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Nota do Observatório do Clima sobre os resultados da conferência de Katowice
KATOWICE,
16 DE DEZEMBRO DE 2018 - A COP24, a conferência do clima de Katowice,
adotou na noite deste sábado (15) uma de suas principais encomendas: um
manual de instruções para os países botarem em prática o Acordo de
Paris. Do ponto de vista do clima, porém, Katowice fracassou. Seu
resultado deixou de capturar de forma adequada o senso de urgência
comunicado claramente pela ciência sobre a ação contra o caos climático.
Além disso, deixou nas mãos dos países qualquer decisão sobre o que
fazer com essa informação. Regras claras, afinal, só funcionam se houver
gente disposta a entrar em campo para jogar.
Com
poucas exceções relevantes, os principais pontos da operacionalização
do tratado do clima foram detalhados num conjunto de regulamentações.
Katowice entregou o chamado mecanismo de transparência, que detalha como
medir de forma comum os esforços nacionais, e regras sobre como
atualizar as metas de cada país em ciclos de cinco anos. Também ficou
marcada para 2020 a definição sobre a nova meta de financiamento
climático – num reconhecimento de que os US$ 100 bilhões anuais
prometidos para o período entre 2020 e 2025, para custear as ações nos
países em desenvolvimento, são bem menos do que precisam as nações mais
pobres e mais vulneráveis.
Mas
o tratamento dado pela COP24 a um dos elementos mais críticos do
Acordo, a ambição, foi altamente frustrante. Katowice teve seu início
com a apresentação aos delegados do chocante SR15, o relatório do IPCC
(Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) segundo o qual a
humanidade tem apenas mais 12 anos para cortar emissões em 45% se quiser
cumprir a meta de Paris de limitar o esquentamento da Terra a 1,5ºC
neste século, e evitar consequências muito mais graves para pessoas,
ecossistemas e a economia global.
O
relatório fora encomendado pela própria COP em Paris, em 2015, mas nem
todo mundo gostou da mensagem, especialmente os EUA e a Arábia Saudita. O
texto final de Katowice, em vez de incorporar o SR15 como guia para o
aumento da ambição, limita-se a “convidar” os países a fazer o que bem
entenderem o recado do IPCC. O texto de Katowice também faz um aceno
tímido aos resultados do chamado Diálogo Talanoa – a primeira rodada
global, aberta, de conversas sobre soluções para a crise climática – ao
também convidar os países a refletir sobre os subsídios de mais de 400
diálogos realizados ao redor do mundo.
Com
esse resultado, caberá unicamente aos países decidir quando e se
aumentarão sua ambição coletiva na janela estreita de oportunidade que
existe entre agora e 2030 para não perder a meta de 1,5oC. Isso cria um
risco para a meta. “Paris definiu um pacto para limitar o aquecimento
global e para lidarmos com suas consequências. Katowice forneceu as
balizas e os insumos para tirar o acordo do papel. Mas só a vontade
política pode imprimir velocidade à ação climática no grau necessário”,
diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. “O
problema é que vontade política para fazer mais do que o que os países
definiram em 2015 vem se mostrando um recurso escasso, só encontrado
entre países pequenos e muito vulneráveis, e não entre aqueles que
precisam liderar o processo, aqueles que emitiram e emitem a maior parte
dos gases de efeito estufa”,
continua.
Os
negociadores brasileiros na Polônia, talvez a última delegação do país
ainda comprometida com o processo multilateral da Convenção do Clima em
muito tempo, agiram no geral de forma construtiva. Mas causaram o
adiamento do final da COP por 24 horas ao tentar garantir, por motivos
que não convenceram a ninguém, regras mais frouxas para a compra e venda
de créditos de carbono. Caso prevalecesse a posição brasileira, havia o
risco de, em determinados casos, tanto o comprador quanto o vendedor
dos créditos poderem abater aquelas emissões da própria meta. O assunto,
complexo e altamente polêmico, acabou tendo sua solução adiada para o
ano que vem. Enquanto isso, as regras de Katowice proibiram
explicitamente essa dupla contagem.
Diferentemente
da delegação na COP, o governo eleito do Brasil fez papelões em série
em Katowice. Ameaças ao meio ambiente e a quem cuida do meio ambiente já
preocupavam a todos, uma vez que o Brasil provou ao mundo que era
possível crescer economicamente e reduzir as emissões e a taxa de
destruição florestal, servindo de modelo para vários outros países em
desenvolvimento. Quando a COP começou, alguns dos assuntos mais
comentados nos corredores da conferência eram a desistência do Brasil em
sediar a COP25, em 2019, as ameaças do futuro presidente de tirar o
país do pacto global pelo clima, usando argumentos completamente
inconsistentes, e o convite a dois negacionistas para compor o seu
gabinete, os futuros ministros de meio ambiente e de relações
exteriores. A imagem do Brasil junto a parceiros climáticos e comerciais
saiu mais suja que a fumaça das termelétricas a
carvão de Katowice.
“O
novo governo terá diante de si uma responsabilidade na agenda de clima.
Retrocesso na agenda global ou doméstica de mudanças climáticas só
contribui para piorar a situação dos brasileiros, que já pagam um preço
altíssimo por um clima cada vez mais hostil. Nos últimos quatro anos,
quase metade de nossas cidades sofreram com secas severas, enquanto mais
de 30% tiveram graves alagamentos”, diz Rittl. “Além disso, o
agronegócio que patrocinou sua campanha e que fez os ministros de
Agricultura e Meio Ambiente, corre um sério risco de perder mercados se
no rastro de suas commodities houver mais desmatamento, emissões ou
desrespeito a direitos de povos indígenas”, concluiu.
Na
abertura da COP24, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou
que os países que não entrarem na economia verde terão um futuro
cinzento. O presidente Jair Bolsonaro faria bem em escutar a mensagem.
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