São Francisco de Assis
Frei Sérgio Antônio
Görgen ofm
Assis era um
pequeno burgo, cidade medieval, encrustrada no vale da Úmbria, que séculos
depois veio a pertencer ao que hoje se chama Itália.
Seria um aglomerado urbano a mais da burguesia
comercial nascente não tivesse ali acontecido algo extraordinário.
Em 1306, nesta pequena cidade, um filho da burguesia
nascente, jovem e cheio de sonhos, após tentar conquistar título de nobreza
participando de guerras e após um período prisioneiro numa destas guerras,
abandona o projeto de seu pai e de seus amigos e vai viver com os pobres e
cuidar de doentes, de modo especial, hansenianos, na época, chamados leprosos.
E o nome do Jovem era Francisco.
Na prisão o jovem Francisco conheceu o Evangelho de
uma forma diferente. Descobrira outro
Jesus, próximo, fraternal, irmão dos pobres, questionador da riqueza e da fama.
Francisco saiu da cadeia e não mais se sentiu bem nas
festas de suas turmas e nem na venda de tecidos do mercado de seu pai, nem mais
aspirou fama e ascensão social servindo nobres em guerras entre irmãos.
Aí encontrou um leproso, e o beijou e abraçou. E depois
deste beijo e deste abraço no hanseniano desprezado e excluído, assumindo o
risco de contaminar-se, passou a ser rejeitado por todos, chamado de louco,
afastado do convívio dos seus.
Também para ele, depois daquele dia, nada mais seria
igual e seus olhos passaram a ver o mundo, as pessoas e as coisas com outra
ótica.
Clara, jovem da nobreza assisense, também abandona a
casa e vai com Francisco atrás de outros sonhos.
Não deve ter sido nada fácil para aquela dupla de
jovens enfrentar tudo e todos ancorados numa intuição e numa leitura nada
convencional da Vida de Jesus, então narrada com pompas, glórias e reinados aos
ditos cristãos dos tempos de então.
O pai de Francisco o deserdou em praça pública e o
jovem tirou a roupa e também esta devolveu ao pai burguês da burguesia nascente
e passa a dizer: “de hoje em diante direi apenas Pai Nosso que estais nos
céus”.
Choque na sociedade assisense. Afronta ao capitalismo
nascente, não com discursos, mas com prática real.
Os jovens rebeldes seguidores de Jesus confrontam
também as práticas religiosas e sociais do feudalismo, já iniciando sua crise
estrutural.
Juntam-se aos pobres e excluídos dos dois modelos em
conflito: capitalismo comercial nascente dos burgueses e o feudalismo em início
de crise da nobreza medieval. Intuiu Francisco, talvez, o que a burguesia
nascente, da qual fez parte na juventude, seria capaz em sua sanha de acumular
lucro, poder e riqueza nos séculos vindouros.
A opção de Francisco acabou por encantar muita gente,
provocando uma revolução na sociedade e na Igreja de então. Seu jeito terno e
encantador e a radicalidade de sua opção, atraiu outros jovens e seu gesto construiu
um movimento social e religioso de grande envergadura.
Poeta e profeta, Francisco criou outra relação com os
pobres, com os doentes e com a natureza. Compôs o Cântico do Irmão sol onde
louva sol e lua, fogo e água, terra e vento, numa harmonia impressionante, um
ecólogo centenas de anos antes da ecologia. Amante da natureza prenunciou a
necessidade de uma nova harmonia entre o ser humano e seu meio.
Seu movimento teve que desembocar, nas circunstâncias
do tempo, numa forma de Vida religiosa de novo tipo, itinerante, misturada com
a vida do povo, vivendo do próprio trabalho, radicalmente democrática.
Foi aceito pela Igreja pelas mãos do Papa Inocêncio
III, um papa universalista que queria retomar a relação da instituição com os
pobres e deter o avanço das rebeldias religiosas pauperistas inspiradas no
Evangelho e críticas ao poder eclesiástico.
Assim mesmo, em sua forma de Vida Religiosa, Francisco
provoca uma revolução linguística. Seus seguidores são chamados Frades Menores,
Irmãos pequenos entre os pequenos, iguais aos sem poder na sociedade de então. Ministros
e guardiães – serviçais e cuidadores - denominou os com encargos e funções de
coordenação em seu grupo religioso. Até Francisco os encargos de chefia na
Igreja e na Vida Religiosa eram vitalícios. Francisco estabeleceu prazos. A
cada capítulo, assembleia geral de todos os frades, todos os encargos deixavam
de existir e todos entravam no capítulo sem cargos e por eleições, novos eram
escolhidos.
Inaugurou uma radical democracia, embora uma
democracia de profecia e em escala molecular, mas radical e contracultural.
Radicalmente espiritual, radicalmente evangélico e
radicalmente humano, irmão da natureza e irmão dos pobres. Amante da paz e da
relação fraternal e sororal entre as pessoas humanas. Convenceu seus seguidores
leigos a renunciar ao uso de armas e com isto, provocou falência na
arregimentação de soldados para as guerras. Seus seguidores leigos faziam
objeção de consciência por seguirem Francisco e se recusavam ao uso de armas.
Não por nada tem hoje ainda tantos admiradores.
E suas lições se fazem tão necessárias nestes tempos em
que tantos se apaixonam por soluções violentas, excludentes, discriminadoras e
desreipeitadoras dos pobres e dos diferentes.
Francisco de Assis, roga por nós e alimenta nossa luta
e nossa esperança por um mundo mais parecido com aquele que alimentou teus
sonhos e os de Clara de Assis.
Em 04 de outubro de 1226 Francisco encerrou sua vida
biológica chamando a morte de irmã, passando a outro plano de existência e
deixando entre nós uma enorme aura de esperança na vida e no ser humano.
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