segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

MOVIMENTOS SOCIAIS EM CANCUN

De volta de alguns dias de recuperação de forças, estou disponibilizando os dois documentos publicados pelos movimentos sociais e entidades da sociedade civil que estiveram em Cancun, lutando em favor da vida no planeta Terra. Além de traduzir um deles, elaborei um rápida introdução, motivando uma leitura crítica. Espero estar contribuindo para que avance a unidade entre as forças que lutam por mudanças profundas, absolutamente necessárias e urgentes.

Por causa do tamanho dos documentos, seguem em duas postagens. Boa leitura!

Declarações de Cancun
Como já foi tornado público, houve dois espaços de atividades paralelas e duas manifestações públicas das forças alternativas em Cancun: uma denominada Fórum Internacional de Justiça Climática, articulada pelo Diálogo Climático - Espaço Mexicano, e outra denominada Fórum Alternativo Global pela Vida, Justiça Social Social e Ambiental, este articulado pela Via Campesina.
Estamos disponibilizando as duas Declarações, que expressam a reflexão, o posicinamento, os compromissos. É interessante observar se há e quais são as difrenças, examinando se são essenciais ou não. Afinal, é urgente perguntar-nos se não estamos caindo na velha prática das esquerdas de decidir caminhar separados porque se deseja garantir a justeza das próprias posições, revelando as inconsistências ou contradições das outras organizações. Até onde pode levar-nos esse tipo de prática?
O fato é que muitas pessoas do povo, participantes de movimentos populares, se perguntavam, tristes, nas ruas de Cancun: por que não estamos todos juntos na manifestação pública?
Quais os motivos para estarmos com duas, no mesmo dia e horário, em lugares diferentes? Não seríamos mais fortes se caminhássemos juntos?
Sempre gostei de não ser ingênuo, mas gostei mais ainda de buscar todas as formas possíveis de unir forças para enfrentar os poucos mas poderosos que exploram e agridem os direitos dos povos, das pessoas e da Terra.
Por isso, está feito o convite: leiam as duas Declarações e, a partir delas, provoquem diálogos nos movimentos e entidades para verificar se estamos unindo nossas forças ou se estamos facilitando o trabalho de quem deseja tudo para si, mesmo a vida da Terra.
Abraços.
Ivo Poletto
Declaração de Cancun
Fórum Internacional de Justiça Climática

1. Convocada por centenas de organizações mexicanas e internacionais de todos os continentes, trabalhadores, camponeses, povos indígenas, organizações de mulheres, do movimento popular urbano, ambientalistas, ONGs, ativistas, intelectuais, nos reunimos em Cancun de 05-10 dezembro ao mesmo tempo em que se realizaram as negociações na COP 16. Chegamos em Cancun, como parte de um processo longo e intenso de educação popular, oficinas e debates, no México e com os nossos parceiros internacionais, para avançar na construção de um entendimento comum, consensos e propostas unitárias para ir conformando um grande sujeito nacional e internacional plurissetorial e unitário, capaz de exigir que os governos mundiais cheguem a acordos vinculativos, verificáveis, justos e com sanções para os não os cumpram; acordos que enfrentem as causas profundas e estruturais da crise climática, provocadas pelo modelo de produção consumo que concebe a naturezacomo fonte de recursos e lucros e não como a Pacha Mama, em que é necessário viver em harmonia, equilíbrio e justiça. A urgência de soluções frente à realidade e aos efeitos sociais e ambientais do aquecimento global não pode esperar o realismo político e o conformismo dos poderosos que colocaram em risco a sobrevivência do planeta.

Neste processo, organizamos o Diálogo Climático – Espaço Mexicano e um amplo comitê internacional que busca a unidade com aqueles que lutam para salvar este planeta, e nós acreditamos que é prioritário e necessário promover transformações sistêmicas.
2. Diante de um modelo de civilização capitalista e patriarcal, que coloca no centro do lucro privado acima de qualquer coisa, nós promovemos uma nova civilização em que o centro seja a vida em todas as suas formas. A crise climática é o fruto da civilização do lucro e do esgotamento dos recursos naturais. Suas verdadeiras e profundas soluções estão na promoção da civilização da vida e não no mercado. Muitos governos ainda acham que só se pode parar a crise climática se houver lucros, e promovem, por isso, "soluções de mercado", que são apenas negócios para tentar resolver o que provocaram com seus próprios negócios predadores. Nós, como parte do povo que desejamos mobilizar, não temos negócios a faze com o clima; queremos mudar o sistema como única forma de superar a crise climática e continuar vivendo sob o abrigo da nossa Pacha Mama, para as gerações vindouras
3. Exigimos dos governos para parem de ficar dando voltas e cheguem a compromissos vinculativos de redução das emissões de gases de efeito estufa nas quantidades necessárias (50%), para estabilizar o aumento da temperatura global em um máximo de 1,5 ° C. Isto exige a adoção de um 2 º período de compromissos do Protocolo de Quioto. O volume de redução de emissões deve ser definido pela ciência, tendo como critério a salvação do planeta, e não o que cada país esteja disposto a oferecer. Este volume necessário deve ser assumido pelos que mais emitiram, como estabelece o Acordo-Quadro entre as partes e o operacionaliza o protocolo de Quioto. As responsabilidades e os compromissos devem ser proporcionais às emissões acumuladas.

4. O nível necessário de reduções de emissões não pode ser colocado em prática sem uma transição justa para uma profunda mudança no padrão de produção e consumo, que inclui uma mudança na matriz energética rumo às energias limpas, mas sem ocupação de territórios indígenas ou os essenciais para a agricultura , a segurança e a soberania alimentar. A transição também deve ser justa para os trabalhadores e não destruir empregos sem a criação de mais postos de trabalho decente e políticas públicas para inserir novamente antigos trabalhadores no novo tipo de trabalho decente hoje necessário.

5. Exigimos justiça climática. O que mais agrediu a Mãe Terra tem obrigação de reduzir mais suas emissões, reparar os danos e transferir apoios financeiros e tecnológicos aos países do Sul, para enfrentar o problema. Os apoios financeiros e tecnológicos não devem ser empréstimos, e sim reparações e reconhecimento da dívida ambiental. Nem devem ter outra condicionalidade além do uso para mitigar a mudança do clima, para adaptar-se e enfrentar os problemas sociais, econômicos e ambientais causados por este. Estes recursos não devem ser administrados pelo Banco Mundial nem por quaisquer instituições financeiras internacionais e bancos privados, que promoveram o modelo neoliberal e predador.

6. A crise climática não só tem causas claras; ela tem responsáveis evidentes: os países altamente industrializados e suas corporações transnacionais. Ninguém deve fugir à sua responsabilidade, mas deve ser ratificado o princípio da Convenção: "todos somos responsáveis, mas essas responsabilidades são diferentes."

7. Opomo-nos às falsas soluções: mercados de carbono e da biodiversidade, biocombustíveis, represas, captação e armazenamento de carbono e biochar. Somos contra a mercantilização da vida. A solução está no enfrentamento das causas sistêmicas na forma de produzir e consumir.

É preciso
reflorestar com plantas nativas, utilizando práticas tradicionais das comunidades indígenas, camponesas e das mulheres, evitar o desmatamento e a degradação do solo, gerada pela mesma exploração das florestas e pela extração de seus recursos naturais; é ncessário o pleno respeito aos direitos das comunidades que as habitam, respeitando a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIPs); especialmente em relação aos povos indígenas e populações tradicionais, que nos dão um exemplo de gestão sustentável das suas florestas, deve-se respeitar a consulta livre, prévia e informada para qualquer ação em seus territórios.

a) O programa REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) não garante estes requisitos, mesmo se lhe forem acrescentadas versões que o dissimulam. Seu objetivo é garantir os direitos dos "investidores", por cima dos direitos dos povos que moram e vivem nesses territórios. Enquanto os direitos do detentor dos bonos são decididos em tribunais criminais ou de negócios que têm reais e efetivos mecanismos para exigir que sejam cumpridos, não acontece a mesma coisa com os direitos humanos.

b) O REED visa incorporar ao mercado terras férteis, ricas em água e recursos naturais, e para isso elaboram acordos comerciais destinados a buscar o controle do território por parte daqueles que fornecem fundos, violando a soberania territorial e impedino que as comunidades que os habitam os usem para sua vidas cotidiana, apesar de todos sabem que os que os desflorestam e degradam não são as comunidades o povos indígenas, mas as empresas mineradoras, madeireiras, agroindustriais e petroleiras. Em suma, é uma anti-reforma agrária em escala global. Por todas estas razões, consideramos o REDD como mais uma das falsas soluções e rechaçamos sua implementação.

c) Os Bonos de Carbono não reduzem as emissões, têm sido um mecanismo para compensar a não-cumprimento dos compromissos de redução de emissões pelos países do Norte com a compra de direitos de emissões de outros países.

8. Vemos com profunda indignação as tácticas dos países industrializados que pretendem acabar com o Protocolo de Quioto e da Convenção e que utilizam as promessas de financiamento para quebrar vontades, dividir grupos como o G 77 + China, isolar a Bolívia e os países da ALBA, culpando-os pelo fracasso da COP16. Os verdadeiros culpados por este fracasso são os países que continuam promovendo falsas soluções.

A única coisa que interessa do Protocolo de Quito para alguns países do Norte é a base jurídica dos mercados de carbono. Por isso, eles querem passar essa base ao texto de negociação do grupo de Ação Cooperativa de Longo Prazo (AWG-LCA). Esta é mais uma prova da tentativa de alguns países de fugir dos compromissos de redução das emissões, garantindo simultaneamente a continuidade e a expansão dos mecanismos de mercado, mesmo depois de acabarem com o Protocolo de Quioto.

Nós nos opomos às tentativas de não implementar o segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto. Corremos o risco de uma reversão do que foi alcançado em 18 anos de negociações, em particular a perda de princípios de justiça que havia sido ganha na Convenção. Mais ainda, de que se destrua o marco de negociações multilaterais sobre a mudança climática na ONU e fiquemos à mercê das grandes corporações e seus governos. Com a aprovação do acordo de Copenhaguen se aceitam os mecanismos excludentes de negociação. O processo de Cancún tem sido antidemocrático, excludente e pouco transparente, tanto com os governos como com os povos; exemplo disso foi a expulsão de observadores e observadores da sociedade civil das negociações por expressarem sua rejeição às falsas soluções.
9. Temos propostas de fundo e viáveis, presentes no Acordo dos Povos. Nós as apresentamos à opinião pública e aos governos, mas muitos governos estão presos no discurso de compromissos viáveis, isto é, que sejam aceitáveis para aqueles que pensam em seus negócios, ou mais ainda, em fazer novos negócios. O enfoque dos movimentos sociais é outro: é a evidência do drama que já se vive em alguns lugares pela crise climática, que tende a aprofundar-se rapidamente e a se espalhar. Exigimos soluções reais, que não podem ser deixadas nas mãos do mercado, mas que, pelo contrário, são da responsabilidade dos governos.
 10. Conseguir a sobrevivência de nossa Mãe Terra e a vida nela implica reduzir drasticamente as emissões adotando compromissos vinculantes e criando um tribunal para puna fortemente os que não os cumprirem. Isso, a partir da perspectiva de Justiça Climática, implica responsabilidades diferenciadas, fundos de apoio público nacionais e estrangeiros (não crédito) como pagamento dos  danos causados e não geridos pelo Banco Mundial.

 * Transitar com a justiça para um novo modelo de produção e consumo não desenvolvimentista;

* Com limites crescentes a todas as formas de depredação da natureza;

* Transição para uma nova matriz energética;

* Privilegiar os mercados locais, que evitam uma grande liberação de gases de efeito estufa associados à importação e exportação. O livre mercado global diz que torna os produtos de consumo mais baratos, mas se forem  internalizados os custos ambientais, ver-se-ia que o barato sai caro.

* Um novo, ou melhor, um ancestral modelo de produção agrícola, silvícula e de pecuária baseado na produção ecológica e orgânica familiar para mercados locais e que busque a segurança e soberania alimentar, com sementes crioulas. Com políticas e apoios adequados, os camponeses não só pode alimentar a huamnidade, mas também ajudar a diminuir as emissões significativamente.

* Todas as verdadeiras soluções incluem o respeito integral a todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais, dos povos indígenas e de gênero.

Nossas demandas são parte da torrente de lutas contra o livre comércio e o modelo neoliberal realizadas em escala mundial através de mobilizações paralelas às reuniões do G-20, da OMC e das negociações de Tratados de Livre Comércio.

Nós nos comprometemos a:
- Continuar avançando na construção de um forte movimento multissetorial e unificado em defesa da natureza através da conscientização, da educação e da organização a partir da base.
- Aprofundar-nos em nossas propostas, refletidas no Acordo de Cochabamba.
- Avaliar as possibilidades e as modalidades de uma consulta popualr referendo, a conveniência de uma nova Cúpula dos Povos, bem como de outras formas de envolvimento de outros setores populares.
- Aumentar a organização e capacidade de pressão sobre os governos nacionais e em âmbito mundial
Mudemos o Sistema, não o Clima!
 Fora o Banco Mundial do Clima!
Cancun, 10 de dezembro de 2010.


Nenhum comentário:

Postar um comentário