O Natal de Stedile
Mario Sergio Conti
Quando menos se espera, o Natal está aí: calorão, filas, tempestades, engarrafamentos, dinheiro curto, sofreguidão de última hora para comprar presentes. Ainda assim, o Natal é um convite à pausa, à reflexão.
Como o ano foi de tumulto, de luta acre no Parlamento e fora dele, de ações espetaculosas da Lava Jato, de xilindró cheio de nababos em Curitiba, a meditação é política.
É tempo também de reflexão religiosa porque a fé fere cada vez mais o coração da política. As labaredas da jihad, as matanças na França, no Líbano, no Iêmen, no Egito e na Tunísia, fizeram terror e islã fermentar num mesmo caldeirão.
Distante do belicismo redivivo das Cruzadas, nem por isso o Brasil está infenso ao sagrado. Aqui, é a vaga evangélica que transtorna a política. Tanto que Eduardo Cunha, um pentecostal que exala enxofre ao ouvir falar de aborto e casamento gay, quis impor sua dúbia carolice à nação laica.
O Brasil é o país que abriga o maior rebanho católico do mundo. Entre eles está João Pedro Stedile, dirigente do Movimento dos Sem Terra. Ele é primo de Dom Orlando Dotti, bispo de Vacaria, no Rio Grande do Sul, e de vários frades capuchinhos. Os primos párocos marcaram a sua formação franciscana, que considera "mais atual do que nunca".
Stedile sustenta que o líder religioso da hora, o papa Francisco, "tem um comportamento revolucionário". O pontífice, disse ele no intervalo de uma peregrinação pelo interior paulista, "teve uma experiência política no peronismo, é um nacionalista que defende os pobres e é contra o abuso do capital".
Para ele, a encíclica papal sobre o meio ambiente "é uma obra histórica maior do que dez COP21, a conferência da ONU sobre o clima, que não serviu para nada".
O MST se atualizou na teoria e na prática nos últimos anos. O movimento, diz Stedile, é contra a "reforma agrária burra", que só se preocupa com a divisão dos latifúndios. Advoga que a agricultura produza alimentos saudáveis para o povo, em vez de exportar commodities. Prega a "agroecologia", técnicas de cultivo que não vitimem a natureza.
Ele também se insurgiu contra o machismo, disseminado no meio rural, inclusive no MST. O movimento conseguiu que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra, passasse a entregar títulos de propriedade a casais de sem-terra gays.
Neste Natal, Stedile vê o Brasil numa encruzilhada política, econômica, social e ambiental. A destituição de Dilma Rousseff veio para o primeiro plano: "a pequena burguesia reacionária das grandes cidades quer o impeachment, mas ele não resolve as dificuldades nem representa uma saída para as massas".
Economista, Stedile não acredita em Papai Noel. Vaticina que "a crise será longa porque, para sair dela, precisamos de um projeto que unifique a maioria das forças sociais. E nenhuma força está conseguindo isso".
A sua esperança natalina é matizada: "toda crise é positiva, por obrigar a mudanças. Elas podem demorar, mas virão, e espero que sejam a favor do povo. Serão anos de luta".
Com prenome dos apóstolos João e Pedro, Stedile parece se nortear pelo Cristo do evangelho de Mateus, aquele que disse: "não vim trazer paz, mas a espada" (10, 34). Ele nasceu no mesmo dia do Nazareno; fará 62 anos na sexta-feira.
Um feliz Natal a todos.
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