Ao escutar o absoluto silêncio do PT
em relação às manifestações dos ruralistas contra a demarcação de terras dos
povos indígenas, lembrei-me, com saudade cidadã, do tempo em que este partido
não deixava sem resposta ativa nenhuma ação ou tentativa de agressão aos
direitos das pessoas, das comunidades e dos povos!
De fato, quando figuras da política
elitista clássica, como Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso foram presidentes da mal denominada “nova República”, e mesmo antes,
quando ditadores se apresentavam como “presidentes”, nunca a FUNAI foi tão
esvaziada e combatida, e nunca se recuou tanto em relação à determinação
constitucional de demarcar todos os territórios reconhecidos como “originários”
de cada povo indígena, como nos tempos mais recentes, tempos do terceiro
mandato presidencial confiado a políticos do PT.
Por que não houve naqueles governos
liberais e neoliberais tantos recuos, tantas ameaças e iniciativas governamentais
e parlamentares visando mudar a própria Constituição como nos últimos anos?
A resposta é dolorosa, especialmente
para tantos que apostaram que a realidade política mudaria significativamente
de direção com a eleição de políticos do PT: os recuos, as propostas de
mudanças constitucionais e mesmo a repetição de agressões a assassinatos não
prosperaram tanto naqueles tempos porque havia representantes verdadeiros e
leais no Congresso Nacional que agiam denodadamente em defesa dos direitos dos
povos indígenas e em defesa das conquistas destes povos na Constituição de
1988. Havia representantes combativos militantes do PDT, do PCdoB, do então PC,
alguns ainda “autênticos” do PMDB, mas a maioria absoluta deles era de militantes
do PT.
Agora, nos últimos tempos, digamos, “petistas”,
quem defende os direitos dos povos indígenas e a aplicação integral da
Constituição nos espaços do Executivo, do Congresso Nacional e do Judiciário?
No Executivo, palavras e práticas da própria Presidente e especialmente palavras
e práticas de ministras e ministros deixam tão claro como o sol do Brasil que
abandonaram a causa dos povos indígenas e dos demais setores populares considerados
empecilhos ao crescimento econômico.
Em seu lugar, assumiram os
interesses privados, ideologicamente apresentados e defendidos como “direitos”,
dos donos das empresas de mineração, dos empresários do agronegócio e da
agroindústria, das grandes empresas de construção civil, e até mesmo de
empresas grileiras de terras e praticantes de trabalho igual ao da escravidão.
Os aliados e protagonistas ouvidos, financiados e apresentados como bons
brasileiros são os que tocam com eficiência as obras dos diversos PACs, incluídos
os das obras para a COPA do Mundo. Vistos, considerados e tratados como empecilhos
ao crescimento econômico acelerado são, agora, os povos indígenas, os
ribeirinhos, os quilombolas, os pescadores artesanais, os que residem em áreas
que devem ser liberadas para as grandes obras, os trabalhadores que exigem
melhores condições de trabalho e remuneração justa, seja nas grandes obras
atuais ou nas empresas estimuladas a aumentar sua produção e venda de
mercadorias para evitar a contaminação da crise internacional...
É por isso que, no Congresso, uma
estranha minoria de menos de 1% da população – empresários da agroindústria e
da mineração – consegue ir aprovando o que lhe interessa: porque conta com a submissão
do “aliado” governo e porque praticamente nenhum partido e deputado ou senador se
opõem aos “representantes” dessa minoria com eficácia; representantes que, para
serem eleitos, não declararam o que fariam no Congresso, e receberam votos de
quem foi enganado por seus belos discursos ou por seus “reais”, e que
praticaram “propaganda enganosa” e, agora, praticam a usurpação do poder
popular.
Esta é a conjuntura política que
leva à saudade do tempo em que havia um partido nascido nas lutas populares, um
partido com a missão de ser instrumento dos setores sociais explorados,
marginalizados e excluídos na luta pelo reconhecimento, promoção e garantia dos
seus direitos, permanentemente negados pelas elites que se adonaram e usaram o
Estado a seu serviço. Quando na oposição, foi instrumento legal e eficaz para
impedir ou pelo menos domesticar a sanha racista e criminosa das elites. Agora,
as próprias elites perderam seu discurso e não conseguem ser oposição, já que
sua ação opositora se voltaria contra seus interesses, assumidos de forma clara
e eficaz pelo partido que um dia foi oposição.
Tendo presente as últimas concessões
à iniciativa privada, em aeroportos, estradas, petróleo e portos, já não pode
justificar-se como “pós-neoliberal” por não privatizar bens públicos. E tentar
justificar-se pelas migalhas doadas aos miseráveis, que continuam
desesperadamente dependentes das “bolsas” para diminuir as dificuldades para
sobreviver, é muito pouco. É inaceitável. A não ser que se assuma que o tal “partido
de massas e comprometido com os direitos da população” deixou de existir; agora
é mais um dos partidos do capital. E para ser “pós-neoliberal” de fato, está
colocando os recursos públicos e todo o aparato do Estado a serviço das grandes
empresas, contrariando os que, até hoje, insistem que o Estado deve ser “mínimo”
para o capital internacionalizado, e deve ser “máximo” na manutenção da ordem
que garante os interesses do capital.
Nessa situação, o que resta aos
povos indígenas e demais cidadãos e cidadãs dos setores não-capitalistas e
contrários às crises sociais e ambientais provocadas pelo crescimento acelerado
da economia capitalista?
Não se diga que devem limitar-se a
reivindicar algo do Judiciário, respeitando as leis, especialmente depois dos
últimos atos do governo e da “justiça” que permitem suspender qualquer decisão
judicial em favor de projetos definidos pelo Executivo como necessários ao
desenvolvimento, ao PAC, definição que se baseia em dados fornecidos pelas
empresas interessadas e por seus “técnicos”, de dentro e de fora do Governo.
Não se diga que devem respeitar os títulos de propriedade, tantas e tantas
vezes falsos, e que, no caso dos povos indígenas, quilombolas e outros povos
tradicionais, não podem significar “direitos” diante do atestado técnico e
científico que demonstra ser a área um “território original” de um povo. Esta é
a “razão de Estado” para desmontar a FUNAI, como, em outro momento, o foi para
desmontar o IBAMA – nesse caso, para liberar rapidamente e sem entraves, isto
é, segundo a vontade das empresas e do governo, as “licenças ambientais”...
Na verdade, o que resta a estes
povos e aos cidadãos em geral é a ação direta de cidadania, que é a ação
política de autodefesa e de contestação das práticas injustas e contrárias aos
direitos definidos na Constituição. Resta ainda a busca de solidariedade das pessoas
e organizações que permanecem firmes em sua missão de defender, promover e garantir
os direitos das pessoas e dos povos. Resta a denúncia dos que traíram sua
confiança, dos que os iludiram com promessas e que, agora, agem em favor dos
que não se cansam de acumular riquezas e poder, mesmo quando se sabe que essa
concentração da riqueza é a fonte da manutenção e do agravamento da fome e da
pobreza que provoca sofrimento e morte de tantas pessoas. Resta, ainda, o
direito à utopia e à luta por outra forma de organização sociopolítica e cultural,
por outro Brasil, fundado nas práticas e na proposta do Bem Viver.
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