NÃO PODE SER ASSIM. PARA EVITAR QUE NOS DESTRUAMOS COMO ESPÉCIE, É PRECISO LUTAR POR ÉTICA EM TODAS AS RELAÇÕES, DE MODO ESPECIAL NAS RELAÇÕES ECONÔMICAS. EM LUGAR DE AGRONEGÓCIO, QUE VENHA A AGROECOLOGIA!
O veneno do agronegócio
Outras Palavras - Publicado em 14 de fevereiro de 2014
Na cidade onde agrotóxicos
contaminam até o leite materno, Dilma apresentou modelo agrícola como “exemplo
para o país”
Por Inês Castilho – Imagem: Alana Gandra - Agência Brasil
Ao abrir nesta terça-feira (11/2),
numa cerimônia em Lucas do Rio Verde (MT), a safra de grãos 2013-14, a
presidente Dilma Roussef não se conteve. Entusiasmada com a perspectiva de uma
colheita recorde, de 193,6 milhões de toneladas, lembrou o crescimento de 221%
em vinte anos e afirmou que “o agronegócio brasileiro é exemplo de
produtividade para o país”.
Será? Ao
escolher Lucas do Rio Verde como local da cerimônia de saudação a este modelo,
talvez Dilma não soubesse que estava dando um tiro no pé. Como louvar alimentos
que envenenam a fonte mesma da vida? Mais: há muito se analisam como ilusórios
os números de “produtividade”. O agronegócio gera dólares, mas eles
concentram-se nas mãos de muito poucos. A monocultura mecanizada emprega cada
vez menos trabalhadores. O uso maciço de pesticidas polui terra e rios,
intoxica trabalhadores e comunidades e, exatamente ali, envenena leite materno.
Tudo somado, são perdas incomensuráveis para os ultra ricos.
Escolhida como vitrine da safra por
ser “representativa da agricultura”, Lucas do Rio Verde, 355 quilômetros ao
norte da capital, Cuiabá, é dos municípios do país que mais cultivam a monocultura
de soja, milho e algodão. Em 2010, foram plantados 420 mil hectares e
pulverizados 5,1 milhões de litros de agrotóxicos nas plantações, atingindo o
entorno do município, córregos, criação de animais. Cada habitante esteve
exposto a 136 litros anuais de agrotóxicos, “quase 45 vezes maior que a média
nacional — de 3,66 litros”.
Desde 2006, quando um acidente por
pulverização aérea contaminou a cidade, ela passou a integrar a pesquisa
“Impacto dos Agrotóxicos na Saúde do Ambiente na Região Centro-Oeste”,
coordenada pelo médico e doutor em toxicologia Wanderlei Pignati, da
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) – e realizada em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás entre
2007 e 2010, como parte de um projeto nacional. O estudo referente às mães
coube à mestranda da UFMT Danielly Palma.
“Minha
pesquisa foi um subprojeto de uma avaliação que foi realizada em Lucas do Rio
Verde e eu fiquei responsável pelo indicador leite materno. Mas a pesquisa
maior analisou o ar, água de chuva, sedimentos, água de poço artesiano, água
superficial, sangue e urina humanos, alguns dados epidemiológicos, má formação
em anfíbios” – contou Danielly à repórter Manuela Azenha, que no início de 2011 foi a Cuiabá
assistir à defesa da tese sobre o impacto dos agrotóxicos em 62 nutrizes de
Lucas do Rio Verde. O estudo integra o Dossiê Abrasco – Um alerta sobre os impactos
dos agrotóxicos na saúde, divulgado pela Associação Brasileira de Saúde
Coletiva em 2012. Radiografias de anfíbios com malformações coletados em lagoas
e córregos podem ser conferidas aqui.
“A pesquisa revelou que 100% das
amostras indicam a contaminação do leite por pelo menos um agrotóxico. Em todas
as mães foram encontrados resíduos de DDE, um metabólico do DDT, agrotóxico
proibido no Brasil há mais de dez anos. Dos resíduos encontrados, a maioria são
organoclorados, substâncias de alta toxicidade, capacidade de dispersão e
resistência tanto no ambiente quanto no corpo humano” – relatou a pesquisadora.
“Todas essas substâncias têm o
potencial de causar má formação fetal, indução ao aborto, desregulamento do
sistema endócrino — que é o sistema que controla todos os hormônios do corpo —
então pode induzir a vários distúrbios. Podem causar câncer, também. Esses são
os piores problemas.”
Talvez ignorante de fatos tão
dramáticos, Dilma Roussef foi além. Conclamou empresários, prefeitos e
população (!) a pavimentar ainda mais o caminho do agronegócio,
desregulamentando-o. Tem papel demais nesse país, disse, “temos de simplificar
os processos”, “acabar com a multiplicidade das exigências desnecessárias”,
“não para destruir o meio ambiente, pelo contrário (…)”.
A fala escancara o óbvio: o
agronegócio está nadando de braçada no (des)governo de nosso meio e de nossos
corpos
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