sábado, 18 de janeiro de 2014

COPA DO MUNDO E O DIREITO DE ORGANIZAR MOBILIZAÇÕES

INÍCIO DE 2014, ANO DA COPA, É TEMPO PARA DECIDIR O QUE FAZER PARA NÃO DEIXAR QUE ELA SEJA UM EVENTO ELITISTA E MEIO PARA ELITIZAR AS CIDADES, SEM DÓ NEM PIEDADE DOS ATINGIDOS. VEJAM O QUE ESTÃO PENSANDO OS QUE SE MOBILIZARAM EM 2013, NA COPA DAS CONFEDERAÇÕES, E VEJAM COMO APOIAR SUAS INICIATIVAS.

A quem interessa blindar a Copa do Mundo?
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O início de 2014 já deu mostras que esse ano poderá ser uma continuação, em outro patamar qualitativo, dos protestos que ocorreram em 2013 no Brasil. O avanço do caos social das prisões brasileiras a partir do caso de Pedrinhas no Maranhão, a ofensiva reacionária frente aos “rolezinhos” nos shoppings do país mostram que está cada vez mais difícil para a classe dominante no Brasil esconder o aumento crescente da desigualdade social e da falta de políticas públicas, substituídas por medidas de repressão contra os pobres e a juventude brasileira, como também demonstrou o caso do metrô mangueira, no Rio de Janeiro.

Porém, uma das questões que mais chamou a atenção neste início de ano foi a ofensiva governista, em especial por parte do PT e PCdoB, na tentativa de criar o clima favorável à Copa do Mundo no Brasil, com um discurso ufanista, como já era previsível. Em menos de 15 dias a cúpula governista e os militantes desses partidos iniciaram uma série de reportagens, artigos, falas, ações dos Governos, além de postagens nas redes sociais, com as seguintes orientações:
 
a)      Reforçar as medidas de repressão às possíveis manifestações, dando alta visibilidade a elas, com o objetivo de desmobilização;
b)      Desqualificar as críticas às violações da Copa do Mundo, forjando o termo #VaiterCopa;
c)      Encobrir os inúmeros problemas trazidos pela  Copa do Mundo tentando criar um falso clima de que o país vai bem;

Um fato importante desta ofensiva foi a própria presidenta da República ir as redes sociais postar a hashtag #VaiterCopa, tentando fazer alusão à quem luta por direitos não ser um bom brasileiro, pois está sendo contra a tão sonhada Copa do Mundo no Brasil. É necessário desmentir  tudo isso! Assim, neste texto, buscamos esclarecer e aprofundar algumas questões escamoteadas pelo governismo.
 
1 – Porque é importante a luta contra as violações da Copa do Mundo?

A Copa do Mundo não é um simples evento esportivo que terminará em julho de 2014. Na verdade, de esporte ela tem muito pouco. Ela, junto com as Olimpíadas e outros megaeventos e megaprojetos, têm como objetivo reforçar o avanço do domínio do capital sobre as cidades, transformando sua configuração, aumentando a segregação social e espacial, retroagindo sobre direitos adquiridos. Isso em nada menos do que as 12 principais metrópoles do país. Ou seja, a Copa é símbolo concreto do projeto de cidade-mercadoria proposto pelo grande Capital e implementado pelos governos em todas as esferas.

Enfrentar a Copa e suas violações de forma cotidiana significa, ao mesmo tempo, criar as bases para outro projeto de poder, de cidade e de nação. Não podemos parar de denunciar e atuar na construção de outra sociedade.

2 – Quais as violações estão ocorrendo?

Sendo um processo que avança sobre o direito à cidade, as violações não param de ocorrer. A mais visível de todas são as remoções forçadas que, ao longo destes anos ameaçaram cerca de 250 mil pessoas nas 12 cidades. Como recentemente visto no Morro da Mangueira, no RJ, em sua grande maioria os processos de remoções compulsórias não vêm acompanhados de nenhum projeto alternativo de moradia para as famílias atingidas, salvo em raríssimas exceções.

A Lei Geral da Copa e o processo de privatização dos espaços públicos têm ampliado a super-exploração, a perseguição e a repressão aos trabalhadores em geral, sobretudo aos informais – pequenos comerciantes, artistas de rua etc., nas regiões centrais das metrópoles e no entorno dos estádios. Os trabalhadores das obras são pressionados a trabalhar extra para que os governos e empresas cumpram os prazos determinados pela Fifa. Junto com isto, aumenta também a repressão à população de rua e o chamado processo de higienização social e gentrificação; garantindo os interesses dos especuladores imobiliários, de um lado, assim como o fortalecimento dos grandes monopólios, de outros.

Com a ausência de políticas públicas de prevenção, o aumento da exploração sexual e do trafico de seres humanos conforma outro legado negativo concreto trazido pela Copa. A despeito da pressão realizada pelos movimentos ligados ao direito de mulheres, crianças e adolescentes, os governos permaneceram inertes e, pelo contrário, fortalecem as grandes máfias com o discurso que vende a Copa como boa para o turismo e os negócios.

Questionar os gastos astronômicos, o superfaturamento e o hiper-endividamento do Estado frente ao aumento dos problemas sociais, é um direito e obrigação de cada cidadão. Transformar isto em protesto organizado é contribuir, de fato, para uma mudança de paradigmas. Devemos questionar não só os enormes gastos com as reformas e construção de novos estádios, mas o sentido mesmo da maior parte das obras, sobretudo as de mobilidade, que não visam garantir o direito de ir e vir da população.

legado da segurança pública está em jogo. Enquanto os governos abusam das forças de repressão como sinônimo de segurança, a sociedade clama por políticas sociais inclusivas e que consolidam direitos. Enfrentar a criminalização do protesto é enfrentar a criminalização da pobreza e da juventude. É lutar, de fato, por outro modelo de sociedade, distinto da cidade-negócio e promovida pelos Governos em todas as suas esferas, sobretudo em âmbito Federal. Neste sentido, a luta contra o aumento do aparato repressivo e o recrudescimento do estado penal, abre um enorme espaço para a luta pela desmilitarização da polícia, que ganha cada vez mais força na sociedade brasileira.

Em meio a tudo isso, diversas leis que legitimam a repressão ao direito de manifestação seguem em curso. São as chamadas leis de exceção. Tratá-las como naturais, como “frutos da governabilidade” significa atacar o pouco que já agonizante democracia brasileira. A luta contra as leis de exceção e por outro modelo de segurança pública são, portanto, lutas centrais que vão no sentido do projeto de cidade que queremos construir.

3 – Intensificar a luta contra os legados negativos da Copa do Mundo no Brasil

Um argumento constante do campo governista é o de dizer que os protestos só surgem agora porque são interesses eleitoreiros, etc. Além de falaciosos, dado que a resistência às violações da Copa tiveram início ainda em 2009, o próprio governo, foi notificado inclusive pela Organização das Nações Unidas – ONU, sobre estas diversas violações.

Porém, é fato que se pararmos para “ver os jogos”, tais violações só tendem a crescer. Esta é a intenção por trás do discurso governamental, pois, como vimos acima, muita coisa está em jogo ainda. A luta por outro modelo de cidade e contra a retirada de direitos no contexto dos megaeventos é constante e só com o muito movimento popular é possível se pensar em conquistas reais antes, durante e depois da Copa do Mundo.

4 – Mas e sobre a imagem do Brasil?

Outro argumento usado pelo campo governista é que as mobilizações tendem a prejudicar a imagem do Brasil no exterior. De que agora é hora do “brasileiro se unir” em defesa de nossa seleção. Em postagens, a presidenta chegou a sugerir que quem ia pra rua torcia contra o Brasil. Lula também andou atacando recentemente os manifestantes críticos à realização do megaevento (veja vídeo: http://on.fb.me/1cxbwps).

Qualquer alusão com o uso político que a ditadura fez da Copa de 1970 não é mera coincidência. Os gastos em propaganda dos diversos níveis de governo, no sentido de esconder os problemas sociais brasileiros são alarmantes. Os discursos mentirosos e preconceituosos ainda mais. É uma pena que o PT, doze anos após seu primeiro governo, se veja usando dos mesmos artifícios do governo militar (repressão, mentira e ufanismo) para tentar destruir a liberdade, o pouco que resta da democracia e da soberania brasileira.

A melhor imagem que o Brasil pode mostrar é a de que os direitos à liberdade e à organização do povo brasileiro estão acima dos lucros dos grandes monopólios. O governo brasileiro está perdendo uma grande oportunidade de mostrar ao mundo que é possível realizar a Copa e as Olimpíadas sem abrir mão da soberania nacional, respeitando direitos civis e desconstruindo a mercantilização do esporte implementada pela Fifa e Comitê Olímpico Internacional.

5 – Da luta de resistência à criação de alternativas desde os de baixo

A luta de resistência contra o legado negativo da Copa do Mundo transformou-se, em diversos casos, na construção de projetos alternativos para a manutenção das comunidades, evitando assim as remoções forçadas, e reforçando as reivindicações por melhorias nas mesmas. Podemos citar como casos mais emblemáticos disso, a construção do projeto alternativo da Vila Autódromo (mais barato e eficiente que o projeto do Governo), o projeto alternativo da Favela da Paz, no bairro de Itaquera, em São Paulo, as alternativas técnicas e locacionais ao Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), em Fortaleza, construída pelos moradores das comunidades ameaçadas de remoção e contando com o apoio de setores das Universidades comprometidos com um projeto popular de cidade e de país. Em Natal, a luta da comunidade forçou um decreto municipal cancelando todas as remoções. Conquistas contra remoções, fruto da resistência também ocorreram em Cuiabá, Porto Alegre, Curitiba e outras cidades-sede.

Para além da luta por moradia, a resistência às violações da Copa também tiveram resultado positivos em outras frentes. Em Belo Horizonte, após as jornadas de junho, os comerciantes da feira do Mineirinho ganharam o direito de voltar ao trabalho e recuperaram mais de 400 empregos perdidos em nome da Copa. As baianas estão garantindo seus direitos de volta em Salvador, direitos que foram destruídos em favor do McDonalds. Em Brasília, o GDF já está acuado na idéia de transformar o Mané Garrincha em um shopping center, apesar de ainda não ter desistido da privatizar o estádio, mesmo depois de torrar R$1,8 bilhões na mais cara das obras. No Rio de Janeiro, após muita luta, o Governo Cabral foi obrigado a cancelar a destruição do Museu do Índio, do Estádio de Atletismo Célio de Barros, do Parque Aquático Julio de Lamare e da Escola Municipal Friedenreich. Todos, no projeto inicial da privatização do Maracanã, virariam um estacionamento. O governo desistiu também da privatização do Maracanã após a bela campanha: “O Maraca é nosso!”.

Mas nem só de resistência vive a luta contra a Copa da Fifa. Outra iniciativa muito rica tem sido a construção de cartografias sociais, que surgem a partir da necessidade das comunidades fazerem frente aos mapas frios apresentados pelos governos que, invariavelmente, escondem o que existe de vida nessas comunidades, os laços afetivos, os lugares de lazer e os símbolos de luta etc., apresentando somente a infra-estrutura, negligenciando ou mesmo ignorando partes importantes das comunidades. No processo de criação dessas “cartografias insurgentes”, no qual as comunidades dão as coordenadas, assim como de projetos alternativos, os moradores têm a oportunidade de conhecerem melhor a sua própria realidade, fortalecendo a identidade comunitária, elevando o nível de consciência e de pertencimento ao local. O resultado do processo de construção desses também servem de instrumento na luta de contra-informação nos processo de negociação com os governos. As próprias jornadas de junho, alimentadas pela crítica da Copa, trouxeram um novo patamar para a luta social no Brasil e no mundo.

A nosso ver, não restam dúvidas de que tais alternativas produzidas pelos próprios moradores das comunidades ameaçadas de remoção colocam o processo de luta em outro patamar qualitativo, saindo de uma luta de mera resistência e fazendo-os partir para uma contra-ofensiva. São experiências de processos organizativos autogeridos que apontam, em linhas gerais, para um modelo de produção do espaço urbano desde os de baixo. Constituem-se também como os ensaios de um modo outro de fazer luta e de produzir o espaço banal. Este é o legado que a luta contra as violações da copa pode trazer. Este legado é muito maior que aqueles que tentam ser vendido pelos governos.

6 – E se não tiver Copa?

Se vai ou não ter Copa, nós não sabemos, contudo, consideramos legítima a palavra de ordem “Não vai ter Copa!”, surgida no calor das ruas durante as manifestações do ano passado. Seria uma demonstração extraordinária que o Brasil daria ao mundo, caso as manifestações tomassem uma proporção tal que a Copa fosse adiada ou mesmo cancelada. Contudo, o mais importante disso é muito mais o processo pelo qual o país está passando para receber o megaevento, do que o seu resultado final. Quando imaginaríamos que em pleno jogo do Brasil, durante a Copa das Confederações, haveria mais gente se manifestando fora do estádio Castelão, em Fortaleza, do que torcendo dentro do mesmo? Quem imaginava que o povo brasileiro iria se insurgir contra a realização do principal evento de futebol do mundo, “contra” a nossa “paixão nacional”? Quem ousa subestimar a capacidade de compreensão do povo quando seus direitos são violados? O governismo aposta na desmobilização e no ufanismo, nós apostamos na auto-organização popular. Após a realização no Brasil, a Copa do Mundo e as Olimpíadas nunca mais serão as mesmas!

A Copa, enquanto evento esportivo, enquanto jogo de futebol entre seleções nacionais, poderia ocorrer hoje, assim como poderia ocorrer desde o dia da escolha do Brasil como país-sede. Afinal, o que não faltam aqui são estádios, locais para treinamento, hotéis luxuosos e com segurança para as seleções. Além disso, o Brasil conta com grande experiência na organização de megaeventos esportivos, recebemos todo ano a Fórmula 1, que conta com patrocinadores tão influentes quanto a FIFA e recentemente os Jogos Panamericanos, pra citar apenas dois exemplos. Portanto, não seria necessário todo esse investimento financeiro para a realização dos jogos em nosso país.

Contudo, é preciso compreender que a Copa do Mundo e Olimpíadas não são meramente megaeventos esportivos, por isso ocorrem tantos problemas relacionados a elas. Tudo o que está sendo feito até agora, conforme demostramos, são obras e projetos pra avançar na cidade de exceção, aproveitam-se do amor que o povo brasileiro tem pelo futebol para avançar no que alguns chamam de “democracia direta do capital”. Permanece atual a frase proferida pelo saudoso Sócrates, ídolo da seleção brasileira: “Basta o amor pelo esporte para hipnotizar desavisados!”. Somos contra este modelo de Copa pois é um modelo que exclui e segrega, um modelo burguês. Por isso, mais do que nunca é preciso difundir o questionamento: Copa pra quem?

As mobilizações têm que ocorrer. Pior que não ter copa, seria o povo não ter direito a voz por medo,  repressão policial ou por se acomodar frente às mentiras expostas na mídia diariamente.

7 – A luta contra o legado negativo da Copa está na ordem do dia!

Diversas iniciativas de organização popular têm ocorrido desde que o Brasil foi escolhido como país-sede da Copa e das Olimpíadas. Uma delas foi a criação, em todas as 12 cidades-sede, dos Comitês Populares da Copa, que juntos formaram a Articulação Nacional dos Comitês Populares (ANCOP). Os Comitês Populares têm sido, a partir do final de 2009, um instrumento fundamental na contraposição ao oba-oba que os governos, Fifa e mídia tentam fazem em torno da Copa e das Olimpíadas. Os ensaios insurgêntes de junho de 2013 demonstraram que essa tentativa de transformar o Brasil num grande circo dos megaeventos esportivos é, na verdade, um pretexto ótimo para a burguesia implementar o seu projeto está sendo em vão. Não à toa que os governos e a Fifa foram dois dos principais alvos dos manifestantes daquele mês histórico de 2013. Precisamos consolidar esse processo no decorrer deste primeiro semestre de 2014! É tarefa de todas(os) fazer com que 2014 siga os passos e fortaleça ainda mais as lutas de 2013, neste sentido, será necessário nos voltarmos fortemente para o trabalho de base, afinal, não está dado que as manifestações de julho de 2014 vão repetir ou mesmo ser ainda mais fortes que as de junho de 2013.

Até o dia 20 de janeiro podemos ajudar a eleger a Fifa a pior corporação do mundo na votação mundial organizada pelo Public Eyes Awards (http://bit.ly/votefifa), o que já seria um ótimo passo para mostrarmos que ela não é bem vinda no Brasil e, assim, já irmos criando o clima favorável às mobilizações. Também dentro do calendário de mobilização para o semestre, a atividade mais importante e que contará com enorme esforço da ANCOP será a realização do Encontro Internacional dos Atingidos por Megaeventos e Megaprojetos, que deve acontecer na segunda quinzena de abril, em Belo Horizonte. Além disso, para os moradores das cidades-sede da Copa, os Comitês Populares podem ser um espaço prioritário de atuação da militância, com intuito de fortalecer a luta contra as violações, contra o modelo excludente de cidade e de trabalhar por uma Copa de Mundo de muitas mobilizações!!

Mais informações:

(Por André Lima e Francisco Carneiro, militantes dos Comitês Populares da Copa de Fortaleza e Brasília, respectivamente, e da Insurgência)

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