Leonardo Boff
Apesar
de toda a alegria do carnaval passado em quase todas as cidades de
nosso pais, há um manto de tristeza e desamparo que se pode ler nos
rostos da maioria que encontramos nas ruas das grandes cidades como o
Rio e São Paulo entre outras.
É
que politicamente o golpe parlamentar-jurídico-mediático (e hoje
sabemos apoiado pelos órgãos de segurança dos USA) nos fechou o
horizonte. Ninguém pode nos dizer para onde vamos. O que aponta de forma
inegável é o aumento da violência com um número de vítimas que se
igualam e até superam as regiões de guerra. E ainda sofremos uma
intervenção military no Rio de Janeiro.
Se
bem observarmos, vivemos dentro de uma guerra civil real. As classes
que já estavam abandonadas, agora o são mais ainda pelos cortes dos
programas sociais que o atual governo de Estado de exceção impôs a
milhares de famílias.
Tínhamos
saído do mapa da fome. Regressamos a ele. E não se diga que foram as
políticas dos governos do PT. Essas nos tiraram do mapa. A aplicação
rigorosa do neoliberalismo mais radical pela nova classe dirigente
instalada no Estado, está produzindo fome e miséria. O crescimento da
viol ência nas grandes cidades é proporcional ao abandono a que
foram submetidas.
As
discussões dos vários organismos, responsáveis pela segurança, nunca
vão à raiz da questão. O real problema que não querem abordar reside na
nefasta desigualdade social, vale dizer, na injustiça social, histórica e
estrutural sobre a qual está construída a nossa sociedade. A
desigualdade social cresce quanto mais se concentra a renda e quanto
mais avança o agronegócio sobre terras indígenas e dos povos da floresta
e quanto mais se fazem cortes na educação, na saúde e na segurança.
Ou
se faz justiça social nesse pais, que implica reformas: a agrária, a
tributária, a política e a do sistema de segurança ou nunca superaremos a
violência. Ela tenderá a crescer em todo o país.
Se
um dia, é o que tememos, a marginália das grandes periferias
abandonadas se rebelarem, por causa da fome e da miséria e decidirem
assaltar supermercados e invadir os centros urbanos, poderá produzir um
“bogotaço” brasileiro como ocorreu nos meados do século passado em
Bogotá, destruindo, por semanas a fio, quase tudo que se via pela
frente.
Estimo
que as elites do atraso, apoiadas por uma mídia conservadora, por uma
justiça fraca, para não dizer cúmplice e pelo aparato policial do
Estado, reocupado por elas, poderão usar de grande violência,
sem resolver mas agravando a situação.
Nesse
quadro, como ainda alimentar a esperança de que o Brasil tem jeito e
que podemos criar uma sociedade menos malvada,no dizer Paulo Freire?
Bem
disse o bispo profético, o ancião Dom Pedro Casaldáliga lá dos fundos
do Araguaia matogrossense: portadores de esperança são aqueles que
caminham e se empenham para superar situaçãoes de barbárie. Estas
mudanças nunca virão de cima, nem do atual stablishment, virão de baixo, dos movimentos sociais organizados e com parcelas de partidos comprometidos com o bem-estar do povo.
O
Papa Francisco ao reunir-se com os movimentos sociais latino-americanos
em Santa Cruz de la Sierra na Bolívia, cunhou três expressões resumidas
nos três T: terra para as pessoas produzirem, teto para se abrigarem e trabalho para ganharem sua vida.
Lançou
um desafio: não esperem nada de cima pois virá sempre mais do mesmo;
sejam vocês mesmos os profetas do novo, organizem a produção soliudária,
especialmente a orgânica, reinventem a democracia. E sigam estes três
pontos fundmentais: a economia para a vida e não para o mercado; a justiça social sem a qual não haverá paz; e o cuidado com a Casa Comum sem a qual nenhum projeto terá sentido.
A
esperança nasce deste compromisso de transformação. A esperança aqui
deve ser pensada na linha do que nos ensinou o grande filósofo alemão
Ernst Bloch que formulou “o princípio esperança”. Quer dizer, a
esperança não uma virtude entre outras tantas. Ela é muito mais: é o
motor de todas elas, é a capacidade de pensarmos o novo ainda não
ensaidado; é a coragem de sonhar um outro mundo possível e necessário; é
a ousadia de projetar utopias que nos fazem caminhar e que nunca nos
deixam parados nas conquistas alcançadas ou quando derrotados, nos fazem
levantar para retomarmos a caminhada. A esperança se mostra no
fazimento, no compromisso de transformação, na ousadia de superar
obstáculos e enfrentar os grupos de opressores.Essa esperança não pode
morrer nunca.
Leonardo Boff é teólogo, filosofo e escritor e escreu:Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência? a sair pela Vozes.
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