O grito que se faz
oração
Marcelo Barros
Em carta enviada a todos os bispos do Brasil, a presidência
da CNBB convida os bispos a mobilizarem as suas dioceses em um "dia de oração e jejum pelo Brasil".
E dizem claramente: "o dia sugerido
é o 7 de setembro próximo". A carta é assinada pelo presidente,
vice-presidente e secretário-geral da CNBB e se conclui com um modelo de oração
já publicada por ocasião da recente festa do Corpo e Sangue de Cristo.
Todas as pessoas que buscam viver a espiritualidade
compreendem que os pastores de uma Igreja cristã estimulem o povo de Deus à
oração e, sem dúvida, todos estão de acordo que o Brasil atual precisa de
oração. No entanto, é bom esclarecer: Oração
é um termo genérico. Rezar é orar,
mas o termo oração engloba um sentido bem mais amplo. Na Bíblia, o termo
mais próximo do que chamamos de "oração" é tefillah que significa mais profundamente "serviço do coração".
No primeiro testamento e na espiritualidade judaica, a
oração mais consagrada, que as pessoas costumam fazer diariamente, é o Shema Israel. Trata-se de uma oração inspirada no Deuteronômio
(Dt 6, 4). Começa por "Escuta,
Israel", o que é mais um chamado ao povo e não tanto uma palavra
dirigida a Deus. Na Bíblia, o povo de Deus fez uma coleção de suas orações e
juntou em um só Livro dos Salmos (Salmo quer dizer Louvor). Dos 150 salmos, a
maioria junta, em uma só conversa, 1. a pessoa que ora, 2. a comunidade crente
e 3. o povo.
Muitos salmos alternam na mesma oração versos dirigidos a
Deus e palavras à comunidade, assim como também denúncias e acusações aos
opressores. Treze salmos não são diretamente para Deus. São gritos dos oprimidos contra seus opressores (Vejam, por
exemplo, o salmo 2, o salmo 13, o 52, o 73 e assim por diante).
Essa é a espiritualidade que os profetas bíblicos ensinam:
nunca separar a oração do grito dos oprimidos. Quando os sacerdotes reduzem
tudo ao culto, Deus fala pela boca dos profetas: "Eu rejeito as liturgias e festas de vocês. Tenho horror à fumaça
dos incensos" (Is 1, 10 ss). "Eu
detesto as festas que vocês fazem. As celebrações não me agradam se o direito e
a justiça não escorrerem como água e se tornarem uma corrente poderosa"
(Am 5, 21. 24).
Na volta do exílio da Babilônia, um discípulo do profeta
Isaías resume isso em uma oração que diz: "Por causa de Sião, não me calarei. Por causa de Jerusalém (do povo),
não ficarei quieto, até que a justiça surja como a aurora e a salvação brilhe
como uma lâmpada. (...). Sobre tuas muralhas, Jerusalém, coloquei guardiães.
Sentinelas para vigiá-las. Dia e noite, eles não se calarão. Vocês que estão
lembrando as promessas do Senhor (vocês que rezam), não descansem e não deixem
Deus descansar até que ele restaure o seu povo"(Is 62, 1. 6- 7).
Na realidade brasileira, parece que esses profetas de Deus
que não se calam até que a justiça seja restaurada são os movimentos e pastorais
sociais que vão às ruas no Grito dos Excluídos.
É isso que aprendemos no evangelho de Jesus. Ele disse: "Não é a pessoa que diz: Senhor, Senhor, que entra no reino dos
céus, mas quem faz a vontade do Pai" (Mt 7, 21). Não podemos resumir
aqui tantas palavras de Jesus contra o modo de orar e a espiritualidade
religiosa dos escribas e fariseus que desligavam a oração da justiça (Mt 6, 5.
7-8; Mc 12, 38- 40).
Diversas vezes, os evangelhos nos mostram Jesus em oração e
em silêncio, durante as noites, como em vigília preparatória para descer da
montanha e se inserir na missão de testemunhar o reino de Deus como prática de
saúde, de integração social e de libertação para os oprimidos.
A nossa oração não pode ser a um Deus tapa-buraco, cuja
função seria preencher os problemas que não podemos ou não sabemos resolver. Deus
não anda esquecido do Brasil e nem precisa que o lembremos de suas obrigações. Certamente,
somos nós que não estamos cumprindo bem as nossas responsabilidades, como pessoas
de justiça e solidariedade. Não seria sincero manifestar atitudes ambíguas em
relação aos poderosos de plantão e depois pedir a Deus que venha corrigir os
erros e maldades que os mesmos poderosos executam.
Não podemos propor oração, jejum e silêncio no dia 07 de
setembro, sem deixar claro que é para preparar o Grito dos Excluídos. Caso contrário, seria desmoralizar a oração,
voltando a fazer como os antigos sacerdotes e escribas do templo um tipo de
oração que Jesus criticou. Propor oração sem compromisso social claro e como
inserção no meio dos pobres e dos seus gritos por justiça é usar o nome de Deus
como a tal bancada que se diz evangélica está fazendo no Congresso. Nesse 07 de
setembro, nossa oração deve tomar a forma do 23º Grito dos/as Excluídos/as que tem como tema “Vida em primeiro
lugar!” e como lema “Por direitos e
democracia, a luta é todo dia”.
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