ENQUANTO ISSO, TODOS NÓS ESTAMOS PAGANDO PARA SER CONTAMINADOS...
Fernando Carneiro, O
GLOBO 24 janeiro de 2014
O agronegócio
brasileiro vem pressionando a Presidência da República e o Congresso para
diminuir o papel do setor de saúde na liberação dos agrotóxicos.
O Brasil é o maior
consumidor desses venenos no planeta e a cada dia se torna mais dependente
deles. Qual o impacto que essas medidas terão na saúde da população brasileira?
No Brasil, a cada
ano, cerca de 500 mil pessoas são contaminadas, segundo o Sistema Único de
Saúde (SUS) e estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os brasileiros estão
consumindo alimentos com resíduos de agrotóxicos acima do limite permitido e
ingerindo substâncias tóxicas não autorizadas.
Em outubro, a
Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) revelou que 36% das amostras
analisadas de frutas, verduras, legumes e cereais estavam impróprias para o consumo
humano ou traziam substâncias proibidas no Brasil, tendência crescente nos últimos
anos.
Os agrotóxicos
afetam a saúde dos consumidores, moradores do entorno de áreas de produção
agrícola ou de agrotóxicos, comunidades atingidas por resíduos de pulverização
aérea e trabalhadores expostos.
Mesmo frente a esse
quadro, mais dramática é a ofensiva do agronegócio e sua bancada ruralista para
aprofundar a desregulamentação do processo de registro no país.
Qualquer agrotóxico,
para ser registrado, precisa ser analisado por equipes técnicas dos ministérios
da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Inspirados na CTNBIO, instância criada
para avaliar os transgênicos, que até hoje autorizou 100% dos pedidos de
liberação a ela submetidos, os ruralistas querem a criação da CTNAGRO, na qual
o olhar da saúde e meio ambiente deixaria de ser determinantes para a decisão.
Quem ganha e quem
perde com essa medida? Não há dúvida que entre os beneficiários diretos está o
grande agronegócio, que tem na sua essência a monocultura para exportação. Esse
tipo de produção não pode viver sem o veneno porque se baseia no domínio de uma
só espécie vegetal, como a soja. Por isso, a cada dia, surgem novas
superpragas, que, associadas aos transgênicos, têm exigido a liberação de
agrotóxicos até então não autorizados para o Brasil. O mais recente caso foi a autorização
emergencial do benzoato de amamectina usado para combater a lagarta Helicoverpa, que está dizimando as lavouras de
soja de norte a sul do país. A lei que garantiu a liberação desse veneno
tramitou e foi aprovada em um mês pelo Congresso e pela Presidência da
República.
A pergunta que não
quer calar é: no momento em que a população brasileira espera um Estado que
garanta o direito constitucional à saúde e ao ambiente, por que estamos vendo o
contrário?
Na maioria dos
estados brasileiros os agrotóxicos não pagam impostos. O Estado brasileiro tem
sido forte para liberalizar o uso de agrotóxicos, mas fraco para monitorar e
controlar seus danos à saúde e ao ambiente. Enquanto isso, todos nós estamos
pagando para ser contaminados...
Fernando Carneiro é
professor da UNB e coordenador de saúde e meio ambiente da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva
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