS PESSOAS E MOVIMENTOS EM TODO O MUNDO,  A LUTA EM FAVOR DO RECONHECIMENTO DA TERRA COMO SUJEITO DE DIREITOS E PELO RECONHECIMENTO DO ECOCÍDIO COMO CRIME.

 Eles sabiam: a verdadeira conspiração por trás da questão climática

A rede de com­pu­ta­dores anda in­fes­tada pelas cha­madas “te­o­rias de cons­pi­ração”. Muitas delas são apenas his­tó­rias sem pé nem ca­beça, al­gumas quase ino­fen­sivas, mas ou­tras nem tanto, como é o caso das in­ven­ci­o­nices do cha­mado mo­vi­mento an­ti­va­cina. Ou­tras são men­tiras plan­tadas com in­te­resses bas­tante es­pe­cí­ficos, como o caso de um certo pre­si­dente de to­pete es­tranho afir­mando que “o aque­ci­mento global é uma farsa in­ven­tada pelos chi­neses”.

O pro­blema dessas “te­o­rias” (usado de ma­neira im­pró­pria, pois nada têm a ver com o uso da pa­lavra nas ci­ên­cias) é duplo: se as pes­soas levam a sério as men­tiras, podem ig­norar evi­dên­cias reais ou até mi­litar por causas ine­xis­tentes; se dão de om­bros para qual­quer su­posta cons­pi­ração, afinal a maior parte é pura in­ven­ci­o­nice mesmo, podem ter­minar não dando a de­vida atenção aos (ra­rís­simos) casos em que uma cons­pi­ração (ou algo pa­re­cido) re­al­mente exista.

Nestes tempos de va­za­mento de in­for­ma­ções à la Wi­ki­leaks e Vaza-Jato, a di­vul­gação de um certo ma­te­rial passou bas­tante des­per­ce­bido, mas não de­veria. Afinal, ele mostra, como ve­remos, que a in­dús­tria fóssil sabia há muitos anos do risco de caos cli­má­tico e que o ne­ga­ci­o­nismo cli­má­tico ja­mais teve qual­quer fun­da­mento em de­bate ci­en­tí­fico real; pelo con­trário, é uma cria de la­bo­ra­tório dessa mesma in­dús­tria, que montou uma enorme fraude - que per­siste até hoje - apenas para de­fender seus in­te­resses. Leiam. Até o fim.

A mu­dança do clima no radar da in­dús­tria fóssil: o Re­la­tório Stan­ford


Capa do re­la­tório “Fontes, Abun­dância e Des­tino de Po­lu­entes At­mos­fé­ricos Ga­sosos”, de 1968. Fonte: https://​www.​smo​kean​dfum​es.​org 

A pro­vável re­lação entre clima e con­cen­tração de CO2 é co­nhe­cida desde o sé­culo 19 e já na dé­cada de 1930 sur­giram evi­dên­cias ob­ser­va­ci­o­nais de que a queima de com­bus­tí­veis fós­seis es­taria con­tri­buindo para aquecer o pla­neta.

Prin­ci­pais res­pon­sá­veis pela ex­tração, pro­ces­sa­mento e queima desses com­bus­tí­veis, a mu­dança cli­má­tica já es­tava no radar das grandes cor­po­ra­ções pe­troquí­micas há muito tempo, na ver­dade muito antes de a Or­ga­ni­zação das Na­ções Unidas con­vocar es­pe­ci­a­listas para com­porem um painel sobre o tema (o IPCC, criado em 1988).

Com efeito, há mais de meio sé­culo, em 1968, o Ame­rican Pe­tro­leum Ins­ti­tute (API) en­co­mendou um re­la­tório a ser pre­pa­rado por pes­qui­sa­dores do Ins­ti­tuto de Pes­quisa Stan­ford. Res­salte-se que o API é a prin­cipal as­so­ci­ação co­mer­cial da in­dús­tria do pe­tróleo e gás dos EUA, reu­nindo 650 com­pa­nhias, in­clu­sive a Exxon, a Che­vron e os braços es­ta­du­ni­denses da Shell e da BP. O ob­je­tivo do re­la­tório era saber, de es­pe­ci­a­listas, quais os pos­sí­veis im­pactos da ex­tração e queima de com­bus­tí­veis fós­seis sobre o clima, pois isso po­deria vir a afetar em algum mo­mento a lu­cra­ti­vi­dade dessas em­presas.

Quais as con­clu­sões do re­la­tório Stan­ford? O mesmo aler­tava que “a hu­ma­ni­dade está re­a­li­zando um vasto ex­pe­ri­mento ge­o­fí­sico” e que “mu­danças sig­ni­fi­ca­tivas de tem­pe­ra­tura quase cer­ta­mente devem ocorrer em torno do ano 2000, tra­zendo con­sigo mu­danças cli­má­ticas”.

O que a Exxon sabia sobre o risco cli­má­tico ao final dos anos 1970


Slide apre­sen­tado por James Black à di­reção da Exxon, com re­sul­tados de si­mu­lação cli­má­tica, in­cluindo pro­jeção para o fu­turo.
Fonte: https://​ins​idec​lima​tene​ws.​org 

A falta de qual­quer des­do­bra­mento con­creto a partir do Re­la­tório Stan­ford já era um in­dício de que a in­dús­tria pe­troquí­mica não havia fi­cado feliz com as con­clu­sões do mesmo e, nesse con­texto, a Exxon re­solveu, ela mesma, re­a­lizar es­tudos sobre as pos­sí­veis al­te­ra­ções do clima cau­sadas pelas emis­sões de CO2 re­sul­tantes de sua ati­vi­dade.

Nos anos 1970, ela montou um grupo de pes­quisa, com um or­ça­mento não des­pre­zível, para através de gente "de dentro" res­ponder à questão se queimar pe­tróleo traria riscos para a es­ta­bi­li­dade cli­má­tica do pla­neta ou não. O grupo era li­de­rado por James F. Black, pes­qui­sador sê­nior do De­par­ta­mento de Pes­quisa e En­ge­nharia da Exxon, li­gado à com­pa­nhia desde a sua an­te­ces­sora (a Stan­dard Oil), e que go­zava da con­fi­ança dos seus chefes.

Mesmo com um mo­delo cli­má­tico bem menos com­plexo do que os dis­po­ní­veis hoje em dia, as si­mu­la­ções apre­sen­tadas por Black mos­travam res­fri­a­mento da es­tra­tos­fera e aque­ci­mento bem mais acen­tuado no Ár­tico do que no resto do pla­neta.

Já em 1978, James Black apre­sentou pro­je­ções de aque­ci­mento global que são in­cri­vel­mente pa­re­cidas com aquelas pro­du­zidas pela co­mu­ni­dade do clima muitos anos de­pois. A hi­pó­tese é que, ex­tra­po­lando o cres­ci­mento das emis­sões, po­de­ríamos du­plicar ou até qua­dru­plicar a con­cen­tração de CO2 até 2075. A pro­jeção cli­má­tica cor­res­pon­dente apon­tava para um aque­ci­mento em torno de 1 ou 2°C após o ano 2000 (em 2016 che­gamos a 1,2°C de ano­malia de tem­pe­ra­tura em re­lação ao pe­ríodo pré-in­dus­trial) e um valor mais pro­vável em torno de 3°C em me­ados deste sé­culo.

O nível de so­fis­ti­cação da si­mu­lação era ates­tado pela pro­jeção de pa­drões que co­meçam a ser ob­ser­vados e que pas­saram a constar das si­mu­la­ções re­a­li­zadas pela co­mu­ni­dade ci­en­tí­fica de clima vá­rios anos de­pois, in­cluindo:
1) um aque­ci­mento bem mais ace­le­rado no Ár­tico do que em la­ti­tudes mais baixas;
2) o res­fri­a­mento da es­tra­tos­fera, em con­traste com o aque­ci­mento da su­per­fície e da tro­pos­fera, que con­siste em uma das mai­ores evi­dên­cias de que o aque­ci­mento global está re­la­ci­o­nado à re­dução da ra­di­ação in­fra­ver­melha que es­capa da tro­pos­fera em função do au­mento da in­ten­si­dade do efeito es­tufa e não a um au­mento da ati­vi­dade solar ou algo do gê­nero e;
3) o re­co­nhe­ci­mento de que os im­pactos sobre a tem­pe­ra­tura global per­du­ra­riam por mi­lê­nios mesmo que as emis­sões fossem in­ter­rom­pidas em algum mo­mento, per­mi­tindo que o pla­neta vol­tasse a res­friar.


Efeito de um "pulso" de emissão de CO2 na es­cala de mi­lhares de anos, na si­mu­lação de Black, que criou o termo "super-in­ter­gla­cial".

Black também fa­lava em uma ja­nela “de cinco a dez anos” antes de tomar me­didas drás­ticas para mudar o mo­delo ener­gé­tico. Em ou­tras pa­la­vras, nos bas­ti­dores da Exxon, tanto o risco de um aque­ci­mento global des­con­tro­lado quanto à ne­ces­si­dade de termos ini­ciado na dé­cada de 1980 uma tran­sição ener­gé­tica que nos li­vrasse dos com­bus­tí­veis fós­seis, já eram co­nhe­cidas.
Mas o que a Exxon fez a partir disso? O de­sen­rolar dessa his­tória não chega a ser de todo sur­pre­en­dente, mas não é por isso que deixa de ser pro­fun­da­mente in­dig­nante.

A opção cons­ci­ente da Exxon pelo de­sastre cli­má­tico

 
Trecho de do­cu­mento da Exxon, dis­po­ni­bi­li­zado por Cli­ma­te­Files. Com uma dose ex­tra­or­di­nária de mal­dade, o do­cu­mento propõe, como ob­je­tivo da cam­panha de co­mu­ni­cação, fazer com que os de­fen­sores do Pro­to­colo de Kyoto pa­re­cessem "fora da re­a­li­dade".

Vindo de dentro, não tinha mais sen­tido ques­ti­onar a in­for­mação. Era fato: o de­sastre cli­má­tico viria mais cedo ou mais tarde, os com­bus­tí­veis fós­seis te­riam de virar coisa do pas­sado e - mais do que a fonte de lucro - a pró­pria razão de existir da Exxon es­tava em xeque. A po­sição da com­pa­nhia não po­deria ser mais odiosa: a opção cons­ci­ente pelos ne­gó­cios, pelo lucro, um enorme f*da-se para a hu­ma­ni­dade e para a pró­pria vida no pla­neta como a co­nhe­cemos.

Em 1982, a Exxon en­cerrou o pro­grama de pes­quisas em clima. Tudo que havia sido pro­du­zido foi en­ga­ve­tado e a com­pa­nhia passou a ar­ti­cular-se com grupos de di­reita e think tanks con­ser­va­dores a fim de ini­ciar uma cru­zada para es­conder a ver­dade sobre o risco cli­má­tico. Desde então, a Exxon fi­nan­ciou di­versos grupos ne­ga­ci­o­nistas, tendo trans­fe­rido para eles mais de 30 mi­lhões de dó­lares.

Não foi algo feito de ma­neira ale­a­tória. Foi caso pen­sado, com tá­tica e es­tra­tégia. Os do­cu­mentos in­ternos da Exxon de­mons­tram isso. Havia um "Plano de Co­mu­ni­cação da Ci­ência do Clima Global", cujo pro­pó­sito era o de re­for­matar com­ple­ta­mente o de­bate pú­blico sobre a questão cli­má­tica que então se ini­ciava, após a cri­ação da Con­venção-Quadro das Na­ções Unidas sobre Mu­danças Cli­má­ticas (a UNFCCC) e a re­a­li­zação da Eco-92 e das pri­meiras Con­fe­rên­cias das Partes (COPs), pro­cesso que viria a de­sa­guar no (muito tí­mido) Pro­to­colo de Kyoto.


 
Es­tra­té­gias e tá­ticas da co­a­lizão li­de­rada pela Exxon em seus ata­ques à Ci­ência do Clima. Do­cu­mento dis­po­ni­bi­li­zado via Cli­ma­te­Files.

Se­gundo a pró­pria Exxon, esse plano só seria vi­to­rioso quando o "ci­dadão médio" vi­esse a ques­ti­onar o que eles cha­mavam de "co­nhe­ci­mento con­ven­ci­onal", ou seja, a Ci­ência do Clima, para aderir à nar­ra­tiva ne­ga­ci­o­nista ou pelo menos vi­esse a ter dú­vidas. Idem para o con­junto do em­pre­sa­riado e para a mídia, que de­veria, se­gundo o plano da co­a­lizão li­de­rada pela Exxon, mos­trar os "dois lados", isto é, abrir es­paço tanto para a ci­ência quanto para a sua ne­gação de­li­be­rada e ar­qui­te­tada com fins mes­qui­nhos e es­pú­rios de pre­servar os lu­cros da in­dús­tria fóssil.

O do­cu­mento mostra toda a vi­lania e es­cro­tidão da co­a­lizão li­de­rada pela Exxon, ao co­locar como um dos seus ob­je­tivos fazer com que quem de­fen­desse o Pro­to­colo de Kyoto pa­re­cesse, pe­rante o pú­blico, como "fora da re­a­li­dade".

Em­bora não fossem exa­ta­mente novas, já que tudo fora ins­pi­rado na sa­bo­tagem an­ti­ci­ência feita anos antes pela in­dús­tria do ta­baco, o nível de de­ta­lha­mento das es­tra­té­gias e tá­ticas da "co­a­lizão" não deixa margem para dú­vidas de como a Exxon e seus com­parsas cons­pi­raram contra a co­mu­ni­dade ci­en­tí­fica, contra o in­te­resse pú­blico, contra a hu­ma­ni­dade e a bi­os­fera, uni­ca­mente para de­fender seus lu­cros.

Era ne­ces­sário re­crutar pes­soas dentro da aca­demia (em todo lugar sempre tem algum su­jeito de ca­ráter du­vi­doso dis­po­nível para vender a alma, não é?). Daí, seria ne­ces­sário cavar es­paço dentro da mídia, via edi­to­rias de ci­ência, cartas e edi­to­riais es­critos por esses "ci­en­tistas" re­cru­tados, pro­mover pa­les­tras de ne­ga­ci­o­nismo junto a uni­ver­si­dades, sin­di­catos, co­mu­ni­dades etc. Ima­ginem o que não cons­taria do plano se na­quela época já exis­tissem o You­Tube, o What­sApp, o Fa­ce­book, o Ins­ta­gram etc...


 
Po­ten­ciais fi­nan­ci­a­dores e im­ple­men­ta­dores do pro­jeto da "co­a­lizão" an­ti­ci­ência.

Óbvio, toda essa cam­panha an­ti­ci­ência sór­dida não sairia do lugar sem di­nheiro! E no do­cu­mento, que pode ser che­cado no site Cli­mate Files, apa­rece o or­ça­mento de­ta­lhado, to­ta­li­zando dois mi­lhões de dó­lares à época ou mais de três mi­lhões, cor­ri­gindo para os dias de hoje. Isso ban­caria não apenas ações na mídia e pa­les­tras, mas até como o ne­ga­ci­o­nismo che­garia às es­colas. Também é evi­dente que, em ha­vendo esse or­ça­mento, al­guém teria de bancá-lo.

Ne­nhuma sur­presa sobre os fi­nan­ci­a­dores: as­so­ci­a­ções em­pre­sa­riais dos se­tores de mi­ne­ração e pe­tróleo, com des­taque, mais uma vez, para o API. Quem "to­caria" o barco se­riam con­sul­to­rias e ins­ti­tutos ide­o­lo­gi­ca­mente li­gados ao ul­tra­con­ser­va­do­rismo como ALEC, Marshall Ins­ti­tute etc.

Breves frases fi­nais sobre a im­pos­sível "cons­pi­ração de ci­en­tistas"

As cor­po­ra­ções ca­pi­ta­listas têm um in­te­resse que, para elas, está acima de tudo: o pró­prio lucro. Às es­con­didas da opi­nião pú­blica, à re­velia do in­te­resse da mai­oria das pes­soas e por meio de suas as­so­ci­a­ções e com re­cursos ge­ne­rosos, essas cor­po­ra­ções têm todas as con­di­ções - e o mo­tivo - para cons­pi­rarem na de­fesa desses in­te­resses. E como mos­tramos, essa cons­pi­ração não apenas acon­teceu como deixou-nos um le­gado mal­dito: o ne­ga­ci­o­nismo cli­má­tico, hoje mul­ti­pli­cado e di­fun­dido muito mais ra­pi­da­mente através dos meios di­gi­tais.

Por outro lado, falar em "cons­pi­ração de ci­en­tistas" é um total con­tras­senso. Pri­meiro, porque a mo­ti­vação do tra­balho ci­en­tí­fico em geral não é o di­nheiro. Em ou­tras ati­vi­dades, pes­soas com a alta qua­li­fi­cação dos ci­en­tistas po­de­riam ga­nhar muito mais. Se­gundo, porque os ci­en­tistas são bem mais com­pe­ti­tivos entre si do que cor­po­ra­ti­vistas. A ideia de su­perar o tra­balho do co­lega, ou até des­bancar o en­ten­di­mento ci­en­tí­fico vi­gente sobre de­ter­mi­nado as­sunto é atra­ente. Traz pres­tígio, pu­bli­ca­ções em re­vistas con­cei­tu­adas (como Sci­ence e Na­ture), ci­ta­ções.

Mas, ter­ceiro e prin­ci­pal­mente, porque não é da na­tu­reza do fazer ci­en­tí­fico. Mesmo com as im­per­fei­ções e li­mites in­di­vi­duais e co­le­tivos, a ci­ência se guia pelas evi­dên­cias e os pontos de vista são mol­dados de tal modo que, mais cedo ou mais tarde, essas evi­dên­cias pre­va­lecem e, se for o caso, até mesmo uma re­vo­lução ci­en­tí­fica se impõe.

Não é que nós, ci­en­tistas, se­jamos ves­tais, ou que entre nós reine uma pu­reza moral e ética que im­peça des­vios in­di­vi­duais e/ou tem­po­rá­rios, al­guns deles graves, in­cluindo fraudes ci­en­tí­ficas. Mas sim­ples­mente que não faz sen­tido es­perar que se­jamos ca­pazes de uma cons­pi­ração que efe­ti­va­mente en­volva mi­lhares de ci­en­tistas e pes­qui­sa­dores, es­tu­dantes e téc­nicos, todos im­buídos de um único pro­pó­sito es­púrio, que no fim das contas nin­guém con­segue dizer di­reito qual seria: vender bi­ci­cletas e pai­néis so­lares, atra­pa­lhar a com­pe­ti­ti­vi­dade econô­mica dos países ricos, conter o de­sen­vol­vi­mento dos países po­bres ou sa­botar a eco­nomia como um todo?

Des­culpem, mas - di­fe­ren­te­mente da in­dús­tria do ta­baco e da in­dús­tria do pe­tróleo - não temos "com­pe­tência" para isso. Uma cons­pi­ração de ci­en­tistas daria er­rado. A não ser a cons­pi­ração de le­vantar evi­dên­cias, se apro­ximar da ver­dade e me­lhor en­tender a re­a­li­dade que nos cerca.

Ale­xandre Araujo é ci­en­tista do clima.

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