sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

BELO MONTE: OBRA EMBLEMÁTICA DOS ERROS DA POLÍTICA ECONÔMICA E ENERGÉTICA BRASILEIRA

O TEXTO QUE SEGUE É A PARTE FINAL DA “CONJUNTURA DA SEMANA ESPECIAL: BELO MONTE: UMA OBRA EMBLEMÁTICA”, PUBLICADA PELO IHU, DIA 18 DE FEVEREIRO DE 2014, E QUE PODE SER ACESSADA PELA INTERNET EM http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/29930-conjuntura-da-semana-especial-belo-monte-uma-obra-emblematica

SUGIRO PRESTAR ATENÇÃO ÀS REFERÊNCIAS QUE INDICAM AS ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS EXISTENTES NO BRASIL E EM TODO O PLANETA, QUE TORNAM BELO MONTE UM ERRO. MAIS DO QUE UM ERRO: ELA É SINAL DE QUE CONTINUAMOS SEM PRESTAR ATENÇÃO AOS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO TEMPO PRESENTE, QUE EXIGEM CAMINHAR NA DIREÇÃO DE UMA NOVA CIVILIZAÇÃO. TEMOS AQUI UMA RICA FUNDAMENTAÇÃO PARA AS OPÇÕES E PARA AS PRÁTICAS DO FÓRUM MUDANÇAS CLIMÁTICAS E JUSTIÇA SOCIAL E PARA TODOS QUE LUTAM POR UM MUNDO HUMANO EM PAZ COM A TERRA.

Belo Monte e o princípio da ecologia da ação

“Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises” – Edgar Morin.
Particularmente a nossa leitura sobre Belo Monte acerca de sua real necessidade é de que a mesma precisa ser interpretada a partir do princípio da ecologia da ação e no contexto da crise ecológica e energética.
Considerando-se o caráter das profundas e substanciais mudanças em curso na sociedade mundial, Belo Monte exige uma abordagem a partir do paradigma da complexidade, como propõe Edgar Morin. Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Segundo o sociólogo francês, “nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros”.

De todas as crises, a mais grave é a ecológica, exatamente porque ela pode dar cabo da civilização humana. A Terra já mostrou que tem condições de regeneração, coisa que nós humanos ainda não demonstramos. Iniciamos, portanto, o século XXI colocando as questões relacionadas ao meio ambiente no centro do debate. A ecologia, de oikos, tornou-se um tema que nos faz saltar das particularidades destacadas a uma abordagem unitária, global, planetária.
Nessa perspectiva, o princípio da “ecologia da ação” de Edgar Morin deveria tornar-se um princípio orientador para o agir na sociedade. Segundo Morin, “desde o momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial. Com frequência a ação retorna em bumerangue sobre nossa cabeça”(1) . O que Morin quer dizer é que toda ação implica em efeitos nem sempre controláveis e que mesmo uma ação realizada com o melhor dos propósitos, pode fugir ao controle e se voltar contra o objetivo inicial.
O que fica evidente é que o futuro da vida – e especialmente, da vida humana – na Terra dependerá do rumo que se der hoje à economia. Por essa razão, a discussão sobre os modos de produção e de consumo torna-se crucial no contexto de uma sociedade ecologicamente sustentável. Logo, a tese do crescimento linear e progressivo precisa ser complexificada. Afirma-se que o crescimento econômico é necessário e desejável em função de que ele permite a geração de empregos. Porém, quando visto a partir do princípio da “ecologia da ação”, a obsessão pelo crescimento precisa ser relativizada.
A ideia e o pensamento do que importa é o crescimento econômico e o restante é secundário não se sustenta mais. Por trás dessa ideia está a lógica de que os recursos naturais são sempre abundantes, infinitos. Não há porque se preocupar com a possibilidade de que algum dia teremos falta de petróleo, de carvão, de aço, de água, de energia... para alimentar a “máquina” do progresso humano. Construiu-se uma crença no crescimento econômico – o capitalismo vive da promessa de que o futuro é sempre promissor e de que o desenvolvimento econômico é inesgotável. Essa lógica econômica vigente nos últimos 200 ou 250 anos é redutora ao extremo.
Chegamos ao momento em que não se pode mais separar a economia da ecologia. A religação entre economia e ecologia é um tema urgente. “Sem recuperar o meio ambiente, não se salva a economia; sem recuperar a economia, não se salva o meio ambiente”, defende o ecologista Berry Commoner. É preciso a consciência de que a crise ecológica antes de tudo é expressão de determinado modo produtivo da sociedade industrial em vias de esgotamento. Por isso, persistir em insistir no produtivismo econômico é a ameaçar a vida de toda a Terra e a vida das gerações futuras.
Precisamos de um novo paradigma civilizacional porque o atual chegou ao seu fim e exauriu suas possibilidades. Necessitamos agora de uma outra economia, um outro estilo de vida, uma outra civilização, outras relações sociais.
É nesse contexto que Belo Monte precisa ser interpretada. Será que realmente trata-se de uma obra desejável? É preciso ainda destacar que matrizes energéticas centralizadoras – tributárias da sociedade industrial – entre elas as megahidreléticas e centrais nucleares – apresentam enorme ameaças a biodiversidade e perigos à civilização humana.
Na realidade, em termos energéticos, a humanidade está passando da era do petróleo para uma era em que a produção de energia se dará em escala descentralizada e com impactos menores sobre o ambiente. A nova economia, tendo como paradigma a Revolução Informacional, está deixando para trás a Revolução Industrial e potencializando a gestação de um novo tipo de organização produtiva menos poluidora e com potencial descarbonizador. Essa nova economia potencializa novas matrizes energéticas que podem oportunizar inclusive a criação de outro tipo de empregos.
O pesquisador Jeremy Rifkin nos dá uma ideia do que está por vir: “Estamos no início da terceira revolução industrial: no período dos próximos trinta anos tudo mudará como mudou quando o vapor foi substituído pela eletricidade. Desta vez, quem vencerá será a intergrid, a Internet da energia: uma rede elétrica interativa e descentralizada, que transformará milhões de consumidores em pequenos produtores de energia criando um sistema mais confiável, mais seguro e mais democrático. Os edifícios serão envoltos em fotovoltaicos e, em vez de sugar a energia, produzirão. Os motores dos automóveis poderão, por sua vez, transformarem-se em mini-centrais, os tetos dos pavilhões beberão a energia solar com seus painéis e a restituirão. Uma parte da eletricidade será consumida diretamente no local de produção, reduzindo a dispersão. É uma revolução radical que mudará toda a arquitetura do nosso sistema produtivo. E quem compreender isso primeiro guiará o novo salto industrial”.
Segundo ele, “o século que apenas se iniciou é o século da terceira revolução industrial. O século da Internet e a energia soft que é produzida a partir de baixo, nos bairros, nas casas, se articulando em rede, com entrada e saída, os fluxos de informação e da energia. É um modelo descentrado, democrático, mais confiável tanto do ponto de vista dos custos quanto daquele da independência da produção”.
A nossa civilização centrada no petróleo, e podem-se acrescentar aqui as megas hidrelétricas e usinas nucleares, não se justificam mais, são tributárias de uma sociedade que está ficando para trás.
Neste aspecto, o Brasil em vez de assumir a vanguarda no processo de descarbonização da economia, investe em matrizes superadas – grandes hidrelétricas como as do Rio Madeira e de Belo Monte. Essas grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental gigantesca e sucessivos apagões. Essa é também a lógica subjacente aos agrocombustíveis que utilizam grandes extensões de terra, produção em larga escala, avançando sobre terras agricultáveis e voltadas para suprir preferencialmente o mercado externo. É nesse mesmo sentido que se deve olhar criticamente o pré-sal.
O futuro das novas matrizes energéticas está na descentralização, em que a energia consumida será diretamente produzida no local de produção, reduzindo a concentração em mega centrais energéticas.
Belo Monte é um erro!
Considerando-se o conjunto da análise anterior, pode afirmar que Belo Monte é um erro. O Brasil parece não perceber que frente à crise epocal, manifestada sobretudo na crise ecológica, joga um papel estratégico. No contexto da crise ambiental, o país abre mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e opta por iniciativas ainda presas à sociedade industrial.
O que se percebe, por um lado, é o ganho de uma consciência ecológica maior em relação às gerações anteriores que se traduz na crítica a mega-projetos que agridem o meio ambiente. Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica, são exemplos. Por outro lado, apesar da consciência dos erros cometidos, o país caminha para outros erros – a metáfora do farol de um automóvel virado para trás: ilumina o trajeto percorrido, mas não aclara o futuro. Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão as decisões de hoje.
A grande questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos? Por muito tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da pobreza. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a justiça social não é verdadeiro. Será que o grande projeto brasileiro é transformar todos os cidadãos em consumidores?
É preciso complexificar o debate. O debate sugerido a partir do princípio da ‘ecologia da ação’ recomenda que devemos construir uma sociedade que seja sustentável com a natureza, às necessidades humanas presentes e futuras, com uma ética solidária, definidas desde os setores populares, tendo como fim a construção de uma sociedade baseada nos valores da solidariedade, liberdade, democracia, justiça e equidade.
Nota:
(1) - Introdução ao pensamento complexo (Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 80-81).


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