Afinal, quem tem direito em relação à Terra? Seriam só os
que têm título de propriedade? Mas, em nosso país, títulos de propriedade só
existem depois de 1850, a partir da Lei de Terras. Antes disso, a família real
era a única dona de todo o Brasil, e entregava áreas de terra a quem ela
queria. A partir da Lei de Terras, os que ocupavam essas áreas tiveram
oportunidade de registrá-las e receber o título de propriedade.
É mais do que justo que os povos indígenas apresentem essa
pergunta: e nós, que já ocupávamos e vivíamos em nossos territórios, por que
não viramos proprietário?
A votação do STF do dia 16, decidindo que o governo do
estado do Mato Grosso não tinha direito à indenização pelas terras que foram
demarcadas como territórios indígenas, nos ajuda e conhecer a origem do chamado
direito de propriedade. Em resumo o direito legal de propriedade tem origem na
imposição da vontade dos poderosos, que ocuparam a ferro e fogo os territórios
dos povos que existiam antes de 1500 em nome e em favor do Rei de Portugal e
das elites protegidas por ele. Depois disso, o que foi dado pelo rei foi
transformado em propriedade legal através da aprovação de uma lei por um
parlamento e um imperador que só representavam os interesses das elites
privilegiadas.
Os povos indígenas não faziam parte dessas elites. Pelo
contrário, as leis das elites alimentavam preconceitos em relação a eles,
afirmando que eram como as crianças, e por isso não podiam ter título de
propriedade, que é um contrato feito com o Estado ou com o proprietário
anterior.
Agora vejam, a ação do governo do Mato Grosso revela que as
elites políticas governam com a mesma visão preconceituosa em relação aos povos
indígenas. Eles não têm nem podem ter direito a um território. E se um governo
federal decide passar terra para eles, deve indenizar o seu dono, o Estado do
Mato Grosso. Os povos não teriam direito originário aos territórios em que
vivem a séculos e milênios.
Quando o nosso país aceitará o direito originário, o direito
dos povos que vivem no território brasileiro há milênios, bem antes de 1500?
Resta-nos torcer que pelo menos o STF o confirme ao julgar a ação do marco
temporal, que pretende o absurdo de limitar este direito ao ano de 1988.
Ivo
Poletto, do FMCJS
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