quinta-feira, 8 de maio de 2014

“PARA OS POVOS INDÍGENAS, DOM TOMÁS BALDUINO FOI E CONTINUA UM DEUS”



Algumas pessoas podem estranhar a frase do título, mas esta foi a declaração de uma liderança indígena na celebração que antecedeu a missa de corpo presente de dom Tomás Balduino na igreja São Judas, em Goiânia. Para meus ouvidos, olhos e coração, porém, foi o primeiro dos muitos gestos, rituais e palavras de homens, mulheres e crianças indígenas que revelaram que este bispo era e continuará sendo uma pessoa especial para todos os povos indígenas, uma pessoa que sempre os apoiou, sempre defendeu seus direitos, sem medo e com uma solidariedade radical. Na verdade, uma pessoa muito especial para todos que acompanhamos sua despedida de nossa forma de vida, de modo especial para os que buscaram e continuam buscando formas de ser igreja e de práticas humanas comprometidas com a construção do Reino de Deus.

Os que representaram os povos indígenas nestes dias de velório e enterro deixaram claro como querem que o bispo dom Tomás seja reconhecido de hoje em diante: como São Tomás dos Povos Indígenas. Eles proclamaram sua santidade a partir de suas mediações e vivências religiosas, a partir de seus cânones, certamente diferentes dos que a igreja católica segue para reconhecer e declarar uma pessoa como santo. O fundamental, para os indígenas, é que a pessoa seja alguém cuja prática de vida tenha sido marcada pelo amor, pela justiça, pela solidariedade, pela profecia corajosa, pela fidelidade à sua missão; que tenha sido uma pessoa que falava com autoridade porque suas práticas confirmavam suas palavras. 

Ao ouvir a proclamação de que, para eles, dom Tomás é um deus, lembrei da declaração do saudoso Betinho referida a Frei Mateus Rocha, na ocasião de sua morte, em que não pode estar presente: ele cuidava de cada um de nós como se fôssemos deuses, e nós, apesar de nós mesmos, nos sentíamos deuses. Não estamos diante de uma forma indireta de declarar que, para ele e os outros jovens, Frei Mateus era deus, já que só Deus cuida de cada um como se fosse deus? Já se disse que Deus se fez um de nós em Jesus para que cada um de nós e todos sejamos como ele, filhos de Deus, capazes de amar como ele, dando a própria vida.

Cada povo indígena do Brasil se sentiu cuidado por dom Tomás como se fosse Deus, e os povos se sentiram deuses; e agora, na despedida pascal de sua vida entre nós, os povos indígenas declaram que só um deus é capaz de amá-los como o foram por dom Tomás. Na linguagem do cristianismo, só sendo tão íntima e movida pela graça de Deus, só sendo “santa”, participante da santidade de Deus, uma pessoa pode ser reconhecida como membro dos povos indígenas por seu amor a eles, ser reconhecida e proclamada como um deus que foi ao encontro deles.

Muito raramente pude participar de celebrações tão pascais como as vivenciadas na despedida de dom Tomás. Houve muitas lágrimas, mas nascidas de sentimentos agridoces: de tristeza misturada com alegria, de dor pela despedida com a energia da esperança, de morte anunciando ressurreição. Todos nos sentimos convocados a dar continuidade à sua missão, tendo certeza de que ele continuará junto de nós, ou melhor, que ele continuará em nossa vida, em nossas práticas, em nossas comunidades, em nossas lutas por todos os direitos para e com todas as pessoas.

Para os povos indígenas, dom Tomás tornou-se um Encantado, um ser especial que continua presente em sua vida, ajudando-os a superar os desafios que surgirão. Dom Tomás, como Encantado, como São Tomás dos Povos Indígenas, será uma presença ainda mais forte nas lutas para conquistar a demarcação dos territórios e o reconhecimento do direito de serem povos diferentes, com formas de vida assentadas sobre valores que marcam suas identidades de povos humanos.

E como seu amor libertador se expandiu para todos os povos da Terra, ele será uma presença forte para que sejam garantidos os territórios e os direitos dos Quilombolas, dos pescadores, dos camponeses, dos negros, das mulheres... E ninguém estranhará, por isso, se for proclamado também São Tomás dos Povos da Terra e das Águas.

                        Ivo Poletto – Goiânia, 9 de maio de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário