Só podia dar nisso o processo de
queimação da FUNAI: que a EMBRAPA ganhasse chamada e primeira notícia do Jornal
Nacional da Rede Globo de Televisão para acusar: duas áreas que a FUNAI quer demarcar não tem índios!!! E que o
Ministro da Justiça tentasse justificar a notícia no mesmo horário nobre da
Globo como algo positivo, como esforço do governo para evitar que processos judiciais
compliquem a demarcação dos territórios indígenas!
Se
teimar seguindo por este caminho, Presidente Dilma, seu governo entrará na
história como mais um período em que o Brasil confirma o genocídio dos povos
indígenas.
Vejamos
os motivos da ausência de indígenas em áreas que a FUNAI concluiu que devem ser
demarcadas como dos Guarrani ou Terena, no Mato Grosso do Sul.
Primeiro:
de modo especial durante os vinte anos da última Ditadura, o INCRA vendeu, a
preço de compadre, áreas imensas a empresas, e o fez olhando o mapa da região
lá em Brasília, sempre a pretexto de que por
lá não há ninguém!, e por isso, é
preciso que empresas levem para lá o progresso e integrem esses territórios ao
Brasil, evitando que sejam tomados por empresas estrangeiras.
Segundo:
uma vez portadora da concessão do INCRA, a empresa foi ao CARTÓRIO – esse “serviço
público” realizado por empresas familiares! – e registrou a área como propriedade
privada, recebendo o Título de Propriedade.
Terceiro:
ao tomar posse da área a que, com o Título de Propriedade, passou a ter
direito, a empresa “descobre” que indígenas vivem nela há centenas ou milhares
de anos, e passa a usar todos os recursos para expulsá-los: diretamente,
através de ações violentas de seus “funcionários”, ou indiretamente, através de
“mandatos judiciais” e poder policial do Estado.
Quarto:
uma vez expulsos de seus territórios, os Guarani ou Terena – ou outros povos,
identificados com outros nomes – vivem perambulando, em busca de uma área em
que possam viver segundo sua cultura, costumes e religião; são, evidentemente,
escorraçados e humilhados em todas as tentativas de se estabelecerem em algum
pequeno pedaço de chão.
Quinto:
com grandes mobilizações, os povos indígenas sobreviventes no Brasil conseguem,
através de propostas populares e muita pressão sobre os congressistas que se
autodefiniram como constituintes, que a Constituição Federal de 1988 reconheça
os direitos de retornarem aos seus territórios de origem; para isso, estudos
antropológicos e de outras áreas complementares devem ser feitos para confirmar
ou não este direito de cada povo que reivindica determinada área, e esta é uma
das missões da FUNAI.
Sexto:
uma vez comprovado por estes estudos que determinada área é, por direito
originário, território de um povo, como está ocupada por empresas e pessoas
detentoras de Título de Propriedade, os povos indígenas, através da FUNAI, e os
que se consideram ameaçados em seu direito apelam ao Judiciário; este,
aplicador que é da “lei”, praticamente sempre prefere defender os Títulos de Propriedade
e não o Direito ao Território, ambos constitucionais, desconhecendo que este
último é “originário” e, portanto, anterior ao concedido pelo Cartório de Registro
de Imóveis.
Oitavo:
ao não haver como recuar em relação aos estudos que comprovam serem legítimos
territórios originários, a pressão dos “aliados” ruralistas e do governo do
estado leva o governo federal a deslegitimar os quase únicos trabalhos bem
feitos pela FUNAI em favor dos povos indígenas, e o faz promovendo “consulta” a
órgãos como a EMBRAPA, que é serviço técnico de apoio agropecuário aos grandes
proprietários...
É
por isso que estamos no fim da picada, presidente Dilma: seu governo está
tentando legalizar, uma vez mais, processos de genocídio de povos indígenas,
impedindo que tenham acesso ao seu reconhecido Território Originário, e o faz
dando ouvidos a funcionários e técnicos comprometidos com os que os ocupam.
Retomem um pouco a história da ocupação
territorial de nosso país, Presidente Dilma, Sr. Ministro da Justiça, senhores
técnicos da EMBRAPA e senhores da Rede Globo, e verão que sempre foi assim: com
uso de violência direta ou com de violência estatal, os territórios dos povos
indígenas foram sendo tomados à força, e muitos povos foram exterminados.
Finalmente, o que o parecer
acusador da EMBRAPA sugere aos povos Guarani e Terena? Creio que é isto: “por
favor, ocupem seus Territórios Originários, para que não se diga que vocês não
têm direito a eles porque não estão lá!!! E não aceitem mais serem chamados de “invasores”
quando agirem dessa forma, já que esta é a prática necessária para que seja
legítima a conclusão dos estudos da FUNAI em relação ao direito de vocês!”
Diante desta conclusão, os senhores
Juízes e senhores governantes devem colocar o Estado na defesa da retomada
direta dos povos indígenas aos seus Territórios Originários, uma vez que, agora,
isso é necessário para que técnicos em agropecuária reconheçam seus direitos.
Torço, como pessoa e como cidadão
brasileiro, que pelo menos o bem senso volte a reinar na República do Brasil. Que
os direitos constitucionais dos Povos Indígenas sejam reconhecidos, promovidos
e garantidos, e que, para isso, a FUNAI seja melhor aparelhada e apoiada para
cumprir sua missão, e que sejam removidos os que ocupam seus territórios –
garantindo também seus direitos de indenização, se forem legítimos.
Ivo Poletto
Parabéns, Ivo Poletto, pelo texto. Esclarecedor do que realmente se passa na questão das terras indígenas, este texto deveria ser divulgado em todos os meios de comunicação deste país para que a população saiba o que, de fato, está acontecendo. As notícias que saem na mídia só mostram os argumentos dos latifundiários e das empresas. As populações indígenas ficam indefesas diante da ignorância geral da realidade e da má fé daqueles que têm interesse em tomar suas terras. Até quando veremos isso acontecer em nosso país?
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