QUEM FREARÁ ESSA RELIGIÃO ABSURDA, DESTRUIDORA DO MEIO AMBIENTE E SACRIFICADORA DA VIDA HUMANA? SÓ MESMO O POVO, E PARA ISSO ELE PRECISA DIRECIONAR SUA INDIGNAÇÃO PARA O ALVO CORRETO.
Crimes ambientais e humanos numa empresa privatizada.
Luiz Alberto Gomez de Souza
Destruição em Brumadinho
Estamos
diante da terrível e criminosa tragédia do dia 25 de janeiro, quando se
rompeu a barragem de rejeitos de Córrego Feijão, da Vale, em
Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, com um rio de
lama cobrindo rapidamente uma área administrativa da Vale e uma
comunidade próxima. Essa lama está contaminando o rio Paraopeba,
afluente do São Francisco, podendo chegar até este, com um resultado
catastrófico.
Uma
barragem é um reservatório destinado a reter resíduos resultado do
processo de beneficiamento de minérios. Estes resíduos são armazenados
numa espécie de lixeira, para evitar que, soltos, causem danos
ambientais. Entretanto, rompida a barragem, a saída violenta da lama
represada dos resíduos produz danos ainda maiores.
Este
enorme acidente se dá três anos depois da maior catástrofe ambiental do
país e uma das maiores do mundo. Em novembro de 2015, romperam-se as
barragens de Santarém e do Fundão, em Mariana, destruindo o distrito de
Bento Rodrigues, contaminando o rio Doce até sua foz e deixando-o
praticamente sem vida. Foram danos ambientais incalculáveis em Minas
Gerais, Espírito Santo e Bahia. Danos materiais e humanos enormes. Até
hoje as populações atingidas lutam pelos seus direitos. Responsável a
Samarco, ligada à Vale.
O
acidente atual é ainda mais grave do ponto de vista humano. Até o
momento são centenas de desaparecidos, o que fez o presidente da Vale
declarar: “Desta vez a tragédia é humana. Como vou dizer que a gente
aprendeu (com Mariana) se acaba de acontecer um acidente desses?”.
A
grande interrogação agora é sobre as milhares de barragens espalhadas
pelo país. Como se tem feito o monitoramento dessas barragens? Um
relatório de novembro, da Agência Nacional das Águas (AGA), afirmou que
apenas 3% das 24.092 barragens espalhadas pelo país foram vistoriadas.
A
barragem de Brumadinho estava inativa há três anos, isto é, não recebia
mais dejetos resultados da mineração. Era considerada com baixo risco
de acidentes e não estava incluída entre as 45 que possuíam notificação
de risco.
Nessa
mesma área de Córrego Feijão há outras cinco barragens que também
recebem dejetos. Cinco estão classificadas de baixo risco e apenas uma
com médio potencial de danos. Das 45 com risco no país, dez ficam na
Bahia e as outras espalhadas em outros estados. Se o acidente ocorreu
com uma barragem pequena, inativa e de baixo risco, estamos diante de
possíveis novos e terríveis acidentes a qualquer momento. No instante em
que escrevo, já se indica que há risco iminente de rompimento de outra
barragem em Brumadinho.
Um
projeto de lei, que partiu de iniciativa popular com mais de 50.000
assinaturas, endurecia as regras para licenciamento para barragens. Ele
foi rejeitado pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais. O deputado
Thiago Costa, do MDB, afirmou que sua aprovação tornaria inviável a
mineração em Minas Gerais. Porém o deputado estadual Rogério Corrêa do
PT, agora eleito deputado federal, denunciou: “Existe esse tipo de
pensamento, que muita fiscalização atrapalha o empresário”.
Na
mesma linha, em dezembro de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro, em
discurso transmitido pela internet, prometeu que iria acabar com o
“capricho dos fiscais”. E declarou: “licença ambiental atrapalha obras”.
Seguirá dizendo o mesmo, depois de sobrevoar o local do atual acidente?
É incrível a ligeireza e irresponsabilidade deste cidadão que agora
virou presidente. E dos deputados mineiros que vetaram o projeto de
endurecimento das regras de licenciamento, por possível pressão de
empresários.
Sabemos
que o meio ambiente não é prioridade no atual governo, centrado na
defesa do agronegócio a qualquer custo, como tem expressado a ministra
da agricultura, Tereza Cristina, ligada à bancada ruralista.
Porém
não queremos apenas ficar na análise isolada da tragédia, mas vê-la
numa perspectiva histórica mais ampla. Para isso, devemos conhecer a
história da Vale, a responsável pelo desastre. Tudo começou em 1911,
com a criação, pelo aventureiro Percival Farquhar, da Itabira Iron
Ore Company, com um projeto ambicioso de extração de ferro que acabou
não dando os resultados esperados. Na ocasião, teve a oposição do
governador de Minas Gerais, Artur Bernardes, mais adiante presidente da
república, que se posicionou na defesa da soberania nacional sobre as
riquezas do subsolo.
Em
primeiro de junho de 1942, pelo decreto-lei 4352, o presidente Getulio
Vargas encampou as reservas de ferro de Farquhar, criando a empresa
estatal Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD), de economia mista, porém
com o controle do governo. Contou com o apoio dos governos dos Estados
Unidos e da Inglaterra. Era o tempo da segunda guerra mundial e o
Brasil, por sua posição estratégica no Atlântico Sul, era um aliado
importante. Getúlio, com uma visão nacionalista e habilidade política,
soube aproveitar-se da situação internacional. Assim, na mesma ocasião,
foi também criada a Companhia Siderúrgica Nacional, com doação
norte-americana de sua infra-estrutura, em troca da utilização da base
aérea de Natal, fundamental para uma ponte aérea dos aviões entre os
Estados Unidos e o norte da África. Foram sendo criadas outras empresas
estatais, além dessas duas, como a Fábrica Nacional dos Motores e a
Companhia Hidroelétrica do Vale de São Francisco.
A
CVRD começou com a exploração do minério de ferro em Minas Gerais e
estendeu suas atividade à Amazônia e ao Pará, com a prospecção, entre
outras de ouro, bauxita, titânio (éramos o maior detentor das reservas
deste último). Foi criada uma malha ferroviária de cerca de 2.000 quilômetros, para o escoamento da produção.
A
Vale do Rio Doce foi se tornando uma das maiores empresas do país,
com uma ampla gama de explorações do subsolo. Logo se tornou objeto de
apetite de grupos privados nacionais e internacionais.
Veio
então o governo Fernando Henrique Cardoso, com seu Programa Nacional de
Desestização (PND). Em 6 de maio de 1997 a CVRD foi privatizada, sendo
José Serra, na ocasião, ministro do planejamento, passando a chamar-se
simplesmente Vale S. A.
Foi
aberto um edital para um leilão de venda, preparado pela Merryl Lynch e
pelo Bradesco. O incrível é que este último, mais adiante, seria um dos
controladores da nova Vale, o que é totalmente ilegal, tendo sido um
dos elaboradores do edital.
Ganhou
o Consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional,
aliada com outras empresas e fundos de pensão, com financiamento
subsidiado do BNDES. Assim, um banco do estado adiantava a quantia de
compra para grupos privados. O favorito parecia ser até então a Velacom,
do grupo Votorantim, chefiado por Antônio Ermílio de Morais. Por uma
clara pressão do governo, a maioria dos fundos de pensão entraram no
Consórcio Brasil, que venceu a licitação.
A
avaliação em US$3,338 bilhões foi escandalosamente baixa, feita pelo
fluxo de caixa, não levando em conta o valor potencial das reservas de
minério de ferro, manganês bauxita, níquel, titânio entre outros, que
elevariam essa avaliação a um valor aproximado de 215 bilhões. Tampouco
foram incluídos a malha ferroviária e terminais portuários. Elio
Gaspari apelidou a operação: privataria. Joseph Stiglitz, prêmio
Nobel e antigo economista-chefe do Banco Mundial, chamou os processos de
privatizações pelo mundo afora naquele tempo de briberization (propinização).
Houve
grande mobilização na sociedade contra essa privatização. No dia do
leilão, 600 policiais enfrentaram cerca de cinco mil manifestantes na
praça XV do Rio, ao lado da então Bolsa de Valores, com 33 feridos. Em
2007, realizou-se um plebiscito popular com três milhões e 700 mil votos
contrários à medida. Foram apresentadas mais de cem ações populares
para anular a venda, por juristas como Fabio Konder Comparato e Dalmo
Dallari; elas se arrastam na justiça até hoje. Há que dizer que os
governos petistas não fizeram nada para questionar a privatização.
Uma
das razões alegadas para a privatização foi permitir que se abatesse a
dívida externa e interna da União. Isso não ocorreu. O dinheiro foi
empregado em gastos correntes e para atender demandas de parlamentares.
Para
se ter uma ideia da dimensão da Vale, ela opera em 14 estados e nos
cinco continentes. Em 2008, seu valor de mercado era avaliado em 196
bilhões de dólares, à frente da IBM, só abaixo da Petrobrás (esta com
287 bilhões). No ranking mundial, ocupa o 559º lugar entre as 2000
gigantes. Sua situação relativa tem decaído nos últimos anos. No Brasil,
desceu do terceiro para o quinto lugar entre as empresas; entre as
mineradoras, caiu do 2° para o 3° lugar. No ranking mundial das
mineradoras baixou para o 8° lugar.
Uma
comparação: as ações da Petrobrás não privatizada subiram 1200% entre
1997 e 2007; já na Vale privatizada, cresceram 50% menos. Nesses 21 anos
de privatização, os acionistas receberam a enorme quantia de R$320
bilhões. O que poderíamos chamar um “negócio da China”...
Em
contrapartida, em 2012, a Public Eye People’s declarou a Vale como a
pior empresa do mundo em relação aos direitos humanos e ao meio
ambiente. Ela recebeu o chamado Oscar da Vergonha (depois dela
vinha a empresa japonesa responsável pelo acidente em Fukushima). Isso
pode explicar em parte o descaso e os acidentes que ocorreram.
O ministro Paulo Guedes alega, como razão para uma série de privatizações
previstas, o mesmo que fez o governo FHC no momento da privatização da
Vale: pagar a dívida de União e gerar caixa. Provavelmente nada
acontecerá com a dívida e as entradas serão pulverizadas no orçamento,
para atender uma clientela voraz em troca de seu apoio.
Fiquemos atentos para o risco de novas tragédias anunciadas. Uma já foi indicada, como referido acima.
E
voltemos a uma posição nacionalista, como em 2017 contra a privatização
da Vale e desde antes, durante todo o processo da criação da Petrobras
(“o petróleo é nosso”). Há que denunciar a lista de privatizações que
será anunciada, que atentará contra nossa soberania e debilitará ainda
mais um estado combalido pelo desgoverno. A gestão Bolsonaro parece ir
no caminho oposto do que propunha como ética política no período
eleitoral. E o neoliberalismo de seu ministro da economia é francamente
autodestrutivo. Ele encontra resistências, aliás, na área militar. O
presidente oscila, como uma marionete perdida, entre várias tendências.
Com poucos dias de governo, já dá sinais precoces de caducidade.
Fotos: Getúlio criando empresas estatais.
Protesto no Rio em 1997 contra a privatização da Vale.
Manifestação em Berlim contra a Vale pela tragédia das barragens.
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