A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 28-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Klein, canadense, autora de No Logo, A Doutrina do Choque e Una rivoluzione ci salverà [Uma revolução nos salvará] (Ed. Rizzoli), é uma das pensadoras mais influentes dos movimentos ambientalistas, terceiro-mundistas, de contestação ao liberalismo. As suas ideias atraíram ao longo do tempo o Occupy Wall Street, os indignados e o Podemos. Nós a entrevistamos enquanto ela está prestes a partir para a Itália: feliz com a oportunidade, entusiasta da encíclica.
Eis a entrevista.
O que você gosta do documento papal sobre as mudanças climáticas?
É uma verdadeira reviravolta, uma ruptura histórica, com implicações importantes: tanto políticas quanto econômicas. O Papa Francisco faz uma leitura radical da emergência ambiental, no sentido literal da palavra: vai às raízes da crise. Ele decidiu chamar pelo nome o motor desencadeante: o modelo econômico, um capitalismo baseado no lucro de curto prazo. É uma encíclica para se estudar e para se digerir bem. Vivemos em uma cultura que quer simplificar tudo. O modelo são as famosas "listicles" do Buzzfee d. A tentação é a de resumir: as 10 coisas que o papa diz sobre o ambiente. Não, o papa abraça a complexidade, e as suas mensagens são complexas.
O seu livro mais recente, Uma revolução nos salvará, é considerado o mais otimista da sua trilogia. Portanto, é possível se salvar e salvar o planeta?
Eu parti de onde tinha ficado no meu livro anterior, Doutrina do Choque, isto é, do fato de que esse sistema econômico – baseado na ditadura do lucro individual – usa as crises para enriquecer ainda mais as elites. As mudanças climáticas não são uma exceção. O furacão Katrina e aquilo que, desde então, aconteceu em Nova Orleans são uma manifestação disso: um sistema econômico brutal explorou o desastre para promover ainda mais privatizações, um agravamento das desigualdades. É o cenário que nos mostram os filmes hollywoodianos de maior sucesso popular, de Mad Max a Jogos Vorazes: um futuro de violência, brutalidade, desigualdades cada vez mais ferozes. O desafio é imaginar como podemos mudar esse futuro. Esse é o tema do meu último livro. Eu não sou otimista em sentido ingênuo. Não assumo como óbvio que o cenário melhor vai acontecer. Conecto-me justamente ao espírito da encíclica papal, que aborda os valores culturais e morais dominantes. O nosso sistema de valores atual não nos prepara para cooperar entre nós para a salvação coletiva.
Você é severa contra duas das receitas adotadas no passado para enfrentar as mudanças climáticas: as megacúpulas internacionais de Kyoto em diante; e os sistemas de regulação das emissões através de um mercado, o chamado "cap and trade", ou seja, a troca de cotas de emissão.
O limite das megacúpulas é o mesmo limite dos governos. Se eles não têm a força de tomar certas decisões em nível nacional, por que deveriam se comportar de forma diferente só porque se reúnem juntos em uma cúpula? As elites ainda estão imersas na ideologia neoliberal, não têm a força para se opor às multinacionais da economia do carbono. Veja o exemplo de Barack Obama, que faz belos discursos sobre o ambiente, mas, depois, dá à Shell a permissão de perfurar no Ártico, porque dizer-lhe não seria muito difícil. Quanto ao sistema "cap and trade", ele também é um sintoma da falta de vontade de regulamentar as empresas. Criou-se um mercado das emissões de carbono que gera novas oportunidades de lucro e também muitas fraudes, em vez de estabelecer simplesmente limitações por lei. Esse sistema foi imposto pelos Estados Unidos a uma Europa recalcitrante. Os europeus capitularam nos tempos das negociações sobre o Protocolo de Kyoto (na Alemanha, Merkel era ministra do Meio Ambiente naquela época), a fim de obter que os Estados Unidos assinassem aquele tratado. E depois os norte-americanos também não o assinaram.
Você indica que as novidades mais positivas emergiram em nível local.
Sim, a mobilização dos cidadãos a partir de baixo, em alguns casos, forçou os políticos a dizer "não" aos interesses do capitalismo do carbono. Um exemplo recente de Nova York: o governador Andrew Cuomo quis autorizar a extração de gás e petróleo com a tecnologia do fracking, mas os movimentos contrários o obrigaram a banir essa técnica perigosa e prejudicial. Outro exemplo interessante é o forte movimento antinuclear na Alemanha, que, depois da tragédia de Fukushima, forçou o governo Merkel a acelerar a transição para as energias renováveis: hoje, ela já fornecem 30% da demanda alemã.
Uma das questões levantadas pelo Papa Francisco na Laudato si' é a necessidade de repensar as nossas democracias, junto com os valores éticos que guiam as nossas escolhas cotidianas: como consumidores e como cidadãos.
Sim, a questão da democracia é central. Um exemplo de atentado à democracia: uma multinacional sueca apelou contra a Alemanha, acusando-a de violar os seus direitos, quando Berlim decidiu abandonar a energia nuclear. As democracias nacionais, mesmo aquelas que funcionam melhor, podem ser ameaçada pelos novos tratados de livre comércio com as cláusulas em favor das grandes empresas. Uma das qualidades dessa encíclica papal é a sua abordagem holística, que une ambiente, economia, política. São dimensões inseparáveis. Enquanto, ao contrário, quando há uma crise econômica, ela é enfrentada por compartimentos estagnados. Veja a crise da zona do euro: os cortes nos orçamentos públicos tornaram-se o pretexto para reduzir o apoio às energias renováveis, relançar as perfurações marítimas, penalizar os transportes públicos, aumentando as suas tarifas. Quando falamos dos danos causados pela euroausteridade, regularmente nos esquecemos disto: o dano ao ambiente.
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