Algumas pessoas podem estranhar a
frase do título, mas esta foi a declaração de uma liderança indígena na
celebração que antecedeu a missa de corpo presente de dom Tomás Balduino na
igreja São Judas, em Goiânia. Para meus ouvidos, olhos e coração, porém, foi o
primeiro dos muitos gestos, rituais e palavras de homens, mulheres e crianças
indígenas que revelaram que este bispo era e continuará sendo uma pessoa
especial para todos os povos indígenas, uma pessoa que sempre os apoiou, sempre
defendeu seus direitos, sem medo e com uma solidariedade radical. Na verdade,
uma pessoa muito especial para todos que acompanhamos sua despedida de nossa
forma de vida, de modo especial para os que buscaram e continuam buscando
formas de ser igreja e de práticas humanas comprometidas com a construção do Reino
de Deus.
Os que representaram os povos
indígenas nestes dias de velório e enterro deixaram claro como querem que o
bispo dom Tomás seja reconhecido de hoje em diante: como São Tomás dos Povos
Indígenas. Eles proclamaram sua santidade a partir de suas mediações e
vivências religiosas, a partir de seus cânones, certamente diferentes dos que a
igreja católica segue para reconhecer e declarar uma pessoa como santo. O
fundamental, para os indígenas, é que a pessoa seja alguém cuja prática de vida
tenha sido marcada pelo amor, pela justiça, pela solidariedade, pela profecia
corajosa, pela fidelidade à sua missão; que tenha sido uma pessoa que falava
com autoridade porque suas práticas confirmavam suas palavras.
Ao ouvir a proclamação de que,
para eles, dom Tomás é um deus, lembrei da declaração do saudoso Betinho
referida a Frei Mateus Rocha, na ocasião de sua morte, em que não pode estar
presente: ele cuidava de cada um de nós
como se fôssemos deuses, e nós, apesar de nós mesmos, nos sentíamos deuses.
Não estamos diante de uma forma indireta de declarar que, para ele e os outros
jovens, Frei Mateus era deus, já que só Deus cuida de cada um como se fosse
deus? Já se disse que Deus se fez um de nós em Jesus para que cada um de nós e
todos sejamos como ele, filhos de Deus, capazes de amar como ele, dando a
própria vida.
Cada povo indígena do Brasil se
sentiu cuidado por dom Tomás como se fosse Deus, e os povos se sentiram deuses;
e agora, na despedida pascal de sua vida entre nós, os povos indígenas declaram
que só um deus é capaz de amá-los como o foram por dom Tomás. Na linguagem do
cristianismo, só sendo tão íntima e movida pela graça de Deus, só sendo “santa”,
participante da santidade de Deus, uma pessoa pode ser reconhecida como membro
dos povos indígenas por seu amor a eles, ser reconhecida e proclamada como um
deus que foi ao encontro deles.
Muito raramente pude participar
de celebrações tão pascais como as vivenciadas na despedida de dom Tomás. Houve
muitas lágrimas, mas nascidas de sentimentos agridoces: de tristeza misturada
com alegria, de dor pela despedida com a energia da esperança, de morte
anunciando ressurreição. Todos nos sentimos convocados a dar continuidade à sua
missão, tendo certeza de que ele continuará junto de nós, ou melhor, que ele
continuará em nossa vida, em nossas práticas, em nossas comunidades, em nossas
lutas por todos os direitos para e com todas as pessoas.
Para os povos indígenas, dom
Tomás tornou-se um Encantado, um ser especial que continua presente em sua
vida, ajudando-os a superar os desafios que surgirão. Dom Tomás, como
Encantado, como São Tomás dos Povos Indígenas, será uma presença ainda mais
forte nas lutas para conquistar a demarcação dos territórios e o reconhecimento
do direito de serem povos diferentes, com formas de vida assentadas sobre
valores que marcam suas identidades de povos humanos.
E como seu amor libertador se
expandiu para todos os povos da Terra, ele será uma presença forte para que
sejam garantidos os territórios e os direitos dos Quilombolas, dos pescadores,
dos camponeses, dos negros, das mulheres... E ninguém estranhará, por isso, se
for proclamado também São Tomás dos Povos da Terra e das Águas.
Ivo
Poletto – Goiânia, 9 de maio de 2014
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