segunda-feira, 18 de maio de 2015

SANTO ROMERO DA AMÉRICA LATINA, ROGA POR NÓS

NO PRÓXIMO SÁBADO, 23 DE MAIO, O BISPO OSCAR ROMERO SERÁ BEATIFICADO, ISTO É, COMEÇARÁ O RECONHECIMENTO OFICIAL DA IGREJA DE QUE ELE VIVEU UMA SANTIDADE QUE É EXEMPLO PARA TODOS. TRATA-SE DE UM FATO IMPORTANTE PORQUE DOM ROMERO FOI ASSASSINADO DURANTE A CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA PORQUE DEFENDEU CORAJOSAMENTE SEU POVO DAS VIOLÊNCIAS DA DITADURA E DA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. 

O ARTIGO DE MARCELO BARROS NOS AJUDA A ENTENDER O QUE SIGNIFICA ESSE RECONHECIMENTO OFICIAL, E NOS ALERTA PARA A NECESSIDADE DE MUDANÇAS NOS CRITÉRIOS PARA DEFINIR A SANTIDADE QUE VALE A PENA SERVIR DE INSPIRAÇÃO NO TEMPO ATUAL. 

SANTIDADE POLÍTICA

Marcelo Barros

Depois de longas discussões e atropelos, o Vaticano retomou o processo de canonização de Dom Oscar Romero. Nesse sábado, 23 de maio, na praça principal de El Salvador, a Igreja Católica o proclamou beato, etapa anterior ao reconhecimento oficial de que ele viveu uma santidade que é exemplo para todos. Do mesmo modo, no domingo 03 de maio, com permissão de Roma, a arquidiocese de Olinda e Recife abriu o processo de canonização de Dom Helder Camara.
 É bom compreendermos do que se trata, para que e como se realiza a canonização de um santo na Igreja Católica Romana. Conforme a fé cristã, todas as pessoas batizadas são santificadas pela graça divina. Toda pessoa humana é imagem e chamada a ser semelhante a Deus. Então, vivos e falecidos, somos todos santos e santas, não por virtudes que possamos ter, mas pela ação do Espírito Divino em nós. Isso deve ficar claro: o papa ou a Igreja não tornam ninguém santo. Deus é que santifica todos os seus filhos e filhas, espalhados pelo mundo, pelos quais Jesus deu a vida (Jo 11, 52). Seja na Igreja Católica, seja nas Igrejas Ortodoxas, canonizar uma pessoa significa apenas declarar que, além de ter sido santificado/a por Deus, aquela pessoa é exemplo de santidade para todo mundo.
Embora todos/as os batizados/as sejam santificados, desde o início, o povo cristão sempre teve o costume de venerar algumas figuras especiais de irmãos e irmãs falecidos, cujo testemunho de vida pode animar o povo no caminho da fé. Assim, o povo de Deus reconheceu como santos exemplares os apóstolos, mártires e pessoas que, a tal ponto viveram a fé que deram a vida pela causa da realização do projeto divino no mundo. Nos primeiros séculos, os santos canonizados eram reconhecidos por aclamação popular. A partir da Idade Média, surgiu o processo de canonização. Chama-se assim porque se trata de colocar uma pessoa no cânon (lista) dos santos, reconhecidos pela Igreja, como exemplo para todos. No ano 2000, a Igreja Anglicana colocou no pórtico da Catedral de Westminster, em Londres, figuras de cristãos que os anglicanos consideram santos, mesmo sendo de outras Igrejas. Assim, antes do Vaticano se definir por reconhecer Dom Oscar Romero como santo, o papa Bento XVI visitou Londres em 2010. Ao entrar no pórtico da Catedral anglicana, passou pela estátua de Dom Romero, já reconhecido como santo pelos anglicanos.
O objetivo da canonização é estimular todo o povo de Deus a percorrer o mesmo caminho de santidade. O processo de canonização analisa a vida e a obra do santo/a em questão. Até agora, se pede o reconhecimento de ao menos três milagres, operados por Deus, através da sua intercessão. Hoje, a noção de milagres deve ser revista porque a ciência atual tem uma visão bem mais ampla de cura. Em muitas religiões e tradições espirituais, existem curadores/as e pessoas que fazem milagres. Com todo respeito por essas tradições, nem sempre essas figuras de milagreiros são exemplos de ética e de retidão.
Também a própria Igreja mudou a forma de compreender a santidade. No decorrer da história, foram canonizados santos guerreiros, conquistadores e até cardeais que, como São Roberto Belarmino, em sua vida, dirigiram tribunais de inquisição e presidiram sessões de tortura contra cristãos considerados hereges. Sem negar que tais pessoas possam ser santos, no sentido de estar em Deus e com Deus, de fato, atualmente, só fundamentalistas e grupos terroristas considerariam tais pessoas como exemplos de santidade. Também devemos reconhecer: em outras épocas,  o modelo dominante de santidade era de ascetas que mortificavam o corpo. Quase não comiam e pareciam viver fora do mundo real. Por isso, alguns critérios do processo de canonização precisam ser revistos e modificados à luz do Evangelho. Ao reconhecer figuras como Oscar Romero e Helder Camara como santos, o magistério da Igreja parece propor outro modelo de santidade, baseado principalmente na capacidade de viver a solidariedade humana e defender a vida e a justiça em todas as suas dimensões. Cada vez mais, o mundo precisa desse tipo de santidade social e política a serviço do reinado divino no mundo.
Em si, Oscar Romero e Helder Camara nem precisariam de canonização. Ambos já são aclamados como exemplos por todo o povo. No entanto, se a hierarquia da Igreja Católica quer reconhecê-los como santos exemplares, Deus queira que seja para que todos nós nos comprometamos a seguir o exemplo e a profecia que eles nos deixaram.

O que atualmente, no céu, Dom Romero e Dom Helder mais gostariam de ver na terra é toda a Igreja universal seguir as propostas de renovação eclesial feitas pelo papa Francisco, na linha que eles dois, em seu tempo, já ensaiavam. Certamente, os obstáculos existem, mas, como diz a carta aos hebreus: “Cercados por tais testemunhas, (Romero e Helder Camara) libertemo-nos dos obstáculos e corramos na direção do Cristo” (Hb 12, 1).  

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