IHU, 10 de abril de 2019
É possível enfrentar o aquecimento global apenas com mais máquinas e lucros? Surge, agora, alternativa de sentido oposto: devolver vastas áreas degradadas à natureza. Por que esta hipótese precisa ser considerada?
O artigo é de George Monbiot, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido, publicado por Outras Palavras, 08-04-2019. A tradução é de Gabriela Leite.
Eis o artigo.
Não me alegra escrever sobre a destruição do clima.
De um lado, aflição e medo; de outro, máquinas. Me tornei ambientalista
porque adoro o mundo dos seres vivos, mas passo boa parte do meu tempo
pensando em eletricidade, processos industriais e engenharia civil. A mudança tecnológica
é imprescindível, mas para um historiador natural, falar dela dá uma
sensação de frio e de distância. Hoje, no entanto, posso escrever sobre
algo que me faz vibrar: o campo de pesquisa mais empolgante que cobri,
em anos.
A maior parte dos cientistas do clima concordam que já é tarde demais para evitar que a temperatura do planeta aumente 1,5 graus ou mais apenas acabando com nossa produção de efeito estufa.
Mesmo se reduzirmos as emissões a zero amanhã, provavelmente
ultrapassaremos essa temperatura-limite crucial. Para prevenir uma
catástrofe em espectro completo, precisamos não apenas descarbonizar
nossa economia o mais rápido possível, mas também diminuir a quantidade
de dióxido de carbono que já está sendo emitida.
Mas como? A proposta mais conhecida é chamada bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS,
na sigla em inglês). Significa cultivar madeira ou palha nas
plantações, queimá-las em estações de energia para produzir
eletricidade, capturar o dióxido de carbono proveniente dos gases de
escape e enterrá-lo em formações geológicas. Contudo, se for implantado
em escala, corre o risco de desencadear um desastre ecológico ou
humanitário.
Uma proposta como a BECCS,
favorecida por certos governos, cobriria uma área de três vezes o
tamanho da Índia com plantações. Isso envolve conversão de terra
agrícola, que resultaria em fome em grande escala, ou conversão de terra
selvagem, e, nesse caso, essas plantações quase sem vida substituiriam
50% das florestas naturais restantes do mundo. Mesmo assim, talvez não
surtisse efeito, já que toda economia de carbono seria neutralizada pelo
uso de fertilizante de nitrogênio e pela emissão de gases causadores de efeito estufa pelo solo, uma vez que se faça o plantio. O BECCS
só pode nos levar à catástrofe, e deve ser imediatamente abandonado.
Outra opção é a captura direta de ar: extrair dióxido de carbono com
máquinas. Além dos custos, que tendem a ser massivos, a quantidade de
ferro e concreto que a construção desse aparato requer provavelmente
ajudaria a empurrar o mundo para além de certos pontos de inflexão
climáticos, antes que pudéssemos perceber os efeitos positivos.
No entanto, nada disso é necessário, porque há uma maneira muito melhor e mais barata de diminuir a quantidade de carbono do ar. Soluções naturais para o clima
fazem isso através da restauração de sistemas vivos. O maior potencial
identificado até agora — já que muita terra pode ser utilizada dessa
maneira — é proteger e recuperar florestas naturais, e permitir que as próprias árvores nativas reflorestem áreas desmatadas.
O maior potencial de diminuição por hectare (apesar de a área total ser
menor) é a recuperação de habitats costeiros, tais quais mangues, salinas e camadas de algas marinhas. Eles acumulam carbono
40 vezes mais rápido que as florestas tropicais. Solos de turfa também
são depósitos de carbono vitais. Atualmente, estão se oxidando por causa
do desflorestamento, drenos, seca, queima, agricultura e mineração para
jardinagem e combustível. Restituir a turfa, bloqueando canais de
drenagem e permitindo à vegetação natural se reconstituir, pode fazer
com que ela sugue de volta muito do que já foi perdido.
Essas são as soluções naturais para o clima
mais bem estudadas. Poderiam ajudar a resolver dois problemas
existenciais de uma vez: os colapsos do clima e ecológico. Sua
contribuição tende a ser enorme — maior do que qualquer outra que fosse
suposta há alguns anos — e outras possibilidades apenas começaram a ser
exploradas. Por exemplo, atualmente temos muito pouca ideia do impacto
que a pesca industrial pode ter no vasto armazenamento de carbono
presente no solo oceânico. Ao perturbar os sedimentos e causar o
levantamento de carbono que há na coluna de água, as traineiras e dragas
provavelmente estão expondo o elemento ao oxigênio, gerando dióxido de carbono. Um estudo sugere que a contínua pesca de arrasto no noroeste do Mediterrâneo causou uma redução no estoque de carbono
em até 52% nos primeiros dez centímetros de sedimentos. Dada a vasta
área arrastada todos os anos (a maior parte no solo oceânicos de
plataformas continentais do mundo todo), o impacto climático pode ser enorme. Fechar grandes partes dos oceanos para o arrasto poderia vir a ser uma estratégia climática crucial.
Os cientistas estão apenas começando a entender de que maneira a estratégia de recuperar certas populações de animais poderia mudar radicalmente o balanço de carbono. Por exemplo, elefantes da floresta e rinocerontes, na África e na Ásia, e as antas, no Brasil,
são silvicultores naturais, mantendo e expandindo seus habitats ao
engolir sementes de árvores e espalhá-las, às vezes por muitos
quilômetros, em seu esterco. Rinocerontes brancos podem ter um grande papel em prevenir incêndios florestais nas savanas da África: ao pastar, previnem o acúmulo de grama seca. Se lobos pudessem alcançar suas populações naturais, na América do Norte, segundo um estudo, sua supressão de populações herbívoras impediria a emissão de tanto carbono
por ano quanto o que é emitido entre 30 a 70 milhões de carros.
Populações saudáveis de peixes e caranguejos predadores protegem o
carbono em salinas, ao prevenir que caranguejos herbívoros e caracóis
aniquilem as plantas que as sustentam.
O que adoro nas soluções naturais para o clima
é que se tratam de ações que já deveríamos estar fazendo de qualquer
maneira. Ao invés de tomar decisões difíceis e implantar meios
miseráveis para chegar a fins desejáveis, podemos nos defender de um
desastre aprimorando nosso mundo de maravilhas. No entanto, nada deve
ser feito sem o envolvimento e consentimento de povos indígenas e outras comunidades locais. Nem projetos deteriorantes, tais como monoculturas, devem passar como soluções naturais para o clima. Como mostra um estudo publicado essa semana na Nature, publicação científica britânica, muitos governos insistindo nessa fraude.
Hoje, um pequeno grupo está lançando uma campanha por soluções naturais para o clima,
para receber o comprometimento e financiamento que merecem. No momento,
apesar de seu potencial ser enorme, têm sido marginalizadas em favor de
projetos que podem ser tão pior quanto inúteis, mas que dão lucros a
grandes corporações. Governos discutem a crise climática
e ecológica em reuniões separadas, quando ambos os desastres deveriam
ser contemplados ao mesmo tempo. Montamos um site dedicado ao tema,
produzimos uma animação e escrevemos uma carta destinada a governos e
organismos internacionais, assinada por ativistas proeminentes,
cientistas e artistas.
Não queremos que as soluções naturais para o clima sejam usadas como um substituto para uma rápida e abrangente decarbonização de nossas economias. A ciência mostra que ambos são necessários: a era das compensações de carbono
acabou. Mas o que esse empolgante campo de estudo mostra é que proteger
e renaturalizar os sistemas vivos do mundo não é somente algo
esteticamente prazeroso de se fazer. É uma estratégia essencial de sobrevivência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário