Vejam a mensagem à sociedade brasileira do Seminário realizado nos dias 23 e 24 de maio sobre política energética nacional. Mesmo se um pouco longa, vale a pena conhecer a palavra de tantas entidades participantes. É possível, e desejável, que todas e todos se convençam que o Brasil precisa de mudanças estruturais e que as mudanças na política energética fazem parte delas.
SEMINÁRIO
POR UMA NOVA POLÍTICA ENERGÉTICA PARA O BRASIL
Mensagem à sociedade brasileira
A humanidade vive a segunda década
do terceiro milênio sem fazer as mudanças na economia e na forma de vida
exigidas pela crise em que se encontra o planeta Terra. Confirmando percepções
dos povos indígenas, estudos científicos indicam claramente que a prática
capitalista de produzir e consumir cada vez mais para concentrar lucros já
retirou da Terra mais bens naturais do que ela é capaz de repor. E para
produzir a energia necessária para o “progresso” capitalista, retirou do ventre
da Terra e queimou, e continua queimando, quantidades imensas de petróleo, gás
e carvão, jogando na atmosfera quantidades cada vez maiores de gases que
provocam aquecimento e mudanças climáticas. O modelo atual de desenvolvimento
capitalista é marcado pela concentração de renda e poder, pela exploração
intensiva dos recursos naturais e do trabalho humano, e pela destruição dos
ecossistemas. Sua reprodução acelerada se dá através da imposição de uma maior
carga dos danos ambientais às populações de baixa renda, às mulheres, aos
grupos raciais discriminados, às comunidades étnicas tradicionais e às
populações marginalizadas.
Por isso, continuar promovendo a
aceleração do crescimento econômico capitalista é decisão que coloca em risco o
planeta e destrói as condições de vida de milhões de pessoas e comunidades que
com seus modos de vida inspiram as alternativas ao modelo de desenvolvimento em
curso e a política energética que o sustenta.
Tendo presente esta realidade, as
políticas públicas adequadas à atualidade devem caracterizar-se por duas
prioridades. Em primeiro lugar, pela mobilização democrática da cidadania em
favor de mudanças do modo consumista de vida, animando as pessoas a viver e
conviver com os semelhantes com simplicidade e a conviver com a Mãe Terra com
respeito, cuidado e harmonia. A segunda prioridade, que deve ser promovida ao
mesmo tempo, é a prática de só utilizar recursos públicos para incentivar a
produção do que é de fato necessário para uma vida feliz das pessoas e demais
seres vivos, junto com o uso de tecnologias que impactem o mínimo possível no
equilíbrio já fragilizado do ambiente vital da Terra.
Não vale a pena continuar espalhando
mentiras. Já é sabido que a maior parte dos negócios das grandes empresas não
responde a necessidades humanas. Seus interesses, comandados nas últimas
décadas pelo capital financeiro, exigem aumento contínuo da exploração da
natureza e do trabalho humano como base real para seus negócios especulativos. Por
isso, rechaçamos esse modelo energético centralizado dominado por interesses
privados e baseado numa lógica produtivista de crescimento infinito para
atender objetivos estranhos à população brasileira, principalmente comunidades
tradicionais que sofrem mais diretamente.
Por outro lado, já se produz mais
alimentos do que os necessários para todas as pessoas e já é possível
produzi-los em processos naturais, que usam tecnologias que ajudam a Terra a recuperar
o equilíbrio perdido por causa da agressão ao solo, subsolo e atmosfera feita
pelo sistema do agronegócio. Existe um bilhão de pessoas sofrendo e morrendo na
miséria porque grandes empresas acumulam riquezas especulando com o preço dos
alimentos.
Tendo tudo isso presente, não se
pode aceitar que a política energética brasileira continue sendo pensada e
executada como se estivéssemos no século XX: na ilusão de que se pode continuar
fazendo qualquer coisa para avançar no crescimento econômico até alcançar os
países mais ricos. Sendo realistas, mesmo sabendo que os países mais ricos têm
maiores responsabilidades e devem, por isso, mudar mais profundamente sua
economia e os valores de convivência social e com o meio ambiente, na verdade
todos devem mudar em tudo que for possível e quanto antes.
Todas as pessoas que têm presente e
levam a sério a crise ecológica, alimentar, ética, econômica e social dos
nossos dias sentem a urgência de exigir mudanças profundas e estruturais na
sociedade brasileira e em todas as sociedades do mundo.
Como parte e protagonista destas
mudanças, o Seminário por uma nova política energética no Brasil, exige
mudanças na definição das fontes que compõem a matriz energética, na definição
dos critérios de eficiência na geração, na distribuição e no uso da energia, na
definição do em quê deve ser
utilizada e para quem deve ser
destinada a energia. Exige também que seja paralisado todo processo de
privatização e concessão dos recursos naturais geradores de energia, assim como
a reestatização das empresas nacionais, vendidas a iniciativa privada, dando a
uma minoria o controle sobre os bens comuns necessários à vida
Partindo dos dados já disponíveis
sobre fontes de energia, o Seminário exige que se dê prioridade ao sol e aos
ventos na matriz energética brasileira, complementando-a com o movimento
natural das águas e a biomassa, além da eficiência e conservação de energia. Mesmo
sendo verdadeira a afirmação de que a energia solar é, ainda, mais cara, é
preciso ter presente que isso se deve à falta de vontade política de promover e
valorizar pesquisas e empresas de produção de componentes no Brasil. Com a
queda anual de 15% nos preços mundiais, em pouco tempo se igualará e será até
mais barata do que as demais fontes. No que se refere à energia eólica, deve-se
considerar que os recentes projetos de implantação das “fazendas de vento”,
projetos de grande escala de usinas eólicas, têm expulsado as populações que
antes ocupavam o território, além de grande parte delas não considerarem a
fragilidade ambiental por se localizarem em regiões de dunas e na caatinga do
Nordeste do país.
Coerentemente, por não ser
necessária e por ser ameaça à vida e ao ambiente vital da Terra, o Seminário
exige a proibição da produção de energia por meio de usinas nucleares. Os
acidentes atômicos, em especial o de Chernobyl (Ucrânia, 1986) e Fukushima
(Japão, 2011), provaram que a tecnologia nuclear ameaça a humanidade, levando
países ricos a buscar alternativas energéticas. No Brasil, o agressivo lobby
nuclear, com forte influência nos governos, nos setores legislativos e
energético, segue tentando promover a expansão do Programa Nuclear Brasileiro,
que nos foi imposto pela ditadura militar e nunca foi discutido com a
sociedade. Pelo contrário, é mantido sob um sigilo inaceitável, com a desculpa
de ser estratégico, de segurança nacional, impedindo o acesso da população a um
assunto que diz respeito à sua vida e segurança. Na realidade, a falta de
transparência e de participação popular num debate democrático, amplo,
participativo e inclusivo sobre a política nuclear é extensiva ao todo da
política energética do Brasil.
Mas a insegurança, o sigilo e a
mentira institucionalizada que imperam no setor nuclear não conseguem esconder
que essa tecnologia, intimamente ligada à indústria armamentista, é
insustentável do ponto de vista socioambiental e econômico. Toda a cadeia de
produção da energia atômica é poluente, cara, insegura e perigosa, afinal o
subproduto dessa cadeia é matéria-prima para a produção de armas de destruição
em massa. O Brasil trata irresponsavelmente tanto os riscos de acidentes como
as toneladas de lixo atômico acumuladas em toda a cadeia produtiva. A região de
Angra dos Reis não está preparada para a necessidade de evacuação da sua
população em caso de um acidente nuclear. O risco será ainda maior se for
finalizada a construção de Angra 3. E o mais importante de tudo é que, além de
todas as desvantagens da cadeia produtiva da energia nuclear, o Brasil não
precisa desta energia! Somos um celeiro de fontes renováveis que permitem
produzir toda a eletricidade que realmente vamos precisar.
O Seminário exige igualmente a
diminuição e, logo que possível, o abandono e proibição da produção de energia térmica
produzida com a queima de fontes fósseis poluentes, especialmente o diesel e o
carvão. No uso de resíduos sólidos e matéria orgânica, a produção deve ser
cuidadosa, preferindo a produção de biogás à queima direta para produção
térmica de energia. Além do risco ao ambiente em função da emissão de gases
poluentes e substâncias cancerígenas, a incineração de lixo, retira dos
catadores de material reciclável a possibilidade de sobrevivência.
A exploração do pré-sal vai tornar o
país e a sociedade brasileira ainda mais dependente dos combustíveis fósseis,
aprofundando os efeitos climáticos do aquecimento global. Na 11ª rodada de licitação
de blocos de petróleo foram leiloados 143 blocos exploratórios, sendo que os
blocos em terra sobrepõem-se a áreas de Reforma Agrária, a territórios
indígenas, quilombolas, campesinos, pesqueiros e de importante sociobiodiversidade.
O petróleo é um bem comum de enorme valor e não deve ser usado para prejudicar
comunidades, queimado em engarrafamentos urbanos, em guerras, agrotóxicos etc.
Sua exploração deve ser muito criteriosa, para usos muito necessários e
específicos, e seu valor só aumenta quando mantido em subsolo.
Exige também que não mais sejam
construídas grandes e médias hidrelétricas na Amazônia e nas demais regiões do
País, e que não sejam multiplicadas as “pequenas centrais hidrelétricas” – PCH’s
- em regiões de fragilidade ambiental como é o caso das PCH’s previstas no alto
rio Paraguai, na região do Pantanal e na Amazônia. Nessa última região, por
causa de sua topografia, os represamentos cobrem áreas imensas de floresta,
forçam deslocamentos e mudanças na forma de vida de povos indígenas, de
ribeirinhos e de outras comunidades tradicionais. Articuladas com as empresas
de mineração, para quem se destina grande parte da energia produzida, essas
hidrelétricas são o anúncio do fim da Amazônia. Sua integração ao tipo de crescimento
econômico dominante se fará, como é tradição no entorno dos projetos de
mineração e de hidroeletricidade, com a remoção dos povos indígenas e
comunidades tradicionais, com a destruição da floresta, com a poluição e
envenenamento do que resta de rios, com a implantação de vilas de trabalhadores
empobrecidos.
Junto a isso, estudos científicos
demonstram que os reservatórios das hidrelétricas são fontes de emissão de gás metano
na atmosfera, um gás mais poderoso do que o dióxido de carbono na capacidade de
guardar calor solar, agravando o processo de aquecimento do planeta.
Finalmente, afirmamos que nossa luta
quer ser parte do processo urgente de mudanças que devem ser feitas para que a
vida continue sendo possível e em boas condições no Brasil e em todo o planeta.
Vista a partir das consequências já experimentadas, toda forma de produção
centralizada deve ser colocada em questão, porque a transformação em mercadoria
de bens essenciais à vida, como, por exemplo, a energia, as sementes e os
alimentos, dão aos seus proprietários um poder de vida e morte sobre toda a
população.
Defendemos, por isso, a
descentralização da produção e do uso de energia, junto com a produção e distribuição
de alimentos. Isso favorecerá a vida comunitária nos diferentes territórios e
biomas em que as pessoas e povos vivem, e diminuirá o desperdício e a emissão
de gases que provocam aquecimento e mudanças climáticas. Com isso, o Brasil fará
parte verdadeiramente da comunidade dos povos que lideram as mudanças que a
Terra está exigindo, adotando a prática do Bem Viver, para que possa continuar
agasalhando com amor todas as formas de vida existentes nela.
Brasília, 24 de maio de
2013
Entidades participantes do
Seminário:
Amazon Watch
Articulação
Antinuclear Brasileira
Articulação São
Francisco Vivo
Articulação
Semiárido Brasil
Associação
Floresta Protegida
Cáritas
Arquidiocesana de Brasília
Cáritas
Brasileira
Célio Bermann –
professor do Instituto de Energia e ambiente da USP
Centro Burnier
Fé e Justiça
Coletivo Cidade
Verde
Comissão
paroquial e meio ambiente
Comissão
Pastoral da Terra
Conferencia
Nacional dos Bispos do Brasil
Conferencia
Nacional dos Religiosos do Brasil
Conselho
Indigenista Missionário
Conselho
Pastoral dos Pescadores
DAR – Derecho Ambiente y recursos naturales – Peru
FASE
Fian Brasil
Fórum Eco Sol
Fórum Mudanças
Climáticas e Justiça Social
Fórum de
Direitos Humanos da Terra – MT
Gambá/AAB
Greenpeace
Instituto
Nacional de Estudos Socioeconômicos
Instituto
Políticas Alternativas para o Cone Sul
International
Rivers
Jubileu Sul
Brasil
Koinonia
Marcha Mundial
do Clima
MEB – Movimento
Educação de Base
Movimento de
Afetados por Desastres Socioambientais
Movimento dos
Pequenos Agricultores
Movimento
Pastoral dos Pescadores
Movimento Paulo
Jacson – ética, Justiça e Cidadania
Movimento Rio
Madeira
Movimento
Tapajós Vivo para Sempre
Movimento Xingu
Vivo
OIMECRIKANAZ
Pastoral da
Criança
Pastoral da
Ecologia da Arquidiocese de São Paulo
Pastoral do
Povo da Rua
Pastoral
Operária
Povo Munduruku
Rede Brasileira
de Justiça Ambiental
Sociedade
Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SOS Clima Terra
WWF Brasil
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