Outras Palavras, 8 de janeiro de 2014
País
fecha cárceres, por falta de detentos, e comprova: presídios bárbaros só
alimentam ódios; para combater criminalidade e reincidência, a receita é outra
Por Cibelih Hespanhol
Quando
Alexander Petrovich, assassino confesso de sua própria mulher, viu-se
encarcerado entre as paredes de um presídio na Sibéria, passou a conhecer o
dia-a-dia, detalhes e hábitos deste sistema. E escreveu as seguintes linhas em
seu diário pessoal: “não resta dúvidas de que o tão gabado regime de
penitenciária oferece resultados falsos, meramente aparentes. Esgota a
capacidade humana, desfibra a alma, avilta, caleja e só oficiosamente faz do
detento ‘remido’ um modelo de sistemas regeneradores”. Se Alexander e sua
história pertencem ao romance Recordações da Casa dos Mortos,
de Dostoievski, publicado em 1860, seu drama ainda pode ser considerado
absurdamente atual.
As
recentes notícias sobre o fechamento de quatro prisões suecas reabriram
discussões sobre a forma como lidamos com nossos detentos. Isto porque a falta
de presos no país nórdico é atribuída principalmente à forma de organização de
seu sistema penitenciário, que conta com investimentos na reabilitação dos
prisioneiros; adoção de penas mais leves em delitos relacionados a drogas; e
revisões judiciais que optam por penas alternativas em alguns casos, como
liberdade vigiada. Em situação semelhante, a Holanda já havia anunciado em 2012
a necessidade de fechar oito prisões e demitir mais de mil funcionários – pelo
mesmo motivo: suas celas estavam praticamente vazias. O que tem a nos dizer
estes países?
Em sentindo inverso, nos Estados
Unidos, país com maior população carcerária do mundo, o número de detentos
chega a praticamente 2,3 milhões. E a taxa de reincidência é de 60% – ou seja,
a cada dez pessoas que saem da prisão, seis voltarão para o crime. O Brasil,
que ocupa o quarto lugar no ranking de população carcerária, possui cerca de
500 mil presos, num índice de 274 detentos por 100 mil habitantes. Além disso,
o número de detentos é 66% maior do que a capacidade que o sistema brasileiro
possui de abrigá-los nas prisões.
Em junho do ano passado, a ONU
declarou em relatório oficial a necessidade do país “melhorar as condições de
suas prisões e enfrentar o problema da superlotação”. Casos de violação dos
direitos humanos, torturas físicas e psicológicas são recorrentes em presídios
brasileiros: no Rio de Janeiro, um preso é morto a cada dois dias,
principalmente de tuberculose e AIDS.
A abismal diferença entre prisões
suecas e brasileiras (ou norte americanas) está nas teorias que fundamentam
seus sistemas penitenciários. O país da pena de morte é o mesmo que viu sua
população carcerária praticamente dobrar desde o início dos anos 90. Já o país
que optou por uma política de reinserção social, em que uma agência
governamental é encarregada de supervisionar os detentos e oferecer programas
de tratamento para aqueles com problemas com drogas, vê agora suas prisões
serem fechadas por falta de prisioneiros.
Em entrevista ao The Guardian,
Kenneth Gustafsson, governador da prisão de Kumla, a mais segura da Suécia,
declara: “existem pessoas que não querem ou não podem mudar. Mas na minha
experiência a maioria dos prisioneiros quer mudar, e nós precisamos fazer o que
pudermos para ajuda-los. E não é apenas a prisão que pode reabilitar. Isso é um
processo combinado, que envolve a sociedade. Podemos dar educação e
treinamento, mas quando essas pessoas deixam as prisões elas precisam de
moradia e emprego”.
Em suma, o que a Suécia tem a nos
ensinar é a noção contrária do senso comum de que “cadeia boa é cadeia
infernal”: optar pela humanização do sistema penitenciário prova-se como a
maneira mais eficaz de se verem reduzidos os índices de criminalidade. Ou nas
palavras daquele personagem de Dostoievski, de duzentos anos atrás: “E já que
[o detento] é de fato um homem, deve ser assim tratado. Um tratamento humano
pode até devolver a condição humana mesmo àqueles que se esquivaram…”.
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