Nota do CONIC sobre a intervenção federal de natureza militar no Rio de Janeiro
“Ai dos que decretam leis injustas,
dos que escrevem leis de opressão,
para negarem justiça aos pobres,
para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo...”
(Isaías 10:1-2a)
Estamos
acompanhando com atenção os desdobramentos da intervenção federal de
natureza militar decretada no Rio de Janeiro, no dia 16 de fevereiro de
2018.
Compreendemos
que é tarefa do Estado brasileiro e seus dirigentes preocuparem-se com
políticas públicas voltadas para a redução da violência, que apresenta
números alarmantes no país.
O combate à corrupção na polícia e o esforço para superá-la é outra intencionalidade legítima do Estado brasileiro.
No
entanto, o que nos preocupa e provoca interrogações é a forma não
planejada e não dialogada com que esta intervenção foi decretada.
A
Nota Técnica do Ministério Público Federal emitida em 20/02/2018
destaca que a intervenção é um mecanismo do federalismo e tem amparo na
Constituição Federal. De igual modo, ressalta que uma intervenção
federal precisa ser sujeitada, desde a sua elaboração até a sua
execução, ao controle político, social e judicial. Não é o que se
observa no Decreto 9.288/2018. Soma-se a isso, o fato de que as medidas e
a maneira como a intervenção irá ocorrer são ambíguas e carecem de
maior detalhamento. A Nota Técnica especifica que a intervenção federal
no poder executivo estadual é, por definição constitucional, de caráter
civil. Não cabe, portanto, instituir via decreto uma intervenção
militar.
Ressalvadas
as questões de ordem jurídica, o que muito nos preocupa é o fato de que
a intervenção militar está voltada para os morros e periferias do Rio
de Janeiro, dando-se a entender que o crime organizado, pessoas em
conflito com a lei e o tráfico de drogas são realidades presentes apenas
junto à população de baixa renda. A pobreza não é crime e também não
induz ao crime. O crime organizado é resultado de teias que possuem
variáveis amplas e complexas. Os donos do tráfico não moram nas favelas.
Deste modo, construir uma estratégia de enfrentamento à violência e ao
tráfico de drogas ou de armas tendo como base o recorte geográfico das
comunidades pobres, nos parece uma dissimulação. Tal artifício pode
criar a impressão de uma segurança aparente e temporária, mas não
resolve a questão da violência, do crime organizado, do tráfico, nem da
corrupção policial. A intervenção que resolve a questão da violência em
comunidades pobres é a social, uma vez que a pobreza é resultado da
ineficiência de políticas de redução da miséria, da ausência de educação
e trabalho, da falta de investimento na urbanização das favelas e
comunidade periféricas.
O
marco geográfico da intervenção federal de caráter militar no Rio de
Janeiro reflete o racismo institucional dos órgãos de segurança. A
população negra e pobre é a que mais tem sido alvo da ação violenta da
polícia. Resultado do racismo nunca superado. A intervenção militar tem
abordado preferencialmente pessoas negras, como se uma pessoa, pelo fato
de ser negra, automaticamente esteja envolvida no mundo do crime.
Sabemos
por experiências históricas que ações autoritárias, não dialogadas, não
conduzem à resolução da realidade de violência. Um país economicamente
desigual, com baixos níveis de educação, com dificuldade de acesso à
saúde, entre outras questões, necessita de transformações estruturais e
não da criminalização da pobreza.
Há
tempos a sociedade civil cobra do Estado um Plano Nacional de Segurança
Pública que considere, entre outras questões, a desmilitarização da
polícia, melhor capacitação dos profissionais da segurança pública,
condições mais adequadas de trabalho, redução das desigualdades,
respeito e cumprimento dos direitos humanos, política de
desencarceramento, desarmamento da população civil, entre outras
questões. Lamentamos que este Plano é ignorado e que a sociedade civil
não tem sido chamada para dialogar sobre a violência e suas resoluções.
Ao
contrário, as propostas em curso seguem outro itinerário. Um exemplo
são as mudanças nas regras de controle de porte de armas nas
residências, local de trabalho, caso a pessoa portadora da arma seja
dona do estabelecimento ou em propriedades rurais. Essas alterações são
contraditórias com as ações que têm como objetivo a redução da
violência, como é o caso do Estatuto do Desarmamento, defendido pela
sociedade civil.
Cabe-nos
destacar a dúvida em relação ao risco de outros estados sofrerem a
intervenção militar, considerando que até o momento a população
brasileira não foi devidamente informada das intencionalidades reais
deste Plano. Não menos importantes são os altos custos de uma operação
desta natureza, em um período em que se tem cortado recursos para a
educação e a saúde, além de outras políticas públicas relevantes para se
garantir um mínimo de dignidade à população de baixa renda.
Neste
tempo de quaresma é difícil ignorar a imagem que melhor caracteriza
esta intervenção: militares armados revistando crianças pobres e negras
na porta das escolas.
O que esperar do futuro?
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - CONIC
Pa. Romi Márcia Bencke
Secretaria Geral
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
(61) 3321-4034
(61)995833873
www.conic.org.br
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