QUANDO E COMO CONSEGUIREMOS MUDAR ESSA POLÍTICA ENERGÉTICA TACANHA, ATRASADA, SUBMETIDA A INTERESSES DE MEIA DÚZIA DE DONOS DE BARRAGENS E DE ENERGIA E DE GRANDES CONSUMIDORES? SE NÃO CONSEGUIRMOS, PAGAREMOS UM ALTO PREÇO, TANTO FINANCEIRO COMO ECOLÓGICO.
IHU - Terça, 11 de fevereiro de 2014
No setor de
energia brasileiro não foi a água que sumiu, foi o planejamento
Ainda não é a mudança climática a culpada pelos apagões. Ela virá, em algum momento no futuro,
reduzir a capacidade de nossos reservatórios permanentemente e precisamos nos
preparar para sermos menos dependentes das chuvas para termos eletricidade. O apagão, ao que tudo indica, foi causado por um problema
físico em uma das linhas e, porque o sistema está sobrecarregado, ele se
auto-desligou. É um mecanismo de autoproteção do próprio sistema.
A reportagem é de Sérgio Abranches, publicada
no sítio Ecopolitica e reproduzido pelo Envolverde, 10-02-2014.
Agora, os
reservatórios têm muitos problemas. Falta manutenção, muitos estão assoreados,
vários são poluídos pelas águas dos rios de sua bacia, todos muito maltratados.
Eles são usados em excesso todos os anos, o ano inteiro, por falta de
alternativa. Devíamos manter estoques estratégicos de água nos reservatórios e
usar mais eólica e solar. Mas, não, superutilizamos os reservatórios e fazemos
menos eólica do que poderíamos fazer, nada fazemos em energia solar. Os
reservatórios esvaziam não porque a chuva não os está enchendo, mas porque
tiramos mais água deles do que entra.
O governo federal engavetou
o programa de eficiência e economia de energia. Não criou condições para tornar
realidade a geração distribuída, que permitiria a instalação de placas solares nas residências e prédios, que entregariam para o sistema a eletricidade
excedente, aquela que não tivessem usado nos momentos de pico de geração.
Faltam incentivos, os preços são altos, as distribuidoras não se interessam em
promover a interligação das instalações residenciais e prediais ao sistema.
Esta semana, em Nova York, conversei com um brasileiro que mora lá há mais
de 20 anos. Ele tem um serviço de táxi especial. Recebeu uma proposta da
companhia de eletricidade, para instalar placas solares de graça na casa dele,
que fica em um subúrbio de Nova York. Ele pagará uma taxa anual básica, que fará com
que sua conta de eletricidade seja reduzida em mais de 50%. Na Califórnia, o governo subsidiou a instalação de placas
solares em residências e prédios comerciais. Hoje, várias cidades já estão com
100% das edificações dotadas de sistemas solares. O estado enfrenta a maior
seca dos últimos 500 anos e não tem problema de energia.
Falta planejamento no setor elétrico. Este é um setor que
sempre teve, historicamente grande capacidade de planejamento, já exportou bons
planejadores para outras partes do governo no passado. Mas, hoje, não temos
planejamento. O sistema tem cometido erros primários. Está comandado por razões
políticas, por um ministro que não tem a menor qualificação para estar à frente
de uma área tão sensível. O setor perdeu, sobretudo, capacidade de pensar o
futuro contemporaneamente, para investir em um sistema mais inteligente, que
lide melhor com a diversificação de fontes de energia e com programas efetivos
de economia de energia e geração distribuída. Os erros de política se repetem.
Não há gestão eficiente de reservatórios. O exemplo mais sério de erros
primários de planejamento foi a construção de usinas eólicas, que estão
operacionais, mas não entregam eletricidade ao sistema porque as linhas de
distribuição não foram construídas. O que temos é um sistema que opera da mão
para a boca, de crise em crise.
O resultado é que estamos vulneráveis a apagões. Pagamos um absurdo de subsídios para manter
baixos os preços da energia, estimulando o consumo excessivo e o desperdício.
Pagamos por eólicas que não podem entregar energia por faltas de linha. E
pagamos o dobro pela energia de termelétricas que, além de poluir e aumentar o
custo da energia para o tesouro, sujam nossa matriz elétrica e emitem gases
estufa. Tudo errado. E a única solução que o pensamento torto que domina o
sistema tem para oferecer é ampliar a usina de Belo Monte. Belo Monte é a falsa solução.
Não funcionará adequadamente, entregará sempre muito menos Mw/hora reais do que
pagamos para sua construção, baseada em ilusório potencial instalado. Amplia-la
é dobrar o erro e aprofundar as contradições presentes no sistema elétrico, que
podem leva-lo à ruptura geral. Tudo isso custa uma fortuna ao contribuinte. O
que o governo tira no preço da eletricidade (da gasolina e do diesel também)
devolve em maior proporção no gasto do Tesouro, nos impostos e na dívida que
financiam esse gasto.
O sobreuso da eletricidade estressa um sistema que
já opera no limite. Dependente de hidrelétricas, sem alternativas boas, ele
está usando as termelétricas muito além do limite para o qual elas foram
pensadas, dobrando o custo da eletricidade e aumentando os danos ambientais
associados à energia suja. O governo – e muita gente do setor, por interesse
particular – vive se gabando de que temos a “matriz mais limpa do mundo”. Mas
todos se esquecem de dizer que nessa “matriz mais limpa do mundo”, o carvão, a
fonte mais suja, tem aumentado significativamente sua participação, por decisão
do governo. Aumentou 30% no último período. E o governo quer aumentar mais o
uso do carvão. Estamos pensando o sistema olhando para o retrovisor. Os
governos da Terceira República jamais suspeitaram do que as próximas
décadas significarão para o campo da energia. Esse menos ainda.
Mas o governo dirá que não há problemas. No Brasil, em período eleitoral, a primeira vítima é
sempre a verdade.
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