CARTA ABERTA
AO PRESIDENTE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Brasília, 24 de maio de 2013
Senhor Presidente,
As pessoas e organizações que subscrevem a presente tiveram ciência, pelos
jornais, de que os responsáveis pelo Programa Nuclear Brasileiro estão em
entendimento com a Caixa Econômica Federal para que esta conceda, à empresa
encarregada da construção da Usina Nuclear conhecida como Angra III, um
empréstimo que permita completar essa construção, uma vez que até agora a
solicitação feita no mesmo sentido junto a bancos europeus não obteve resposta.
Segundo o que chegou ao nosso conhecimento, a demora dos bancos europeus
para atender a esse pedido de financiamento seria devido a insuficiências nas informações
apresentadas pelas autoridades brasileiras quanto às condições de segurança da
nova usina de Angra. Como estas condições se tornaram mais exigentes após o
acidente nuclear ocorrido em março de 2011 em Fukushima, no Japão, esses bancos
e a Agência alemã Euler Hermes, que daria o seguro ao empréstimo, teriam
solicitado mais informações sobre condições
de segurança em Angra.
É do conhecimento geral que há riscos específicos em Angra, ligados ao
histórico de deslizamentos de terra na região, e que as condições de evacuação
da população em caso de acidente são extremamente precárias. Por outro lado, a
informação difundida a evacuação
cobriria apenas um raio de 5 quilômetros em torno das usinas, quando a
15 quilômetros delas se situa a cidade de Angra dos Reis, com mais de 170.000
habitantes, e quando o raio adotado em Fukushima foi de 30 quilômetros.
É grave no entanto uma questão sobre a qual a maioria dos cidadãos
brasileiros não tem informação: o projeto de construção das 3 usinas de Angra
teria adotado as normas de segurança usuais na década de 70, mas a partir do
acidente ocorrido no final dessa década, em 1979, em Three Miles Island, nos Estados Unidos, essas normas foram
revistas. A revisão levou em conta a possibilidade real de acidentes severos,
por falhas humanas, de projeto ou dos equipamentos, que podem levar à explosão
dos reatores e à destruição dos edifícios de contenção dentro dos quais eles se
encontram, propagando elementos radioativos no meio-ambiente.
Sabe-se que as nuvens radioativas que podem se formar com tais explosões se
espalham ao sabor do vento, como ocorreu em Chernobyl, na então União
Soviética, em 1986, atingindo todos os países da Europa. No nosso caso, elas
atingiriam de imediato São Paulo
e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades brasileiras, situadas a menos de 200
quilômetros das usinas.
As novas normas de segurança adotadas em 1985 pelos Estados Unidos, depois
do acidente de Three Miles Island,
implicaram na obrigatoriedade de construção de maiores e mais sólidos edifícios
de contenção da propagação da radioatividade, já que os acidentes são sempre
possíveis. Por essa razão o governo norte-americano exigiu, em 1988, que todas
as suas usinas nucleares fizessem reformas modificando seus projetos originais,
para passarem a contar com os novos edifícios de contenção necessários.
Posteriormente, em 2004, a própria Agencia Internacional de Energia Atômica
expediu sua norma NS–G-1.10, que trata do projeto desse Edifício de Contenção,
para prevenir os efeitos nefastos de fusões totais do núcleo do reator.
Ora, Sr. Presidente, pela informação que dispomos, não se tomou nenhuma
providência no Brasil para que se obedecesse a essas normas internacionais,
como ocorreu nos Estados Unidos, e nossas usinas continuaram a funcionar – ou,
no caso de Angra III, esta continuou a ser construída - com projetos feitos
antes do acidente de Three Miles Island.
Segundo a informação existente, inclusive a própria Comissão Nacional de
Energia Nuclear licenciou Angra III em 2010, seis anos depois da expedição das
novas normas pela AIEA, sem que estas tivessem sido levadas em conta, isto é,
considerando os projetos originais dessa usina.
Se tais dados forem verdadeiros, assim como os relativos ao problema da
insuficiência do plano de evacuação de Angra e dos riscos de deslizes de terra
na região, não será de estranhar que as autoridades brasileiras não tenham
podido responder adequadamente à solicitação de informações dos bancos europeus
e da companhia de seguros Hermes.
Mas nos preocupa, senhor Presidente, que a Caixa Econômica Federal possa se
dispor a substituir bancos que não estão querendo financiar um determinado empreendimento
porque este estaria contrariando normas de segurança internacionais. Seria a
nosso ver algo extremamente grave, desde um ponto de vista de responsabilidade
social de uma empresa do governo, o que não escapará da atenção dos cidadãos e
cidadãs brasileiros, se tais dados forem confirmados e difundidos.
Diante disso, com base na Lei de Acesso à Informação, no. 12.527, de
18 de novembro de 2011, estamos vindo à sua presença para lhe solicitar as
seguintes informações:
1. Existem efetivamente negociações
em curso para que a Caixa Econômica Federal financie o término da construção de
Angra III, pelo fato deste financiamento não ter sido obtido na Europa?
2. A Caixa tem conhecimento da
existência de revisões dos projetos iniciais de Angra III tendo em vista as
normas NS–G-1.10 da AIEA - Agencia Internacional de Energia Atômica, editadas
em 2004?
3. A Caixa conhece essas normas?
E, se existir efetivamente um pedido de financiamento de Angra III à Caixa,
estão contempladas as necessidades de recursos decorrentes de obras exigidas
por essas normas da AIEA?
4. A Caixa tem conhecimento de um
pedido de informações feito por bancos europeus e pela Agencia de Seguros
Hermes, da Alemanha, quanto às condições de segurança de Angra III, e do teor
desse pedido?
5. A Caixa tem conhecimento da
resposta dada pelas autoridades brasileiras a esse pedido de informações, e da
condução das negociações das autoridades brasileiras com bancos europeus para
financiar Angra III?
6. Se forem confirmadas as
informações acima quanto ao descumprimento de normas da AIEA pelas autoridades
brasileiras, a Caixa considera que pode ignorar esse descumprimento e financiar
Angra III sem que as normas sejam cumpridas?
7. A Lei que instituiu a Caixa Econômica Federal a autoriza a fazer
empréstimos para empresas que constroem ou operam usinas nucleares para a
produção de energia elétrica?
Esperando merecer de V.Excia. a atenção exigida pela gravidade da questão
abordada, aguardamos sua resposta, nos termos da Lei 12.527, subscrevendo-nos
atenciosamente.
(Seguem-se
os nomes de 42 cidadãos e cidadãs – integrantes de 36 entidades da sociedade
civil brasileira – que participaram em Brasília, nos dias 23 e 24 de maio de
2013, de Seminário por uma Nova Política Energética no Brasil).
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