E VALA LEMBRA QUE ESSE DEMÔNIO NÃO SE CONTENTA COM QUALQUER COISA: ELE SÓ SE APLACA COM SANGUE HUMANO. É O QUE ESTAMOS VENDO NO TEMPO DO NEOLIBERALISMO CAPITALISTA... SÓ NÃO VÊ QUEM JÁ SE DEIXOU SEDUZIR, E POR ISSO NÃO QUER VER.
Povo Munduruku defende
patrimônio espiritual indígena
Corredeiras de Sete Quedas. Foto:
Gilberto Vaes/Divulgação GeoView
Os
princípios cosmológicos e mitológicos da cultura indígena ainda são pouco
conhecidos e respeitados pelo homem branco (Pariwati, em
Munduruku), apesar de serem milenares. No caso do povo Munduruku, o patrimônio
espiritual e de respeito aos antepassados é de extrema importância para a
etnia, e esta valorização ganhou destaque em julho, por meio da mobilização
indígena realizada na sub-bacia do Teles Pires, na Bacia do Tapajós, entre Pará
e Mato Grosso (veja mais em Somos Feitos do Sagrado)
e realização do I Encontro de Caciques do Povo
Munduruku, no Alto Tapajós, promovido na Aldeia Sai Cinza, PA, entre
os dias 15 e 17 de agosto, que resultou em uma carta de reivindicações dirigida
à Procuradoria Geral da República, em Sinop, MT.
“Encaminharei às concessionárias, as
reivindicações a elas dirigidas e farei os acompanhamentos dos desdobramentos,
atuando ativamente sobre aquelas que efetivamente reclamarão intervenção do
MPF, caso não sejam atendidas”, disse Malê de Aragão Frazão, procurador da
República, em Sinop. Entre as reivindicações dos indígenas, está a devolução
das urnas em local que os pajés estão definindo próximo onde estava as
corredeiras de Sete Quedas, que não seja encoberto pelas águas, em período de
vazão do reservatório, e a constituição de museu no território Munduruku, entre
outros.
O principal fator gerador da
mobilização está na destruição, em 2014, do sítio sagrado de Sete Quedas,
decorrente da construção da UHE Teles Pires, e a reivindicação dos indígenas à
empresa da devolução das 12 urnas funerárias de ancestrais Munduruku, que
ficaram de posse da empresa, em Alta Floresta, Mato Grosso. Hoje elas se
encontram no Museu Histórico do município. Os pajés relatam que os antepassados
cobram deles porque suas moradas não existem mais.
“O que aconteceu com os Munduruku
pode acontecer a outros povos. Eles precisam ter acesso ao processo de
implementação desses empreendimentos, participação e acesso à informação e a
partir disso, lutar por seus direitos. Hoje isso não ocorre, por isso estes
direitos são vilipendiados”, analisa Francisco Forte Stuchi, biólogo/MSc
(Mestrado em Ciências) e etnoarqueólogo, em Mato Grosso.
O
desrespeito a esta fase de consulta, durante o processo de licenciamento
ambiental de grandes empreendimentos que afetam o povo Munduruku, é colocado
como um ponto importante para esta etnia, com mais de 13 mil integrantes, e já
resultou na formulação do Protocolo de Consulta
Munduruku, em 2014. Dentro destes princípios, os indígenas exigem da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e especialmente ao Ibama que não autorizem o
licenciamento de operação (LO) da UHE São Manoel, que está em fase final de
construção.
A empresa é uma joint venture entre a
China Three Gorges, a EDP Brasil e Furnas e deverá gerar 700 megawatts (MW) de
eletricidade. Caso haja a autorização para o enchimento de seu reservatório,
deverá afetar outro ponto sagrado deste povo, que é o Morro dos Macacos. A
FUNAI, em estudos técnicos, já sinalizou que a licença não deveria ser
concedida, devido a um conjunto de procedimentos que não foram concluídos para
autorizar a operação.
Sete
Quedas
Os pajés
contam que o complexo de Sete Quedas (Karobixexe) era uma linda cachoeira em
formato de escada, lugar onde os mortos estão vivendo (o céu dos mortos), no
mundo dos vivos. Um lugar sagrado para os Munduruku, Kayabi e Apiaká, onde
também os peixes se procriam, de diversas espécies e todos os tamanhos e onde
está a mãe dos peixes. Lá figuravam pinturas rupestres deixadas pelo Muraycoko
(pai da escrita) e existe um portal que não é visto pelo homem comum, mas
somente por pajés, que podem viajar para outro mundo sem serem percebidos. Seus
lugares sagrados são descritos em carta de junho de 2013 e
novamente na carta dos Pajés, em
julho deste ano, decorrente de um processo de mobilização do povo munduruku,
que envolveu cerca de 140 representantes do povo, de diferentes aldeias da
etnia.
“Os Pariwati
(brancos) têm feito intervenções nos locais sagrados munduruku Karobixexe, a casa sagrada, e Dekuka’a (Morro dos Macacos), onde está a mãe dos
animais”, destacam no documento.
Já em 2013, os Munduruku encaminharam
uma carta ao Ministério Público e ao Iphan, denunciando que os pajés haviam
reconhecido as urnas retiradas pela UHE Teles (sem consentimento da etnia), da
região de Sete Quedas, e que consideravam uma violação de seu território e de
seu cemitério sagrado ancestral, o que representava um grande risco espiritual,
social e ambiental também para os parentes Apiaká e Kaybi.
No
artigo “A Gestão do Patrimônio
Arqueológico em Territórios Indígenas: a resistência Munduruku e a preservação
do patrimônio cultural frente ao licenciamento ambiental de empreendimentos em
territórios tradicionalmente ocupados”, o arqueólogo Francisco
Pugliese expõe esta situação. Ele explica que as autoridades, à época,
decidiram pela dispensa do componente etnoarqueológico Munduruku para o
licenciamento ambiental da UHE Teles Pires. Com isso, foi desrespeitada a Convenção da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) 169, que o Brasil é
signatário, na qual fica estabelecido que deve ocorrer a consulta prévia, livre
e informada a estes povos atingidos.
“As pesquisas arqueológicas já dizem
que os indígenas estão há milhares de anos e elegeram os locais sagrados, que
fazem parte da história de vida deles, sobre todo este território. Estão
interagindo com outra parte da natureza não-humana. Nos últimos 500 anos,
colonizadores num processo contínuo de denominação, mudaram esta geografia
humana e política neste território que eram deles”, afirma Stuchi.
O arqueólogo reitera que no processo
de licenciamento, não está sendo cumprida a consulta. “Os indígenas só
conseguem participar quando o processo já está ocorrendo e não bate com os
cronogramas das obras e aí, geralmente, há pouco a se fazer para diminuir os
danos”, explica.
“No caso dos Munduruku, tanto as
urnas como o local sagrado destruído são importantes para eles. Precisamos
evoluir o nosso entendimento sobre estes povos que já habitavam os territórios e
melhorar nossas leis, para que sejam respeitadas. Isso, para que não só nossos
cemitérios, nossas igrejas e sagrados e espaços utilitários sejam respeitados,
mas desses povos também”, afirma.
Patrimônio
espiritual tem precedente jurídico
Os Munduruku reivindicam indenização.
O procurador Frazão explica que o valor de indenização só pode ser definido por
um juiz em ação própria.
O patrimônio espiritual já tem um
precedente jurídico brasileiro, no caso do acidente entre um avião da Gol e um
modelo Legacy, que atingiu local sagrado dos Mebengokre Kayapó, da Terra
Indígena (TI) Capoto/Jarina, em Peixoto de Azevedo, em Mato Grosso, em 2006,
quando morreram 154 passageiros e tripulantes. Em novembro de 2016, por meio de
intermediação do MPF, houve o acordo para que a empresa pagar R$ 4 milhões por
danos ambientais, materiais e imateriais à etnia.
Os Kayapó expuseram que o local se
transformou na “casa dos espíritos”, após a tragédia e se tornou imprópria para
o uso da comunidade, devido razões de ordem religiosa e cultural. Os recursos
ficaram de ser geridos pelo Instituto Raoni e a prestação de contas à
Procuradoria da República, em Barra do Garças, com o objetivo de comprovar o
benefício à etnia.
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