Para que deseja compreender o que está em questão no processo de aprovação do novo Código da Mineração, vale ler o artigo de Alessandra Cardoso, do INESC. Como verão, não se trata de proposta que melhore o código anterior; ele apenas libera os interesses das empresas mineradoras. Isso não é nada bom para o povo do Brasil.
Novo Código Mineral representa um retrocesso do ponto de vista ambiental
Aconteceu ontem, dia 04 de setembro, a sétima audiência pública (no Congresso Nacional) da Comissão Especial encarregada de apresentar o relatório do novo Código da Mineração (PL 5708 de 2013). Depois de muitas audiências, esta foi a primeira e a última, de acordo com a agenda apresentada pela comissão, que pautou a questão dos impactos ambientais associados à mineração. O resultado não poderia ser mais preocupante.
As falas do Ministério Público, de organizações socioambientais e do Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração (que reúne mais de 60 organizações e movimentos sociais) foram unânimes na avaliação de que o PL retrocede anos luz na questão ambiental. O atual Código, de 1967, assegura a responsabilidade do minerador pelos danos ambientais e sociais gerados pela atividade e vincula o não cumprimento destas responsabilidades às sanções previstas no próprio Código. Já o PL que o governo enviou ao CN apenas menciona, como uma das diretrizes, o vago compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a recuperação dos danos ambientais causados pela mineração. Todos nós sabemos que, em Lei, diretrizes e princípios não garantem nada concreto.
A opção do governo pelo chamado Código minimalista isenta o minerador do compromisso legal para com a preservação e recuperação do meio ambiente, sob a alegação de que isto está assegurado pela legislação ambiental vigente, por meio do licenciamento ambiental. Mas esta legislação ambiental vigente é hoje pouco cumprida porque os órgãos ambientais estão totalmente despreparados do ponto de vista técnico e humano, além de não terem poder político para fazer cumprir a legislação.
Estamos, portanto, no pior dos mundos. À fragilidade dos órgãos ambientais, exponenciada no caso dos órgãos estaduais, soma-se à ausência do compromisso legal explícito e específico da atividade mineral para com a preservação e recuperação do meio ambiente. Em tempos de flexibilização da legislação ambiental e especificamente dos processos de licenciamento, que já não funcionam como deveriam, esta lacuna parece ainda mais preocupante.
A falta de compromisso do governo com uma regulação da atividade mineral que a torne menos agressiva ambientalmente e mais responsável pelos danos gerados ficou clara na audiência de ontem, de maneira constrangedora. O técnico de carreira do Ibama enviado para representar o órgão simplesmente assumiu publicamente que o seu órgão não tem posição institucional sobre o Projeto. Projeto este que foi enviado pelo governo ao CN, em regime de urgência constitucional, depois de anos sendo construído pelo MME sob a batuta da Casa Civil.
Ou seja, este PL absolutamente lacônico em relação ao meio ambiente simplesmente não foi discutido com os órgãos ambientais que deveriam, tecnicamente, ser os responsáveis por subsidiar esta parte da matéria e aprimorá-la em relação ao Código hoje vigente. Não é de se estranhar, portanto, que ele praticamente ignore a questão ambiental.
Outra expressão da falta de compromisso do governo e do seu PL com a busca de soluções concretas para conciliar mineração e preservação ambiental é a irrisória compensação financeira derivada da exploração mineral (CFEM) que será destinada ao combalido orçamento do Ibama para reforçar seu poder de fiscalização e licenciamento. Apenas 2% de 12% da CFEM que cabe à União será repassada ao órgão, ou seja, 0,24% vai para o Ibama. A situação, embora desoladora, é ainda melhor que a dos estados e municípios, já que nenhum centavo da CFEM distribuído aos municípios e estados (que abocanham a maior parte dos recursos, 65% vai para os municípios e 23% para os estados produtores) está obrigado a ser aplicado no meio ambiente devido ao fato de que não existe nenhuma vinculação para utilização deste recurso.
Como resolver esta lacuna? Objetivamente, uma primeira medida é garantir no texto da Lei o compromisso explícito e consequente com a preservação ambiental, incorporando o que já existe no Código de 1967 e dando garantias legais que reforcem e assegurem o que a atual legislação ambiental e sua prática, sozinhas, não estão conseguindo dar conta.
Mas é preciso ir além. É preciso que haja tempo para que o Congresso Nacional discuta com técnicos, com a sociedade e organizações socioambientais como disciplinar da melhor forma possível esta atividade, compatibilizando-a com outros valores tão estratégicos quanto os minérios. Existem várias propostas de melhoria deste projeto que estão sendo colocadas na mesa de negociação. Também existem experiências de regulação da mineração em outros países que avançam do ponto de vista ambiental e social que devem nos servir de inspiração.
Cabe ao parlamento e também ao governo garantir o tempo necessário para que o debate amadureça e para que esta nova regulação não represente um grande retrocesso.
Qual o tamanho do passivo da mineração? Ninguém sabe, muito menos o Ibama.
O tamanho do passivo da mineração foi um debate a parte na audiência sobre “as entidades ambientais”, nome estranho para designar a relação entre mineração e seus impactos ambientais.
Sabemos que a mineração ao longo da sua história gerou um enorme passivo ambiental. Parcialmente, em função da fragilidade da legislação ambiental do passado, notadamente até a década de 90. Mas em grande parte, também, em função da incapacidade do estado de cumprir a legislação por meio de suas políticas de comando e controle. Relatos e imagens de minas abandonadas, rios assoreados, secos, contaminados, áreas degradadas pela mineração dão uma dimensão destes impactos.
Mas qual o tamanho do passivo gerado por tantos anos de impactos não mitigados? De quem é a responsabilidade por medir e reparar o que ainda pode ser reparado? Estas questões foram abordadas na audiência e geraram um constrangimento ainda maior na já desastrosa presença do Ibama no evento.
Ficou claro que o governo e os seus órgãos não só não sabem o tamanho do passivo como não têm reflexão ou posição formada sobre o tema. Simplesmente, insistem em dizer que os passivos não deveriam existir porque teoricamente o licenciamento existe para que os impactos sejam avaliados, mitigados e compensados ao longo da vida do projeto mineral.
Frente a este discurso desolador, a ideia de um inventário dos impactos da mineração cogitada por um parlamentar na audiência, soou como uma novidade ao órgão que já deveria ter este desafio como forma de enfrentar um dos seus muitos passivos.
Na ausência de respostas por parte do governo, o representante do Ministério Público disse que, por iniciativa da instituição, está sendo feito um levantamento dos impactos e um inventário, instrumento para melhorar a atuação do MP em ações de reparação. Nestas ações tem sido atribuído também ao Estado, a responsabilidade pelo dano ao meio ambiente. Essa atribuição advém de sua omissão em não fazer cumprir a legislação ambiental e o próprio código da mineração. Esta parte da conta, obviamente, caberá aos contribuintes.
O curto e ainda restrito debate sobre esta questão demonstra que é necessário garantir no texto do Código da Mineração não só a responsabilidade do empreendedor pela preservação ambiental, mas também os meios legais e institucionais pelos quais esta responsabilidade se objetivará. Isto significa colocar a questão ambiental como requisito para as concessões e operação das minas, garantir as condições financeiras para que os órgãos ambientais federal e estaduais atuem, além de garantir que a Agência e o Conselho a serem criados atuem, dentro dos limites das suas respectivas competências, em parceria com os órgãos ambientais no monitoramento e controle ambiental da atividade.
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