Rastros de um crime: Peregrinação percorre caminho do rio Paraopeba ao São Francisco e denuncia a rota de morte e degradação causadas pela lama da Vale
Agentes da Cáritas Brasileira
Regional Minas Gerais, da Comissão Pastoral da Terra, do Movimento dos
Pescadores e Pescadoras do Brasil e do Conselho Pastoral dos Pescadores
conversaram com a população ao longo do Rio Paraopeba para compreender
como o crime da mineradora Vale irá impactar as comunidades. Preocupação
se estende até o Rio São Francisco, que pode ser afetado.
“O peixe morre pela boca e o pescador
morre pelo peixe. Se o rio acabar, acaba a vida dos pescadores”. A frase
do pescador Clarindo Pereira dos Santos revela o drama de muitos que
dependem das águas para viver. Importante rio de Minas Gerais, o
Paraopeba, já contaminado em parte de sua extensão pelo crime da Vale em
Brumadinho, deságua no São Francisco, onde Clarindo ganha sua vida. Ele
e outros peregrinos caminharam numa missão conjunta: ouvir as
comunidades impactadas e denunciar os efeitos do rompimento da barragem,
através da “Peregrinação Paraopeba/ São Francisco: rastros de um
crime”, caminhada realizada de 31 de janeiro a 4 de fevereiro.
Veja AQUI o depoimento completo de Clarindo Pereira dos Santos, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil.
Diante da possibilidade da degradação
ambiental ganhar maiores proporções, agentes da Cáritas Regional Minas
Gerais, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Pescadores
e Pescadoras do Brasil e do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
percorreram o trajeto da lama, em busca de ouvir as comunidades
impactadas e denunciar os efeitos do rompimento da barragem. O grupo,
formado por sete peregrinos, pode observar como as comunidades, que
margeiam o Paraopeba, estão sentindo os impactos da chegada dos rejeitos
em seus territórios.
Acompanhe AQUI por onde caminhou a Peregrinação Paraopeba/ São Francisco: rastros de um crime.
As sensações variam. Enquanto o clima de
tristeza e revolta é sentido em municípios mais próximos do local da
tragédia, como as cidades de São Joaquim de Bicas, Pará de Minas e
Juatuba, a esperança ainda persiste entre alguns moradores de cidades
mais próximas à represa de Três Marias – localizada na bacia do São
Francisco. Para Irmã Neusa Francisca do Nascimento, representante do
CPP, a empresa Vale tem atuado no sentido de construir uma narrativa
mais positiva, mas que não condiz com a realidade. Ela cobra uma análise
profunda das águas por parte das autoridades competentes a fim de
combater informações que podem maquiar os reais efeitos do crime.
“Conversamos com várias lideranças e
várias pessoas que têm contato com o rio. E pudemos constatar a
descrença do povo com a empresa Vale; com as informações de que as águas
não têm esse potencial de perigo, como o povo está suspeitando ou
constatando. Aproximando do Rio São Francisco, nós vimos que o povo está
aflito, porque não se sabe o teor da contaminação. A gente assistiu a
lama até Juatuba, mas não se sabe a dimensão de outras toxinas, outros
venenos e outros metais”, ressaltou.
O coordenador da Cáritas Minas Gerais,
Rodrigo Pires, lembrou que muitos têm a esperança de que não haja
contaminação, mas essa não parece ser a realidade. Um dos exemplos foi a
cena testemunhada pela Peregrinação no dia 31, no distrito do Córrego
do Barro, em Pará de Minas. Uma empresa terceirizada, à serviço da Vale,
instalava a primeira membrana para contenção de rejeitos, próximo ao
local da captação de água que abastece o município de quase 100 mil
habitantes. A ação, porém, não surtiu efeito imediato. A terceira
membrana prometida só foi instalada no dia 5 de janeiro, segundo
informações da empresa. A cidade, inclusive, decretou estado de
emergência no dia 4 de janeiro, visto que não há nenhuma possibilidade
de usar a água altamente contaminada.
O gerente da Associação AMA Pangeia,
entidade sediada em Pará de Minas, José Hermano Franco, também estava
próximo ao local e conversou com os peregrinos. Militante da causa
ambiental e biólogo, ele mostrou indignação e preocupação com as
informações desencontradas dadas pela Vale e órgãos governamentais.
Dúvida que, dias após o encontro, estava dissipada: o rio, naquela
altura, está morto.
O ambientalista lembrou o rompimento da
barragem da Samarco, em Mariana, no ano de 2015, onde até hoje há
negligência para com os atingidos. Por isso, protestou: “a Vale tem que
começar a ser punida de verdade. Chega de impunidade!”.
Assista AQUI o depoimento completo de José Hermano Franco, da Associação AMA Pangeia.
Cobrança semelhante fez um morador de
Parque da Cachoeira, comunidade atingida pelos rejeitos em Brumadinho. O
comerciante preferiu manter anonimato, mas denunciou que as sirenes não
tocaram no dia do acidente e prometeu cobrar que a empresa o ajude a
encontrar outro lugar para viver. “Perdi toda minha freguesia. Nós
estamos sem rumo”, lamentou. Sua família já deixou o local que, fora
voluntários e equipes de resgate, parece esvaziado, dado o medo dos
moradores.
Para os peregrinos, as vozes ouvidas na
expedição precisam ecoar numa combinação de denúncia e monitoramento. Os
efeitos do despejo dos rejeitos ameaçam chegar, inclusive, ao Rio São
Francisco – opinião cada vez mais forte, também, entre ambientalistas.
Foi às margens do Velho Chico que os
peregrinos encerraram a caminhada, na cidade de Três Marias. Caminho que
parece ter apenas começado, já que os rastros do crime continuarão
gerando seus impactos e exigirão ações de luta em favor de direitos
ainda possíveis de reivindicar. Isso porque a vida das centenas de
mortos é um dano humanitário irreparável. Dor que transcende Brumadinho e
entristece todo o povo com quem a Peregrinação teve contato. Gente
solidária aos atingidos e temerosa de que a lama também chegue até suas
águas.
Mobilizações e monitoramento
As entidades que integraram a
Peregrinação reuniram contatos e relatórios a fim de articular ações na
defesa das comunidades atingidas. Dentre as deliberações, é preciso
reafirmar o teor criminoso do rompimento da barragem, além de buscar
parcerias para garantir os direitos das pessoas afetadas.
Rodrigo Pires, coordenador da Cáritas
Regional Minas Gerais, explicou que as ações serão discutidas com outras
entidades e com o conjunto da Igreja, lembrando que a Cáritas já traz a
experiência em acompanhar os atingidos pela barragem de Fundão em
Mariana.
O grupo de peregrinos destaca a
importância do monitoramento popular do Rio Paraopeba e do São
Francisco, a partir da rede de pescadores e pescadoras. Além da
articulação junto ao Ministério Público para garantir o monitoramento do
rio através de uma universidade, de modo independente ao que é feito
pela Vale.
O crime
No dia 25 de janeiro de 2019, a
barragem de rejeitos de minério da Vale, Mina do Córrego do Feijão,
rompeu-se no município de Brumadinho, a 65 km de Belo Horizonte. O
desastre teve um enorme impacto, resultando na morte confirmada de mais
de 130 pessoas, além de cerca de 200 desaparecidas – números oficiais
questionados por moradores locais. O crime tem ainda forte impacto
ambiental, uma vez que os rejeitos contaminaram o Rio Paraopeba, que
deságua no São Francisco. Segundo autoridades estaduais, a água do
Paraopeba já está contaminada, mas ainda não se sabe com detalhes quais
os reais impactos a médio prazo e como os resíduos seguirão pelo curso
da água.
Por Vinícius Borges, comunicador popular da Peregrinação Paraopeba/ São Francisco: rastros de um crime.
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