Roberto Malvezzi (Gogó)
Algumas pessoas próximas me pediram uma síntese da situação da
Venezuela. Com o jogo midiático pesado em cena, ficou difícil
compreender os meandros do que realmente se
passa.
Primeiro, a realpolitik. Temos que lidar com a política como ela é na
realidade. Então, o fato determinante da crise venezuelana é a
disposição guerreira dos Estados Unidos
de se apossar da maior reserva de petróleo da Terra com cerca de 300
bilhões de barris, que está exatamente na Venezuela. Essa intenção foi
dita claramente pelo próprio Trump e está no livro do ex-diretor do FBI
Andrew McCabe,
lançado recentemente. Quem abordar a questão da Venezuela e se recusar a
olhar esse fato fundante, ou é politicamente ingênuo, ou age de má fé.
Segundo, a crise humanitária. Sim, há crise humanitária causada pelo
desabastecimento de produtos básicos da população como remédios e
comida. Porém, o desabastecimento
não é só culpa do Maduro, ou ditador Maduro, como dizem seus
adversários. É fruto particularmente do embargo econômico imposto pelos
Estados Unidos ao país. A questão é que a Venezuela tem uma indústria
limitada e praticamente não tem agricultura familiar,
aquela que produz alimentos. Então, importa até ovos e papel higiênico,
tudo comprado pelo dinheiro do petróleo. Como os Estados Unidos
prenderam 30 bilhões de dólares da Venezuela, o país está desabastecido.
Cerca de 30% da população venezuelana está passando
algum tipo de necessidade.
Terceiro, o ditador Maduro. Esse é pretexto para invadir a Venezuela.
Mas, Maduro foi eleito e reeleito várias vezes pela vontade popular,
ainda tem apoio de grande parte
do povo e dos militares. Então, não será fácil removê-lo do poder.
Quarto, um grupo invisível dentro da Venezuela. Há um grupo de
humanistas, democratas, religiosos, etc., que discordam de Maduro, mas
também não aceitam a ingerência estrangeira
para se apossar da Venezuela e suas riquezas. Entretanto, esse grupo
representa mais uma postura ética que uma força política. Não tem grande
interferência no processo em andamento, embora discorde de ambos os
lados.
Quinto, o Brasil no caso. Sim, o atual presidente brasileiro apoia a
política dos Estados Unidos. Porém, generais brasileiros, um pouco mais
expertos, sabem que o Brasil
não tem condições militares para invadir a Venezuela. Além do mais, os
governos passam, uma invasão deixa cicatrizes para o resto da história. A
última guerra que o Brasil fez contra um país vizinho foi em 1864
contra o Paraguai. Nesse momento a União Europeia
não apoia uma intervenção militar na Venezuela, mas o vice dos Estados
Unidos ameaça os militares venezuelanos para abandonarem Maduro e
apoiarem Guaidó. A irritação do Vice dos Estados Unidos só prova que a
situação não está conforme eles esperavam. Nem o
tal grupo de Lima referendou a intenção dos Estados Unidos.
Sexto, há esse jovem deputado, formado pelas forças políticas dos
Estados Unidos, chamado Juan Guaidó, que se intitulou presidente da
Venezuela. Tem apoio dos Estados Unidos
e outros países. Porém, quando pensou que iria entrar triunfalmente na
Venezuela a pretexto de uma ajuda humanitária, não conseguiu sequer
atravessar a fronteira. Não houve respaldo popular para esse golpe.
Afinal, ele é apenas um deputado que os Estados Unidos
nomearam presidente da Venezuela.
Particularmente, penso como Boaventura Souza Santos, isto é, só há
saída dessa crise de forma democrática e com a mediação dos organismos
internacionais. A via militar e
da guerra só trará para a região o conflito que já se deu na Síria,
isto é, Estados Unidos e União Europeia de um lado, China e Rússia do
outro. Porém, os Estados Unidos perderam a guerra na Síria e agora
deixaram os europeus falando sozinhos naquele país.
Finalmente, há interesses internacionais sobre toda a Amazônia. A
reação ao Sínodo Pan-Amazônico mostra claramente que há ali outro
projeto, do grande capital internacional,
que além do petróleo venezuelano, quer também a biodiversidade, a água e
todos os bens minerais que estão naquele imenso território.
Portanto, hoje a Venezuela, amanhã toda a Amazônia.
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