A crise ambiental vai às ruas
- Contrapoder
- Correio da Cidadania - 26/08/2019
A
gigantesca cortina de fumaça que escureceu a cidade de São Paulo
em pleno dia e precipitou uma chuva escura, saturada de
partículas de queimada, disparou o sinal de alerta da urgência de
deter a dantesca devastação da Amazônia.
A
floresta em chamas não pode ser dissociada da nova corrida por
terras instigada pelo governo Bolsonaro. Os dados são
aterradores. Apenas no mês de julho, a derrubada na Amazônia
comprometeu uma área superior ao território da cidade de São
Paulo, um aumento quase quatro vezes superior ao do mesmo mês do ano
anterior.
A responsabilidade pessoal do
presidente, o autointitulado “capitão motosserra”, pelo
agravamento da crise ambiental é inequívoca. O incentivo à
grilagem de terras, o relaxamento das normas de proteção
ambiental, a apologia da derrubada da mata, o desmanche dos
órgãos públicos de monitoramento e fiscalização da floresta, a
intimidação de funcionários públicos que trabalham da defesa
do meio ambiente, o absoluto descaso com a proteção das reservas
indígenas e a conivência da Polícia Federal com madeireiros e
fazendeiros instigam a rapinagem da floresta. Bolsonaro liberou
o “vale tudo”. No “dia do fogo”, 10 de agosto, data da manifestação
de ruralistas “para mostrar ao presidente que queremos
trabalhar”, os focos de queimadas no município de Altamira
aumentaram quase nove vezes em relação ao ano anterior.
A
Amazônia ardendo politizou a crise ambiental. A
irresponsabilidade do governo Bolsonaro despertou forte
reação popular, no Brasil e no exterior. No dia 23 de agosto, os
atos de rua em defesa da Amazônia foram robustos. As cenas de
cidadãos batendo panelas durante a fala do presidente em rede
nacional de televisão lembraram o início do debacle de Dilma
Rousseff. Os protestos contra as queimadas na Amazônia também se
espalharam por várias capitais da Europa, reunindo um número
considerável de manifestantes.
No debate sobre o que fazer para enfrentar o problema, a desfaçatez e a hipocrisia são a regra.
Depois
de negar a existência do problema, para em seguida atribuí-lo a uma
conspiração de ONGs, pressionado pelas ameaças de retaliação
internacional, Bolsonaro, humilhado, foi forçado a dar
satisfação à opinião pública. Em pronunciamento patético,
reconheceu finalmente a existência das queimadas, mas, coerente
com sua intenção de destruir todo resquício de civilidade do
Estado brasileiro, não recuou um milímetro em sua política
predatória. Ao fim e ao cabo, comprometeu-se a convocar recrutas
do exército a bater fogo no meio da selva. Uma providência ridícula
e absolutamente inócua para deter o holocausto da floresta.
As
lideranças das potências imperialistas europeias, tomadas de
ardor ambientalista, levaram a questão amazônica à reunião do
G7. Acenando com a necessidade de uma tutela internacional, na
verdade, estão muito mais interessadas em tirar proveito eleitoral
e comercial da situação do que em deter o desastre ambiental,
cujo condicionante estrutural, como se sabe, é a sanha
insaciável de lucro do grande capital que impulsiona a ordem global
da qual o G7 é fiel guardião.
A reação
“nacionalista” do ex-capitão e de seus asseclas às ameaças de
retaliação internacional não passa de uma pantomima. A
afirmação apaixonada de que “a Amazônia é nossa” é apenas retórica
compensatória e cortina de fumaça para ocultar a entrega da
riqueza da região de mão beijada às grandes corporações,
nacionais e internacionais — um expediente canhestro que
lembra o fervor indignado dos escravagistas brasileiros, que, em
meados do século 19, vociferavam raivosamente, em nome da
soberania nacional, contra as pressões britânicas pelo fim do
tráfico negreiro, enquanto aceitavam docilmente as relações de
exploração e dominação decorrentes da posição rebaixada do país
na divisão internacional do trabalho.
De
olho no calendário eleitoral, a oposição dentro da ordem aproveita a
ocasião para desgastar o presidente. Sem nenhum prurido com a
lógica, os petistas fazem malabarismo para mostrar que o único
meio de salvar a floresta é “Lula Livre”. Os paladinos do
ecocapitalismo, Marina Silva à frente, clamam pela restauração da
governança ambiental como única forma de administrar o ritmo e a
intensidade da destruição ambiental.
Não
há dúvida de que a política criminosa de Bolsonaro acelera
perigosamente a destruição de um dos principais reservatórios
de riqueza biológica do planeta, mas é preciso não esquecer que a
violência contra a Amazônia não é de hoje. A exploração
predatória da floresta avança em ritmo célere desde a abertura da
região à exploração empresarial em grande escala pela ditadura
militar nos anos 60.
O processo ganhou
proporções cataclísmicas após 1995, com a expansão da fronteira
agrícola e mineral vinculada aos grandes negócios da
globalização. A dimensão da catástrofe fica evidente quando se
constata que a discussão entre os cientistas é para saber se a área
de mata destruída nas últimas duas décadas, período dos governos
tucanos e petistas, equivale ao território do Uruguai, Paraguai
ou Alemanha.
A crise ambiental é uma das
formas de manifestação da barbárie capitalista no Brasil. À
superexploração do trabalho corresponde a depredação
acelerada dos recursos naturais. Sem colocar em questão a
totalidade do padrão de desenvolvimento, não há como enfrentar
suas causas estruturais.
Os interesses
econômicos responsáveis pela destruição das florestas têm nome e
endereço: o agronegócio, as mineradoras, as indústrias de
tratores e equipamentos mecanizados rurais, as empresas de
agrotóxicos, fertilizantes e sementes transgênicas, as grandes
construtoras, as hidroelétricas, as siderúrgicas e o sistema
financeiro que lubrifica e potencializa o funcionamento de
toda essa engrenagem, sob a benção de uma plutocracia aculturada
que não abre mão de copiar os estilos de vida e padrões de consumo
das economias centrais.
A defesa do meio
ambiente passa pela luta de classes. A burguesia não tem como salvar a
floresta. Nacionalismo compensatório, imperialismo cínico e
cooperação baseada na governança ambiental não são soluções
para a Amazônia. Quem cuida da floresta é o homem livre no terreno. Só
uma intervenção popular pode deter a marcha insensata da
catástrofe ambiental. Em última instância, a preservação da
Amazônia depende da capacidade dos trabalhadores de realizarem
um modo de produção e consumo que respeite o trabalho e o meio
ambiente.
Dia 20 de setembro, todos na Greve Global do Clima!
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