sexta-feira, 14 de junho de 2013

QUE SAUDADE DO PT DE OPOSIÇÃO!


Ao escutar o absoluto silêncio do PT em relação às manifestações dos ruralistas contra a demarcação de terras dos povos indígenas, lembrei-me, com saudade cidadã, do tempo em que este partido não deixava sem resposta ativa nenhuma ação ou tentativa de agressão aos direitos das pessoas, das comunidades e dos povos!

De fato, quando figuras da política elitista clássica, como Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso foram presidentes da mal denominada “nova República”, e mesmo antes, quando ditadores se apresentavam como “presidentes”, nunca a FUNAI foi tão esvaziada e combatida, e nunca se recuou tanto em relação à determinação constitucional de demarcar todos os territórios reconhecidos como “originários” de cada povo indígena, como nos tempos mais recentes, tempos do terceiro mandato presidencial confiado a políticos do PT.

Por que não houve naqueles governos liberais e neoliberais tantos recuos, tantas ameaças e iniciativas governamentais e parlamentares visando mudar a própria Constituição como nos últimos anos?

A resposta é dolorosa, especialmente para tantos que apostaram que a realidade política mudaria significativamente de direção com a eleição de políticos do PT: os recuos, as propostas de mudanças constitucionais e mesmo a repetição de agressões a assassinatos não prosperaram tanto naqueles tempos porque havia representantes verdadeiros e leais no Congresso Nacional que agiam denodadamente em defesa dos direitos dos povos indígenas e em defesa das conquistas destes povos na Constituição de 1988. Havia representantes combativos militantes do PDT, do PCdoB, do então PC, alguns ainda “autênticos” do PMDB, mas a maioria absoluta deles era de militantes do PT.

Agora, nos últimos tempos, digamos, “petistas”, quem defende os direitos dos povos indígenas e a aplicação integral da Constituição nos espaços do Executivo, do Congresso Nacional e do Judiciário? No Executivo, palavras e práticas da própria Presidente e especialmente palavras e práticas de ministras e ministros deixam tão claro como o sol do Brasil que abandonaram a causa dos povos indígenas e dos demais setores populares considerados empecilhos ao crescimento econômico.

Em seu lugar, assumiram os interesses privados, ideologicamente apresentados e defendidos como “direitos”, dos donos das empresas de mineração, dos empresários do agronegócio e da agroindústria, das grandes empresas de construção civil, e até mesmo de empresas grileiras de terras e praticantes de trabalho igual ao da escravidão. Os aliados e protagonistas ouvidos, financiados e apresentados como bons brasileiros são os que tocam com eficiência as obras dos diversos PACs, incluídos os das obras para a COPA do Mundo. Vistos, considerados e tratados como empecilhos ao crescimento econômico acelerado são, agora, os povos indígenas, os ribeirinhos, os quilombolas, os pescadores artesanais, os que residem em áreas que devem ser liberadas para as grandes obras, os trabalhadores que exigem melhores condições de trabalho e remuneração justa, seja nas grandes obras atuais ou nas empresas estimuladas a aumentar sua produção e venda de mercadorias para evitar a contaminação da crise internacional...

É por isso que, no Congresso, uma estranha minoria de menos de 1% da população – empresários da agroindústria e da mineração – consegue ir aprovando o que lhe interessa: porque conta com a submissão do “aliado” governo e porque praticamente nenhum partido e deputado ou senador se opõem aos “representantes” dessa minoria com eficácia; representantes que, para serem eleitos, não declararam o que fariam no Congresso, e receberam votos de quem foi enganado por seus belos discursos ou por seus “reais”, e que praticaram “propaganda enganosa” e, agora, praticam a usurpação do poder popular.

Esta é a conjuntura política que leva à saudade do tempo em que havia um partido nascido nas lutas populares, um partido com a missão de ser instrumento dos setores sociais explorados, marginalizados e excluídos na luta pelo reconhecimento, promoção e garantia dos seus direitos, permanentemente negados pelas elites que se adonaram e usaram o Estado a seu serviço. Quando na oposição, foi instrumento legal e eficaz para impedir ou pelo menos domesticar a sanha racista e criminosa das elites. Agora, as próprias elites perderam seu discurso e não conseguem ser oposição, já que sua ação opositora se voltaria contra seus interesses, assumidos de forma clara e eficaz pelo partido que um dia foi oposição.

Tendo presente as últimas concessões à iniciativa privada, em aeroportos, estradas, petróleo e portos, já não pode justificar-se como “pós-neoliberal” por não privatizar bens públicos. E tentar justificar-se pelas migalhas doadas aos miseráveis, que continuam desesperadamente dependentes das “bolsas” para diminuir as dificuldades para sobreviver, é muito pouco. É inaceitável. A não ser que se assuma que o tal “partido de massas e comprometido com os direitos da população” deixou de existir; agora é mais um dos partidos do capital. E para ser “pós-neoliberal” de fato, está colocando os recursos públicos e todo o aparato do Estado a serviço das grandes empresas, contrariando os que, até hoje, insistem que o Estado deve ser “mínimo” para o capital internacionalizado, e deve ser “máximo” na manutenção da ordem que garante os interesses do capital.

Nessa situação, o que resta aos povos indígenas e demais cidadãos e cidadãs dos setores não-capitalistas e contrários às crises sociais e ambientais provocadas pelo crescimento acelerado da economia capitalista?

Não se diga que devem limitar-se a reivindicar algo do Judiciário, respeitando as leis, especialmente depois dos últimos atos do governo e da “justiça” que permitem suspender qualquer decisão judicial em favor de projetos definidos pelo Executivo como necessários ao desenvolvimento, ao PAC, definição que se baseia em dados fornecidos pelas empresas interessadas e por seus “técnicos”, de dentro e de fora do Governo. Não se diga que devem respeitar os títulos de propriedade, tantas e tantas vezes falsos, e que, no caso dos povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais, não podem significar “direitos” diante do atestado técnico e científico que demonstra ser a área um “território original” de um povo. Esta é a “razão de Estado” para desmontar a FUNAI, como, em outro momento, o foi para desmontar o IBAMA – nesse caso, para liberar rapidamente e sem entraves, isto é, segundo a vontade das empresas e do governo, as “licenças ambientais”...

Na verdade, o que resta a estes povos e aos cidadãos em geral é a ação direta de cidadania, que é a ação política de autodefesa e de contestação das práticas injustas e contrárias aos direitos definidos na Constituição. Resta ainda a busca de solidariedade das pessoas e organizações que permanecem firmes em sua missão de defender, promover e garantir os direitos das pessoas e dos povos. Resta a denúncia dos que traíram sua confiança, dos que os iludiram com promessas e que, agora, agem em favor dos que não se cansam de acumular riquezas e poder, mesmo quando se sabe que essa concentração da riqueza é a fonte da manutenção e do agravamento da fome e da pobreza que provoca sofrimento e morte de tantas pessoas. Resta, ainda, o direito à utopia e à luta por outra forma de organização sociopolítica e cultural, por outro Brasil, fundado nas práticas e na proposta do Bem Viver.


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