Na crise da mineração, chance para a América Latina
OUTRAS PALAVRAS – 30/10/2015
Preços dos produtos primários despencaram. Populações revoltam-se contra a exploração predatória. Como o continente pode tirar proveito destas novidades
Por Raúl Zibechi
Pela primeira vez em muitos anos, a mineração está retrocedendo na América Latina. À queda dos preços internacionais, e ao aumento de custos de produção, com consequente diminuição dos lucros, soma-se a crescente resistência da sociedade, alarmada com os impactos ambientais e sociais da atividade.
“O modelo extrativo mineiro é um problema de poder e portanto politico”, diz em seu último informe o Observatório de Conflitos Mineiros da América Latina (Ocmal)1. Apesar da queda dos preços internacionais dos minérios, a região continua recebendo a maior parte do investimento em exploração do subsolo, em plano mundial
O informe acrescenta: “O extrativismo mineiro é um problema de direitos humanos”, já que as grandes empresas multinacionais aproveitam-se das debilidades dos serviços públicos “para promover uma imagem de responsabilidade social e de que satisfazem necessidades da população”
O Ocmal chega a esta conclusão depois de constatar que “é falso que as empresas mineradoras desenvolvam infraestrutura para as comunidades, já que fazem obras para que trafeguem seus equipamentos e seu pessoal; que promovam o direito à saúde ou educação das comunidades, quando o que fazem é oferecer, aos pobres, migalhas dedutíveis de impostos, contaminando o ambiente e tornando piores a curto, médio e longo prazo a saúde e as condições de vida das pessoas2.
Em 15 de outubro, a Cepal – Comissão Econômica para América Latina, da ONU – informava que a América Latina viu a entrada de investimentos estrangeiros diretos cair 21%, no primeiro semestre do ano, devido “à queda das inversões em mineração e hidrocarbonetos, causada pela redução dos preços internacionais, a desaceleração da China e o crescimento econômico negativo da região”3.
O investimento estrangeiro já havia caído 16% em 2014, o que mostra não se tratar de um declínio conjuntural. As inversões voltadas à extração de matérias-primas tende a se degradar. O Brasil concentra o maior declínio (-36%), em grande medida em razão da crise que afeta seu mercado interno. No Chile, Colômbia e Peru, a redução concentrou-se especialmente no setor minerador.
Três são as razões que explicam esta queda: a consistente baixa nos preços internacionais dos minérios, o aumento dos custos de exploração e a forte oposição que a atividade mineradora encontra, junto às comunidades indígenas e camponesas, o que está levando os governos a serem mais exigentes com as multinacionais do setor.
Um passo atrás?
Muitos governantes e analistas lamentam o retrocesso nos investimento mineiros, mas na realidade trata-se de uma nova oportunidade para alcançar um crescimento sustentável. O informe anual da Cepal sobre investimento estrangeiro assinala que a queda dos preços dos minérios começou em 2012 – dois anos antes da queda dos preços do petróleo – e que isso resulta em investimentos menores, a partir de 2014.
O índice de preços das commodities, elaborado pela Agência Bloomberg, que inclui petróleo, ouro e soja, caiu pela metade, desde a pico histórico do primeiro semestre de 2011. A multinacional Glencor-Xstrata, que controla a maior parte da produção de minerais e grãos no mundo, registrou na Bolsa de Londres perdas superiores a 30% no final de setembro, totalizando uma queda acumulada de 74% no ano4
Não é o único caso. “Na mesma tendência estão, entre outras transnacionais, a AngloAmerican, com perdas de 10% em setembro e 60% no ano; a BHP Billiton, com perda de 40% em 2015 e a Antofogasta Minerals (-33%)5. O crise do setor de mineração implica fechamento de minas, para reduzir a produção com objetivo de recuperar os preços, e perdas maciças de postos de trabalho.
Em outubro, o grupo Goldman Sachs informou que os preços dos minérios continuarão caindo. No caso do cobre, principal produto mineral latino-americano, o preço caiu em agosto a 4.968 dólares a tonelada, o valor mais baixo em vários anos, mas espera-se que no final de 2016 esteja ainda mais reduzido: apenas US$ 4200. Segundo os especialistas, os preços de mercado aproximam-e cada vez mais dos preços de produção (US$ 4000, no caso do cobre), e as empresas não são capazes de frear o declínio6.
“Os orçamentos de prospecção caíram 26% entre 2013 e 2014; ou 47%, quando a base de comparação é com 2012. Outros dados do mesmo informe confirmam a tendência: em 2010, houve 389 “fatos mineiros”7 mundiais – ocorrências como a abertura de novas minas; mas em 2014, só ocorreram 96 “fatos”.
Por outro lado, os custos globais de produção continuam crescendo. O custo médio mundial para extrarir uma libra [454g.] de cobre cresceu de US$ 1,37 em 2009 para US$ 2,11 em 20128. Trata-se de um aumento de 54% nos custos, que, somado à queda dos preços, provoca uma situação de crise. Ambos dados confirmam que não estamos diante de um descenso conjuntural, mas de um ciclo de baixa de preços, investimentos e produção.
A América Latina é campeã em atrair capitais externos para mineração. A porcentagem de dinheiro estrangeiro, nos investimentos para o setor, não passa de 10% na média mundial – mas na região, atinge 26%, e chega a superar 50% em países como Bolívia e Chile. Quanto mais industrializado é um país, menos investimentos chegam aos recursos naturais.
Na Bolívia, das 17 empresas privadas registradas para trabalhos mineiros, apenas três têm lucro, segundo o analista Héctor Córdova, da Fundação Jubileu. Os lucros da mineração caíram 50% neste país9. No Chile, a estatal Codelco transferiu neste ano, ao Estado, os menores resultados em décadas – e apenas metade dos proporcionados em 2014.
Um mar de conflitos
Mas a crise do setor mineiro não se deve apenas à queda dos preços. Um fator decisivo são as resistências das populações, que muitas vezes conseguem fechar as minas ou interromper seus trabalhos. Segundo a Cepal, os conflitos mineiros ocorrem em todo o mundo “mas a América Latina concentra uma quantidade desproporcional10”.
Os conflitos desenvolvem-se de modos distinos em cada país. No Uruguai e Chile, por exemplo, costumam ter como canal o Judiciário. Em abril de 2013, a empresa canadense Barrick Gold foi obrigada a suspender indefinidamente a exploração da mina de ouro Pascua Lama, na fronteira de entre Argentina e Chile, após uma ação judicial que, baseada nas demandas das comunidades indígenas do local, acusaram a empresa de prejudicar o acesso à água.
É o maior projeto de mineração interrompido no continente. Representou, para a empresa, perdas de 5 bilhões de dólares. Na Colômbia, o governo paralisou as exportações de carvão de Drummond, dos Estados Unidos, por contaminação marinha, enquanto outros projetos foram atrasados devido a protestos. No Uruguai, ocorreu algo similar com o projeto de mineração de ferro da empresa indiana Zamin.
No Peru, as comunidades apelaram à ação direta, que conseguiu paralisar a mina Yanacocha, bem como outros projetos ao norte e ao sul. O país converteu-se em epicentro dos conflitos mineiros. Regiões inteiras, com dezenas de prefeitos e milhares de camponeses implicados, foram arrastadas a conflitos graves, com feridos e mortos.
O forte crescimento das inversões e a multiplicação dos projetos não são suficientes paara explicar o aumento vertiginoso do número de conlitos. Há três razões adicionais.
A primeira é que as comunidades afetadas têm maior acesso á informação e mostram uma capacidade renovada de lutar para que suas vozes sejam ouvidas. Camponeses e indígenas teceram redes de solidariedade com ONGs ambientalistas e organizações sociais, tanto rurais quanto urbanas, e contam com apoios institucionais em organismos de direitos humanos, prefeitos e autoridades estatais de todos os níveis, assim como meios de comunicação.
A segunda razão é a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um importante instrumento legal aprovado por 15 países da região, que obriga os governos a consultar os povos indígenas quando os projetos afetam suas comunidades11. Quase todos os povos indígenas apelam a a este mecanismo, em seu processo de empoderamento diante dos governos.
A terceira relaciona-se com a percepção da ocorrência de fortes danos ambientais nos lugares onde já existem empreendimentos mineiros e a certeza de que as multinacionais do setor obtêm enormes lucro. Por um lado, há os fortes passivos ambientais e a grave contaminação das águas. Por outro, as indústrias de extração consomem muita energia. Há um “uso mais intensivo da energia, porque as jazidas em exploração têm cada vez menos quantidade de mineral por volume de material extraído12”.
Las Bambas: o último grande conflito
Os ecos do conflito entre a população da região de Arequipa (no sul do Peru) e a mineradora Tia Maria – com sua sequela de mortos, feridos e ocupação militar – ainda não haviam se apagado quando ocorreu, na região de Apurímac, no centro-sul andino, um novo massacre, com a morte de quatro pessoas em meio a uma greve de protesto contra a mina Las Bambas. Ocorreu na tarde de 28 de setembro, quando a polícia reprimiu a bala os habitantes da província de Cotabambas, produzindo mais doze feridos.
Las Bambas é o maior projeto mineiro do país, com um investimento de 10 bilhões de dólares. Produzirá, a partir de janeiro de 2016, 400 mil toneladas de cobre ao ano. Só a produção desta mina elevará o PIB anual do país em 1,5%. Das exportações peruanas, 60% provêm da mineração, que é também a principal fonte de receitas do Estado. Os diversos empreendimentos mineiros localizam-se nas regiões mais pobres do país, em geral na serra andina. Na região de Apurímac, mais de 40% da população vive em condições de pobreza.
A mina Las Bambas foi comprada, em abril de 2014, pelo consórcio chinês-australiano MMG, da Glencore-Xstrata, por 6,5 bilhões de euros – uma das transações mais expressivas da história do Peru. O complexo mineiro começou a ser construído há dez anos, com a promessa de melhorar as condições de vida da população local. Durante a construção deste complexo colossal, foram necessários 10 mil trabalhadores, que agora estão desempregados, já que o funcionamento da mina ocupa dois mil, de elevada qualificação.
Mas a vida da população não melhorou. Um informe da página web lamula.pe destaca que, após uma década, “metade da população não pode adquirir bens e serviços essenciais para uma vida digna; a taxa de analfabetismo alcança 24%; das crianças com menos de 5 anos, 40% são anêmicas; a desnutrição crônica afeta 27%, segundo dados oficiais”13.
Mas a ira da população foi disparada por um grave descompromisso da empresa. O estudo de impacto ambiental, construído após escuta à população e aprovado por ela, previa a construção de um mineroduto subterrâneo de 206 quilômetros, que tranportaria o cobre até a província vizinha de Cusco, onde a Xstrata tem um complexo de processamento de minérios. Mas, após a venda à MMG, esta decidiu cancelar o duto e construir uma usina processadora nas proximidades da mina Las Bambas.
A decisão não foi debatida com as publicações afetadas. O problema é que circularão, todos os anos, caminhões transportando milhares de toneladas de cobre por rodovias que atravessam dezenas de comunidades camponesas, gerando impactos que não estavam previstos no estudo original. Além disso, a mina consumirá 800 litros de água por segundo do rio Chalhuahuacho. As comunidades sentiram-se enganadas e lançaram o protesto.
A resposta do governo foi declarar estado de emergência, como foi feito dezenas de vezes, diante de conflitos mineiros – o que supõe a militarização de províncias inteiras. A Coordenadora Ncional de Direitos Humanos lembra que já são 49 os mortos, na repressão aos conflitos sociais, em quatro anos de governo do presidente Ollanta Humala. Desde 2006, já são 125 civis mortos, a imensa maioria em conflitos mineiros.
O “Informe Anual 2014-2015”, da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, publicado em agosto passado, assegura que “95% das vítimas faleceram por impacto de projétil de arma de fogo”, o que permite assegurar que “nos encontramos, portanto, diante de uma prática de caráter sistemático, que envolve responsabilidades no mais alto nível do Estado14”.
Algumas das conclusões do capítulo dedicado à criminalização dos protestos sociais revelam um padrão comum: “O governo de Ollanta Humala adotou, diante dos conflitos sociais, uma estratégia que combina a criminalização dos protestos, combinada com outra, chamada de ‘diálogo’ mas orientada para diminuir o nível de mobilização dos cidadãos, sem propor uma saída de fundo para os problemas estruturais. Significa um ataque os direitos15”.
Durante a apresentação do informe, a então secretária executiva da Coordenadora, Rocío Santiseban Manrique, assegurou que, em todo o continente “o direito penal continua a ser usado para desmobilizar os setores de vanguarda, aprisionando dirigentes, fustigando e caluniando os defensores de direitos humanos e do ambiente”.
É possível que a crise da mineração seja uma oportunidade para os povos. Se forem capazes de estabelecer as bases para um modelo econômico diferente, menos voltados às exportações de commodities,mais inclinado para o mercado interno e regional; menos agressivo diante da natureza e as comunidades; com mais trabalho especializado envolvido na fabricação de produtos de alta qualidade.
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